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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.8 n.15 São Paulo jun. 2003

 

DOSSIÊ

 

A creche e o brincar: alternativas para a educação no primeiro ano de vida *

 

The créche and the playing: alternatives for the education in the first year of life

 

Leda Fischer Bernardino**; Michele Kamers***

 

**Psicanalista, membro fundador da Associação Psicanalítica de Curitiba, membro da Association Lacanienne Internationale, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IP-USP, professora da PUC-PR

***Estudante do oitavo semestre do curso de Psicologia da Universidade Regional de Blumenau (FURB), ex-bolsista do Programa de Incentivo à Pesquisa da Universidade Regional de Blumenau (PiPe) e atual bolsista do PIBIC (CNPq) quando da redação deste artigo

 


RESUMO

Este trabalho refere-se a um estudo comparativo da constituição subjetiva (aspecto estrutural) e do desenvolvimento neuropsicomotor (aspecto instrumental) de dois grupos de bebês de 0 a 1 ano que freqüentam creches (grupo experimental) e que permanecem junto a suas mães (grupo controle). A partir dos resultados encontrados, são propostas algumas alternativas para a educação no primeiro ano de vida, principalmente no que se refere ao brincar no contexto da creche e suas implicações na constituição do sujeito.

Palavras-chave: Creches, Bebês, Alternativas, Educação, Brincar.

 


ABSTRACT

This work is a comparative study of the subjective constitution (structural aspect) and neuro-psycho-motor development (instrumental aspect) between two groups of babies aged from 0 to 1 year. The first group is composed of babies who attend crèches (experimental group), while the second one is composed of babies who stay with their mothers (control group). Considering the attained results, we propose some alternatives for the education of children in their first year of life, referring mainly to the playing activity at crèches and its implications on the subject constitution.

Keywords: Crèches, Babies, Alternatives, Education, Playing.

 


 

INTRODUÇÃO

A partir da introdução da mulher no campo do trabalho, a maternagem tem sido foco de discussões entre pesquisadores, educadores e outros profissionais de áreas afins. Nesse sentido, com os avanços metodológicos e socioculturais, modificou-se a especificidade da função parental destinada à criança a partir de revoluções nos modos de vida e nos paradigmas vigentes até uma época (Ariès, 1981). Sendo assim, a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII, caracterizada pela substituição do modo de produção doméstico pelo sistema fabril, apresenta-se como um marco histórico, econômico e sociocultural em função do enorme impacto causado sobre a estrutura da sociedade, acompanhado por um processo de transformação tecnológica e social.

A criação da "instituição creche", mantenedora da infância nos dias atuais, deu-se a partir das modificações do papel da mulher na sociedade e suas repercussões no âmbito da família. Ela surge no Brasil no início do século XX com a consolidação do capitalismo, da urbanização e da necessidade do aumento da força de trabalho produtiva (Bassan, 1997; Haddad, 1991).

Nesse contexto, surge a preocupação com o tipo de educação oferecido na creche, sendo importante ressaltar que a especificidade da educação oferecida neste local é diferente para cada idade. E aqui nos deteremos no primeiro ano de vida, com a educação oferecida nos berçários.

 

MATERIAL E MÉTODO

A população de estudo constitui-se de dois grupos: 7 bebês que freqüentam creches por, no mínimo, 4 horas diárias, durante os cinco dias da semana (grupo experimental) e 7 bebês que permanecem junto a suas mães e que não freqüentam creches e nenhuma instituição do gênero (grupo controle). Para a coleta de dados, utilizaram-se três instrumentos: 1) Entrevista não-diretiva, realizada com as mães dos bebês dos dois grupos com o objetivo de averiguar a variável capacidade de antecipação subjetiva que a mãe realiza sobre o bebê. Após a transcrição das entrevistas, foi realizada uma escuta clínica das falas dessas mães e foram feitos recortes literais dessas falas com base em núcleos temáticos em que aparece a variável capacidade de antecipação subjetiva, condição para a estruturação psíquica do bebê (aspecto estrutural). 2) Aplicação do Questionário de Avaliação do Desenvolvimento e das perguntas para o Inventário de Triagem do Desenvolvimento (ITD) com as mães dos bebês dos dois grupos, avaliados a partir da Tabela de Tendências do Crescimento de Gesell e Amatruda (1961), a fim de averiguar o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças pesquisadas (aspecto instrumental). Após a aplicação desses instrumentos, foi feita a tabulação dos dados em tabelas 2 × 2 e, após isto, realizada a análise por meio da Prova Exata de Fischer (N < 30) e da Prova de Mann-Whitney, em que se compararam os dois grupos e se averiguaram possíveis diferenças no padrão de respostas obtidas. 3) Avaliação descritiva dos prontuários médicos dos bebês obtidos com o pediatra responsável, com a finalidade de averiguar os seguintes aspectos do desenvolvimento: crescimento, estado nutricional, desenvolvimento neuropsicomotor, alimentação e vacinação. Após a coleta, foi feita a análise com a utilização da Prova Exata de Fischer, verificando-se possíveis diferenças no padrão de respostas obtidas entre os dois grupos.

RESULTADOS

A partir dos resultados obtidos no instrumento 1, não houve diferenças relativas à constituição psíquica (aspecto estrutural) das crianças pesquisadas. Os resultados obtidos a partir do Instrumento 2, contudo, sugerem que as crianças do grupo controle apresentam um maior índice de choro sem razão aparente, em relação às crianças do grupo experimental. Já no ITD, o grupo experimental apresentou déficits relativos à aquisição do controle motor delicado. E, no terceiro instrumento, os grupos não apresentaram diferenças em relação ao padrão de respostas obtidas.

Apesar de não fazer parte dos objetivos desta pesquisa, pudemos observar que os bebês do grupo controle (bebês que ficavam somente com as mães) apresentaram, em sua maioria, refluxo gastroesofágico, enquanto os bebês do grupo experimental não. Essa observação fez-se possível com base nos prontuários médicos desses bebês, nas entrevistas com as mães e nos diálogos com as educadoras. Tratando-se, contudo, de uma observação que não é foco desta investigação, não faremos nenhuma inferência sobre ela, já que pensamos tratar-se de uma temática que merece atenção mais aprofundada.

DISCUSSÃO

A partir dos resultados encontrados nesta pesquisa, pudemos observar que os bebês que permanecem junto a suas mães, assim como aqueles que freqüentam creches, recebem de suas mães o investimento materno necessário para constituir-se psiquicamente. A investigação desse aspecto foi essencial, pois a an tecipação subjetiva que a mãe realiza sobre o bebê apresenta-se como condição para a estruturação subjetiva do mesmo (Laznik-Penot, 1997).

Se os bebês que freqüentam creches recebem, contudo, de suas mães a sustentação da função materna necessária para se constituírem psiquicamente, há que se levar em conta que esta sustentação também é realizada pela educadora de creche com os cuidados básicos que oferece ao bebê. Sendo justamente nesse âmbito que reside a possibilidade de haver complicações, pois, nas creches pesquisadas, os cuidados oferecidos às crianças dão-se de forma coletiva, não levando em conta a singularidade de cada bebê. Isto é, se o bebê chora demandando alimento, a creche lhe oferecerá alimento nos horários previstos em seu funcionamento. Assim, o choro do bebê passa a ser modulado, não mais pela presença do outro, mas pelos horários da creche.

Conforme Azenha (1998), é com a relação entre os esquemas adquiridos pelo bebê e os eventos ocorridos no ambiente que ele terá condições para a resolução dos problemas que lhe são apresentados. É a partir da associação entre as demandas do bebê e a resposta do outro que se constituirá a passagem da ilusão de onipotência do bebê _ de controle mágico sobre o ambiente _ para o controle pela manipulação de objetos.

No que se refere aos resultados obtidos a partir do instrumento 2, pudemos observar que o grupo de bebês que freqüentavam creches chorava menos que aqueles que permaneciam com suas mães. O que pensamos estar relacionado com a possibilidade do bebê em demandar a presença materna. Logo, se o bebê demanda menos, está mais sujeito a não receber o investimento necessário para sua constituição.

É com base no choro do bebê que o Outro primordial irá interpretar, supor nesse choro uma demanda, retribuindo ao bebê aquilo que supõe que ele está pedindo (Filidoro, 1997). Sendo justamente nesse aspecto da relação mãe-bebê que residem as possíveis rupturas de comunicação. Pois, se não houver encontro entre o choro do bebê e a presença de uma "mãe suficientemente boa" que a ele dê a ilusão de uma suposta realidade externa correspondente, ele fica submetido a sua própria insuficiência psíquica e orgânica, já que o objeto passa a ser descatexizado. E, se o choro é a primeira manifestação de linguagem que o bebê apresenta, esta fica empobrecida.

Para o bebê, chorar é receber a presença materna e os cuidados necessários para amenizar seu desconforto. O que implica dizer que, se o bebê chora, e não há o investimento materno necessário para apaziguar seu desconforto, como ocorre nas creches pesquisa das _ em que há uma educadora para um grupo de em média oito bebês _ o pequeno fica submetido a sua própria insuficiência psíquica e orgânica, passando a ter dificuldades na construção de seus esquemas sensoriais e motores relacionados com a associação que faz entre suas demandas e as situações de presença e ausência do outro. Como ressalta Piaget (1987), as primeiras noções de causalidade estão relacionadas com os esquemas adquiridos de sucção, visão, audição e preensão. Estes fornecem a possibilidade de resolução de problemas apresentados à criança, no sentido de que a construção desses esquemas se dá a partir das descobertas que o bebê faz sobre o mundo exterior, da relação que faz entre suas ações e os eventos do ambiente. Como no caso do choro, que passa a ser o determinante da presença e ausência materna, assim como do apaziguamento de seu desconforto. Pois, se chora, mamãe vem e traz consigo o investimento representado pelo alimento, pela troca de fraldas etc., estando aí uma primeira construção _ a noção de causalidade.

Nesse sentido, pudemos observar que os bebês que freqüentam creches apresentam déficits na aquisição do controle motor delicado. O que está relacionado com o esquema sensório-motor de preensão que se constrói a partir da capacidade do bebê de dar permanência aos objetos táteis, conferindo a estes uma existência independente do mundo exterior. "Assim é que todo ato de preensão supõe uma totalidade organizada em que intervêm sensações táteis e cinestésicas, movimentos do braço, da mão e dos dedos". (Piaget, 1987, p. 124). Esquema que envolve a passagem da ilusão de onipotência do bebê _ controle mágico do ambiente _ para o controle pela manipulação de objetos, articulada a um erotismo muscular e o prazer pela coordenação (Winnicott, 1975).

O que nos sugere pensar que esse déficit se dá em função dos cuidados coletivos que são oferecidos na creche, já que seu funcionamento não leva em conta a singularidade do bebê, mas as leis de sua organização.

Dessa forma, os bebês que freqüentam creches apresentam maiores dificuldades na construção de seus esquemas sensoriais e motores de preensão. Pois os eventos ocorridos na creche, logo, os eventos ocorridos no mundo do bebê, não são organizados em função de sua demanda, o que contribui para dificultar as construções que ele faz sobre o mundo exterior. Desde a experiência de ilusão de onipotência, de controle mágico sobre o ambiente, até o interjogo entre a realidade subjetiva e o controle pela manipulação de objetos. O que irá constituir a passagem dos fenômenos transicionais ao brincar e do brincar à apropriação das experiências culturais _ a subjetivação (Winnicott, 2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nascer, o bebê apresenta somente um aparato orgânico que o sustenta enquanto organismo vivo. Isto implica dizer que, quando "(...) uma criança nasce, ainda não há sujeito, mas um mero vivente, um corpo-coisa. O momento do parto não coincide com o advir de um sujeito" (Levin, 1997, p. 43). É a partir dos cuidados destinados ao bebê, principalmente do investimento endereçado a ele por meio do olhar do outro e da antecipação subjetiva feita sobre ele, que poderá constituir-se sujeito.

No início, há somente reflexos arcaicos, que, com a presença e o desejo de um outro (mãe, pai, educadora...), vão sendo interpretados como manifestações, pedidos do bebê. O outro interpreta o choro como um pedido, um balbucio como uma palavra, a abertura dos braços como um pedido de colo. É nessa suposição, de antecipar um sujeito num mero vivente, que se situa a subjetivação.

Devido aos cuidados generalizados e até certo ponto mecanizados que são oferecidos na creche, cuidados estes introduzidos a partir dos princípios higienistas da revolução pasteuriana _ normatização dos horários de alimentação, sono, etc. _, essa constituição, assim como o desenvolvimento do bebê, podem ficar comprometidos. Já que é "humanamente" impossível uma educadora de creche investir seu desejo, ter esse olhar dirigido e essa suposição de sujeito simultaneamente em todos os bebês que cuida.

Isso significa que quem os que cuidam do pequeno devem desenvolver "(...) uma capacidade surpreendente de identificação com o bebê, o que lhes possibilita ir ao encontro das necessidades básicas do recém-nascido, de uma forma que nenhuma máquina pode imitar, e que não pode ser ensinada" (Winnicott, 1999, p. 30). Trata-se de uma "mãe suficientemente boa" que ofereça ao bebê a proteção contra as angústias muito fortes experimentadas nos primeiros momentos da constituição subjetiva.

Sentimento de onipotência, ilusão de controle sobre o ambiente, que, associada à presença-ausência do Outro, dá lugar à manipulação de objetos, constituindo as condições necessárias ao brincar. Isto é, sendo os objetos representantes do desejo do Outro para a criança, é através da manipulação destes que o bebê poderá elaborar a ausência do outro, suportar a frustração da espera pelo alimento, transformando seu desconforto em um jogo prazeroso relacionado ao outro, como nas brincadeiras de jogar os brinquedos no chão e esperar que alguém os traga de volta. Se não há, contudo, uma adaptação às necessidades do bebê, permitindo-lhe experimentar esse sentimento de onipotência, ele fica submetido à sua própria insuficiência (Winnicott, 2000).

"Como se sabe, quando a mãe, ou alguma outra pessoa de quem o bebê depende, está ausente, não há uma modificação imediata, uma vez que o bebê tem uma lembrança ou imagem mental da mãe, ou aquilo que podemos chamar de uma representação interna dela, a qual permanece viva durante certo tempo. Se a mãe ficar longe por um período de tempo além de certo limite medido em minutos, horas ou dias, então a lembrança, ou a representação interna se esmaece. Na medida em que isso ocorre, os fenômenos transicionais se tornam gradativamente sem sentido, e o bebê não os pode experimentar" (Winnicott, 1975, p. 31). Desta forma, levando em conta os possíveis comprometimentos que os cuidados coletivos podem trazer, propomos algumas alternativas possíveis.

Vale ressaltar que não se trata de uma nova tecnologia pedagógica, mas justamente o contrário. Trata-se de alternativas que, para além do arsenal pedagógico do educador _ horários de banho, alimentação, troca de fraldas, etc. _, possa-se levar em conta a singularidade do pequeno sujeito. Como nos diz Kupfer (2000), educar implica marcar o corpo do pequeno sujeito com o desejo, introduzi-lo na cultura. E, em se tratando de uma educação oferecida nos berçários, é a humanização que está em cena.

Assim, o Ministério da Educação e do Desporto, por intermédio da Secretaria de Educação Fundamental, ressalta que o desenvolvimento integral da criança pequena depende tanto da dimensão afetiva proporcionada à criança, quanto da qualidade dos cuidados básicos oferecidos a ela, em outras palavras, pela qualidade da educação oferecida nos berçários (Brasil, 1998), e, sendo esta a proposta do Estado para a educação infantil, nos perguntamos: como uma educadora de berçário poderia oferecer estes cuidados singularizados, uma educação com qualidade, se tem que cuidar e investir num grupo de em média oito bebês sozinha?

Nesse sentido, é um direito fundamental da creche exigir no mínimo dois profissionais por sala de berçário com a finalidade de oferecer a qualidade necessária ao atendimento infantil. O que ainda pode ser justificado como uma proteção contra possíveis danos psíquicos causados aos pequenos. Algo que exige uma mobilização política dos Centros de Educação Infantil (CEIs) a fim de solicitar o que está previsto pelo próprio Estado.

É muito importante ressaltar que não se trata de uma incompetência do educador, mas de uma impossibilidade. Pois, em se tratando do primeiro ano de vida, período de maior insuficiência e dependência do infans _ período de humanização _, há que se levar em conta que esse período exige cuidados, não somente intensos, mas singularizados. Qualidade que implica, para além do universal da maternagem, um investimento singular em cada bebê.

Outra alternativa diz respeito à ênfase no tempo de adaptação do bebê na creche. Ou seja, que, pelo menos no início, a creche possa levar em conta os ritmos e horários que o pequeno tinha em casa, a fim de não provocar uma mudança brusca no mundo do bebê, protegendo-o contra possíveis rupturas de comunicação. Já que, "devido ao fato de os bebês serem criaturas cuja dependência é extrema no início de suas vidas, eles são necessariamente afetados por tudo o que acontece" (Winnicott, 1999, p. 74).

Por outro lado, é de fundamental importância que a creche realize um trabalho junto aos pais, no sentido de diminuir a ansiedade destes em deixar o bebê na creche. Pois, além dos efeitos provocados no bebê _ sintomas como não comer, choro intenso, apatia, etc. _, podem-se ainda intensificar as rivalidades entre pais e educadora.

E, por último, que a creche possa dispor de um momento específico em que se possa brincar com os bebês, pois, além de possibilitar uma maior singularização na relação com eles, contribui para o estabelecimento das condições necessárias para uma futura e necessária separação. Nesse sentido a educadora pode dispor de alguns recursos, tais como:

_ A parceria com outras educadoras na realização de jogos com os bebês;

_ A transmissão demanda aos pais para que estes brinquem com seus bebês;

_ O auxílio dos profissionais que atuam na creche, a fim de avaliar os objetivos das atividades realizadas.

A esse respeito, Andrade (2000) situa quatro critérios fundamentais para a escolha do objeto do brincar:

1) O valor experimental: permite-se a experiência de manipulação;

2) O valor de estruturação: contribui-se para a estruturação subjetiva, por exemplo, os jogos de esconde-esconde, de presença/ausência do objeto;

3) O valor de relação: como o brinquedo vai pôr a criança em relação com os outros e com o meio;

4) O valor lúdico: quais as qualidades que o brinquedo trará ao jogo.

Nesse contexto, gostaríamos de ressaltar uma situação ocorrida em uma de nossas visitas às creches. Nesse dia, havíamos levado um caderno que servia como suporte para algumas anotações. E durante a conversa com a educadora percebemos que nosso caderno havia sido capturado pelos bebês que, muito ávidos pela novidade e curiosos pelo objeto, não largavam mão do mesmo. E, por mais que disséssemos "não, aqui não é para mexer", os bebês continuavam brincando. É interessante notar que, embora aqueles bebês fossem bem pequenos, eles insistiam na manipulação de nosso caderno. E, a partir desse episódio, pudemos conferir que o interesse não era pelo caderno em si, mas pelo valor lúdico, que, mediado pelo olhar do outro, se apresentou para os bebês.

Tendo em vista essa situação, pensamos que seja esse valor lúdico dos objetos _ valor conferido e mediado pelo olhar do outro _, o que é singular a cada bebê e instaurado por quem cuida dele, que poderemos passar de uma educação, atualmente restrita aos cuidados básicos relacionados à higiene, para uma educação mais lúdica e criativa. O que implica dizer que o desejo de quem educa não está no arsenal psicopedagógico que se disponibiliza ao mesmo, mas na sua posição subjetiva diante daquilo que faz. E, se educar é transmitir o desejo de saber, "(...) organizar, articular, tornar lógico seu campo de conhecimento e transmiti-lo a seus alunos" (Kupfer, 1989, p. 99), de que educação falamos quando se trata do primeiro ano de vida?

Dessa forma, pensamos que a referida pesquisa possa contribuir para o questionamento das práticas circunscritas em torno da educação infantil, no sentido de apontar não apenas uma especificidade dessa educação, mas a importância dessa especificidade na constituição subjetiva do infans. Nesse contexto, pensamos em alternativas possíveis não no sentido de criar mais um discurso científico sobre parâmetros do desenvolvimento infantil ou técnicas pedagógicas, mas para refletir acerca da dimensão de Outro primordial necessária à constituição desses pequenos sujeitos.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Pesquisa desenvolvida e financiada pelo Programa de Incentivo à Pesquisa (PIPe)/Universidade Regional de Blumenau (FURB) no período de março a dezembro de 2000.

 

 

Recebido em dezembro/2001
Aceito em março/2002

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