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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.4 no.6 São Paulo jul. 1999
EDITORIAL
A criança é hoje um objeto de saberes especializados. Não poucos se reservam uma série, cada vez mais extensa, de saberes instrumentais sobre um sentir, um agir e um pensar supostamente infantis. Iludem-se, por um lado, com uma certa substância biopsíquica capaz de desenvolvimento e, por outro, com a possibilidade de virem a proferir a última palavra sobre o destino de uma criança. Dessa forma, enquanto a educação das crianças é reduzida a um processo metódico de estimulação de supostas capacidades maturacionais fadadas a uma adaptação bio/psico/social, a clínica com crianças que enfrentam dificuldades no vir-a-ser adulto assume o figurino de uma ortopedia corretiva. Em suma, uma vez suposta uma substância germinal que clama por desenvolvimento natural, apenas resta pensar em distúrbios, problemas ou deficiências que condenam a criança a uma existência sabida de antemão.
Entretanto, aí onde outros se perdem nas garras do essencialismo, a psicanálise permite pensar os efeitos de uma posição sui generis no campo do discurso. As crianças chegam a um mundo dos adultos. Cada uma dessas chegadas reinstala uma e outra vez a diferença que alimenta o discorrer próprio do simbólico. Assim, aquilo que os baixinhos sentem, fazem e pensam é um efeito da diferença que a própria chegada reinscreve. Tomados de forma irremediável num processo de vir-a-ser adulto, experimentam as peripécias de quem luta para conquistar o usufruto de um lugar no discurso que possibilite o engajamento nas empresas impossíveis do desejo. Não poucas vezes, aquilo que poderia ter sido apenas uma vicissitude num percurso acabou perfilando-se em um verdadeiro impasse.
Um sem número de razões pode ter ido aos poucos condenando uma criança a ficar presa de um impasse "a-subjetivante". Porém, aquela que interessa à psicanálise diz respeito aos adultos implicados. Trata-se sempre da recusa a interrogar-se sobre o impossível em torno do qual se articula a relação com a criança. Por sinal, essa recusa é a que dá fôlego à ilusão dos saberes instrumentais especializados.
Precisamente, na tentativa de sustentar a interrogação que os outros fecham, Estilos da Clínica compôs para seus leitores o dossiê Vicissitudes da Infância.
Os Editores