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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

 

Grupos Terapêuticos com Colaboradores de Clínicas de Hemodiálise Durante a Pandemia de Covid-19

 

Therapeutic Groups With Hemodialysis Clinics Workers During Covid-19 Pandemic

 

 

Solange ImhofI; Flavia Barbosa Martins StockschneiderII; Fabiana Baggio NerbassIII; Rosa Maria Gasparino da SilvaIV; Marcos Alexandre VieiraV

ICentro de Tratamento de Doenças Renais de Jaraguá do Sul/SC - solange.imhof@ctdr.com.br
IICentro de Tratamento de Doenças Renais de Mafra/SC - flavia.martins@prorim.org.br
IIIFundação Pró-Rim de Joinville/SC - fabiana@prorim.com.br
IVFundação Pró-Rim de Joinville/SC - E-mail: rosagasparino@prorim.org.br
VFundação Pró-Rim de Joinville/SC - marcosvieira@prorim.org.br

 

 


RESUMO

Grupos terapêuticos são práticas amplamente utilizadas que auxiliam na abordagem de questões emocionais e desenvolvimento de comportamentos de enfrentamento. Este trabalho teve como objetivos descrever a implementação de grupos terapêuticos para colaboradores de clínicas de hemodiálise durante a pandemia de covid-19 e avaliar quantitativamente a percepção do medo dos participantes em diferentes momentos. Foram realizados quatro encontros com diferentes temáticas e o medo foi avaliado pela Escala Subjetiva do Medo (ESM) no segundo e último encontro. Foram incluídos no estudo 50 colaboradores. A maior parte da amostra foi de mulheres, profissionais de enfermagem com escolaridade de nível técnico. Não foi observada diferença na pontuação da ESM nos dois momentos. No início, as mulheres tiveram pontuação significativamente maior que homens, assim como os participantes mais jovens (<40 anos) comparados aos mais velhos. Ao final, a pontuação aumentou significativamente apenas no grupo com menor escolaridade. Oitenta e seis porcento dos participantes avaliou como "ótimo" ter participado do grupo. As intervenções da Psicologia por meio dos grupos terapêuticos demonstraram ser importantes para o enfrentamento saudável, oportunizou um momento em que os colaboradores puderam expor suas angústias e realizar troca de experiências entre os colegas.

Palavra-chave: grupo terapêutico; covid-19;colaboradores; hemodiálise; medo.


ABSTRACT

Therapeutic groups are widely used practices that assist in addressing emotional issues and developing coping behaviors. This study aimed to describe the implementation of therapeutic groups for hemodialysis clinics' workers during the covid-19 pandemic and to assess the participants' perception of fear at different times. Four meetings were held with different themes, and fear was assessed by the Subjective Fear Scale (SFS) in the second and last meeting. Fifty workers were included in the study. Most of the sample comprised women, nursing professionals with technical level education. There was no difference in the SFS score at both times. In the beginning, women scored significantly higher than men, as did younger participants (<40 years old) compared to older ones. In the end, the score increased significantly only in the group with less education. Eighty-six per cent of the participants rated it as "great" to have participated in the group.Psychology interventions through therapeutic groups proved to be important for healthy coping, providing a time when workers could expose their anxieties and exchange experiences with colleagues.

Keywords: group therapy;covid-19; workers; hemodialysis; fear.


 

 

Introdução

O primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) foi relatado na China, no início de dezembro de 2019 (Wang et al., 2020; Xiao, 2020)e a disseminação em nível global, fez com que a World Health Organization a considerasse uma pandemia em março de 2020. No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou no dia 26 de fevereiro de 2020 o primeiro caso de covid-19 e após a confirmação dos primeiros casos no estado de Santa Catarina, foi decretada situação de emergência em todo o território estadual no dia 17 de março de 2020, para fins de prevenção e combate à epidemia (Estado De Santa Catarina, 2020; Ministério da Saúde, 2020).

O cenário da saúde mundial trouxe para todos os profissionais de saúde uma a nova realidade de trabalho, levando-os a redobrar a atenção e o cuidado no exercício de suas atividades. Os profissionais da saúde que trabalham em hemodiálise, que em geral atuam diante de situações estressantes por necessitarem agir e tomar decisões de maneira rápida e efetiva em curto espaço de tempo se depararam com desafios ainda maiores impostos pela pandemia. Novos estressores se somaram ao dia a dia, como o risco aumentado de ser infectado, adoecer e morrer; a possibilidade de infectar outras pessoas; sobrecarga e fadiga, exposição a mortes em larga escala, frustração por não conseguir salvar vidas, e afastamento da família e dos amigos (Taylor, 2019).

Estudos têm sugerido que o medo de ser infectado por um vírus potencialmente fatal, de rápida disseminação, que ainda é pouco conhecido, pode afetar o bem-estar psicológico de muitas pessoas (Asmundson & Taylor, 2020; Carvalho, Moreira, de Oliveira, Landim, & Neto, 2020). Manter o equilíbrio para poder trabalhar diante de condições tão desafiantes demanda esforço e pode gerar um significativo desgaste nesses profissionais.

Medidas de enfrentamento foram descritas pelo Ministério da Saúde (MS), pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) e orientações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) entre elas estão a preservação física e mental dos trabalhadores da saúde (Conselho Nacional de Saúde, 2020).

Diante dessa situação, foram implementados grupos terapêuticos, com objetivo de trabalhar questões emocionais dos colaboradores de unidades de hemodiálise e desenvolver comportamentos de enfrentamento à situação atual da saúde frente à pandemia do coronavírus (covid-19).

O presente trabalho teve como objetivos descrever a implementação de grupos terapêuticos com colaboradores de unidades de hemodiálise durante pandemia de covid-19, bem como avaliar quantitativamente a percepção do medo dos participantes em diferentes momentos.

 

Métodos

Trata-se de estudo qualitativo e quantitativo realizado em duas unidades de hemodiálise, ambaslocalizadas na região norte do estado de Santa Catarina.

As equipes multiprofissionais e administrativas das unidades foram convidadas a participarem dos encontros,sendo eles técnicos, estagiários e auxiliares de enfermagem, enfermeiros, auxiliar e assistente administrativo, serviços gerais, higiene e limpeza/copa, nutricionista e assistente social.

Os critérios de inclusão/exclusão foram: idade superior a 18 anos, ter participado no mínimo de trêsencontros dos grupos terapêuticos, concordar em participar do grupo e da pesquisa realizada entre os meses de março, abril e maio de 2020.

Protocolo do estudo

O grupo terapêutico foi estruturado em quatro encontros, com temas previamente estabelecidos e atividades preparadas para cada semana. Estes encontros duraram em média de 30 a 60 minutos e participavam de três a quatrocolaboradores por sessão. Na maioria dos encontros eram os mesmos integrantes que compunham os grupos. O local para o grupo na unidade denominada A, foi no bosque anexo à clínica de hemodiálise, e na unidade denominada B aconteceu o grupo na sala de emergências, garantindo o distanciamento de 1,5m entre cada profissional e os mesmos fazendo uso de EPIs estabelecidos pela Comissão de Controle de Infecção (CCI) da instituição.

O cronograma dos encontros foi elaborado juntamente com os enfermeiros, a fim de garantir o melhor horáriopara cada profissional dentro da rotina das suas atividades.

Os grupos tiveram a garantia do sigilo profissional no início do primeiro encontro e teve como objetivo a identificação dos sentimentos que estavam vivenciando diante da pandemia. Foi preparada uma ferramentacom diversos emojis, como representações gráficas, usando rostos que representavam sentimentos, onde os colaboradores deveriamidentificar quais sentimentos estavam relacionados a cada rosto. Em seguida, tiveram a oportunidade de usar estas representações para contar uma estória, que deveria começar com "Era uma vez, um profissional de saúde...". Cada colaborador teve a oportunidade de perceber qual era o sentimento mais presente naquele momento, expressar e discutir com os colegas do grupo, mediado pela psicóloga.

Para finalizar, foi realizada a técnica da respiração diafragmática, utilizada pela Terapia Comportamental Cognitiva, que consiste em concentrar o ar na região do diafragma, fazendo o abdômen estufar e voltar ao normal ao puxar e soltar o ar, respectivamente. A respiração deve ser feita lentamente, usando uma contagem até três para inspirar e até seis para expirar, utilizando os músculos abdominais para o controle respiratório, impedindoa hiperventilação e diminuindo os sintomas autonômicos e a tensão muscular promovendorelaxamento e melhora nos sintomas de ansiedade. Padrões de respiração imprópriospodem levar a hiperventilação e a sintomas fisiológicos que se originam de um aumento significativo na oxigenação sanguínea (Heldt, Cordioli, Knijnik, Manfro, 2008; Manfro& Heldt, 2008; Oliveira& Duarte, 2004).

O segundo encontro iniciou reforçando o contrato de sigilo e o não julgamento do sentimento dos colegas de trabalho. Após, foi aplicada a escala subjetiva do medo, onde o colaborador assinalava um X sobre o número que correspondesse ànota dada ao seu próprio medo sentido relacionado à pandemia, de 0 a 10, sendo 0 sem medo e 10 o medo maior que pudesse existir. Depois disso, com tinta guache e pintura nos dedos, foram identificados os medos, relacionando as cores e forma de enfrentamento de cada funcionário. Cada um teve a oportunidade de verbalizar, realizar troca e aprendizado com os colegas. Para finalizar, foram encaminhados para fazer os cinco passos da higienização das mãos acompanhados da psicóloga e colegas do grupo.

Entre o segundo e terceiro encontro, foi entregue uma cartinha para cada colaborador com o tema sobre autocuidado da saúde mental comdicas. Foi sugeridaa aplicação de duas a três dicas durante a semana e, no último parágrafo, havia uma mensagem motivacional e individual da percepção da psicóloga sobre aquele colaborador.

O terceiro encontro foi relacionado ao tema de autocuidado da saúde mental, onde cada colaborador pôde expor se realizou alguma dica da cartinha entregue na semana anterior, o que fez e como se sentiu. Foram orientados sobre a importância do tema em todos os momentos e, em especial, neste que estavam vivenciando.

O quarto e último encontro foi iniciado com a aplicação da mesma escala subjetiva do medo realizada no segundo encontro, com as mesmas orientações. Posteriormente, foiintroduzido o tema "amor", através de uma música e finalizado com a entrega de cartinhas das famílias e amigos dentro de um envelope para cada colaborador preparado previamente pela psicóloga, em segredo.

Os participantes também responderam a um questionário que continha questões referentes a idade, gênero, tempo de empresa, cargo, se fazia parte do grupo de risco, qual risco, se morava com alguém do grupo de risco, se iniciou tratamento psicológico ou psiquiátrico durante a pandemia. Os mesmos também foram incentivados a avaliar qualitativamente o grupo terapêutico. Além disso, as pesquisadoras anotaram frases dos colaboradores nos grupos para analisarmos qualitativamente o discurso.

A análise estatística foi realizada utilizando o software SPSS, versão 21.0 para Windows (SPSS, Inc. Chicago, IL). Os resultados foram expressos em média e desvio padrão, mediana e interquartis ou em percentuais, quando adequado. Para comparação das variáveis entre os grupos, foi utilizado o teste Mann-Whitney. A significância estatística foi considerada para valores de p < 0,05.

 

Resultados

Na unidade A participaram 29 funcionários e na unidadeB, 30, totalizando 59 colaboradores que comparecerampelo menos aum dos encontros. Neste trabalho, incluímos os 50 que participaram de pelo menos três encontros. Entre eles tivemos equipe multiprofissional, administrativo e serviço de higiene e limpeza.

Conforme exposto na Tabela 1, a maior parte do grupo foi composta por mulheres, profissionais de enfermagem com escolaridade de nível técnico. Doze por cento se autor-referiram como pertencentes ao grupo de risco e 36% relataram morar com pessoas destes grupos.

Dos colaboradores que pertencem a algum grupo de risco, dois são diabéticos, quatro hipertensos e um com problemas respiratórios. Destes que fazem parte do grupo de risco, ou moram com alguém do grupo de risco, não tiveram pontuação maior na escala do medo, em relação aos demais.

Nenhum colaborador referiu começar tratamento psicológico ou psiquiátrico no período em que estava participando do grupo, assim como não iniciou medicação para ansiedade, depressão ou fitoterápicos/homeopatia.

O medo foi escolhido como o tema do segundo encontro justamente por ser este sentimento que mais apareceu no primeiro encontro, que foi o momento da identificação dos sentimentos. Além deste, apareceu também "preocupação", "assustado", entre outros.

Quando comparamos a pontuação da escala subjetiva do medo no início e no final do estudo, não foi observada diferença na mediana da amostra total (Figura 1). Dos 50 participantes, 21 (42%) reportaram menor pontuação na escala do medo no final comparado ao início, em 11 (22%) a mesma permaneceu igual e no restante 18 (36%) a pontuação aumentou.

 

 

Quando comparamos os grupos nos dois momentos (Tabela 2), constatamos que no início as mulheres indicaram maior pontuação que os homens. Diferença que não se manteve ao final. Os participantes mais jovens (20 a 39 anos) também apontaram maior pontuação apenas no início quando comparados aos mais velhos (40 a 59 anos). Na comparação intragrupos para avaliar diferença na pontuação no início e no final do estudo, o único grupo em que houve diferença na pontuação foi o com menor escolaridade em que a pontuação aumentou significantemente.

No segundo encontro, os colaboradores falaram a respeito dos medos, que tinham relação com medo de internar em UTI, distanciamento da família durante a internação hospitalar, medo de morrer, de perder alguém da família ou paciente e preocupação com situação econômica e social do país.

Houve falas como: "eu sei que se eu morrer, meus filhos sentirão muito a minha falta... antes eu não pensava em morte, mas agora eu penso", "meu medo é contrair o vírus e passar para meus pais idosos", "tenho medo de ter que dialisar quem vai viver e deixar o outro morrer, pela demanda ser maior do que podemos suportar", "medo de desemprego" e "a nossa segurança está em risco".

Explorando sobre os medos dos participantes, observou-se também o medo das incertezas futuras no mundo, preocupações financeiras, saúde e educação.

Ao final do questionário, 86% dos participantes avaliam que foi ótimo ter participado do grupo e 14% avaliaram que foi bom.

 

Discussão

No presente trabalho, descrevemos a implementação de grupos terapêuticos para enfrentamento da pandemia de covid-19 em colaboradores de unidades de hemodiálise, bem como os resultados da aplicação de uma escala quantitativa para mensuração do medo.Foi escolhido este sentimento para ser mensurado, visto que no primeiro encontro o medo esteve mais presente, sendo possível oportunizar que os participantes falassem e demonstrassem as diversas preocupações que podem afetar o bem-estar psicológico, com potencial risco à saúde mental dos mesmos.

Na amostra total, não foi observada mudança na pontuação da escala do medo nos dois momentos de aplicação, apesar da situação em relação a casos e óbitos em termos nacionais e locais ter aumentado significativamente entre os dois períodos.

A primeira aplicação da escala do medo aconteceu entre 13 e 16 de abril de 2020. O boletim epidemiológico do estado informava no município da unidade A que em 16 de abril de 2020 havia nove casos confirmados de covid-19, nenhum óbito e um caso confirmado de covid-19 e no município B, nenhum caso (Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina, 2020a).

A segunda aplicação da escala do medo foi realizada no último encontro, entre os dias 11 a 15 de maio de 2020. O boletim epidemiológico do Estado do dia 15 de maio de 2020 apontava que no município da unidade A, havia 63 casos confirmados, dois óbitos, e havia dois pacientes dialisando em isolamento por suspeita de covid-19 nesta unidade. E o município da unidade B apontava dois casos confirmados e nenhum óbito. Na unidade, um paciente estava dialisando em isolamento por suspeita de covid-19 (Diretoria de Vigilância Epidemiológica, 2020b).

Ao contrário do esperado, foi observado que os profissionais de enfermagem participantes que apresentavam maior risco de contaminação, com relato de inúmeros óbitos no Brasil, não apresentaram significativamente mais medo que os demais profissionais. Talvez por também se sentirem expostos ao realizar atendimentos aos pacientes, assim como os da enfermagem, não foi observada a diferença entre os demais setores.

O conceito de medo é "uma resposta imediata a uma ameaça que é conscientemente reconhecida como um perigo, estando associada ao comportamento de fuga ou luta" (Herdman & Kamitsuru 2018). Ao depararem-se com a covid-19, os profissionais tinham estas duas opções de comportamento, mas reconheciam a necessidade dos pacientes seguirem dialisando, mesmo diante do cenário atual da saúde mundial.

O medo é uma emoção central a se considerar quando se busca entender os efeitos psicológicos vivenciados em um cenário ameaçador (Ornell, Schuch, Sordi& Kessler, 2020) a exemplo da covid-19 e está diretamente associado a comportamentos de estigmatização, de exposição ao risco e de demanda por assistência em saúde. O medo de ser infectado por um vírus potencialmente de rápida disseminação, e fatal, tem sido apontado pelos estudos que pode afetar o bem-estar psicológico de muitas pessoas (Asmundson & Taylor, 2020; Carvalho et al., 2020).

Além disso, há o medo de contrair a doença e de infectar os membros de sua família, como apontado por alguns participantes. O medo de contrair o vírus tornou-se companheiro dos dias de trabalho, mas o receio de levá-lo para casa e contaminar o ambiente dos familiares é motivo de reflexão sobre os riscos ocupacionais desta profissão(Rocha, Freire, Reis, Vieira, & Sousa, 2020).

Q. Chen et al (2020) estudaram sobre impactos na saúde mental diante da pandemia do novo coronavírus, realizado na China com a população geral, revelou sintomas moderados a severos de ansiedade, depressão e estresse, em 28,8%, 16,5% e 8,1% dos respondentes, respectivamente. E, na nossa pesquisa, 75,2% dos participantes referiram medo de que seus familiares contraíssem a doença.

Porém, no presente estudo não houve diferença significativa na escala do medo entre os participantes que residiam ou não com pessoas do grupo de risco. Talvez isso se deva ao início da pandemia e das pessoas ainda não estarem tão apropriadas do conhecimento da possibilidade de óbito aumentada diante de pessoas com comorbidades.

Quando comparamos a pontuação de acordo com características demográficas dos participantes, foi observado que na primeira aplicação as mulheres relataram maior percepção de medo comparado aos homens. Houve um estudo realizado com a população cearense (Lima et al., 2020) que apontou a maior percepção de maior risco de infecção por covid-19por mulheres, segundo o autor, podendo ser devido o fato de o estudo incluir muitos profissionais de saúde.

Podemos levantarcomo hipótese que o maior senso de autocuidado pelo gênero feminino pode ser uma das razões para este achado, apesar de homens possuíram maior risco de mortalidade para esta doença (de Souza, Hojo-Souza, Batista, da Silva, & Guidoni, 2021).

Observamos também que os participantes mais jovens tinham mais medo do que os com mais idade no início do estudo, apesar de ser uma doença que sabidamente pode afetar mais gravemente os mais velhos. A maturidade talvez possa ter influenciado este aspecto, porém este achado não foi diretamente investigado.

Quando comparamos a pontuação nos dois momentos, o único subgrupo que apresentou significativamentemaior pontuação na segunda aplicação da escala do medo em relação à primeira foi o dos com menor escolaridade (ensino fundamental ou médio). Apesar de não termos investigado diretamente a maior dificuldade em compreender todo o contexto e incertezas do ponto de vista econômico podem também ter influenciado o resultado.

Já em outro estudo, diferentemente deste, a idade, nível educacional e possuir um parente diagnosticado com a doença pareceu não afetar a percepção de medo dos indivíduos (Ahorsu et al., 2020; Bakioğlu, Korkmaz, & Ercan, 2020; Sakib et al., 2020).

Independentemente de escolaridade, gênero ou idade, os profissionais que estão em contato direto com os problemas causados pela covid-19, nunca viveram uma experiência assim. O despreparo aumenta a importância de ações emergenciais para reduzir o efeito da crise (Borloti, Haydu, Kienen & Zacarin, 2020).

Os profissionais sofrem diversas pressões psicológicas, principalmente pelo medo diante da incerteza das condições futuras. É preciso que os profissionais de saúde estejam atendidos em suas inquietações e desamparos (Portugal et al., 2020).

Diante dessa situação, observamos que as intervenções psicológicas podem contribuir para promoção da saúde mental e prevenção de impactos psicológicos negativos aosprofissionais da saúde. É importante oferecer a eles suporte e orientação, para atender pessoas que testaram positivo para o novo coronavírus e que não compreendem as recomendações ou se recusam a aderir ao tratamento (N. Chen et al., 2020) também como lidar com a frustração por não conseguir salvar vidas, apesar de todos os esforços (Taylor, 2019).

Tivemos 86% dos participantes avaliando que foi ótimo ter participado do grupo terapêutico, e 14% considerando que foi bom. Avaliando qualitativamente com feedbacks que foram recebidos no encerramento do grupo, podemos observar relatos como "nunca tinha pensado sobre a importância do autocuidado da saúde mental", "a equipe ficou bem mais tranquila depois desses grupos, porque estava todo mundo apavorado".

 

Considerações finais

O trabalho realizado com os funcionários nas duas clínicas de hemodiálise, no período da pandemia covid-19, evidenciou que todo surto por uma nova doença ou vírus, a falta de informações sobre a transmissão, características da doença e os fatores de risco para contaminação, causam intensificação de sentimentos, como medos, inseguranças, angústias e incertezas.

Foi observado que com os grupos terapêuticos a intensidade do medo não mudou. Este fato pode também ser avaliado como um aspecto positivo, já que medo é um sentimento comum quando nos deparamos com ameaças desconhecidas e possui a função de sinalizar e nos preparar para ações de proteção à vida. Desta forma, o medo pode ter colaborado para que estes profissionais seguissem com mais rigor as precauções de segurança para proteção própria, dos colegas e dos pacientes.

As intervenções da Psicologia por meio dos grupos terapêuticos semanais demonstraram serem importantes para o enfrentamento saudável, visto que se caracterizaram por um momento em que os colaboradores puderam expor suas angústias e realizar troca de experiências entre os colegas. Portanto, as intervenções psicológicas podem contribuir para promoção da saúde mental e prevenção de impactos negativos na saúde do profissional.

 

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Solange Imhof - Psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Faculdade Pequeno Príncipe/PR, especialista em Saúde da Família com Enfoque Multidisciplinar pela Pontifícia Universidade Católica/PR e especialista em Nefrologia Multidisciplinar pela Universidade Federal do Maranhão/MA.
Flavia Barbosa Martins Stockschneider - Psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Faculdade Pequeno Príncipe/PR e especialista em Psicologia da Saúde pela Faculdade Evangélica do Paraná/PR.
Fabiana Baggio Nerbass - Nutricionista e Coordenadora da pesquisa, mestre em Nutrição pela Universidade Federal de São Paulo, doutora e pós-doutora pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná/PR.
Rosa Maria Gasparino da Silva - Psicóloga e Coordenadora do Serviço de Psicologia, mestre em Saúde e Meio Ambiente pela Universidade da Região de Joinville/SC.
Marcos Alexandre Vieira - Fundação Pró-Rim de Joinville/SC - Presidente, médico nefrologista pela Universidade Católica de Pelotas/RS e mestre em Ciências da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná/PR.

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