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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.8 n.1 Brasília 1988
O relato de um caso
Marta Cristina Ortiz
Como esclarecimento, é preciso dizer que, devido ao caráter sigiloso dos processos da Justiça de Menores, tive que omitir os dados de identidade das "partes", tais como nome, endereço etc. e substituí-los por outros fictícios.
Dona Maria tem 38 anos e com o companheiro teve quatro filhos (Adriana, nascida em 1976; Osvaldo, em 1977; Arnaldo, em 1979; Adilson, em 1982). Em 1983, este companheiro saiu de casa para trabalhar e nunca mais voltou. Desempregada, Dona Maria viu-se sozinha com os 4 filhos. Nessa época, morava numa das favelas mais violentas da zona oeste da cidade de São Paulo.
Em fevereiro de 1983, Dona Maria procurou espontaneamente o Juizado de Menores em busca de apoio na resolução de seus problemas. Alegava, principalmente, falta de condições materiais para ter as crianças consigo, além da falta de segurança na favela. Nenhuma das crianças freqüentava a escola. Nesse mesmo dia, tendo sido entrevistada pelos setores de Serviço Social e de Psicologia, o juiz determinou a internação e os menores foram levados para a Unidade de Triagem da FEBEM-SP.
Um mês depois, quando foi visitar seus filhos pela primeira vez na instituição, Dona Maria os considerou maltratados e conseguiu à revelia da instituição levar embora as três crianças mais velhas. Esta "desinternação" espontânea foi comunicada à Vara de Menores e o juiz determinou a realização de visita domiciliar pelo Serviço Social. O relatório desta visita sugere como "tratamento social" uma "terapia de apoio" e o auxílio da Lei 560, destinado às famílias de baixa renda. Prevê, porém, a futura reinternação dos menores por falta de melhores alternativas de solução para o problema.
Dois meses depois da visita domiciliar, Dona Maria vem à Vara de Menores pedir a reinternação dos filhos. Desta vez, as crianças ficaram mais de um ano na FEBEM, tendo sido, inclusive, transferidos da Unidade de Triagem para as Unidades de Permanência. Durante este período, a mãe esteve sob orientação das equipes técnicas desta entidade. Percebe-se uma posição clara destas equipes no sentido de preparar a desinternação das crianças, orientando sempre a mãe para tentar melhorar suas condições de vida: arrumar um emprego fixo, mudar-se para um local de moradia mais adequado, pedir ajuda a parentes. Já o setor Social da Vara de Menores refuta todos os argumentos favoráveis à desinternação e propõe e permanência dos menores na FEBEM.
No início de 1986, um relatório técnico da FEBEM informa à Vara de Menores que Dona Maria foi retirando, aos poucos, todas as quatro crianças internadas, sob o pretexto de levá-las para passar as férias em casa e nunca mais as devolveu. Elas são dadas como desinternadas. Vão morar com a mãe em outra favela, onde vivem vários parentes.
Em abril de 86, Dona Maria comparece à Vara de Menores para pedir a reinternação dos filhos. O Setor Social, porém, consegue convencê-la a não fazê-lo, prometendo conseguir-lhe uma ajuda financeira do IAFAM. Um novo dado, porém, vem alterar o andamento do processo: um Boletim de Ocorrência, feito numa Delegacia de Polícia do bairro, relata as condições precárias e os maus-tratos sofridos pelos filhos. Dona Maria reconhece os espancamentos. Imediatamente, é determinada a busca e apreensão para reinternação dos menores.
Pela segunda vez, desde o início do processo, Dona Maria foi atendida pelo Setor de Psicologia da Vara de Menores. As crianças estavam com ela. Enquanto era entrevistada, Osvaldo (9 anos) fugiu para não ser internado. O parecer psicológico foi favorável à internação dos menores. No mesmo dia, em seguida à decisão judicial, 3 das crianças foram para a FEBEM.
Dois meses depois, antes que qualquer relatório da FEBEM fosse encaminhado à Vara de Menores, Dona Maria compareceu, juntamente com Osvaldo e Arnaldo, para pedir a desinternação de Adriana. A sugestão do Setor de Psicologia foi que se fizesse um estudo mais aprofundado e que fossem requisitados relatórios às Unidades da FEBEM que acolheram Adriana, Osvaldo e Arnaldo. A equipe técnica da Unidade em que se encontrava Arnaldo logo se manifestou. Dona Maria havia obtido uma autorização da própria Unidade para levar Arnaldo para passar o domingo em casa e nunca mais foi levá-lo de volta. Tentou se utilizar do mesmo expediente na Unidade em que se encontrava Adriana, mas ali ficou ciente de que só a retiraria com autorização judicial.
Nesta situação descrita até aqui, as equipes técnicas das Unidades da FEBEM e as da Vara de Menores chegaram, conjuntamente, a uma possível solução.l) reinternar Arnaldo e Osvaldo, mesmo à revelia da genitora; 2) encaminhar os quatro irmãos à Unidade (UE-13) da FEBEM que aceita crianças de ambos os sexos e de uma ampla faixa etária; 3) submeter a mãe à orientação e acompanhamento por parte de uma só equipe técnica. No início de dezembro de 1986, o juiz determinou a busca e apreensão dos menores para reinternação. Aqui termina o nosso relato.