Introdução
A Psicologia Analítica – também conhecida como Psicologia Junguiana ou Psicologia Profunda e fundada por Carl Gustav Jung (1875-1961) – ocupou-se, desde o início, com questões pertinentes à saúde mental (TRISTÃO, 2018), o que se revela também na educação, a qual o médico considerava como aspecto crucial ao desenvolvimento e ampliação da consciência, dado que proporciona um rico campo de experimentação aos indivíduos desde a mais tenra idade (SILVEIRA; MARTINS; BURITY, 2019). Nesse sentido, as investigações de Jung se apropriaram de variados caminhos e conhecimentos, tais como os advindos da história da humanidade, da biologia e das religiões, com o intuito de alcançar sólida compreensão a respeito dos fenômenos psicológicos (PÁDUA; SERBENA, 2018).
Apesar de as ideias junguianas terem sido alvo de críticas e oposições pela comunidade científica até meados do século XX, hoje a Psicologia Analítica tem sido aplicada a diversos campos de saber, a exemplo da sociologia, pedagogia e psico educação. A corrente teórica e prática está, desse modo, alinhada a uma visão integrativa, holística e construtiva do conhecimento (PENNA, 2005).
Nesse cenário, é válido ressaltar que foi uma mulher umas das principais responsáveis por difundir o pensamento junguiano no Brasil e, também, na América Latina: a renomada (e caracterizada como “rebelde”, já que não cedia às práticas hegemônicas de sua época) psiquiatra Nise da Silveira (MACEDO, 2021). Além dela, é preciso destacar outras reconhecidas colaboradoras de Jung, como Marie-Louise von Franz, Aniela Jaffé, Toni Wolff, Jolande Jacobi, Esther Harding e Emma Jung, no que tange à estruturação e divulgação da Psicologia Analítica (HENRIQUES; OLIVEIRA, 2020). Interessa pontuar também que, no Brasil, pesquisa desenvolvida por Caetano (2017), a partir do emprego de questionário virtual a 282 terapeutas de abordagem junguiana, demonstrou que a maioria desses profissionais (cerca de 80%) é composta justamente por mulheres.
Apesar de o tema do feminino e da mulher suscitar diversas controvérsias no meio acadêmico junguiano e, portanto, demandar cautela em sua discussão, também carece de aprofundamento e reflexão, tendo em vista, sobretudo, que a emancipação das mulheres – iniciada no século XIX – mudou, ao menos no Ocidente, o cenário da vida feminina. Assim, as mulheres experienciam, na contemporaneidade, uma situação inédita em termos históricos, sociais e psicológicos com o deslocamento da centralidade do lar e da família, a entrada no mercado de trabalho, a maior escolarização e a conquista do direito sobre seus corpos (VANALI; KOMINEK; BOBER, 2023; PARISI, 2009; PEREIRA; FAVARO; SEMZEZEM, 2021). Além disso, vive-se em uma sociedade marcadamente bombardeada de urgências, informações, estímulos e obrigações, contexto em que os ciclos femininos que permeiam tanto o “ser-mulher” quanto o “ser-mãe” (como a menstruação, a gestação, o parto e a amamentação, por exemplo) foram condenados ao ostracismo e compreendidos como eventos desconfortáveis e desagradáveis que acabam por serem medicalizados e “normalizados” (RAMOS; TRISTÃO, 2017).
É crucial acrescentar que a aplicação da Psicologia Analítica à pesquisa científica promove uma série de possibilidades de atuação profissional que extrapolam o fazer clínico, sendo, em verdade, um desafio à área. Tendo como forma de compreensão da realidade a perspectiva simbólica arquetípica, é, pois, possível investigar fenômenos nos âmbitos individuais e coletivos (PENNA, 2005). Diante dessas considerações, este estudo teve como objetivo identificar e sintetizar as pesquisas científicas nacionais a respeito da mulher e do feminino, cujo enfoque seja o da Psicologia Analítica. Apresentam-se, a seguir, os passos percorridos para seu alcance.
Metodologia
Delineamento
Foi desenvolvida uma revisão de escopo, metodologia transversal adequada a tópicos amplos (CORDEIRO; SOARES, 2019) e que tem se destacado mundialmente no campo da saúde (PHAM ET AL., 2014), da qual, como se sabe, a ciência psicológica faz parte. Além disso, apresenta utilidade para sintetizar evidências e mapear a literatura em uma área de saber específica no que tange a natureza, recursos e volume (PETERS ET AL., 2015), o que pode fornecer subsídios para a identificação de conceitos e também de lacunas na pesquisa (ARKSEY; O’MALLEY, 2005).
A questão de investigação que guiou este estudo foi: como a mulher e/ou o aspecto do feminino têm sido explorados no recorte junguiano, no cenário da literatura científica nacional? Para respondê-la, foram seguidas as recomendações de Arksey e O”Malley (2005), a saber: identificação da pergunta norteadora e dos estudos relevantes, seleção desses, mapeamento, agrupamento e resumo das informações e, por fim, relato dos resultados.
Procedimentos de coleta e análise de dados
O levantamento dos dados ocorreu no período de 20 de setembro a 03 de outubro de 2022, por meio de buscas em três bases de dados indexadas: Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO), Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS) e Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC). Utilizaram-se as palavras-chave e operadores booleanos “feminino” OR “mulher” AND “Jung” OR “Psicologia Junguiana” OR “Psicologia Analítica”.
Elencaram-se como critérios de inclusão das publicações: modalidade de artigo científico, disponível na íntegra, escrito em língua portuguesa (brasileira), entre o período de janeiro de 2002 a setembro de 2022, perfazendo um total de 20 anos. Já como critérios de exclusão, consideraram-se ser publicação incompleta e/ou redigida em língua estrangeira, com data superior a duas décadas, bem como consistir em dissertação, tese, resenha ou capítulo de livro. É possível verificar, na tabela 1, os dados relativos às pesquisas empreendidas e seus resultados numéricos.
Estratégia de busca | Bases de dados | Referências encontradas |
---|---|---|
“feminino” OR “mulher” AND “Jung” | SciELO | 0 |
LILACS | 18 | |
PePSIC | 3 | |
“feminino” OR “mulher” AND “Psicologia Junguiana” | SciELO | 1 |
LILACS | 16 | |
PePSIC | 0 | |
“feminino” OR “mulher” AND “Psicologia Analítica” | SciELO | 3 |
LILACS | 94 | |
PePSIC | 4 |
O processo de busca resultou, portanto, em 139 artigos. Desses, 49 foram excluídos por consistirem em duplicações, totalizando 90 publicações para análise preliminar. Após a leitura cuidadosa dos títulos, foram eliminados mais 74 trabalhos, pois não atendiam aos critérios de inclusão estabelecidos. Dos 16 restantes, procedeu-se à leitura dos resumos, excluindo-se da amostra mais nove trabalhos – mais uma vez, por não atenderem completamente aos critérios deste estudo – e definindo-se a amostra final em sete artigos. Estes foram lidos na íntegra e caracterizam a discussão proposta neste estudo.
Vale acrescentar que, para a organização dos dados, foram utilizados três formulários de registro. O primeiro deles fora destinado à organização de todos os 139 artigos da busca inicial, enquanto o segundo continha os materiais excluídos devido à repetição ou ao não cumprimento dos critérios de inclusão. O terceiro, por sua vez, armazenava as informações das publicações que compõem a amostra final.
Tais resultados foram analisados tendo como suporte técnico e teórico a Análise de Conteúdo de Bardin (2011), em viés qualitativo, a qual é um dos procedimentos clássicos para o tratamento de material textual e tem como uma das principais características a utilização de categorias (FLICK, 2009). Sua utilização pressupõe três fases fundamentais e sequenciais que consistem na pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação (BARDIN, 2011).
Resultados
Características dos estudos
Percebeu-se que todos os artigos analisados, listados na Tabela 2, foram conduzidos a partir de metodologia qualitativa e na modalidade estudo de caso (único ou múltiplos). Além disso, concentraram-se no intervalo temporal de 2002 a 2021, conforme a seguinte distribuição: 2002 (n=1), 2012 (n=2), 2018 (n=1), 2019 (n=1), 2020 (n=1) e 2021 (n=1). Pode-se constatar, assim, que a maior expressividade de publicações na área ocorreu nos últimos 11 anos.
Título | Autor/Ano | Objetivo |
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Psicodinâmica da mulher trabalhadora de meia-idade em fase de pré-aposentadoria | Leão e Gíglio (2002) | Analisar o processo de aposentar-se como um fenômeno de transição na meia-idade, investigando como uma mulher trabalhadora, com alto nível de qualificação profissional, vivencia a proximidade da aposentadoria e o que orienta suas expectativas de vida. |
Mulheres e o abandono da figura paterna: considerações teórico-clínicas a partir da psicologia analítica | Lima (2012) | Demonstrar, a partir de vinhetas clínicas, as consequências negativas trazidas às vidas de mulheres pela experiência de terem sido abandonadas pela figura paterna. |
Análise do discurso feminino sobre casamento e maternidade na perspectiva simbólica junguiana | Malerbo e Noce (2012) | Observar como os contos de fadas estão presentes na vida da mulher em seus relacionamentos amorosos, em suas concepções de mãe/mulher e nas idealizações construídas no decorrer de sua vida. |
A metamorfose de Adelina Gomes: gênero e sexualidade na psicologia analítica de Nise da Silveira | Magaldi (2018) | Compreender o lugar da Psicologia Analítica em relação à construção diferencial do feminino e do masculino no registro psicológico, em contraposição tanto a Freud quanto à medicina somática. |
Imagens arquetípicas na série de sonhos de um caso de bulimia nervosa | Figueiredo et al. (2019) | Analisar, a partir da Psicologia Analítica, uma série de sonhos, explicitando a dinâmica psíquica e os aspectos do complexo alimentar de uma paciente de 24 anos, com diagnóstico de bulimia. |
O complexo cultural e o complexo do comer: um estudo com mulheres obesas | Figueiredo et al. (2020) | Investigar os fenômenos psicológicos e culturais envolvidos na obesidade. |
Complexos culturais e contribuições feministas para a Psicologia Analítica | Lima e Faria (2021) | Investigar as experiências de mulheres participantes de coletivos feministas, na intenção de compreender suas motivações e vivências, contemplando como veem o trabalho realizado, refletindo sobre conquistas, obstáculos e desafios. |
Já quanto aos temas abordados, foram encontradas regularidades que permitiram definir duas categorias de sentidos, sendo elas relacionamentos (n=05) e transtornos alimentares (n=02). No tópico a seguir, essas são apresentadas e aprofundadas.
Análise e discussão dos estudos
Relacionamentos
Neste núcleo temático, foram reunidos os estudos de Leão e Gíglio (2002), Lima (2012), Malerbo e Noce (2012), Magaldi (2018) e Lima e Faria (2021), os quais discutem diferentes tipos de relacionamentos femininos, seja das mulheres consigo mesmas, com parceiros sexuais, com familiares (filhos e genitores homens) e, ainda, com coletivos. Apesar de se dedicarem a diferentes aspectos do relacionar-se, os autores compartilham, direta ou indiretamente, noções a respeito do processo de individuação, tema caro à Psicologia Analítica desde seu início.
Entendida como o desenvolvimento da totalidade, a individuação demanda a integração de vários componentes da psique no sentido do crescimento pessoal, possibilitando que a pessoa se torne um ser singular (JUNG, 1971/2011; VON FRANZ, 1995) e, portanto, diz respeito ao despertar e desenvolvimento da consciência, o que perdura por toda a vida (STEIN, 2020). Assim, a individuação é, em especial, “o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser distinto do conjunto, da psique coletiva” (JUNG, 1921/2012, p. 467), o que o situa, simultaneamente, em sua particularidade e em sua dimensão transcendente (VILHENA, 2009), num devir da personalidade (WIDMER COSTA NETO, 2018). No entanto, esse caminho de tornar-se si mesmo, apesar de individual, não é solitário. Como afirma o próprio Jung (1971/2011), consiste, ao mesmo tempo, em um processo interior e subjetivo, como também objetivo de relação com o outro, em que assumir a responsabilidade pelas escolhas e atitudes é a maior tarefa a ser cumprida (PARISI, 2009).
Tomando-se cada trabalho desta categoria em separado, o de Leão e Gíglio (2002) aborda o processo de aposentadoria de uma mulher de meia-idade e seus significados psicológicos, entendendo-o como uma crise e tentativa de autoajuste perante uma situação de mudanças pessoais e de papéis sociais. Os autores salientam que a aposentadoria é vivenciada como a ativação dos opostos vida e morte, o que exige a integração dos conteúdos do inconsciente, como também o fim da aventura heroica de dedicação à carreira. Além disso, é preciso ter em consideração que a mulher contemporânea nessa etapa do ciclo vital enfrenta o desafio de ser fiel a si mesma, sem ceder às expectativas coletivas do que é ser mulher (PARISI, 2009), especialmente em uma sociedade que a cobra de manter-se jovem e produtiva a todo custo.
Sobre isso, é preciso lembrar que: a) aposentar-se e envelhecer, mesmo não sendo sinônimos, relacionam-se temporalmente em grande parte dos casos e b) tais processos não resultam em estagnação do desenvolvimento afetivo e cognitivo (De Marchi, 2019). Sobre o primeiro aspecto, a legislação brasileira, por meio do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), considera como tal a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, enquanto a Constituição Federal (BRASIL, 1988) regulamenta que o direito à aposentadoria é garantido à mulher a partir de idade próxima (62 anos, em específico) se cumprida a carência exigida e excetuando-se os casos de aposentadoria por invalidez, por tempo de serviço (conjugado com o fator idade), e a especial. Fica claro, desse modo, que a passagem de um ciclo de vida vinculado diretamente ao trabalho e à produtividade para outro socialmente inclinado ao lazer e à desocupação (ZANELLI; SILVA; SOARES, 2010) acarretam mudanças significativas que, naturalmente, têm impacto na existência subjetiva de quem as experimenta (HERDY, 2020) – seja de forma positiva ou negativa.
Já sobre o segundo ponto, Jung compartilha que “a vida psíquica do homem civilizado é cheia de problemas, e não pode ser concebida senão em termos de problema. Grande parte dos nossos processos psíquicos são constituídos de reflexões, dúvidas, experimentos (....)” (JUNG, 1971/2011, §. 750). Problema aqui, porém, não significa demanda de solução, mas disposição de trabalhar a seu respeito. Nesse viés, pode-se considerar o envelhecimento como um processo psíquico, ao passo que contém mudanças de ordem físicas, biológicas e de pensamentos, das quais decorrem crises de valores e, portanto, novos problemas (CAMPOS, 2021). Deles, surge a necessidade de o indivíduo manter-se ativo e em constante processo de aprendizagem, por exemplo, no que tange à preparação para a aposentadoria e à reformulação de projetos de vida num contexto em que é comum se experimentar perda de papéis sociais relacionados à parentalidade e à ocupação laboral.
Por fim, a discussão apresentada por Leão e Gíglio (2002) faz-se importante também porque a velhice é considerada, atualmente, a etapa mais longa do desenvolvimento humano (SANTANA; BERNARDES; MOLINA, 2016), sendo que, pela primeira vez na história, se espera que a maior parte das pessoas viva para além dos 60 anos de idade (OMS, 2015). A isso se soma o fenômeno mundial de feminização da velhice, ou seja, o predomínio de mulheres na parcela idosa da população (IBGE, s.d).
Partindo-se para o artigo de Lima (2012), este traz dados sobre o acompanhamento psicoterapêutico de quatro mulheres que passaram pela experiência de abandono pela figura paterna. O autor verificou que a condução clínica dos casos permitiu que as pacientes realizassem catarse de sentimentos negativos em relação aos pais e, ainda, que o manejo da transferência proporcionou a elas um contato restaurador com a figura masculina. Isso lhes trouxe maiores possibilidades de estabelecerem relações afetivas menos dependentes e submissas, como também de terem sua autoestima e segurança elevadas, a partir da integração psíquica dos arquétipos animus e anima, isto é, das polaridades masculina e feminina.
É importante considerar que, sobre o processo de organização psíquica na abordagem junguiana, Neumann (1995) traz a ideia de que a progressiva estruturação do ego vai acontecendo, inicialmente, a partir de um dinamismo matriarcal e, posteriormente, por meio de um cuidado orientado pelo dinamismo patriarcal – usualmente oferecido pela pessoa que assume a função paterna. Esse último processo, a propósito, “se estabelece pelas relações vinculadas a estratégias de adaptação, de delimitação, de hierarquia, organização e de orientação. Relaciona-se, desta forma, a um processo adaptativo de sociabilização” (TRISTÃO, 2018, p. 98).
A função do terapeuta, no contexto transferencial relacionado ao dinamismo patriarcal, é marcada sobretudo pela organização, orientação e limite. A ideia de limite, em específico, não se resume a leis e regras, mas sobretudo ao entendimento das delimitações de si mesmo, de continência e contorno, espaciais e temporais, sendo esses aspectos fundamentais para a compreensão de diferenciações e dos limites entre o Eu e o Outro e, consequentemente, “para instrumentar o filho para confrontos, para as adversidades e alegrias da vida” (LIMA FILHO, 2015, p. 254). Assim, ao trabalhar no âmbito transferencial, no sentido de reatualizar o dinamismo patriarcal que pode ter ficado prejudicado na ausência paterna, o processo pode ter auxiliado, a partir da delimitação de si mesma, o desenvolvimento da segurança e da autoestima observado na pesquisa.
Importa esclarecer que, quando se fala da relação entre Eu e o Outro, na Psicologia Analítica, entende-se esse Outro interno como o self: o princípio organizador e da totalidade (EDINGER, 1989). Uma integração dos arquétipos de anima-animus possibilita o estabelecimento de uma relação adequada com o self, experienciado como estabilidade interior e pertencimento em si mesmo, além de totalidade.
Já o arquétipo da anima-animus, numa visão mais contemporânea, pode ser englobado no dinamismo da alteridade (BYINGTON, 2019), o qual se expressa na função de mediação da relação entre os opostos, sobretudo, na polaridade Eu-Outro, sendo, portanto, uma metáfora para o conhecimento do Outro e para a experiência da diferença (SAMUELS, 1992; ROWLAND, 2002), em contraposição à ideia de características de gênero específicas e fixas. O dinamismo da alteridade, desse modo, denuncia que a vivência do Outro é imprescindível para que o Eu chegue ao todo (BYINGTON, 2019).
O grupo, assim, é um elemento importante na elaboração de tal dinamismo, do que se deduz, por exemplo, que os de caráter psicoeducativo, no âmbito escolar, podem representar ferramenta potente para o desenvolvimento de uma visão de si mesmo/Eu mais integrada dos estudantes (de quaisquer idades) e, consequentemente, para um melhor relacionamento consigo e com os processos adaptativos e de enfrentamento da vida que, inclusive, extrapolam o contexto de instrução formal. É tanto que Almeida (2008, apud SOUZA; FAGALI, 2019) salienta que a aprendizagem na escola tem como função promover a formação integral dos educandos, isto é, intelectual, emocional e social. Defende, ainda, que a expressão dos sentimentos e a dinâmica das relações afetivas são primordiais no desenvolvimento da inteligência e da linguagem, o que se integra, naturalmente, à constituição do pensamento e da psique da criança.
Já segundo a abordagem junguiana clássica, as primeiras discussões sobre masculino e feminino arquetípico relacionavam-se a perspectivas mais universalizantes de gênero. Hoje, no entanto, é sabido que refletir sobre a mulher, com suas múltiplas representações e relações, é tarefa complexa e carece de muitos pontos de vista para a investigação (LIMA; FARIA, 2021).
Malerbo e Noce (2012), por sua vez, analisaram o discurso de duas mulheres sobre casamento e maternidade através da utilização da técnica “linha da vida”, tecendo relações com os arquétipos e os temas presentes em contos de fadas. As pesquisadoras chamaram atenção para como a sociedade e a cultura supervalorizam aspectos positivos da maternidade, sem considerar a dimensão do feminino e, assim, também sem orientar as mulheres para essa iniciação tão desafiadora.
É fato que a experiência de tornar-se mãe é um marco na vida de uma mulher, envolvendo variados aspectos psíquicos, físicos, biológicos, financeiros, transgeracionais e culturais. Representa, ainda, uma transição e reestruturação da mulher enquanto indivíduo (RODRIGUES ET AL., 2023), sobretudo porque, historicamente, o papel da maternidade foi construído como o ideal supremo da mulher, a concretização da feminilidade (ROMAGNOLO, 2018).
Entretanto, a maternidade, longe de ser um processo natural (contrariando a ideia de um suposto instinto materno), representa um grande desafio à psique da mulher, imbuído de potencial transformador e de autodescoberta, como também de sensações de significativa desterritorialização e dificuldades no desvelar de um Eu mais potente e coerente para si (RAMOS; TRISTÃO, 2017). Há que se considerar, ainda, que nem todas as mulheres desejam e/ou conseguem se construir subjetivamente como mães. Além disso, o peso da imposição social contemporânea pelo exercício da maternidade relega às mulheres que são mães altas expectativas de ordem pessoais e culturais, o que, consequentemente, potencializa suas frustrações (COPATTI; HOEWELL; FERRARI; SILVA, 2023).
Além dos aspectos discutidos, Malerbo e Noce (2012) concluíram que conhecer as idealizações sobre o matrimônio, como também sobre o tornar-se mãe proporciona à mulher que entre em contato com seu processo de individuação, o que também é feito através das divergências – naturais na relação conjugal, desde que, é claro, não violentas. Jung (1925/2013) discute a ideia do casamento como relacionamento psíquico, compreendendo que este pode ser constituído por dados subjetivos e objetivos e, desta forma, “Quanto maior for a extensão da inconsciência, tanto menor se tratará de uma escolha livre no casamento” (p. 202).
Assim, pode acontecer de a pessoa tomar parcialmente o outro (parceiro) como um aspecto de sua psique que, dissociada de sua consciência, pode ser projetado no outro (DI YORIO, 1996). Neste sentido, a mulher pode se tornar um receptáculo das idealizações projetadas que fazem parte do conteúdo psíquico do parceiro, seja no que tange a sua história pessoal (aos complexos pessoais), seja pelos atravessamentos sociais que constituem sua psique (complexos culturais). Desta forma, conclui-se que o relacionamento saudável pressupõe a expansão da consciência do Eu e a habilidade de distinguir-se do Outro, com o desenvolvimento das funções de continência e contorno.
Guggembüll-Craig (1980), a propósito, entende dois tipos de casamento: o que se mantém na acomodação e, portanto, as projeções/idealizações são preservadas e na ausência delas o casamento não se sustenta; e o que promove a individuação, em que é possível constelar a dinâmica da conjugalidade. Nesta direção, para que o casamento possa ser reconhecido como uma relação ampla e verdadeira, “implicará necessariamente uma realização conjugal, que subentende a constelação dos arquétipos da Anima e do Animus e, portanto, deve ser criativa e propiciadora de individuação” (VARGAS, 2004, p. 85).
Quanto ao trabalho de Magaldi (2018), este se concentra na análise do caso clínico de Adelina Gomes – mulher negra internada no Centro Psiquiátrico Nacional do Engenho de Dentro (Rio de Janeiro), dos anos de 1937 até seu falecimento em 1984, período em que produziu mais de 17.500 obras de arte – tendo como ponto de partida o acompanhamento prestado pela médica psiquiatra Nise da Silveira. As discussões propostas referem-se aos problemas de gênero e sexualidade sob a ótica das instituições psiquiátricas e dos saberes médico-psicológicos da época, os quais naturalizavam o feminino. O autor pondera que, na Psicologia Analítica, não há hierarquia no que tange à dualidade dos sexos, mas sim um afastamento da lógica fisicalista em favor da noção de pessoa mais marcadamente psicológica.
Vale considerar que a crise em saúde mental, justificativa da hospitalização de Adelina, revela uma tentativa de elaboração de um acúmulo existencial e também de dor emocional (ALMEIDA ET AL., 2014). Todavia, cumpre indicar que, diferentemente do que se passava naquela época, a hospitalização de pessoa em grave sofrimento psíquico deve ser uma ação de proteção e cuidado integral e intensivo (SERAFIM; FELÍCIO, 2017), jamais uma forma de punição, enclausuramento, asilo ou higienização social (DE MARCHI, 2021).
Nise utilizava-se, como método terapêutico, da construção de laços afetivos com os pacientes, os quais preferia chamar de clientes, e na livre expressão das imagens do inconsciente (DAMIÃO JUNIOR, 2021). A psiquiatra defendia que, uma vez objetivadas nas pinturas, tais imagens tornavam-se passíveis de algum trato, mesmo que não houvesse clara tomada de consciência de suas significações mais profundas. Explicava que, retendo na superfície de telas o drama que vivenciavam de forma desordenada, os indivíduos podiam despotencializar as figuras ameaçadoras e conseguirem a auto cura pelo processo que ela denominou de desidentificação do ego. É por esse caminho que a médica chega à conclusão de que a significação das pinturas de Adelina relacionavam-se a ela não ter conseguido viver seus instintos femininos, já que se manteve longa e intensivamente identificada e vinculada com a genitora (SILVEIRA, 2017).
Notadamente, há preconceito em torno da sexualidade de pessoas com diagnósticos de transtornos mentais, a qual é negada tanto pelas instituições como pelos profissionais de saúde. Nesse contexto, a imagem corporal é tida como despojada de beleza e vigor, confrontando a ideia de um sujeito sexualmente desejável e desejante (MIRANDA; FUREGATO, 2004) e contribuindo para as tantas violações de direitos a que esse público é historicamente submetido.
Lima e Faria (2021), por fim, compartilharam os resultados de entrevistas a nove mulheres participantes de grupos feministas, em que concluíram que esse coletivo carrega um potencial transformador e de expansão de possibilidades de vida enquanto mulher, por meio da emancipação individual, fortalecimento social e construção de significados. Os autores articularam seus dados com a teoria dos complexos culturais, destacando que o modo como as participantes percebem, lidam e são afetadas por certos valores, representações e crenças está atrelado a uma lógica sexista. Além disso, o artigo demonstrou o quanto a realidade externa pode influenciar e moldar as singularidades.
O sexismo pode ser entendido como um complexo cultural, isto é, campo energético dinâmico que propicia uma distorção do mundo para a consciência ‘afetada’, gerando respostas involuntárias para o outro. Dessa maneira, o complexo cultural pode ser constituído a partir de experiências históricas traumáticas que repetidas “se enraizaram na psique coletiva de um grupo e na psique de cada um dos membros de um grupo, e eles expressam valores arquetípicos para o grupo” (SINGER; KAPLINSKY, 2010. p. 6).
É possível, pois, afirmar que o processo de constituição do feminino em mulheres está atrelado a esse sexismo e, por isso, o modo de ser e funcionar, por vezes, torna-se limitado pela cultura e pelo status quo. Assim, Lima e Faria (2022, p. 26) apontam que o sexismo e a misoginia podem se “configurar em experiências traumáticas que perpassam muitos momentos históricos, sendo transmitidos por gerações e comprometendo em nível psicológico a estruturação” egóica dessas mulheres.
Por outro lado, pensar o grupo feminista, como está no artigo, é pensar no momento de resistência, confrontação e transformação como a melhor forma de expressão de individuação coletiva, enquanto realização de um self de grupo, um self feminino. A individuação se basearia, portanto, na potência criativa de enfrentamento das adversidades. Desta forma, ao passo que podem elaborar os complexos culturais, por exemplo, em um grupo terapêutico, e ampliar a compreensão da realidade social, torna-se possível o enfrentamento criativo, para além de uma lógica pessoal, bem como o confronto transformador da realidade.
Todos os trabalhos aqui analisados convergem, mais uma vez, ao abordarem temas arquetípicos, isto é, experiências humanas regulares e primordiais. Os arquétipos são, nesse sentido, formas sem conteúdo próprio, tal como o leito de um rio seco, que funcionam para a organização ou canalização do material psíquico (FADIMAN; FRAGER, 2023). Estão relacionados a situações típicas (JUNG, 1955/2014), tais como as vistas nos artigos – maternidade, casamento, jornada heroica, animus e anima, enfrentamento e adaptação. Além disso, não são acessíveis de forma direta, mas somente por suas manifestações (JUNG, 1950/1988), a exemplo de imagens e sonhos, como também demonstraram os trabalhos analisados neste recorte de investigação.
O arquétipo, segundo Jung (1955/2014), é um elemento vazio e formal em si; uma possibilidade dada a priori, de que se herdam as formas e não as ideias. Para elucidar o conceito, o autor recorre à formação do cristal, indicando que o sistema axial determina somente a estrutura estereométrica da pedra, mas não a forma concreta dela em particular que pode, por exemplo, vir a ser de qualquer tamanho ou diversificado em seus planos. Desse modo, os arquétipos são padrões basais de organização do psiquismo, desenvolvidos no decorrer da evolução filogenética a partir de experiências comuns a todos os seres humanos (JUNG, 1955/2014).
Se, por um lado, entende-se, a partir dessa categoria, o feminino relacionado a perdas reais/simbólicas (aposentadoria, abandono da figura paterna, ausência de suporte e de orientação na iniciação da maternidade), por outro é possível perceber excesso de idealizações e de cobranças, e não só no que tange à maternidade e ao matrimônio. Fica clara, também, a presença do contexto social/realidade externa, influenciando e até moldando a singularidade. Todos esses aspectos em interação relacionam-se diretamente à saúde mental da mulher e remetem, por consequência, à importância da psicoeducação, seja em contextos escolares, instituições de saúde ou industriais (COLE; LACEFIELD, 1982), ao buscar realizar prevenção, promoção e educação em saúde tanto de indivíduos como de coletividades (LEMES; ONDERE NETO, 2017).
Enquanto na primeira categoria foram contemplados os relacionamentos consigo mesmo e com o Outro, e ainda o modo como o coletivo se faz presente norteando a possibilidade de expansão da consciência, mas também as dificuldades referentes a idealizações; na próxima, será abordada a expressão de um sofrimento psíquico decorrente de um prejuízo na relação Eu-Outro (interno e externo), como se pode verificar.
Transtornos alimentares
Os transtornos alimentares, neste caso, em específico a bulimia e a obesidade, são problematizados nos artigos analisados (FIGUEIREDO ET AL., 2019; FIGUEIREDO ET AL., 2020) à luz da ideia do corpo ideal, midiaticamente veiculada e componente do imaginário coletivo. Mulheres com corpos destoantes dessa perfeição (vale dizer, utópica e irreal) não encontram lugar de valor na sociedade, chegando a sentirem-se como não pessoas. É importante pontuar, no entanto, que, na história, a corpulência já teve conotações positivas, sendo sinônimos de felicidade e abundância (WOODMAN, 2020).
A bulimia caracteriza-se pela compulsão periódica de alimentos, seguida da adoção de estratégias para a perda rápida de peso, tais como o uso indiscriminado de laxantes, indução forçada de vômitos, dietas inadequadas e prática exagerada de exercícios físicos (APA, 2014; ROMARO; ITOKAZU, 2002). Já a obesidade refere-se ao excesso de adiposidade corpórea, de forma generalizada ou localizada, que pode causar prejuízos à saúde (WHO, 2003) e representa, atualmente, um problema prioritário de saúde pública (WHO, 2000). Além disso, pode ser caracterizada como um dos principais sintomas de neurose nos países ocidentais na contemporaneidade (WOODMAN, 2020). Em termos epidemiológicos, é sabido que ambos os quadros afetam, sobretudo, as mulheres (WHO, 2003; 2014).
Disso decorre a importância dos artigos de Figueiredo et al. (2019; 2020), os quais apontam e discutem a existência de relações entre os transtornos alimentares e o desenvolvimento psíquico de mulheres. Figueiredo et al. (2019), ao estudar uma série de sonhos de uma mulher jovem com bulimia, constatou que essa não foi capaz de integrar seus conteúdos opostos – polarização essa intensificada ainda mais por sua atitude consciente. A paciente mantinha uma persona voltada em demasia a demandas sociais, com um ego fragilizado, e seu comportamento alimentar refletia a necessidade de “expulsar conteúdos indigestos” e carentes de ressignificação, bem como ocorria em sua vida onírica. A isso se remete a função compensatória, conforme apontado por Jung (1971/2011), que consiste no princípio básico do sistema psíquico, isto é, na busca pelo equilíbrio, na contramão da atitude unilateral da paciente.
O artigo em questão traz, ainda, uma importante contribuição ao estudo da dinâmica psíquica nos transtornos alimentares, em especial sobre a obesidade, a bulimia e o feminino reprimido, ao citar as obras da psicóloga de orientação junguiana Marion Woodman (1928-2018). Um dos trechos apresentados, que merece atenção, é: “a imagem do corpo [na mulher obesa] é como uma jaula construída a partir das projeções alheias enquanto seu próprio vazio interior é preenchido pela comida” (WOODMAN, apud FIGUEIREDO ET AL., 2019, p. 07).
De forma semelhante, Figueiredo et al. (2020) – que realizaram uma investigação observacional e descritiva a 120 mulheres com histórico de obesidade em tratamento clínico e cirúrgico em um hospital geral – perceberam o que denominaram de “psiquificação do instinto da fome”. Os autores esclarecem que isto é próprio do complexo cultural, formado por conteúdos grupais inconscientes e marcado por intensa emoção coletiva (SINGER; KIMBLES, 2004), em que o ato de comer está atrelado não só à alimentação, como também ao prazer, à felicidade e à satisfação.
Os autores questionam, ainda, qual o lugar do princípio feminino na discussão a respeito do complexo cultural e do comer. Para responder a essa interrogação, recorreram a outros pesquisadores e concluíram que o feminino tem sido sufocado pela dinâmica capitalista e racionalista, o que traz um possível padrão arquetípico que se expressa pela falta e que requer, assim, que as mulheres “matem a fome”. Desse modo, Figueiredo et al. (2020) pontuam que essa expressão, tão comum aos brasileiros, carrega um sentido muito mais afetivo do que biológico, além de se referir a um caráter psíquico de não lidar com o vazio, sendo, portanto, a obesidade uma garantia de não entrar em contato com esses sentimentos.
Para Woodman (2002), o alimento é tido, culturalmente, como um catalisador de emoções e centro de todas as comemorações: positivamente, como um meio para a expressão de carinho e aceitação; negativamente, para demonstrar culpa ou suborno, por exemplo. A autora chama atenção, ainda, a como a tecnologia distancia as pessoas de seus instintos, fazendo com que não se atentem ao que seus corpos querem comunicar e, assim, busquem corrigir os males físicos sem se dedicarem à necessidade de retificações psíquicas.
Ambos os trabalhos salientam, portanto, experiências paradoxais das mulheres com distúrbios alimentares em relação à comida, em que sua função ultrapassa o nutrir físico, destinando-se ao preencher vazios de ordens emocionais, como, por exemplo, daquilo que lhes foi reprimido ao longo do desenvolvimento psíquico. Também Woodman (2020) pondera que pode haver, na essência de qualquer distúrbio metabólico, causas de ordem fisiológica e de natureza psicológica, não sendo, portanto, o aumento de peso uma questão exclusiva de comer em demasia. Isto posto, a autora destaca que duas pessoas podem ingerir a mesma quantidade de calorias, ter um estilo de vida ativo semelhante e uma delas ser gorda e a outra magra. Ela acrescenta, também, que na pessoa acometida por tais transtornos de ordem alimentar, o feminino – desvalorizado há séculos no Ocidente – é objeto de rejeição e de medo. Sem dúvidas, esses temas não se dissociam das relações humanas, as quais foram discutidas na categoria anterior de análise.
Vale ponderar, por fim, que a mulher contemporânea se vê numa constante e árdua luta, repleta de frustrações e vinculada compulsivamente à busca de um ideal que, sistematicamente, nega o corpo real (PETRIBÚ; MATEOS, 2017) – marcado, ao longo do tempo, pela idade, gestação e, até, por violências. Não menos importante, é urgente atentar-se ao fato de que psique e corpo configuram uma unidade indivisível, o que torna todos os processos aqui discutidos como psicossomáticos, já que os conteúdos inconscientes incidem, invariavelmente, sobre as funções corporais.
Considerações finais
Esta revisão de escopo, cujo objetivo fora explorar a literatura científica nacional em Psicologia Analítica a respeito da mulher e do feminino, apesar de cobrir uma extensão temporal de vinte anos, teve como resultado um reduzido número de artigos (sete, na amostra final, após o tratamento dos dados). Isto aponta para lacunas e, ao mesmo tempo, para possibilidades de investigação na área.
Os artigos analisados mostraram que as mulheres têm sido retratadas em termos de relacionamentos interpessoais diversos, como também de transtornos alimentares balizados ora pela falta ora pelo excesso de algum aspecto psíquico. Vale destacar, nesse ponto, que dois artigos, publicados em dois anos consecutivos, têm duas autoras em comum, o que revela que, além de os temas dos transtornos alimentares sob a ótica junguiana serem ainda pouco explorados, acabam sendo de interesse dos mesmos pesquisadores. É fato que isso compromete a diversidade de estudos e limita o viés de análise, necessitando de investimento científico mais amplo, o que, no entanto, não desmerece sua importância para o campo.
Este estudo apontou, também, a ausência de outros temas sensíveis ao universo da mulher e do feminino, tais como menarca, menopausa e carreira profissional. É válido, contudo, considerar que revisões que incluam estudos em outras línguas, sobretudo a inglesa, podem apresentar resultados distintos. Além disso, os artigos aqui discutidos consistiram todos em estudos de casos. Apesar de essa modalidade garantir maior aprofundamento na questão de pesquisa, tal informação aponta para a necessidade de diversificação no emprego de metodologias e, consequentemente, do acesso a outras dimensões das experiências humanas.
Merece destaque, também, o fato de que, apesar de a mulher e o feminino não serem sinônimos – especialmente para a Psicologia Analítica, dado o dinamismo da alteridade, já discutido – todos os sete artigos científicos analisados consideraram esses aspectos em direta associação. Assim sendo, nenhum trabalho discutiu, por exemplo, o aspecto feminino no homem ou em relação à diversidade de gênero. Isto leva a supor que os estudos carregam, ainda, uma visão mais clássica da área.
Espera-se que este trabalho tenha potencial para despertar o interesse científico de outros pesquisadores, inclusive não psicólogos, a respeito da mulher e do feminino, bem como para suscitar reflexões a respeito, especialmente em virtude de sua concretude e complexidade numa sociedade sexista e que, historicamente, coloca esses temas em posição de menos valia, o que, sem dúvidas, precisa ser severamente combatido pela ciência moderna.