SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número45Teste de cloze no ensino fundamental: evidências de validade de critérioEstratégias de aprendizagem de alunos de um curso de pedagogia a distância índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.45 São Paulo dez. 2017

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170016 

ARTIGOS

 

Reinserção escolar e leucemia: tradução e adaptação do questionário comportamental Deasy-Spinetta

 

School reintegration and leukemia: translation and adaptation of Deasy-Spinetta's behavioral questionnaire

 

Reintegración escolar y leucemia: traducción y adaptación del cuestionario de comportamiento Deasy-Spinetta

 

 

Ediana Rosselly de Oliveira GomesI; Rodrigo da Silva MaiaII; Danielle Ferreira GarciaIII; Laura Caroline Lemos AragãoIV; Daniele Caroline Leôncio FerreiraV; Priscila Cristine Andrade de SousaVI; Cyndiane Mary Antero CavalcantiVII; Débora Sunaly Leite da SilvaVIII; Natália Maria da SilvaIX; Rafaella Maria de Varella DominguesX; Eulália Maria Chaves MaiaXI; Patricia Deasy-SpinettaXII; Izabel Augusta Hazin PiresXIII

IORCID: 0000-0002-5263-4641. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IIORCID: 0000-0002-8400-058x. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IIIORCID: 0000-0002-0493-6848. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IVORCID: 0000-0002-2033-9015. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VORCID: 0000-0001-5557-0770. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VIORCID: 000-0003-0413-6813. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VIIORCID: 0000-001-5694-6282. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VIIIORCID: 0000-0002-0323-6604. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IXORCID: 0000-0001-8748-4834. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
XORCID: 0000-0001-6877-3358. Serviço de Psicologia, Hospital Infantil Varela Santiago
XIORCID: 0000-0002-0354-7074. Grupo de Estudo Psicologia e Saúde (GEPS). Hospital Infantil Varela Santiago
XIIORCID: 0000-0002-8035-9528. Department of Psychology, San Diego Unified School District. ediana.ogomes@gmail.com
XIIIORCID: 0000-0002-4045-8628. Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia (LAPEN). Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 

 


RESUMO

O Questionário Comportamental Deasy-Spinetta (DSBQ) proporciona importante contribuição ao acompanhamento da reinserção escolar de crianças com câncer, notadamente àquelas diagnosticadas com Leucemia Linfoide Aguda (LLA), principal grupo de sobreviventes na oncologia pediátrica. O DSBQ investiga aspectos emocionais, de aprendizagem e socialização distribuídos em 38 questões. O presente estudo realizou a tradução e adaptação transcultural do DSBQ para o português brasileiro a partir de seis etapas: solicitação da autorização dos autores para a submissão do instrumento ao procedimento de tradução e adaptação transcultural; tradução e tradução reversa (back translation); comparação da tradução reversa com a versão inicial; julgamento de juízes quanto a necessidade de revisão dos itens e∕ou necessidade de adequações semânticas, e; administração da versão brasileira em 20 professores para avaliação da inteligibilidade dos itens. Os docentes avaliaram a versão final do instrumento traduzido e adaptado como adequado e compreensível, observado no acordo um valor bruto consensual de 81%. A concordância verificada com auxílio do Kappa de Fleiss foi de 0,6882 (±0.0247), indicando concordância substancial. O desenvolvimento, tradução e adaptação de instrumentos voltados à compreensão das alterações que repercutem no contexto escolar de crianças com LLA são essenciais dado a escassez de tais ferramentas, os frequentes relatos de dificuldades escolares e a necessidade de caracterização dos efeitos transitórios e tardios associados ao adoecimento e ao tratamento do câncer infantil que afetam o desenvolvimento escolar e a qualidade de vida desse subgrupo clínico.

Palavras-chave: câncer em crianças, educação especial, educação inclusiva, saúde infantil, psico-oncologia pediátrica.


ABSTRACT

The Deasy-Spinetta Behavior Questionnaire (DSBQ) offers an important contribution to the monitoring of school reintegration of children with cancer, especially those diagnosed with Acute Limphoblastic Leukemia (ALL), which account for the main survivors group in pediatric oncology. DSBQ investigates emotional, learning and socialization dimensions through 38 questions. The present study carried out the translation and cross-cultural adaptation of the DSBQ to Brazilian Portuguese on the basis of six steps: approval request of DSBQ authors for the translation and cross-cultural adaptation of the instrument; translation and reverse translation (or back translation); comparison of reverse translation with the original French version; assessment of a specialist committee regarding the need of items review and/or semantic adjustment; the submission of 20 teachers to Brazilian version in order to evaluate the intelligibility of items. Teachers considered the final version of the translated and adapted instrument as appropriate and intelligible, since a final consensus gross value of 81% was verified. The degree of agreement between raters was 0.6882 (±0.0247), which indicates a substantial agreement according to Fleiss' Kappa measure. The development, translation and adaptation of foreign instruments tailored to the comprehension of impairments that impact educational context of children with ALL is crucial, given the lack of such assessment tools, the frequent report of learning disabilities among these children and the need to characterize the transient and late effects associated to illness and to the treatment of childhood cancer, which affect scholar development and quality of life of this clinical subgroup.

Keywords: cancer in children, special education, inclusive education, child health, pediatric psycho-oncology.


RESUMEN

El Cuestionario Conductual Deasy-Spinetta (DSBQ) presenta una importante contribución contribuye al acompañamiento de la reintegración escolar de niños con cáncer, especialmente aquellas diagnosticadas con Leucemia Linfoide Aguda (LLA), el principal grupo de supervivientes de la oncología pediátrica. El DSBQ investiga aspectos emocionales, de aprendizaje y socialización distribuidos en 38 cuestiones. El presente estudio realizó la adaptación transcultural del DSBQ para el portugués brasileño a partir de seis etapas: solicitación de autorización de los autores para la sumisión del instrumento a los procedimientos de adaptación transcultural; traducción de la versión francesa del instrumento para el portugués brasileño; traducción reversa (back translation) del portugués brasileño para la lengua francesa; comparación de la traducción reversa con la versión inicial; evaluación de jueces en cuanto la necesidad de revisión de los ítems y/o adecuaciones semánticas y; administración de la versión brasileña con 20 profesores para evaluar la inteligibilidad de los ítems. Los profesores evaluaron la versión final del instrumento adaptado como adecuado y comprensible, y fue observado en el acuerdo un valor bruto consensual de 81%. La concordancia verificada con auxilio del Kappa de Fleiss fue de 0,6882 (±0.0247), indicando concordancia substancial. El desarrollo y la adaptación de instrumentos diseñados para la comprensión de las alteraciones que repercuten en el contexto escolar de niños con LLA es esencial dada la escasez de tales herramientas, los relatos de dificultades escolares y la necesidad de caracterización de los efectos asociados a la enfermedad y al tratamiento del cáncer infantil que afectan la calidad de vida de este subgrupo clínico.

Palabras clave: cáncer en niños, educación especial, educación inclusiva, salud infantil, psico-oncologia pediátrica.


 

 

O maior conhecimento e o refinamento de estratégias terapêuticas em oncologia pediátrica permitiram o crescimento nas taxas de sobrevivência de crianças e adolescentes diagnosticados com câncer nas últimas décadas. Tais avanços, por sua vez, possibilitaram a emergência de uma nova população de estudo no campo da psico-oncologia pediátrica: os sobreviventes (Medín, 2009).

No Brasil, verifica-se uma incidência de 12.600 novos casos de câncer por ano entre crianças e adolescentes, com ênfase para as regiões Sudeste e Nordeste em relação à maior prevalência de diagnósticos: 6.050 e 2.750, respectivamente (INCA, 2015). Dentre os diversos subtipos de neoplasias, a leucemia é a mais frequente na população pediátrica (0-19 anos), sendo a Leucemia Linfoide Aguda (LLA) a de maior incidência na infância, correspondendo a aproximadamente 75% das leucemias que acometem indivíduos menores de 15 anos de idade (Cristofani, 2012; INCA, 2015).

Na contemporaneidade, A LLA é considerada uma das doenças mais compreendidas e curáveis, de forma que aproximadamente 80% das crianças com esse diagnóstico integram o grupo de sobreviventes (Armstrong et al., 2013). O aumento nas taxas de sobrevivência permitiu o reconhecimento de complicações tardias associadas aos processos de adoecimento e tratamento, exigindo esforços para a compreensão dos efeitos em longo prazo, cujos desdobramentos podem comprometer o funcionamento cognitivo e a qualidade de vida dos sobreviventes.

Os prejuízos emergem, notadamente, no contexto escolar desse grupo clínico, visto que a literatura aponta alta incidência de dificuldades de aprendizagem identificadas através de relatos de pais e professores e através do desempenho dos sobreviventes em instrumentos voltados à avaliação das habilidades acadêmicas e cognitivas (Bender & Thelen, 2013; Cheung et al., 2016).

No cerne desse debate, destaca-se como fator associado às alterações neuropsicológicas e dificuldades acadêmicas encontradas a etapa do tratamento direcionada à prevenção da doença no Sistema Nervoso Central (SNC), realizada através da quimioterapia e/ou radioterapia. Nessa perspectiva, reconhece-se que a profilaxia do SNC em idade precoce do desenvolvimento pode configurar-se como insulto cerebral difuso adquirido, comprometendo a aquisição de habilidades ou competências. Diversas investigações evidenciam a ocorrência de prejuízos neurocognitivos específicos subjacentes ao declínio global da capacidade intelectiva e às dificuldades acadêmicas desse grupo clínico (Hazin et al., 2015; Reddick et al., 2014).

Contudo, prejuízos acadêmicos podem não emergir até pelo menos cinco anos após o diagnóstico, de modo que sobreviventes de LLA na infância são mais propensos a precisar de serviços de educação especial em longo prazo. Estudos realizados no Brasil identificaram prejuízos substanciais na atenção, memória e funcionamento executivo em crianças diagnosticadas com LLA submetidas ao tratamento quimioterápico (Gomes, Leite, Garcia, Maranhão & Hazin, 2012; Hazin et al., 2015). Ressalta-se que esse padrão alterado de funcionamento pode levar à redução no sucesso acadêmico, baixa autoestima e problemas comportamentais (Moore, Hockenberry & Krull, 2013).

Destaca-seque as dificuldades de aprendizagem nessa população podem estar associadas também ao fato de que o tratamento resulta em prolongada ausência da escola ou absenteísmo escolar (Barnes & Raghubar, 2014). Para Moreira e Valle (2010), a criança com câncer encontra diversas barreiras para efetivação de sua vivência escolar, dentre as quais se destacam: as restrições do próprio tratamento antineoplásico e seus efeitos colaterais; o despreparo da equipe escolar para acolhimento do estudante com câncer; o receio das famílias em manter a criança na escola, e a dificuldade na comunicação entre a equipe de saúde e profissionais da escola.

Nucci (2002) considera que a atuação do professor junto à criança com leucemia deve possibilitar a adequação de estratégias didático-pedagógicas, favorecer a (re)integração da criança ao contexto acadêmico e promover a interação dessa com seus pares. Contudo, professores não se sentem capacitados para lidar com a criança nessas condições, especialmente em razão do escasso conhecimento da doença, do tratamento e seus efeitos, da dificuldade em lidar emocionalmente com a situação, das dúvidas em relação aos procedimentos a serem adotados em sala de aula e da identificação de declínio no rendimento acadêmico (Moreira & Valle, 2010; Nucci, 2002).

Diante desse cenário, o Questionário Comportamental Deasy-Spinetta (DSBQ), desenvolvido por Deasy-Spinetta (1981), caracteriza-se como uma ferramenta de importante contribuição no acompanhamento de crianças sobreviventes da LLA, especialmente no que tange ao processo de reinserção escolar. O DSBQ foi traduzido e adaptado para diversos países. Consiste num instrumento multidisciplinar que investiga três grandes domínios: aprendizagem, socialização e aspectos emocionais, distribuídos em 38 questões com respostas dicotômicas afirmativas ou negativas, as quais possibilitam a coleta de informações que contribuem para o diálogo entre instituições de saúde e de educação (Adamoli et al., 1997).

No Brasil, ainda que se perceba um crescente interesse pela temática, há uma escassez de estratégias à avaliação da reinserção escolar de sobreviventes da leucemia. Uma alternativa para suprir tal carência é adaptar ferramentas já existentes em outros contextos para a cultura de destino. Dessa forma, adaptação transcultural de instrumentos é uma empreitada complexa que demanda severidades metodológicas e planejamento, mas viável para lidar com a lacuna de instrumentais.

A adaptação transcultural constitui-se como uma adequação de um instrumento de uma cultura, intitulada de origem, para outra, de destino, indo além de uma tradução idiomática. É um procedimento que apresenta vantagens significativas, uma vez que permite comparar dados obtidos em diferentes amostras e contextos, bem como investigar diferenças entre populações diversas (Borsa, Damásio & Bandeira, 2012).

Uma vez que o uso do DSBQ pode auxiliar na compreensão e no acúmulo de conhecimento acerca dos efeitos tardios relacionados ao adoecimento e ao tratamento da LLA sobre os processos de aprendizagem, bem como subsidiar demandas de educação especial e de estratégias de reabilitação voltadas ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes sobreviventes do câncer, o presente trabalho teve como objetivo promover a adaptação transcultural para o Brasil do DSBQ. Especificamente, pretendeu-se: a) caracterizar o processo de tradução e retrotradução do instrumento e sua versão brasileira; e b) verificar evidências de validade aparente ou de face da versão brasileira entre a população de destino do instrumento.

 

MÉTODO

Procedimentos

Baseado nas proposições para a adaptação transcultural de Beaton, Bombardier, Guillemin e Ferraz (2000), a operacionalização do estudo de tradução e adaptação do DSBQ dividiu-se em seis passos, a saber: a) solicitação da autorização dos autores do instrumento para a submissão do questionário ao procedimento de tradução e adaptação transcultural; b) tradução da versão francesa do instrumento para a língua do país de cultura-destino, no caso, tradução do francês para o português brasileiro; c) tradução reversa ou retrotradução (backtranslation) do português brasileiro para a língua francesa; d) comparação da tradução reversa, gerada a partir da versão traduzida, com a versão inicial, com o intuito de verificar a fidedignidade do sentido literal dos itens; e) julgamento de juízes quanto a necessidade de revisão dos itens e∕ou necessidade de adequações semânticas, utilizando a técnica do painel de especialistas (Pinheiro, Farias & Abe-Lima, 2013); e f) administração da versão brasileira em um grupo de profissionais a que se destina o instrumento para avaliação da inteligibilidade dos itens.

Com relação à primeira etapa, a autorização fora obtida por meio de correio eletrônico à autora do DSBQ. Nas duas etapas seguintes, a tradução e retrotradução foram realizadas, de forma independente e às cegas, por profissionais com ensino superior completo conhecedores da cultura do país de origem do instrumento e, ainda que nascidos no Brasil, fluentes na língua materna do instrumento. A retrotradução é um passo bastante importante, uma vez que seu objetivo é analisar em que medida a versão adaptada à cultura de destino está refletindo o conteúdo do item como propõe a versão original, evitando mudanças expressivas do sentido e significado proposto no item original em relação a seu correlato adaptado à cultura de destino. Sendo assim, a retrotradução pretende verificar a manutenção do sentido conceitual proposto pela versão da cultura de origem (Borsa et al.,2012).

Na quarta etapa, três profissionais, com perfil semelhante à etapa anterior, foram solicitados a avaliar a tradução e a retrotradução no sentido de assinalar a manutenção da literalidade dos itens do instrumento, visando garantir uma fidedignidade da versão brasileira à versão original. Nesta avaliação, os profissionais foram solicitados a avaliar a literalidade dos itens de forma dicotômica, assinalando se o item foi alterado (S) ou inalterado (N) durante o processo de tradução e retrotradução.

Na etapa seguinte, foi verificada a necessidade de eventuais modificações, adequações culturais do instrumento e construção da versão síntese prévia. Para tanto, contou-se com o auxílio de seis profissionais, os quais eram pós-graduandos na área de Psicologia, com experiência em uso de instrumentação psicológica, escalas e testes psicológicos e não psicológicos, bem como em oncologia, desenvolvimento humano e neuropsicologia. Nesse painel de especialistas, solicitava-se que fossem feitas adequações dos itens baseando-se na população a que se destina o uso do instrumento, a saber, professores escolares de crianças que retornam à rotina escolar após se submeterem a tratamento oncológico quimioterápico e/ou radioterápico.

Ressalta-se que o procedimento de tradução, na adaptação transcultural, supera a tradução literal dos itens, pois essa pode resultar em itens não coerentes, incompreensíveis e/ou incongruentes para o idioma e cultura de destino. Sendo assim, faz-se necessário, durante esse procedimento, um tratamento minucioso e ponderado, por parte de juízes expertises, que considere as variações linguísticas, contextuais, culturais, teóricas e práticas acerca do constructo e do instrumento adaptado (Borsa et al., 2012). Após essa etapa, o mesmo grupo procedeu à elaboração da versão final do instrumento para aplicação junto ao público ao qual o instrumento se destina.

Participantes

O questionário em adaptação fora aplicado em uma população de 20 professores da Educação Infantil ou Pré-Escolar, do Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), II (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio (1º ao 3º ano). Nesse procedimento, os participantes eram solicitados a julgar a compreensão sobre os itens do instrumento, por meio de uma escala dicotômica, que variava de inadequado (IN), quando o item fora avaliado como de difícil compreensão e entendimento para um respondente e adequado (AD), quando de fácil compreensão e entendimento. Adicionalmente, foram coletadas informações sociodemográficas e ocupacionais dos docentes respondentes.

Análise dos dados

Para a avaliação dos professores escolares, utilizou-se o nível de consenso associado à mensuração do Kappa de Fleiss (k), que avalia a confiabilidade do acordo na avaliação entre juízes, aplicando-os para avaliar as evidências de validade aparente ou de face. A interpretação do coeficiente Kappa pode ser classificada como: a) concordância quase perfeita (valores entre 0,81 e 1,00); b) concordância substancial, (0,61 e 0,80); c) concordância moderada (0,41 e 0,60); d) concordância fraca ou pequena (0,21 e 0,40); e) concordância leve (0,0 e 0,20), e; e) nenhuma correlação quando forem menores do que zero (0), indicando ausência de acordo (Landis & Koch, 1977).

Para alcançar evidências de validade aparente satisfatórias, adotou-se como nível de concordância entre os juízes pelo menos 80% e valores do Kappa superiores a 0,61, que indicam concordância substancial. Os demais dados foram analisados através de estatística descritiva. Para efetuar as análises, contou-se com o auxílio de um software estatístico.

Aspectos éticos

A pesquisa seguiu os preceitos sugeridos na Declaração de Helsinki e alicerçou-se na resolução nº 466/12. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos de uma instituição de ensino superior pública, sob parecer de nº 810.767∕2014 (CONEP).

 

RESULTADOS

Concedida a autorização, submeteu-se o DSBQ ao processo de tradução e retrotradução, ressaltando a etapa de comparação da tradução reversa com a versão inicial. Os resultados desse último processo podem ser vistos na Figura 1.

Na Figura 2, podem ser visualizados os julgamentos de juízes quanto a necessidade de revisão dos itens e∕ou necessidade de adequações semânticas. Verifica-se que, para a elaboração da versão síntese do instrumento, os itens foram incorporados de forma integral ou parcialmente, após modificações pontuais. Essas adequações foram realizadas com o objetivo de tornar o instrumento inteligível à população de destino.

Na etapa de administração da versão brasileira entre o grupo de professores, participaram 20 professores, com idade entre 25 e 67 anos (M: 38,55; DP: ±12,31) e com diferentes formações e tempo de atuação, conforme demonstra a Tabela 1. Os professores participantes avaliaram o instrumento como adequado e compreensível à população a que se destina, observado no acordo um valor bruto consensual de 81%. A concordância, verificada com auxílio do Kappa de Fleiss foi de 0,6882 (Desvio padrão: ±0.0247), indicou concordância substancial.

Foram sugeridas modificações quanto ao conteúdo de alguns itens, como a exemplo do item nº 13, "Fala de suas atividades?", no qual foi sugerido que a pergunta especificasse o tipo de atividade a que se refere. Entretanto, consultou-se o grupo de especialistas, os quais sugeriram manter a redação original dos itens da versão síntese, em função dos valores de concordância bruta e estatística obtidas no estudo. Os resultados em questão indicam validade aparente ou de face do instrumento e o seu uso como um instrumento auxiliar em pesquisas e acompanhamento sistemático sobre o retorno à rotina escolar de crianças e adolescentes submetidos ao tratamento oncológico infantil.

 

DISCUSSÃO

O maior aprofundamento acerca das neoplasias infantis, somado aos avanços da farmacologia, tem permitido um aumento considerável no número de crianças que integra o grupo dos sobreviventes. Esse progresso resultou em uma crescente população de adultos sobreviventes de câncer infantil, de modo que um em cada 640 adultos com idade entre 20 e 39 anos é sobrevivente de câncer pediátrico (Armstrong et al., 2013). Contudo, a terapêutica prolongada e agressiva acarreta dificuldades à manutenção do estilo de vida da criança, impondo-lhe restrições e mudanças que favorecem o abandono e/ou insucesso escolar (Silva & Valle, 2008).

Paralelo ao progresso na cura das neoplasias infantis existe a crescente preocupação dos profissionais com os efeitos tardios relacionados ao adoecimento e tratamento do câncer. Dentre as preocupações, destacam-se os impactos do pós-câncer no processo de ensino-aprendizagem de crianças e adolescentes sobreviventes, bem como a reinserção escolar, o rendimento acadêmico e as dificuldades socioafetivas apresentadas por esse grupo clínico (Silva & Valle, 2008).

Nessa direção, Brown e colaboradores verificaram que 60% dos sobreviventes de LLA apresentavam-se como portadores de dificuldades de aprendizagem (Brown, Madan-Swain & Pais, 1992; Brown, Sawyer & Antoniou, 1996). Mesmo recebendo tratamento direcionado ao SNC reconhecido como menos agressivo, composto exclusivamente metotrexato intratecal, crianças apresentaram um declínio expressivo em atividade matemática, notadamente, três anos ou mais após o diagnóstico ( Barnes & Raghubar, 2014; Brown, Madan-Swain & Pais, 1992; Brown, Sawyer & Antoniou, 1996; Moore et al., 2013;Temming & Jenney, 2010).

Para além de alterações cognitivas, outros fatores têm sido abordados como relacionados às dificuldades enfrentadas por crianças e adolescentes sobreviventes de leucemia no contexto escolar. Nessa perspectiva, estudos apontam que crianças com leucemia passam um tempo considerável no hospital, perdem quantidades significativas de aulas, sentem-se cansadas facilmente e são restritas em aspectos mais ativos de aprendizagem do que as crianças saudáveis. Tais fatores têm sido relacionados com o desempenho reduzido em tarefas com forte componente escolar (Barnes & Raghubar, 2014; Sleurs et al., 2016).

Na atualidade, sabe-seque a maioria dos sobreviventes de LLA encontra-se em escolas regulares e enfrenta problemas relevantes no cotidiano acadêmico em relação aos aspectos cognitivos, educacionais e comportamentais, apresentando desempenho escolar inferior aos seus pares. Nesse contexto, defende-se a necessidade da assistência integral aos sobreviventes de câncer infantil e que esses recebam acompanhamento contínuo e monitoramento do seu desenvolvimento escolar para que suas dificuldades possam ser minimizadas(Moreira & Valle, 2010).

Nesse sentido, o desenvolvimento, tradução, adaptação e utilização de recursos auxiliares voltados à compreensão das alterações que repercutem no contexto escolar dessas crianças, como propõe o DSBQ, são de grande relevância para identificação dos fatores de riscos subjacentes à emergência das referidas sequelas ou dificuldades, e podem auxiliar no combate ao abandono e fracasso escolar e contribuir com o sucesso acadêmico dos sobreviventes.

Vale ressaltar a relevância de tradução e adaptação do DSQB para o português brasileiro, como iniciativa de estudo em um laboratório de pesquisa situado no Nordeste do país, região com grande número de casos diagnosticados anualmente, com pacientes em sua maioria atendidas por serviços públicos de saúde, comumente diagnosticados tardiamente, o que representa agravamento do quadro clínico, adoção de terapêuticas mais agressivas e redução das chances de cura e reabilitação (Hazin et al., 2015).

Por fim, espera-se que a disponibilização e o uso de ferramentas fundamentais à compreensão da dinâmica escolar vivenciada por crianças diagnosticados com neoplasias possam subsidiar pesquisas, as quais sejam traduzidas em políticas públicas que contemplem a capacitação profissional,possibilitando a prevenção ou intervenção precoce de efeitos deletérios ao desenvolvimento escolar dessa população clínica, bem como sirvam de subsídios para propostas de intervenção nos âmbitos da saúde e educação.

 

REFERÊNCIAS

Adamoli, L., Deasy-Spinetta, P., Corbetta, A., Jankovic, M., Lia, R., Locati, A., et al. (1997). School functioning for the child with leukemia in continuous first remission: screening high-risk children. PediatrHematolOncol, 14,121-131.         [ Links ]

Armstrong, G. T., Reddick, W. E., Petersen, R. C., Santucci, A., Zhang, N., Srivastava, D., et al. (2013). Evaluation of memory impairment in aging adult survivors of childhood acute lymphoblastic leukemia treated with cranial radiotherapy. Journal of the National Cancer Institute, 105(12),899-907. doi:10.1093/jnci/djt089        [ Links ]

Barnes, P. M. A., & Raghubar, K. P. (2014). Mathematics Development and Difficulties: The Role of Visual - Spatial Perception and Other Cognitive Skills. Pediatric Blood & Cancer. doi:10.1002/pbc        [ Links ]

Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24),3186-3191.         [ Links ]

Bender, C. M., & Thelen, B. D. (2013). Cancer and cognitive changes: the complexity of the problem. Seminars in Oncology Nursing, 29(4), 232-7. doi:10.1016/j.soncn.2013.08.003        [ Links ]

Borsa, J. C., Damásio, B. F., & Bandeira, D. R. (2012). Cross-Cultural Adaptation and Validation of Psychological Instruments (Adaptação e Validação de Instrumentos Psicológicos entre Culturas : Algumas Considerações) (Adaptación y Validación de Instrumentos Psicológicos entre Culturas : Algunas Consideraciones). Paidéia, 22(53),423-432. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272253201314 Cross-Cultural        [ Links ]

Brown, R. T., Madan-Swain, A., Pais, R., Lambert, R. G., Sexson, S., & Ragab A. (1992). Chemotherapy for acute lymphoblastic leukemia: cognitive and academic sequelae. The Journal of Pediatric, 121(6),885-889.         [ Links ]

Brown, R. T., Sawyer, M. B., Antoniou, G., Toogood, I., Rice, M., Thompson, N., & Madan-Swain A. (1996). 3-year follow-up of the intellectual and academic functioning of children receiving central nervous system prophylactic chemotherapy for leukemia. Journal of Developmental and Behavioral Pediatric, 17(6),392-398.         [ Links ]

Cheung, Y. T., Sabin, N. D., Reddick, W. E., Bhojwani, D., Liu, W., Brinkman, T. M., Krull, K. R. (2016). Leukoencephalopathy and long-term neurobehavioural, neurocognitive, and brain imaging outcomes in survivors of childhood acute lymphoblastic leukaemia treated with chemotherapy: a longitudinal analysis. The Lancet Haematology, 3026(16),1-11. doi:10.1016/S2352-3026(16)30110-7        [ Links ]

Cristofani, L. (2012). Leucemia Linfoide Aguda. In V. O. Filho, P. T. Maluf Jr, L. M. Cristofani, M. T. A. de Almeida, & R. A. P. Teixeira. Doenças Neoplásicas da Criança e do Adolescente (pp. 3-18). Barueri: Manole.         [ Links ]

Deasy-Spinetta, P. (1981). The school and the child with câncer. In J. Spinetta & P. Deasy-Spinetta. Living with childhood câncer (pp. 153-168). USA: C.V. Mosby.         [ Links ]

Gomes, E., Leite, D., Garcia, D., Maranhão, S., & Hazin, I. (2012). Neuropsychological profile of patients with acute lymphoblastic leukemia. Psychology & Neuroscience, 5,175-182.         [ Links ]

Hazin, I., Garcia, D., Gomes, E., Leite, D., Balaban, B., Guerra, A., & Villar, C. (2015). Desempenho Intelectual Pós Tratamento de Câncer: Um Estudo com Crianças. Psicologia: Reflexão e Crítica, 28(3),564-572.         [ Links ]

INCA (2015). Estimativa 2016: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/ Instituto Nacional do Câncer.         [ Links ]

Landis, J. R. & Koch, G. G. (1977). The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics, 33(1),159-174.         [ Links ]

Medín, G. (2009). Supervivientes de cáncer infantil. Efectos en el tiempo. Un estudio cualitativo. Psicooncologia, 6,429-443.         [ Links ]

Moore, I. M. K., Hockenberry, M. J., & Krull, K. R. (2013). Cancer-related cognitive changes in children, adolescents and adult survivors of childhood cancers. Seminars in Oncology Nursing, 29(4),248-59. doi: 10.1016/j.soncn.2013.08.005        [ Links ]

Moreira, G. M. S.,& Valle, E. R. M. (2010). A continuidade escolar de crianças com câncer: um desafio à atuação multiprofissional. In E. R. M. do Valle (org.). Psico-oncologia Pediátrica (pp. 215-246). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Nucci, N. A. G. (2002). A criança com leucemia na escola. Campinas: Livro Pleno.         [ Links ]

Pinheiro, J. Q., Farias, T. M., & Abe-Lima, J. Y. (2013). Painel de Especialistas e Estratégia Multimétodos: reflexões, exemplos, perspectivas. Psico (PUCRS), 44(2),184-192.         [ Links ]

Reddick, W. E., Taghipour, D. J., Glass, J. O., Ashford, J., Xiong, X., Wu, S., et al. (2014). Prognostic Factors that Increase the Risk for Reduced White Matter Volumes and Deficits in Attention and Learning for Survivors of Childhood Cancers. Pediatric Blood & Cancer, 61,1074-1079. doi:10.1002/pbc        [ Links ]

Silva, G. M.,& Valle, E. R. M. (2008). A reinserção escolar de crianças com câncer: desenvolvimento de uma proposta interprofissional de apoio em oncologia pediátrica. In V. A. Carvalho et al. (Orgs.). Temas em Psico-Oncologia (pp. 517-529). São Paulo: Summus.         [ Links ]

Sleurs, C., Lemiere, J., Vercruysse, T., Nolf, N., Van Calster, B., Deprez, S., Uyttebroeck, A. (2016). Intellectual development of childhood ALL patients: A multicenter longitudinal study. Psycho-Oncology. doi: 10.1002/pon.4186        [ Links ]

Temming, P. & Jenney, M. E. M. (2010). The neurodevelopmental sequelae of childhood leukaemia and its treatment. Archives of Disease in Childhood, 95,936-940.         [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons