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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.45 São Paulo dez. 2017
https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170019
ARTIGOS
Percepção das professoras sobre seus alunos do 5º ano
Teachers' perception of their fifth grade students
Percepción de los profesores sobre sus alumnos de 5º grado
Larissa O'nill de Avila PereiraI; Luiza Maria de Oliveira Braga SilveiraII
IORCID: 0000-0003-2460-4581. Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde, Hospital de Clínicas de Porto Alegre
IIORCID: 0000-0002-9531-8251. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino na Saúde, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. luizabs@ufcspa.edu.br
RESUMO
O ensino fundamental de nove anos é uma realidade recente na educação brasileira e tem gerado importantes desafios especialmente na transição para a pluridocência. Este estudo investigou a percepção das professoras do 5º ano sobre seus alunos em relação ao comportamento e ao rendimento escolar. Realizou-se entrevistas semi-dirigidas com quatro professoras do 5º ano, em duas escolas particulares de Porto Alegre. Os dados foram analisados através da Análise de Conteúdo. Os resultados evidenciaram oito categorias: mudanças na metodologia de ensino, professor como guia, postura dos alunos, diferenças quanto ao gênero, preparação para o sexto ano, comportamento e rendimento, necessidade de integração dos professores e particularidades dos alunos e rendimento escolar. A discussão dos dados apontou que os objetivos do 5º ano ainda se encontram pouco definidos e a necessidade de se rever essa etapa enfatizando a transição e estratégias para a pluridocência. Os professores precisam de orientação para atuar com os alunos nessa fase do ensino fundamental e o apoio do psicólogo escolar torna-se relevante para proporcionar um espaço de escuta das demandas vivenciadas pelos mesmos.
Palavras-chave: 5º ano, ensino fundamental, rendimento escolar, metodologia de ensino, psicologia escolar.
ABSTRACT
The nine-year elementary education is a new reality in razilian education and has generated significant challenges especially in the transition to a multi- disciplinary situation involving several teachers. This study investigates the perception by fifth grade teachers of their students regarding behavior and academic performance. Semi-structured interviews were conducted with four teachers of the fifth year, in two private schools in Porto Alegre. Data were analyzed through Bardin Content Analysis. The results showed eight categories: changes in teaching methodology, teacher as a guide, students' posture, gender differences, fifth year preparing for the sixth year, behavior X school performance, the need for integration of teachers in the fifth year and particularities of students reflecting on school performance. The discussion of the data showed that the objectives of the fifth year are still poorly defined; as well as the need to review this step, emphasizing the transition to a multi-disciplinarity context and strategies involved. Teachers need guidance in dealing with students at the stage of basic education and school psychologist support becomes important to provide a space for listening to the demands experienced by them.
Keywords: elementary school, academic achievement, school psychology.
RESUMEN
La educación básica de nueve años es una nueva realidad en la educación brasileña y ha generado importantes retos, especialmente en la transición para el multidisciplinario. Este estudio investiga la percepción de los maestros de 5º grado sobre de sus alumnos con respecto al comportamiento y rendimiento académico. Se ha llevado a cabo entrevistas semi estructuradas con cuatro maestras de 5º grado, en dos escuelas privadas de Porto Alegre. Los datos fueron analizados a través del análisis del contenído. Los resultados evidenciaron ocho categorías: cambios en la metodología de enseñanza, maestro como guía, postura de los estudiantes, diferencias de género, preparación para el sexto año, comportamiento, rendimento escolar, necesidad de integración de los profesores, particularidades de los estudiantes y rendimiento escolar. La discusión de los datos mostró que los objetivos del 5º grado todavia se encuentran poco definidos, habiendo necesidad de revisar esta etapa, haciendo hincapié en la transición y estratégias para el multidiciplinario. Los maestros necesitan orientación para actuar con los estudiantes en esta fase de la educación básica por lo tanto el apoyo del psicólogo de la escuela se convierten en hecho fundamental para proporcionar un espacio para escuchar las demandas de los maestros.
Palabras clave: profesores de escuela elemental, estudiantes de primer grado, conducta, rendimiento escolar, psicología escolar
O começo da adolescência (dez ou onze anos de idade), que marca a transição de saída da infância, apresenta mudanças no desenvolvimento não só em aspectos físicos, mas também cognitivos, psicológicos e sociais. Nesse período, denominado puberdade, as meninas tendem a amadurecer mais cedo do que os meninos (Papalia, Olds & Feldman, 2010). É nessa fase do desenvolvimento humano em que está instituído o 5º ano do ensino fundamental, que se refere à 'antiga' quarta série. Os alunos, nessa etapa escolar, tendem a demonstrar um comportamento mais agitado, se dispersam facilmente, têm mais interesse nas mudanças físicas dos colegas do sexo oposto e também começam a questionar as tarefas propostas pelos professores, o que impacta na avaliação do rendimento escolar.
Refletindo-se acerca do antigo modelo de organização da educação básica, anterior ao ensino fundamental de nove anos, a 4ª série (atual 5º ano) representava o momento de transição da unidocência para a pluridocência. Pratti & Eizirik (2006), a fim de retratar essa realidade, realizaram um estudo sobre a transição das séries iniciais para a 5ª série, investigando a percepção dos alunos, dos professores e dos pais. A pesquisa foi feita por meio de observação participante do cotidiano de duas escolas da rede estadual de Porto Alegre. Contemplou um total de 150 alunos (com faixa etária entre 9 e 14 anos)de duas turmas de 4ª e três turmas de 5ª série,50 pais e 25 professores (de 4ª e 5ª séries). O estudo demonstrou que a passagem da 4ª para a 5ª série era um momento de dificuldades e fragilidades no rendimento escolar e nas relações professor-aluno. Essa transição foi descrita como uma época de transformações e desafios, especialmente para o aluno, que tem suas demandas escolares aumentadas.
A pesquisa em questão revelou a preocupação dos professores de 5ª série com os alunos, tanto em relação ao currículo como às questões relativas à faixa etária e ao comportamento. Além disso, chamou a atenção dos professores a dificuldade de organização dos alunos com o material e as rotinas escolares (Prati & Eizirik, 2006). Atualmente, com a nova organização, percebe-se uma mudança positiva na tentativa de preparar os alunos para enfrentar a transição que envolve o aumento de conteúdos, as mudanças na rotina e o aumento do número de professores. Espera-se que a transição dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental não seja realizada de forma abrupta, mas, sim, revelando uma preocupação do corpo docente, da coordenação pedagógica em conjunto com os psicólogos escolares,a fim de minimizar as demandas emocionais e pedagógicas para os discentes.
Em se tratando de sucesso e fracasso escolar, observa-se influência de fatores presentes no processo de ensino-aprendizagem e nas relações professor-aluno, dando maior ênfase na qualidade desse processo ou nas características de cada um (Del Prette, Paiva & Del Prette, 2005). A Teoria das Atribuições Interpessoais estruturou seis fatores que influenciam o rendimento escolar dos alunos. Dentre eles, está a figura do professor, que se relaciona com a percepção do papel que ele assume no rendimento escolar do aluno em função das suas características profissionais e de personalidade (Almeida, Miranda & Guisande, 2008; Bzuneck & Sales, 2011).Além disso,variáveis como a criatividade (David, Moraes, Primi & Miguel, 2014), o gênero feminino (Carvalho, Senkevics & Loges, 2014; Soares, Antunes & Aguiar, 2015), a existência de uma gestão democrática (Gelatti & Marquezan, 2013), a autorregulação da aprendizagem (Paiva & Lourenço, 2012) e o tempo de sucesso na escola (Ferreira, Costa, Araújo & Oliveira, 2013) são identificados como importantes indicadores de sucesso escolar no ensino fundamental e preditores desse fenômeno na vida escolar como um todo.
O estudo realizado por Frederico Neto,Cardoso, Kaihami, Osternack, Nascimento, Barbieri e Petlik (2015)visou compreender a percepção de professores de escolas públicas sobre as dificuldades de aprendizagem em seus alunos. Participaram do estudo 104 professores de sete escolas públicas de São Paulo que lecionavam no ensino fundamental e médio. Os professores participantes referiram que os anos escolares em que as dificuldades de aprendizagem são mais frequentes são o 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental. Dentre os fatores referentes ao contexto escolar, destaca-se a dificuldade dos professores em dar atenção individualizada aos alunos durante as aulas. O que mais frequentemente é observado pelos professores são: dificuldade de escrita, falta de atenção, problemas de comportamento e dificuldade de leitura.
Ainda sobre o tema rendimento escolar, Osti e Brenelli (2013) realizaram um estudo com o objetivo de identificar e comparar as representações de professores e de alunos (com bom rendimento e baixo rendimento escolar) sobre o processo de ensino e aprendizagem. Participaram deste estudo 20 professores e 40 alunos do 5º ano do ensino fundamental da rede municipal de Campinas. Os resultados do estudo revelaram que a aprendizagem é percebida, na prática, tanto por professores quanto por alunos com baixo e adequado rendimento escolar como um processo de garantir nota. O que pode ser entendido como contrário ao que se discute na teoria de estabelecer relações sociais, treinar diferentes formas de solucionar problemas e atribuir significado aos conteúdos. Apesar de todo o conhecimento existente na atualidade a respeito dos fatores implicados no processo de aprendizagem que influenciam no rendimento, a nota permanece o fator mais relevante. O aluno precisa da nota para ser aprovado, e o professor precisa dela para justificar o trabalho realizado com os alunos. A avaliação continua, portanto, sendo classificatória, reafirmando uma concepção de educação tradicional, que sobrecarrega seus alunos com informações.
A relação entre docentes e discentes é campo de várias interações, envolvendo elementos de ambos de forma interdependente. A sala de aula pode ser considerada um ambiente em que são expostas as crenças do professor sobre o aluno, desse em relação àquele e de ambos sobre o processo educacional. Esse conjunto de crenças tende a refletir as percepções e as expectativas de um em relação aos outros. Sendo assim, uma postura mais encorajadora diante do aluno pode refletir a crença em seu bom rendimento, enquanto a fala de que um aluno não apresenta capacidade para aprender tende a refletir a maneira menos otimista do professor colocar-se diante da criança (Martinelli, Schiavoni & Bartholomeu, 2009).
Reforçando a importância de avaliar as crenças dos professores em relação aos seus alunos, Osti e Martinelli (2014) realizaram um estudo para investigar as diferenças entre os estudantes com rendimento escolar satisfatório e insuficiente no que se refere à percepção dos mesmos sobre as expectativas ou crenças de seus professores. Os participantes desse estudo foram 120 alunos da rede pública de Campinas, sendo 51 do sexo feminino e 69 do masculino, com idades entre 10 e 14 anos, estando no 5º ano do ensino fundamental. A metade da amostra, 60 estudantes, foi classificada como tendo bom rendimento escolar, e a outra metade tinha um rendimento insatisfatório. Os resultados desse estudo demonstraram que alunos com rendimento satisfatório revelaram serem mais elogiados por seus professores e escolhidos como ajudantes na sala de aula. São percebidos como bons alunos, bem comportados e obedientes. Também afirmaram que o professor presta mais atenção neles quando solicitam ajuda, gostam do que fazem e se preocupam com eles. Já os alunos com desempenho insatisfatório afirmaram que recebem críticas de seus professores, os quais reclamavam da falta de capricho em suas tarefas e não prestavam atenção quando solicitavam ajuda. Quando havia uma briga na sala de aula,eram apontados como culpados e declararam que o professor ficava sempre zangado com esse grupo. Eram vistos por seus professores como bagunceiros, mentirosos, aqueles que não prestavam atenção na aula, os que estudavam pouco e que tudo que faziam estava errado.
Fonseca (2012) realizou um estudo com o objetivo de descrever as habilidades sociais educativas e práticas negativas das professoras e genitores de crianças com e sem problemas de comportamento e também as habilidades sociais, rendimento escolar e problemas de comportamento infantis. Os dados foram coletados na escola e na família, sendo quatro crianças de séries iniciais do ensino fundamental de uma escola do interior de São Paulo, duas sem problemas de comportamento e duas com problemas, segundo as professoras. As professoras que participaram do estudo identificaram um número maior de comportamentos problemáticos em comparação com as famílias, relacionando também com déficits no rendimento. As mesmas apresentaram mais práticas positivas doque negativas na forma de interagir com os alunos do que os genitores. Contudo, as professoras exercem práticas diferenciadas entre os alunos, sendo mais habilidosas com as crianças sem problemas de comportamento e mais punitivas com as que apresentavam problemas.
As autoras Mahendra e Marin (2015) realizaram uma revisão sistemática da literatura, no período de 2010 a 2014, buscando artigos que abordassem a relação entre o ambiente familiar e o rendimento escolar de alunos do ensino fundamental e médio. Os resultados indicaram apenas quatro artigos brasileiros que tratavam sobre o tema, o que revela que os estudos sobre o rendimento escolar no país ainda têm foco em fatores individuais do aluno ou na relação aluno-professor-escola, desconsiderando a importância dos fatores extraescolares, como a família.
Todo processo educativo é mediado pelo contexto sociocultural, pelos aspectos organizacionais de cada instituição de ensino e também pela dinâmica com que se constrói o projeto político-pedagógico (Dourado, 2007). Referente à educação básica, o 5º ano está inserido no ensino fundamental de nove anos, um processo de implementação recente nas escolas e de distintas formas, dependendo da rede de ensino alternando entre uma estrutura de unidoscência ou pluridoscência. A partir disso, esse estudo buscou conhecer a percepção das professoras entrevistadas sobre seus alunos de 5º ano, tanto em relação ao rendimento escolar como no que tange aos seus comportamentos, com a finalidade de identificar dificuldades enfrentadas nessa etapa. Focou-se no 5º ano pelas dificuldades psicossociais e de desenvolvimento emergentes da faixa etária e pelas demandas do ensino de uni ou pluridocência, que necessitam de acompanhamento e intervenções de psicólogos escolares durante esse processo de desenvolvimento dos alunos e dos professores, para refletir e mediar as práticas pedagógicas e as crenças educacionais nas escolas.
MÉTODO
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - com o protocolo CAEE: 12030513.3.0000.5345.
Participantes
As participantes do estudo foram quatro professoras de duas escolas particulares de Porto Alegre, com modelos pedagógicos distintos para o5º ano letivo. Duas professoras eram regentes, e as outras duas lecionavam Inglês e Geografia.
Caracterizaram-se como uma amostra intencional, pois foram selecionadas pela coordenação pedagógica pela sua maior disponibilidade de tempo para serem entrevistadas de forma presencial nas escolas. A Escola 1 teve no 5º ano,quando da realização da pesquisa, uma professora regente (com 18 anos de experiência docente) e uma auxiliar pedagógica, funcionando no sistema de unidocência, com uma turma de 38 alunos. Já a Escola 2, teve uma professora regente no 5º ano (com 45 anos de experiência docente), mas a pluridocência já começou nesse momento, com uma turma de 28 alunos. Além disso, essa professora relatou sobre a existência da monitoria, no currículo do 5º ano, que não se caracterizava como uma disciplina, mas como um espaço oferecido aos alunos, sob sua coordenação, com objetivo de auxiliar na integração das disciplinas e proporcionar a discussão acerca das dificuldades encontradas em relação aos conteúdos, ao relacionamento entre colegas e dos alunos com seus professores. Uma vez aceito o convite, as participantes receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) explicitando e concordando com o objetivo e o método da pesquisa.
Instrumento
Foi realizada uma entrevista semidirigida, de forma individual, para abordar a percepção das professoras acerca de seus alunos e suas experiências em lecionar no 5º ano do ensino fundamental. A entrevista compreendeu seis questões a respeito de: disciplinas que a professora lecionava, tempo de atuação no Ensino Fundamental, percepção(ões) da mesma a respeito de mudanças na nova proposta do Ensino Fundamental de nove anos, mudanças percebidas no comportamento e no rendimento dos alunos nessa transição do 4º para o 5º ano, quais suas ideias a respeito da relação entre mudanças comportamentais e rendimento escolar, e,a partir desses questionamentos, foi estimulado o diálogo entre pesquisadora e entrevistadas.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
As entrevistas foram gravadas em áudio e tiveram uma duração média de trinta minutos. Posteriormente, foram transcritas e analisadas conforme Análise de Conteúdo de Bardin (2008). Foram geradas oito categorias: mudanças na metodologia de ensino, professor como guia, postura dos alunos, diferenças quanto ao gênero, 5º ano prepara para o sexto ano, comportamento versus rendimento, necessidade de integração dos professores no 5º ano e particularidades dos alunos que refletem no rendimento escolar.
RESULTADOS
As oito categorias geradas revelaram como as professoras percebem seus alunos em relação ao comportamento, rendimento escolar e também sobre o contexto do 5º ano a partir do ensino fundamental de nove anos. A escuta das professoras, proporcionada através das entrevistas, apontou a importância do papel das docentes neste cenário educativo e levantou os questionamentos gerados por suas práticas diante das mudanças curriculares.
Através dos dados encontrados, observa-se que a reforma no ensino promoveu uma mudança da prática pedagógica realizada nas escolas, ressaltando que essa deve estar adaptada à faixa etária dos alunos, destacando a importância de compreender o processo de ensino-aprendizagem de cada membro. Os resultados demonstram que, através das percepções das professoras, a expectativa em torno do 5º ano se volta para a preparação ao 6º ano, sem maiores especificidades. Fato esse que parece estar desempenhando um papel significativo, pois, ao mesmo tempo em que problematiza e desacomoda as práticas docentes do 5º ano, impõe a esses e à escola mudanças diante das mesmas.
Mudanças na metodologia de ensino
Essa categoria revelou que os professores sentem a necessidade de reavaliar seus métodos para adaptar a idade dos alunos que entram cada vez mais cedo na escola e chegam imaturos ao5º ano, como a fala da professora R. (Escola 2): "Então para poder trabalhar nesses nove anos qualquer professor vai ter que mudar sua metodologia, suas habilidades para poder levar esses nove anos, porque eles são muito infantis."; e da professora D. (Escola 1): "Eu observo que as crianças vêm para o 5º ano, que é série que eu trabalho, mais imaturas então a gente precisa fazer todo um resgate do trabalho para que eles possam se sentir bem e o professor também consiga se adaptar...".
Professor como guia
Esta categoria destacou que, por se adaptar a metodologia conforme a idade dos alunos, a nova proposta também exige que se respeite essa fase de transição e oriente ou guie os alunos para a realidade que terão que enfrentar, como referiu a professora C. (Escola 1): "(...) em um 5º ano que tu esperas que teus alunos consigam se organizar, né. Não, a gente tem que auxiliá-los cada vez mais. (...) Tu vais ver que muitos alunos do 5º quando eles vão para o sexto eles sentem falta desse guia, desse roteiro".
Postura dos alunos
Nesta categoria, as professoras indicam que os alunos tendem, no 5º ano, a assumir uma postura de se diferenciar dos menores, transformando, às vezes, suas brincadeiras e desejando se aproximar dos alunos mais velhos. Em uma das escolas, essa mudança é reforçada pelo ambiente escolar, pois o recreio do 5º ano ocorre junto aos alunos do 6º ano em diante, como fala a professora C. (Escola 1):"Então parece assim que eles - ah! eu cresci, eu tô no 5º ano, sabe. Eu já não vou andar mais com o pessoal do 4º ano, agora eu sou do 5º ano, é uma postura diferente (...) então tem essa questão - ah! eu sou mais maduro".Tal conteúdo é reiterado pela professora D. (Escola 1): "(...) eles tão bem naquela fase assim eu sou criança para isso, mas já só adolescente para isso, eles se consideram adolescentes, eu digo os pré-adolescentes, mas o que que acontece tem os pré-adolescentes, tem aqueles que são bem infantis ainda e tem aqueles que já estão além da pré-adolescência".
Diferenças quanto ao gênero
Tal categoria aponta que, para as professoras, é nítida a diferença do comportamento e rendimento das meninas e dos meninos no 5º ano. Percebem uma disposição maior das meninas para assumir responsabilidades, o que pode ser reforçado culturalmente. L. (Escola 2) ilustra: "Percebo assim elas mais maduras para o trabalho, mais que os meninos, porque eles ainda estão na fase do jogo, do futebol, tudo gira em torno disso";ou ainda a professora C. (Escola 1): "As meninas são muito mais maduras, no sentido assim responsáveis pelas tarefas que elas têm que apresentar, pelos trabalhos que elas têm que fazer do que os meninos".
5º ano prepara para o sexto ano
Nesta categoria, os conteúdos revelam que o 5º ano marca o final de um ciclo do ensino fundamental e demonstra uma preocupação maior dos professores em atender as necessidades dos alunos e levar em conta sua imaturidade emocional para lidar com certos conteúdos e outras exigências. Uma transição guiada distinta daquela da quarta para a quinta série, como menciona a professora D. (Escola 1): (...) "Então o que é o 5º ano aqui é trabalhar o 5º ano com a preocupação intensa com o 6º ano, para que vão para o 6º ano e não tenham aquela transição como era da 4ª série para a 5ª série. Amenizar um pouquinho, não que não tenha".
Comportamento versus Rendimento escolar
Nesta categoria, revela-se que a curiosidade por aprender permanece no 5º ano, mas outros interesses interferem no rendimento. Os comportamentos dos alunos chamam mais atenção dos professores e são mais discutidos que suas dificuldades pontuais nas matérias, como refere a professora C. (Escola 1): "Eu acho que tem muito mais a mudança de comportamento, de assumir essa nova pessoa, uma pessoa mais responsável, mais madura. Mas eu acho que em relação ao rendimento não é uma coisa que acompanha, para mim, para minha matéria".
Necessidade de integração entre os professores do 5º ano
Aqui se agruparam os conteúdos que referem que a nova proposta do ensino fundamental de nove anos trouxe a questão da integração de cada ciclo no ensino, o que exige cooperação entre os professores, ilustrada pela fala da professora L. (Escola 2): "Outra coisa que a gente tem feito é me reunir com os outros professores, por exemplo: História... Ver o que ela tá trabalhando para poder entrar com algum texto, para que eu possa fazer a integração do nosso trabalho (...)".
Particularidades dos alunos que refletem no rendimento escolar
Nas falas das professoras, notou-se um olhar diferenciado, pois a leitura do contexto de cada uma faz com que se mude a ideia que o fracasso escolar deve ser somente responsabilidade do aluno. R. (Escola 2): "(...) O comportamento acho que influencia bastante no rendimento. Em uma sala de aula, tem aquele desorganizado, aquele com problema na família. Então, tu tens que lidar com todas essas coisas ao mesmo tempo".
DISCUSSÃO
O presente estudo focalizou o relato das professoras de 5º ano em relação aos seus alunos diante do momento de transição de uma metodologia de ensino de unidoscência para plurisdoscência no ensino fundamental de nove anos. Em relação ao rendimento escolar, o professor e suas características pessoais têm se mostrado importantes agentes no processo de ensino-aprendizagem e do aproveitamento da criança na escola (Martini & Del Prette, 2002).As entrevistadas destacaram que o docente precisa assumir um papel de guia junto aos discentes. Nessa vivênciado 5º ano, é muito importante orientar os alunos, ajudá-los a estruturar uma rotina para que saibam administrar melhor os novos conteúdos e lidar com uma maior exigência das tarefas. Sendo assim, as expectativas das entrevistadas é de que tal experiência possa preparar e orientar os alunos de forma a minimizar as possíveis dificuldades nos anos escolares posteriores.
O papel do professor como facilitador reflete a importância afetiva e íntima que essa figura exerce no desenvolvimento dos alunos. Considerando a sala de aula como um espaço de interações sociais entre professores e alunos, pode-se dizer que a cada momento e em cada ação são mobilizados conhecimentos e afetos. Esses afetos podem ser percebidos pelos envolvidos como positivos ou negativos, dependendo da qualidade das relações estabelecidas no cotidiano. Os professores têm alguma teoria pessoal sobre seus alunos, o que influencia suas escolhas pedagógicas (Osti & Brenelli, 2013), implicando-os e tornando-os implicados na relação com seus alunos. Por conta dessas escolhas pedagógicas e suas interferências na relação professor-aluno, o rendimento escolar aparece nas entrevistas realizadas como uma preocupação constante em relação ao discente (na categoria Comportamento versus Rendimento escolar) e em relação ao fazer do docente (na categoria Mudanças na Metodologia de ensino).
A relação entre professor-aluno, quando positiva, está associada ao sucesso escolar, à confiança dos alunos nas suas capacidades, atitudes e motivações escolares (Barbosa, Campos & Valentim, 2011). Por outro lado, o fracasso, em grande parte dos estudos, ainda é vinculado ao aluno. O fracasso escolar centrado no aluno é um aspecto marcante na história da relação entre Educação e Psicologia, que legitimou, nesse contexto, um modelo clínico e reducionista (Oliveira-Menegotto & Fontoura, 2015). Na origem dessa relação, percebe-se uma concepção higienista, que justificava que o psicólogo, em sua prática nas escolas, selecionasse e classificasse as crianças (Tondin, Dedonatti & Bonamigo, 2010). Na década de 1980, a psicóloga Maria Helena Souza Patto realizou um estudo que trouxe à tona muitas críticas a esse modelo reducionista, resultando em uma das obras mais famosas, com a primeira edição publicada em 1990("A produção do fracasso escolar"), que até hoje serve como base para novos estudos sobre o tema do fracasso escolar (Carvalho, 2011). As contribuições das publicações dessa mesma autora fizeram repensar a prática profissional na área escolar, passando a serem consideradas outras implicações envolvidas no fenômeno do fracasso escolar, deixando-se de centralizar a figura do aluno e incluindo a reflexão sobre o papel do professor com suas implicações institucionais nesse fenômeno (Oliveira-Menegotto & Fontoura, 2015) e nos processos de "classificação e avaliação" de alunos.
Ensinar e refletir sobre uma formação integral do aluno parece caracterizar-se como um desafio para as participantes desse estudo. Essa mudança no ensino, estendendo para nove anos o ensino fundamental,parece ter feito com que elas repensassem sua prática pedagógica, tendo em vista que tiveram que se adaptar à nova proposta, indo além de uma preocupação com o conteúdo. Elas acreditam que, no atual modelo, os alunos ingressam no 5º ano muito imaturos, como referido na categoria 'Mudanças na metodologia de ensino'. A imaturidade emocional, conforme as mesmas,se reflete no comportamento dos alunos e parece ter feito com que as professoras mudassem sua forma de trabalhar, com vistas a se adaptar e respeitar a faixa etária trabalhada. Isto é, preocupar-se para quem e como o conteúdo é transmitido. Além disso, as entrevistadas relataram estar mais atentas ao processo de desenvolvimento pessoal do aluno do que ao seu rendimento escolar, entendendo este último apenas como um reflexo do primeiro, conforme a categoria 'Comportamento versus Rendimento'.Já no estudo de Osti e Breneli (2013), observou-se que o rendimento escolar, a partir da nota dos alunos, ainda se mostra vinculado ao processo de aprendizagem, com pouca valorização de aspectos emocionais e das práticas pedagógicas.
Outro aspecto apontado pelas entrevistadas em relação às mudanças no 5º ano, refere-se às transformações que dizem respeito ao desenvolvimento psicossocial do aluno, como apontado na categoria 'Postura dos alunos'. Conforme as professoras, eles vivem uma transição da infância para pré-adolescência, na qual as mudanças tendem a repercutir na relação do pré-adolescente com os pais, com os professores e consigo próprio. A atenção dirigida às exigências escolares pode ser, algumas vezes, desviada para as questões corporais da puberdade (Böck, 2008). É comum observar certa instabilidade no comportamento dos púberes, pois com frequência sintomas de mudança desaparecem, instalando-se novamente um comportamento infantil, revelando um movimento característico de oscilação entre atitudes e posturas pseudo-adultas e infantis. Os alunos, nessa fase, começam a se isolar e a diminuir a comunicação, podendo gerar uma mudança na sua conduta afetiva com os outros. Passam a não permitir que se intrometam no seu espaço, param de brincar com os antigos brinquedos, começam a se ofender com os papéis e atividades infantis e pedem aos que rodeiam que não o confundam com uma criança (Carvajal, 2001).
As professoras aproximam-se desse assunto também na categoria 'Diferenças quanto ao Gênero', na qual referem perceber as meninas como as que apresentam uma conduta mais madura em comparação aos meninos no quesito responsabilização pelas tarefas escolares. Esses dados aproximam-se dos trazidos por Osti e Brenelli (2013), Carvalho, Senkevics e Loges (2014) e Soares, Antunes e Aguiar (2015), em que as meninas costumam evidenciar melhor rendimento escolar e permanecer mais tempo na escola. Especialmente no estudo de Osti e Brenelli (2013), destacou-se a relação entre rendimento escolar e questões de gênero, tendo em vista que o grupo de alunos do referido ano com adequado rendimento escolar era composto por 35% de meninos e 65% de meninas. De forma semelhante, dos alunos considerados com rendimento insatisfatório, 85% eram meninos e 15% meninas.
Foi evidenciado ainda, no discurso das professoras na categoria '5º ano prepara para o 6º ano' que o principal objetivo do 5º ano parece ser a preparação para o 6º ano; tanto em termos de conteúdo como em relação aos objetivos socioafetivos, para que os alunos possam lidar melhor com essa próxima etapa sem a presença da regente. Dúvidas sobre o currículo do ensino fundamental de nove anos podem ser percebidas desde a implementação do novo sistema de ensino, já que a nova política educacional ampliou em um ano o ensino fundamental e foi realizada envolvendo poucas discussões com docentes, deixando-os despreparados para a nova realidade a ser enfrentada. Como qualquer fase de mudanças, está carregada de dúvidas, opiniões favoráveis e desfavoráveis, ansiedades, desconfortos e esperanças (Bertini, Caram, Cerminaro, Reali & Tancredi, 2008).
Ainda a respeito dessa 'preparação' alguns alunos começam a assumir mais responsabilidades no 5º ano com a maior exigência por parte dos professores em termos de conteúdo e do aumento da quantidade de tarefas; mas nem todos conseguem acompanhar. Conforme Almeida (2002), quando a escola não estimula a motivação e a cognição, dois componentes básicas da aprendizagem, pode-se afirmar que ela exige do aluno aquilo que não lhe proporciona. Para aprender, o aluno necessita entender, organizar, armazenar e evocar a informação. São processos cognitivos básicos a qualquer aprendizagem e realização cognitiva. Assim, as idiossincrasias de cada contexto e aluno parecem alterar seu rendimento escolar e seu comportamento na escola, conforme indicado na categoria 'Particularidades dos alunos que refletem no rendimento escolar'.
Ainda sobre essa categoria, pode-se notar que alunos intrinsecamente motivados se envolvem e permanecem na tarefa pelo desafio e interesse que a atividade lhes desperta, enquanto alunos extrinsecamente motivados cumprem as tarefas para obterem recompensas externas ou para demonstrarem suas competências e capacidades às outras pessoas. Os primeiros apresentam melhores índices de rendimento escolar, são menos ansiosos, são avaliados pelos professores como sendo os alunos mais esforçados e que melhor aprendem, além de demonstrarem índices elevados de autoconceito acadêmico e autoconceito geral, quando em comparação aos extrinsecamente motivados (Martini, Paiva & Boruchovitch, 2010).
O professor assume um papel fundamental, pois ele é quem trabalha diretamente com o aluno, devendo atuar de forma integrada e não isolada pensando cada um no seu conteúdo. Deve haver diálogo entre os professores, ao longo do ano letivo além dos conselhos de classe, como refere a categoria 'Necessidade de integração entre os professores do 5º ano'. Para isso, entende-se que o psicólogo é o profissional que pode facilitar e promover tais espaços de diálogo e integração. O corpo docente tem o direito de ter um espaço de escuta para que suas demandas sejam atendidas pelo psicólogo escolar (Neves, 2011). Essa parceria possibilitaria um trabalho articulado, beneficiando não apenas os professores e os psicólogos envolvidos, mas essencialmente os alunos e todos processos escolares (sociais e cognitivos, de comportamento e rendimento). Conforme Andrada (2002), o trabalho do psicólogo escolar com o corpo docente pode ressignificar as relações estabelecidas em sala de aula e dar ao professor uma visão de sua turma como um espaço de transformações e mudanças.
A prática do psicólogo escolar parece ainda estar ligada a um modelo reducionista que atende as demandas da escola de "consertar" os alunos, buscando "corrigi-los", focando sua atuação nos alunos-problemas (Aquino, Lins, Cavalcante & Gomes, 2015).Esse modelo deve ser revisto, pois apoiar a equipe pedagógica e atuar nas demandas dos professores pode auxiliar no processo de inserção nas escolas do psicólogo escolar. Segundo Souza (2007), a escola é um ambiente de paradoxos e contradições, onde existem diversos aspectos que atuam de modo a gerar sofrimento e fracasso escolar, sendo necessária uma contextualização e o cuidado para que não ocorra o raciocínio inverso de centralizar a responsabilidade pelo baixo rendimento dos alunos nos professores. Para que isso não ocorra, deve-se evitar uma postura vertical por parte dos psicólogos escolares, que impediria experiências ricas de interlocução com o corpo docente e, até mesmo, discente.
O aluno precisa responsabilizar-se pelos seus estudos, mas o professor não pode esquecer seu importante papel no processo de ensino-aprendizagem e que existe reflexo de sua relação na vida do aluno, mesmo que a nota ainda seja um fator relevante para avaliar o processo de ensino-aprendizagem. Percebe-se no discurso das entrevistadas uma preocupação maior com os alunos, com a implementação dos nove anos do ensino fundamental, em relação ao seu comportamento ou desenvolvimento sociocognitivo, ou seja, levar em conta a imaturidade emocional quando se deseja fazer exigências nas tarefas propostas. Isso faz com que a transição do 5º ano para os anos posteriores seja guiada e conduzida de forma que os alunos estejam cientes do que vão enfrentar com o apoio dos professores.
Em relação ao tema das transições na Educação Básica, a passagem da unidocência para a pluridocência no ensino fundamental é um importante foco de atenção e queixa nas rotinas escolares. Observa-se, atualmente,uma carência de estudos, na área da Psicologia Escolar, sobre esse momento singular da vida acadêmica,principalmente diante da reforma curricular. Sendo assim, estudos futuros são necessários para problematizar as dificuldades que ocorrem na prática na implementação do ensino fundamental de nove anos, sendo necessária a discussão de projetos que podem ou já são desenvolvidos em prol do bem-estar dos alunos. Além disso, acredita-se que a orientação aos professores, pela equipe pedagógica, é também espaço para acompanhamento e intervenção dos psicólogos escolares.
Existem limitações nos achados deste estudo, como o fato de a pesquisa ter sido realizada apenas em escolas particulares, não permitindo a comparação com o 5º ano de escolas públicas e a reflexão acerca da percepção dos professores em outros contextos quanto ao rendimento e mudanças comportamentais. Para ampliar essa problemática, estudos poderiam contemplar o relato de dirigentes, que pensam e orientam as práticas nas escolas, em contextos públicos e privados. Além disso, seria importante incluir os relatos dos psicólogos escolares, para compreender quais as demandas são por eles vivenciadas nesta etapa.
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