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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.42 Canoas dez. 2013
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Importância da psicoeducação em grupos de dependentes químicos: relato de experiência
Importance of psychoeducation in addiction groups
Marianne FarinaI; Lauren Bulcão TerrosoI; Regina Maria Fernandes LopesII; Irani I. de Lima ArgimonI
I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
II Universidade de Santa Cruz do Sul
RESUMO
O uso de substâncias psicoativas é um grave problema de saúde pública. A terapia cognitivo-comportamental apresenta diversas formas de tratamento para a dependência química, utilizando-se de diversas técnicas, sendo a psicoeducação uma intervenção técnica valiosa nessa área. Este estudo teve como objetivo fazer um levantamento acerca de aspectos relevantes que ocorreram ao longo de sessões de psicoeducação em uma comunidade terapêutica. A partir dos relatórios feitos a cada sessão foram verificados os aspectos mais importantes para serem descritos neste estudo. Pode- se verificar que a experiência foi extremamente rica para os pacientes. Através do entendimento da doença, bem como esclarecimento de dúvidas, os pacientes se sentiam melhor compreendidos o que possibilitava uma maior consciência, motivação e esperança para a realização de um tratamento eficaz e com maior chance de sucesso. Salienta-se a importância da psicoeducação em grupo como técnica para engajar os pacientes no tratamento bem como ampliar o sentimento de mútua ajuda entre eles.
Palavras-chave: Dependência química, Grupos terapêuticos, Psicoeducação.
ABSTRACT
The use of psychoactive substances is a serious public health problem. The cognitivebehavioral therapy has several forms of treatment for chemical dependency, using various techniques, being the psychoeducation a valuable intervention technique in this area. This study aimed to survey about relevant aspects that occurred over sessions of psychoeducation in a therapeutic community. From the reports that were made each session were recorded the most important aspects to be described in this study. It can be found that the experience was extremely rich for patients. By understanding the disease, as well as answering questions, patients felt themselves better understood which enabled a greater awareness, motivation and hope for the realization of an effective treatment and greater chance of success It has been pointed out the importance of group psychoeducation as a technique to engage patients in treatment as well as broaden the sense of mutual help among them.
Keywords: Addiction, Group therapy, Psychoeducation.
Introdução
Estudos relatam que há variação apenas na quantidade e forma de uso uma vez que o consumo de drogas psicoativas sempre existiu na história da humanidade, porém, o assunto se torna grave quando este consumo torna-se exagerado e gera dependência em longa escala (Hayashi, Nosyk, Suwannawong, Kaplan, Wood & Kerr, 2013; Pinsky & Bessa, 2004; Roehrs, Lenardt & Maftum, 2008). Antigamente a dependência química não era considerada uma doença, a sociedade acreditava que a pessoa portadora tinha falta de vergonha, falta de vontade e por isso não conseguia parar de usar drogas (Possidente, Fernandes, Burel & Alves, 2008).
O diagnóstico de dependência de substâncias passou por uma evolução ao longo das últimas décadas, já que deixou de ser apenas um sintoma associado a outros transtornos. A partir do terceiro Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM III, 1980), houve uma relevante mudança no conceito deste transtorno através da classificação do abuso de substâncias. Mas somente em 1994, no DSM IV, o abuso de substâncias é apresentado como um diagnóstico distinto e com sintomas específicos (DSM-IV, 1994). Neste manual foi apresentado o conceito atual, que traz critérios diagnósticos claros, apontando para diferentes graus de dependência e a ocorrência da síndrome de dependência, baseada em sintomas e sinais que variam ao longo de uma linha contínua, sendo reconhecida pela psiquiatria como uma patologia que necessita de atenção, cuidados e tratamento específicos (Possidente, et al., 2008).
O uso abusivo de substâncias psicoativas, atualmente, é um grave problema da sociedade e de saúde pública (Pratta & Santos, 2009). A dependência de drogas envolve o desejo compulsivo de obtenção da substância, a qualquer custo, sendo uma necessidade tanto psicológica quanto biológica. Esta dependência engloba um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos que indicam que o individuo utiliza e/ou segue utilizando, determinada substância apesar dos problemas que esta possa causar (DSM-IV-TR, 2002). Fatores como comorbidades e características sociodemográficas influenciam o início do uso de drogas e evolução deste para a dependência química (Oliveira, Szupszynski & DiClemente, 2010).
No que se refere as modalidades de tratamento para a dependência química, nas últimas décadas houve um avanço considerável da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Dentre as escolas de psicoterapia, a eficácia da TCC no tratamento da dependência química tem se mostrado importante, por possuir fundamentação teórica e técnicas consistentes para este problema (Cooper, 2012; Silva & Serra, 2004).
A TCC é uma terapia que se caracteriza por ser uma abordagem estruturada, na qual terapeuta e cliente possuem papéis ativos. Esta é voltada para o presente e se utiliza de técnicas específicas, cognitivas e comportamentais, que visam modificar os padrões de pensamentos e crenças que trazem sofrimento e/ou distúrbios psicológicos (Arch & Ayers, 2013). Para Beck (2013), o principal papel do terapeuta é buscar de diversas formas uma mudança cognitiva nos seus pacientes, seja em terapia individual ou grupal, fazendo com que os pacientes passem a mudar de maneira emocional e comportamental, transformando suas crenças e pensamentos disfuncionais e por fim obtendo mudança de atitude e comportamento. Alguns autores enfatizam que trabalhar junto com o paciente e suas dificuldades leva a novos conhecimentos sobre a sua problemática e demanda, e com isso, acaba por estimular diretamente o vínculo entre terapeuta e paciente, o que primordial na TCC (Arch & Ayers, 2013).
Para Beck (2013) o formato da TCC que segue abaixo focaliza a atenção sobre o que é mais importante de ser abordado e estrutura o uso do tempo da terapia. Segundo Figlie, Bordin e Laranjeira (2010) a terapia cognitiva para usuários de drogas tem os seguintes componentes essenciais:
a) relacionamento terapêutico colaborativo: sendo necessário haver empatia e vínculo terapêutico, pois há grande risco do paciente abandonar a terapia prematuramente;
b) conceituação cognitiva do caso: onde se integra informações pessoais, perfil cognitivo e do desenvolvimento da psicopatologia do paciente;
c) estrutura: é essencial para psicoterapia, principalmente no caso de usuários de drogas, que frequentemente tem uma vida instável ou caótica;
d) técnicas cognitivo-comportamentais: objetivam examinar as crenças relacionadas às drogas, de modo a debilitar as crenças permissivas relacionadas ao uso da droga e fortalecer as crenças de não uso.
A estrutura da sessão de terapia (tanto individual como grupal) dentro do enfoque cognitivo-comportamental, conforme mostram Figlie et al., (2010), segue as seguintes etapas:
- avaliação do humor: visa ajudar o terapeuta a ter uma rápida ideia de como o paciente sentiu-se durante a semana;
- definição da agenda: colaborativamente, paciente e terapeuta listam os tópicos dos assuntos que serão falados na sessão;
- revisar brevemente o problema: isso é feito apenas na primeira sessão. Serve para certificar o motivo pelo qual o paciente está em tratamento;
- identificação de problemas e estabelecimento de metas: colaborativamente, paciente e terapeuta estabelecem os objetivos a serem alcançados com a terapia;
- resumo da sessão anterior: é feito na segunda e nas demais sessões. O seu propósito é uma breve verificação da percepção e do entendimento do paciente a respeito da sessão anterior;
- revisão da tarefa de casa: esse item é verificado a partir da segunda sessão. A tarefa de casa reforça o comportamento e expressa o valor do trabalho entre as sessões;
- discussão dos itens da agenda: sendo importante manter-se focado nos tópicos já selecionados, para evitar a tendência de pular de um assunto para o outro;
- resumos periódicos: o terapeuta resume a essência das declarações, assegurando-se de que identificou corretamente o que é mais problemático para o paciente e utilizando sempre que possível, as palavras dele;
- educar o paciente sobre o modelo cognitivo: o terapeuta deve utilizar uma linguagem adequada e explicar os pressupostos teóricos da terapia cognitiva;
- identificar expectativas do paciente em relação à terapia: muitos pacientes vem para a terapia acreditando que se trata se algo místico e cabe ao terapeuta desmistificar essa crença e explica que esse tipo de terapia é ordenado e racional;
- educar o paciente sobre seu transtorno: é importante que o terapeuta forneça informações ao paciente de seu transtorno, de modo que o paciente possa começar a atribuir alguns de seus problemas ao transtorno, através dessa psicoeducação;
- prover um resumo: o resumo da sessão feito pelo terapeuta acaba por unir e reforçar os pontos importantes abordados na terapia, sendo que à medida que a terapia progredir o paciente deve ser encorajado a fazer ele mesmo o resumo da sessão (Beck, 2013);
- estabelecer tarefas de casa: as tarefas devem ser expressas em termos comportamentais, ser claras, objetivas e ter por base à problemática do paciente e relacionadas aos itens discutidos (Beck, 2013);
- obter o feedback: pedir e fornecer feedback fortalece o rapport e é uma oportunidade do paciente se expressar e de corrigir possíveis mal-entendidos.
Dentre as técnicas mais utilizadas na TCC destaca-se a psicoeducação que consiste na transmissão de informação acerca do problema do indivíduo, elucidando-o sobre aspectos da psicopatologia (Figueiredo, Souza, Dell'Áglio & Argimon, 2009). Esta intervenção se caracteriza por informar ao paciente dados sobre o seu diagnóstico, a etiologia, o funcionamento, o tratamento mais indicado e o prognóstico de sua doença. Cabe à aplicação desta técnica, também, esclarecer informações insuficientes ou distorcidas, tendo em vista a importância de um conhecimento amplo do paciente sobre seu problema (Menezes & Souza, 2012; Swadi, Bobier, Price & Craig, 2010). O terapeuta pode utilizar muitas maneiras de psicoeducar o paciente, muito além de uma explicação na sessão, como por exemplo: levar revistas, indicar livros, sites, entre outras (Colom & Vieta, 2004). A psicoeducação acerca da psicopatologia, além de aumentar a motivação para a mudança, estimula a participação pró-ativa do paciente na recuperação (Knapp, 2004). Esta técnica também está associada a maior satisfação com o tratamento psicológico, maior aderência e redução de recaídas (Burlingame, Ridge, Matasuno, Hwang & Ernshaw, 2006), podendo ser feita através de atribuição de tarefas a serem feitas em casa, encontros individuais ou sessões de grupo (Daele, Hermans, Audenhove & Bergh, 2012).
A psicoeducação em grupos tem uma influência importante no tratamento da dependência química já que autores apontam resultado positivo em relação ao consumo de drogas após intervenções grupais de psicoeducação (Andretta & Oliveira, 2011). Tendo como principal proposta educar, a psicoeducação em grupos possibilita novos conhecimentos sobre as suas demandas e também ajuda diretamente no vínculo entre terapeuta e pacientes, facilitando o entendimento de seus problemas, doenças, ao esclarecer dúvidas e mostrando que os pacientes são ativos na terapia. De acordo com Figlie et al., (2010) a sua ampla utilização tem como base o consenso de vários especialistas, que a consideram uma intervenção valiosa, que pode ser aplicada no tratamento de diferentes substâncias químicas. Apesar de ser uma técnica característica da teoria cognitivo-comportamental, os autores Bäuml, Froböse, Kraemer, Rentrop e Pitschel-Walz (2006), apontam a psicoeducação como uma técnica independente desta abordagem, podendo ser utilizada como intervenção cognitiva isolada.
Intervenções cognitivas em grupo promovem maior desenvolvimento dos relacionamentos interpessoais e do apoio mútuo entre os pacientes. Caracteriza-se um grupo terapêutico, quando há o encontro entre duas ou mais pessoas com uma frequência preestabelecida, que tenham objetivos próximos e que uma delas, geralmente o terapeuta, tenha um conhecimento mais aprofundado sobre esta "queixa" comum no grupo. Sendo necessário uma sala, um contrato de sigilo, horários e dias fixos. Então, atendimento grupal tem destaque, pois auxilia para um trabalho de educação e mudanças de hábitos (Sobell & Sobell, 2013; Zimerman & Osório, 1997). Com o passar dos anos, a psicoterapia de grupo vem sendo um dos instrumentos mais populares para o tratamento com dependentes químicos e, em suas variadas modalidades, costumam integrar os mais diferentes tipos de programas terapêuticos (Fligie et al., 2010).
Na dependência química, o trabalho com a motivação para o tratamento também é essencial. Essa motivação pode ser elevada ou diminuída devido a impulsos, necessidades (reforço, punição) e excitação, como coloca Gazzaniga (2007) quando afirma que para compreender a motivação humana, é necessário atravessar os níveis de análise para examinar tanto as bases intencionais (cognitivas) como as reguladoras (fisiológicas) do comportamento.
Os grupos psicoeducacionais podem trabalhar diretamente essa motivação, possibilitando que os pacientes possam encontrar motivações para o tratamento, além do próprio bem, mostrando-lhes como a sua motivação vai influenciar na adesão ou não do processo de tratamento e da sua recuperação. Para Figlie et al., (2010) a mudança de um estágio motivacional, da pré-contemplação, que o indivíduo não vê males em usar a substância, para um estágio de contemplação, onde a pessoa já começa a perceber os malefícios da droga, passa a ser uma forma de mudança, mesmo que este ainda não tenha decidido pontualmente em parar o consumo.
Devido ao exposto, o presente artigo objetiva realizar um relato de experiência sobre a TCC e uso da sua técnica de psicoeducação em grupos de dependentes químicos. Pretende-se fazer um levantamento acerca de aspectos relevantes que ocorreram ao longo de sessões de psicoeducação em uma comunidade terapêutica. A intervenção teve como objetivo psicoeducar os pacientes em relação a aspectos importantes da dependência química, uma vez que o conhecimento a respeito da teoria traz benefícios ao tratamento. A intervenção foi realizada em grupo pois também almejava promover a troca de experiências entre os membros bem como a relação de mútua ajuda. Para compreender o uso desta técnica, deve-se ter conhecimento dos conceitos de terapia cognitivo-comportamental, de dependência química e de psicoeducação.
Método
Trata-se de um relato de experiência. O tema abordado refere-se a psicoeducação através da abordagem cognitivo-comportamental em grupos de dependentes químicos. Foi realizada uma revisão bibliográfica dos eixos norteadores da pesquisa: psicoeducação, dependência química e grupos terapêuticos, bem como a descrição da aplicação destes conceitos à prática que foi realizada.
Assim realizou-se a descrição de um grupo de abordagem cognitivo-comportamental com ênfase na técnica de psicoeducação com dependentes químicos. A observação ocorreu durante o ano de 2012, ocorrendo a partir da realização do grupo terapêutico, que faz parte de uma das atividades realizadas pela equipe de psicologia em uma unidade de internação em dependência química.
O grupo descrito no presente artigo foi realizado com os pacientes durante a internação no local, sendo que todos apresentaram algum grau de dependência química, podendo apresentar outras comorbidades. Em relação as características deste grupo cabe salientar que era composto por doze pacientes do sexo masculino com idades entre 18 e 50 anos. Quanto ao tempo que frequentavam o local os participantes tinham entre 3 semanas e 1 mês de internação.
Na admissão dos pacientes na Instituição, estes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para possíveis publicações de conteúdo trabalhado nos grupos. O projeto do presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Para a realização deste estudo, as psicoeducadoras fizeram um levantamento de aspectos importantes após cada encontro. Ao final do trabalho foi realizada uma descrição acerca das intervenções, onde, junto a uma fundamentação teórica foi realizada uma análise do que foi desenvolvido, e os aspectos mais importantes da experiência foram descritos no presente artigo.
Resultados
Ao realizar o grupo de psicoeducação, inicialmente os pacientes chegavam à Unidade onde estavam internados e eram convidados a participar do grupo. Eram observados inicialmente, o estágio de prontidão para mudança em que estes se encontravam embasado na teoria que considera que o indivíduo, para mudar, transita em quatro estágios bem-definidos, sendo esses: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção (Bittencourt, 2009). Pode-se observar que muitas vezes eles não tinham motivação para a atividade, em função de estarem pré-contemplativos em relação ao tratamento, ou seja, estarem no primeiro estágio do modelo de prontidão que corresponde a fase em que o indivíduo não contempla a mudança e não tem intenção de realizá-la.
Também foi observado que o desinteresse dos pacientes novos em participar do grupo era em função de muitas vezes estarem em um período crucial de desintoxicação e também de não desejarem obter informações a respeito de sua doença e das consequências relacionadas ao uso de drogas. À medida em que era dada a evolução do tratamento se pode observar que os pacientes se sentiam mais seguros ao aprender sobre a começando a despertar o interesse pela compreensão de aspectos da dependência química. Além disso, também foi verificado que os pacientes sentiam-se motivados em aprender sobre os sintomas da patologia e sobre como prever recaídas. Estes aprendizados iam favorecendo o reconhecimento de que isso poderia realmente ajudá-los quando já não estivessem no ambiente protegido atual, a internação. Também nas sessões iniciais, eram estabelecidas regras do grupo (não fumar, levantar a mão para falar,...) de modo a possibilitar um bom funcionamento da atividade, sendo importante delimitar o papel de cada um.
Ao iniciar o grupo com os pacientes, era seguida a estrutura indicada por Figlie et al., (2010) que prediz que após os cumprimentos deve-se fazer a avaliação de humor, perguntar como fora a semana, de modo a facilitar uma boa relação terapêutica. Após isso, era estabelecida a agenda, com os tópicos a serem explanados no grupo psicoeducativo. Ao apresentar o conteúdo, eram adiantados alguns tópicos a serem trabalhados para estabelecer a estrutura do encontro. Era visada a participação ativa dos membros do grupo, sempre adaptando a conforme a necessidade. Assim, antes de ser abordado um tema, era realizado um questionamento aos participantes sobre o quanto sabiam sobre o tópico em questão, através de perguntas como por exemplo: "pessoal, o que vocês entendem por dependência química?". Este tipo de intervenção, de perguntar aos pacientes o que eles entendem sobre o assunto, era extremamente utilizada durante o grupo, pois procurava questionar e saber o que os pacientes já conheciam sobre o assunto, de modo a passar da melhor forma o conteúdo e para que eles se sentissem participantes ativos da atividade grupal.
À medida que era explanado sobre drogas e dependência química, se buscava também expressar e conversar de uma maneira e linguagem simples e sem muitas palavras técnicas, usando por vezes seus próprios vocabulários para que pudessem compreendem da melhor maneira o conteúdo. Também, eram dados exemplos para facilitar a compreensão, considerando a classe econômica e seus prejuízos cognitivos. Em uma ocasião, ao explanar a respeito dos critérios de dependência química foi explicado um dos critérios diagnósticos através da frase: "o quinto critério é gastar muito tempo para conseguir obter a droga (por ex., ter que ir caminhar até muito longe para chegar à boca (de tráfico) mais próxima), ou para se recuperar de seus efeitos".
Ao longo das explanações, os pacientes também manifestavam suas vivências, sendo que um deles relatou em uma das sessões: "Eu fui mandado embora do meu serviço, porque eu sempre chegava com ressaca e não trabalhava direito, quebrava tudo lá dentro!". Com isso, as terapeutas sempre se buscavam aceitar as colocações deles, de modo a fazê-los sentirem-se como colaboradores do processo de ensino-aprendizagem, cumprindo assim com um dos objetivos da psicoeducação (Colom & Vieta, 2004).
Outra característica observada, foi que a psicoterapia em grupo realmente propicia o crescimento dos relacionamentos interpessoais e um clima de mútua ajuda entre os pacientes, como é ressaltada por Granda-Orive, Solano-Reina e Jiménez-Ruiz (2012). Muitas vezes, quando um paciente falava sobre seu caso pessoal que era relacionado ao que estava sendo falado no encontro, outro paciente expressava já ter passado pela mesma situação, o que os fazia se sentirem acolhidos e integrados. Para Yalom (2005), esta coesão grupal que ocorre entre os pacientes, promove um sentimento de pertença do individuo ao grupo, de modo a mostrar que tais sofrimentos e problemáticas não ocorrem apenas com ele. Mais um aspecto importante na estrutura da sessão é prover um resumo do que foi visto no grupo, de modo a proporcionar integração dos conteúdos aprendidos. Segundo Beck (2013) o resumo serve para unir e reforçar os pontos importantes abordados na terapia.
Ao finalizar o grupo, é importante pedir e fornecer feedbacks aos pacientes, de modo a fortalecer o rapport, ampliar a percepção e corrigir possíveis dúvidas ou equívocos que ocorrem na sessão (Beck, 2007). Muitas vezes acontecia desta forma: "Ao longo dessas microaulas (nome do grupo psicoeducativo), vocês vão ir conhecendo mais sobre essa "doença" e assim, será possível tratá-la, possibilitando a melhora de vocês... Então, para finalizar, o que vocês acharam do grupo hoje?" e eles respondiam frases do tipo: "Aprendi um monte!", "Bom professora, dá até vontade deixar de usar a droga", "É bom saber dessas coisas que a gente tem".
Ao finalizar o grupo, eram fornecidos feedbacks do tipo: "Achamos o grupo muito rico, que bom que vocês participaram!Pois o que cada um de vocês fala sobre o assunto da aula é importante e válido para o aprendizado e para o funcionamento do grupo". É importante mostrar aos pacientes como fora a percepção dos moderadores em relação ao grupo, ao mesmo tempo, reforçando importância da colaboração e participação ativa deles tanto na atividade como no tratamento para dependência química.
Considerações finais
A partir desse trabalho, pode-se verificar importância do grupo psicoeducativo para pacientes dependentes químicos. Isso se dá em função de acrescentar informações importantes a respeito da psicopatologia, e também pelo clima de integração e mútua-ajuda presente no contexto. Para isto, este estudo procurou realizar um levantamento de aspectos relevantes que ocorreram ao longo da experiência nas sessões psicoeducativas.
Ao longo das sessões de psicoeducação realizadas pode-se observar que muitas vezes os pacientes tinham interesse nas temáticas a serem trabalhadas, mesmo que inicialmente parecessem estar desmotivados e até mesmo aversivos em relação ao tratamento. No entanto, com o andamento da atividade, iam percebendo o valor do grupo, tornando-se mais sérios, respeitosos, colaborativos e participativos, de modo a se beneficiarem com a atividade grupal.
Através das informações fornecidas na atividade, os pacientes tinham a oportunidade de esclarecer medos, mitos e questionamentos em relação a sua situação, sendo isso muito positivo ao tratamento. Para os profissionais que coordenam, esta atividade também gera muito aprendizado, tanto profissionalmente como pessoalmente, em função dessa interação e relação intensa que se tem com os pacientes. Os autores Fontao, Massau, Hoffmann e Ross (2012), enfatizam a importância da psicoeducação para a aliança terapêutica no tratamento de dependentes químicos. Esta consideração pode ser observada nos encontros realizados onde através da explicação simples sobre alguns conceitos da dependência química, os participantes iam expondo suas experiências, demonstrando integração entre eles e a equipe terapêutica.
Assim, a importância do grupo de psicoeducação para dependentes químicos é amplamente percebido, pois este visa diretamente o entendimento do paciente sobre sua própria doença e a troca de experiência entre os membros. O esclarecimento acerca de critérios diagnósticos e crenças a respeito da dependência química contribui para o entendimento desta como doença, o que colabora para os pacientes se sentirem compreendidos, e mais aptos a mudarem.
Constitui uma limitação deste trabalho, a intervenção psicoeducativa ter sido realizada apenas com indivíduos do sexo masculino, fator que impossibilita que as reflexões sejam estendidas para sujeitos de ambos os sexos. O fato de o estudo ter sido realizado em uma comunidade onde os sujeitos estavam internados também pode ser considerado uma limitação na medida que não se pode ver se a psicoeducação contribuiu para a abstinência deles fora do âmbito da comunidade terapêutica.
Mesmo assim salienta-se a importância do presente estudo já que aprender os aspectos do funcionamento da dependência química foi extremamente rico para estes pacientes que estavam internados buscando um tratamento para acabar com o sofrimento que estão passando. Através dessa aprendizagem e consciência, poderá ser possível um tratamento eficaz e adequado. O profissional também obtém benefícios através desta vivência, já que o proporciona uma visão mais ampla e complexa dos indivíduos e de suas psicopatologias através da compreensão das formas de enfrentamento de dificuldades, não apenas relacionadas à dependência química, mas também tantos outros problemas sociais expostos no contexto da intervenção psicoeducativa.
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Endereço para contato
E-mail: mariannefarina@yahoo.com.br
Recebido em junho de 2013
Aceito em agosto de 2013
Marianne Farina: Psicóloga (PUCRS), Mestranda em Psicologia (PUCRS), Bolsista CNPq. Pós-Graduanda em Terapia Sistêmica (INFAPA).
Lauren Bulcão Terroso: Psicóloga (UCPel). Mestranda em Psicologia Clínica (PUCRS). Especialização Psicoterapia Cognitivo- Comportamental (Wainer e Piccoloto).
Regina Maria Fernandes Lopes: Psicóloga (PUCRS); Dda Psicologia (PUCRS), Mestre em Psicologia (PUCRS), Especialista em Psicologia Clínica-Ênfase em Avaliação Psicológica (UFRGS), Brasil. Apoio CAPES. Professora da Pós- Graduação em Avaliação Psicológica da UNISC, Coordenadora do Núcleo Médico Psicológico, Porto Alegre – RS, Brasil.
Irani I. de Lima Argimon: Dr. em Psicologia (PUCRS), Graduada em Psicologia (PUCRS), Docente do Programa de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil. Pesquisadora Produtividade CNPq.
Agradecimentos: Agradecemos a psicóloga Ana Paula Pereira pelo incentivo à realização deste trabalho.