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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.34 no.35 São Paulo  2024  Epub 24-Jun-2024

https://doi.org/10.37388/cp2024/v34n35a01 

EDITORIAL

EDITORIAL

Marlene Coelho Alexandroff1 

1Editora Científica


Tudo o que digo sobre as crianças brincando realmente aplica-se também a adultos, apenas é mais difícil descrever o que acontece quando o material do paciente aparece predominantemente em termos de comunicação verbal. A meu ver, a expectativa de encontrarmos o brincar na análise de adultos deve ser tão grande quanto no trabalho com crianças. Ela se manifesta, por exemplo, na escolha de palavras, nas inflexões de voz, como também, com certeza, no senso de humor (Winnicott, 1975, p. 61).

A revista “Construção Psicopedagógica” busca contemplar os leitores com um conteúdo atual e sob múltiplos olhares. A sua missão é divulgar o conhecimento em relação à aprendizagem e ao desenvolvimento humano, nas suas diversas facetas.

Este número traz, mais do que nunca, uma preocupação com a prática psicopedagógica, trazendo importantes pesquisas que mesmo não sendo diretamente ligados a essa pratica, amplia as oportunidades de intervenção. Assim, abordando a psicologia analítica e a construção da subjetividade, seja na escrita e na constituição do sujeito, tendo Jung e Winnicott como balizadores de vários desses textos, eles trazem uma interlocução entre a educação e a psicologia. Na busca de uma sociedade mais igualitária e justa, temos a discussão do racismo em dois artigos que abrem espaço para o desenvolvimento do espírito crítico, desde as os anos iniciais. Traz também a questão da neurociência e suas possibilidades. Encerra com uma discussão atual e desafiante: a questão da indisciplina, violência e bullying em nossa escolas.

Nosso primeiro artigo nos traz o tema ENTRELINHAS DO CRIAR, escrito por Claudia Mazini Perrotta, do Instituto Sedes Sapientiae, SP.. O artigo tem como objetivo apresentar um fazer clínico psicanalítico no campo da escrita, destacando a importância de espaços potenciais de trabalho, em que a parceria afetiva entre terapeuta e paciente possa sustentar inquietações geradas diante da necessidade e do desejo de escrever. A autora, tendo como base Winnicot, analisa o processo de criação de uma mulher que a procurou no espaço terapêutico da escrita, trazendo as intervenções possíveis no processo de criar um texto.

A escrita dá à luz pensamentos, necessitando também de um trânsito pelas dores psíquicas que fazem parte de qualquer criação humana. O texto psíquico que habita em nós é infinito - como o inconsciente, trata-se de uma constante imanência. Assim como as crianças brincam, os adultos jogam e brincam com palavras e teorias, sonham seus textos que são ofertados ao mundo, aguardando a hospitalidade do outro, um leitor no futuro que dê vida novamente ao texto. No espaço potencial de um processo analítico, aqui tendo a escrita como objeto mediador, construímos, a quatro mãos, narrações transformadoras, interpretações narrativas, construções, com seu infinito leque de personagens e composições singulares.

O próximo artigo MITOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA EM MOGLI O MENINO LOBO: O RESSOAR METAFÓRICO NA INFÂNCIA, produzido por Mariana Harumi S. Fugikawa, do instituto de Psicologia analítica de Campinas. IPAC/AJB. Este artigo que tem a finalidade de analisar a história contada pelas imagens e trama do filme de animação Mogli, o Menino Lobo. As imagens fílmicas são olhadas aqui pelo viés da Psicologia Analítica e da mitologia, nos amparando na leitura dos personagens principais da história de Mogli e de sua narrativa. Para essa análise, a autora se utiliza das ideias de Jung.

O filme contextualiza o personagem como um menino que passa por diversos desafios. Seu desenvolvimento se entrelaça a trama que faz dele um guerreiro que cumpre sua saga, e as crianças quando recebem essas imagens fílmicas, podem sentir um encontro com as próprias imagens, vencendo os desafios da infância em prol da autonomia e do desenvolvimento, saga necessária em todo desenvolvimento infantil.

O artigo de revisão escrito por Barbara Frigini De Marchi, da Universidade Federal do Espírito Santo., Kelly Guimarães Tristão, do Centro de Psicologia Analítica do Espírito Santo e Rafael Moura Altoé, da Secretaria de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, A MULHER E O FEMININO NA PSICOLOGIA ANALÍTICA: UMA REVISÃO DE ESCOPO. Este estudo teve como objetivo identificar e sintetizar as pesquisas científicas nacionais a respeito da mulher e do feminino no campo da Psicologia Analítica. Para tanto, foi desenvolvida uma revisão de escopo por meio de buscas de artigos científicos publicados em português entre os anos de 2002 a 2022, nas bases de dados SciELO, PePSIC e LILACS. Foram identificados, inicialmente, 139 trabalhos que, após o processo de seleção, resultaram em sete. Esses foram analisados conforme a análise de conteúdo e categorizados em dois núcleos de sentido, sendo eles: relacionamentos e transtornos alimentares. Trata-se um artigo denso, mas extremamente relevante para se compreender o papel da mulher na contemporaneidade.

Apesar de o tema do feminino e da mulher suscitar diversas controvérsias no meio acadêmico junguiano e, portanto, demandar cautela em sua discussão, também carece de aprofundamento e reflexão, tendo em vista, sobretudo, que a emancipação das mulheres – iniciada no século XIX – mudou, ao menos no Ocidente, o cenário da vida feminina. Assim, as mulheres experienciam, na contemporaneidade, uma situação inédita em termos históricos, sociais e psicológicos com o deslocamento da centralidade do lar e da família, a entrada no mercado de trabalho, a maior escolarização e a conquista do direito sobre seus corpos [...]

O relato de pesquisa, escrito por Maria Aparecida de Carvalho e Rosa Maria Tosta, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP - A PARTICIPAÇÃO DO CUIDADO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA, tem como objetivo apontar a percepção que educadoras – professoras e coordenadora – de um Centro de Educação Infantil (CEI) da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) têm sobre o cuidado praticado em suas funções diárias, como parte do desenvolvimento emocional infantil, bem como que lugar esse conhecimento opera na prática cotidiana. O estudo empregou o método psicanalítico para a análise de cinco entrevistas semi dirigidas, realizadas em uma unidade educacional. A faixa etária (0 a 3 anos e 11 meses) atendida pelos CEIs compreende uma fase do desenvolvimento à qual importantes autores da psicanálise conferem relevância. A explanação do tema se deu a partir dos excertos extraídos das entrevistas, fundamentadas na psicanálise – especialmente de Donald W. Winnicott.

Verificou-se que a maior parte das educadoras, de fato, não apresenta referência discursiva sobre conhecimentos acerca do desenvolvimento emocional infantil, explicitamente referendado pela psicanálise. Entretanto, foi possível observar que a prática relatada e a documentação oficial, a qual determina os parâmetros da educação infantil, estão, em alguma medida, pautadas pela psicanálise. Ou seja, embora as professoras não tenham ciência disso, certos preceitos da psicanálise se encontram presentes em suas práticas cotidianas.

As propostas pedagógicas se apresentam associadas às práticas de cuidado; cuidar e educar permanecem, portanto, como atividades indissociáveis. O propósito de possibilitar integração entre os aspectos físicos, sociais e afetivos encontra-se nos parâmetros pedagógicos oficiais. Tal intenção foi expressa em muitos relatos das professoras, o que indica que elas estão apropriadas desta ideia.

O artigo, PERCEPÇÕES DE DOCENTES DA EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRE RELAÇÕES RACIAIS, escrito por Marcela Silva Baccelli e Cristiano Andrade de Jesus, da Universidade Ibirapuera, S.P., Miria Benincasa e Rosa Maria da Silva Frugoli, da Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo nos traz um recorte da tese de doutorado intitulada “Percepções de docentes da educação infantil sobre gênero, relações raciais e saúde” que possui entre os seus objetivos analisar as percepções de docentes da educação infantil sobre relações raciais. A pesquisa de campo foi realizada com quatorze docentes de duas escolas particulares e de duas escolas públicas municipais do Município de Guarujá, por meio de um questionário socioeconômico-cultural e, uma entrevista semi dirigida. Os resultados evidenciaram que os conteúdos referentes à percepção das relações raciais no âmbito escolar sugerem romantização da infância, o silenciamento diante de situações de preconceito e discriminação. Destaca-se ainda o desconhecimento da maioria dos(as) docentes analisados acerca da Lei nº 10.639/2003.

A conclusão do estudo nos faz refletir sobre a urgência da conscientização da escolas e dos professores desde a educação infantil.

Assim, sendo a escola, juntamente com a ciência, reconhecidas como instrumentos de produção de racionalidade, as encontramos fundamentadas na ideologia racista. Embora a existência da lei, o conhecimento, e a implicação dela representa sutilmente a permanência das relações de dominação e exploração.

Conclui-se que o racismo institucional está presente nas instituições de educação, agindo de maneira imbricada em todos os seus processos. Logo, torna-se indispensável pensar a categoria raça desde a educação infantil, e na formação continuada dos/as docentes.

Monique Ferreira Monteiro Beltrão, da EBWU- Flórida- USA nos traz o artigo baseado em sua tese de doutorado ANÁLISE SOBRE A NEUROCIÊNCIA APLICADA NA ESCOLA, ESPAÇO DE CONHECIMENTO, DE PESQUISA E DE APRENDIZAGEM. DESAFIOS E PERSPECTIVAS EM TEMPOS ESCOLARES. ALGUMAS POSSIBILIDADES. O objetivo da pesquisa em que se baseou o artigo é fortalecer a discussão com reflexões, produções e estudos que mostrem a possibilidade de se incluir a neurociência como prática e ajuda ao professor nas estratégias escolares e aulas atuais para melhorar a aprendizagem dos alunos. Com base na pesquisa com as famílias e os professores procurou-se esclarecer a necessidade desta inclusão nas ações pedagógicas, construindo possibilidades e inovações para o processo de aprendizagem, buscando compreender e contribuir com o momento atual.

O conhecimento sobre as neurociências proporciona aos docentes a base para a compreensão de como seus alunos aprendem. Desta forma os docentes podem compreender melhor o funcionamento cerebral, favorecendo as operações mentais implícitas na aquisição do conhecimento que pretendem alcançar com o processo ensino e aprendizagem (OLIVEIRA, 2011).

FOME DE APRENDER: CONTRIBUIÇÕES DO LETRAMENTO RACIAL PARA A PSICOPEDAGOGIA, Paulo Sérgio de Oliveira Júnior, do Instituto Sedes Sapientiae, SP, nos apresenta o presente artigo, fruto da experiência clínica obtida durante a especialização e que avalia as ideias de Letramento Racial Crítico como possível contribuição para a Psicopedagogia. Para tanto, é feita uma revisão bibliográfica, destacando os conceitos da Psicopedagogia acerca da dificuldade de aprendizagem, déficit de aprendizagem e fracasso escolar, principalmente. Também são retomados os conceitos de Letramento e Alfabetização para que possa ser introduzido o termo Letramento Racial Crítico. Por fim, o artigo apresenta um estudo de caso de uma paciente negra com dificuldades de expressão escrita, apresentando os recursos utilizados para a intervenção, por meio de objetos culturais de origem afrodescendente (filmes e textos de temática negra).

O termo letramento foi introduzido, pela primeira vez, por Kato (1986), em seu trabalho No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. A autora, preocupada em construir uma teoria da aprendizagem da linguagem escrita, reflete sobre a função da escola que é a de formar cidadãos letrados, capazes de usar a linguagem escrita para as demandas sociais desse tipo de linguagem

O termo letramento racial crítico foi criado por Aparecida de Jesus Ferreira, professora do curso de Letras da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), Doutora e Pós-Doutora pela University Of London, que propõe o uso da escrita para se pensar raça, racismo e a identidade negra.

A autora compreende que a área da linguagem deve ser uma espaço para a formação de indivíduos críticos e reflexivos, o que inclui a temática do racismo que, para a pesquisadora, precisa mobilizar todas as identidades (branca, negra etc.), a fim de que tenhamos uma sociedade mais igualitária e justa.

O estudo de caso, demonstra que:

O Letramento Racial Crítico e os objetos culturais selecionados para os atendimentos com Dandara (O Pequeno Príncipe Preto, Parece Comigo, Hair Love) tornaram-se importantes elementos para que Dandara, olhando para si, pudesse ressignificar seu lugar de aprendente. Nas palavras da jovem: “Hoje não me considero mais esforçada, mas sim lúdica.” Quando a escrita deixa de ser uma experiência traumática e se torna uma brincadeira, a Psicopedagogia, então, alcançou o seu propósito.

Por fim, apresentamos a resenha, escrita também por Paulo Sérgio de Oliveira Júnior, do Instituto Sedes Sapientiae, SP, INDISCIPLINA, VIOLÊNCIA E BULLYING: UM DESAFIO PARA OS GESTORES ESCOLARES, baseado no livro de Márcia Gallo, produzido pela Nova Literarte, 2019. A autora tem experiência como docente em cursos de graduação, trabalhando temas da área da Educação, como gestão escolar, parceria família-escola, projetos educacionais e formação de professores. Como gestora de uma escola municipal em São Caetano do Sul, presenciou uma cena de violência envolvendo uma professora e um aluno, o qual suicidou-se.

A obra está dividida em três partes: “Gestão, indisciplina, violência e bullying”, “A gestão e as vivências traumáticas nas escolas” e “Construindo pontes: a responsabilidade de cada um”. Partindo de uma abordagem histórico-social, Gallo introduz o conceito de “paradigma” e, a partir das reflexões de David Harvey, presentes em Condição pós-moderna, sintetiza os três principais modelos sociais seguidos pela humanidade: o paradigma pré-moderno, em que se buscava explicar a natureza, sem se apartar dela; o paradigma moderno, cuja marca é civilizar a natureza; e o paradigma pós-moderno, cuja marca principal está no seu caráter de mudança, de multiplicidade, a ponto de redefinir termos como ordem e caos, entendido este último como uma forma de auto-organização de um sistema a partir de uma perturbação social. Isso porque a educadora parte do princípio de que a cultura da escola é um reflexo da sociedade em que se encontra.

Desta forma, Gallo destaca o paradigma da pós-modernidade, pelo fato de este requerer, de um gestor, competências múltiplas e diferenciadas, aplicadas no ambiente escolar e identificadas por ela: a perda da racionalidade e da fé no progresso, para aqueles educadores que valorizam métodos tradicionais de ensino; o desencanto e a indiferença, diante de condições negativas e indesejáveis na escola; autonomia, diversidade e descentralização, no empreendedorismo escolar, na variedade de cursos, profissões e na terceirização de serviços escolares; a primazia da estética sobre a ética, no destaque para a indústria da arte e do entretenimento; o multiculturalismo e a aldeia global, com novas ondas de migração e, também, superficialidade nas relações

Gallo elenca sugestões de programas que podem ser trabalhados na escola, como medida preventiva. É o caso do programa “Educar para a paz”, “disciplina restaurativa”, trabalhos para lidar com conflitos, a implantação de contratos pedagógicos e de assembleias de classe etc

Muito respeitosa ao relatar o incidente vivido, a autora encerra o livro com a retomada das ideias de Paulo Freire acerca da autonomia, uma das marcas da gestão participativa, formada a partir da participação e da responsabilização de todos os grupos e equipes que compõem a dinâmica escolar.

A apresentação de referências teóricas, de dados de pesquisa e de relatos exitosos de experiência torna “Indisciplina, violência e bullying: um desafio para os gestores escolares” leitura obrigatória para todas as pessoas que almejam uma carreira profissional na área da Educação, seja do lado de dentro dos muros da escola, seja do lado de fora. Ler a obra de Márcia Gallo demonstra que a autora não perdeu o encanto pela Educação. Ao contrário: renovou suas forças para apresentar caminhos outros para o ensino, mas repletos de esperança.

Finalizamos este número da “Revista Construção Psicopedagógica”, agradecendo aos autores que contribuíram com a presente edição, que com a riqueza de suas experiências compartilhados conosco, potencializaram a reflexão e o fazer psicopedagógico,

E a você, caro leitor, muito obrigada pela companhia na leitura dos textos e o convidamos para que nos ajude na divulgação de nossa revista. Esperamos também que você nos alegre com a sua contribuição para o próximo número. Seu artigo será muito bem-vindo! Ele é muito importante para nós!

Marlene Coelho Alexandroff
Editora Científica

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