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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.12 no.3 São Paulo mar. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Jovem em situação de desemprego: habilidades sociais e bem-estar psicológico

 

Youngsters and unemployment: Social skills and psychologica l well-being

 

El desempleo juvenil: habilidades sociales y el bienestar psicolgico

 

 

Romilda Guilland; Janine Kieling Monteiro

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo quantitativo teve como objetivo investigar a relação entre habilidades sociais e bem-estar psicológico de jovens em situação de desemprego. Participaram dele 232 jovens, com idade entre 18 e 24 anos, de ambos os sexos e média de tempo de desemprego de 9,56 meses. O estudo foi realizado no Sistema Nacional de Emprego (Sine) e nas escolas estaduais do Vale do Paranhana (RS). Utilizaram-se um questionário sociodemográfico, o Inventário de Habilidades Sociais (IH S-Del-Prette) e o Questionário de Saúde Geral (QSG-12). A análise dos dados revelou que houve correlação significativa entre habilidades sociais e bem-estar psicológico (p < 0,05), indicando que, entre os jovens desempregados, quanto maior for o índice de habilidades sociais, maior será o nível de saúde. Os resultados sugerem que o desemprego pode afetar os jovens de diversas formas, contudo um bom escore de habilidades sociais pode amenizar o efeito negativo e propiciar saúde.

Palavras-chave: Jovem; Desemprego, Habilidades sociais, Bem-estar psicológico, Saúde mental.


ABSTRACT


This quantitative study was to investigate the relation between social skills and psychological well-being of young unemployed. Participated in it 232 youngsters, aged between 18 and 24 years of both sexes, the average duration of unemployment was 9.56 months. The study was developed in a job agencies (Sine) and public school in the Vale do Paranhana (RS). We used a socio-demographic questionnaire, the social skills inventory (Inventário de Habilidades Sociais - IH S-Del-Prette) and the General Health Questionnaire (GHQ -12). The data analysis showed a significant correlation between social skills and psychological well-being (p < 0.05) indicating that among the unemployed youngs, that the higher the index of social skills is the most level of health. The results suggest that unemployment may affect the young adults in many ways however, but a good score of social skills can mitigate the negative effect, provide health.

Keywords: Young adults, Unemployment, Social skills, Psychological well-being, Mental health.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue investigar la relación entre las habilidades sociales y el bienestar de jóvenes en situación de paro. Participaron 232 jóvenes, con edades entre 18 y 24 años, hombres y mujeres, con tiempo medio de paro de 9,56 meses. El estudio fue realizado en agencias de empleo (Sine) y en escuelas públicas del Vale do Paranhana (RS). Se utilizó un cuestionario con datos sociodemográficos, el Inventario de Habilidades Sociales (IH S-Del-Prette) y el Cuestionario General de Salud (QSG-12). El análisis de datos reveló una correlación significativa entre habilidades sociales y bienestar psicológico (p < 0,05), indicando que entre los jóvenes en paro, cuánto más alto es el índice en las habilidades sociales, mejor es su salud. Los resultados sugieren que el paro puede afectar a personas jóvenes de diferentes maneras, pero una buena puntuación en habilidades sociales puede disminuir su efecto negativo, lo que promueve la salud.

Palabras clave: Jóvenes, Desempleo, Habilidades sociales, Bienestar psicológico, Salud mental.


 

 

Introdução

O desemprego é uma realidade nas sociedades ocidentais contemporâneas. Em Porto Alegre (RS), em outubro de 2009, o índice de jovens desocupados - com idade entre 18 e 24 anos - que buscavam se inserir no mercado de trabalho era de 35,5% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009). Além disso, comparando o mês de outubro de 2008 com o mesmo período no ano de 2009, houve um acréscimo de 3,2% no número de jovens que se encontravam desocupados e não procuravam emprego nos últimos 30 dias (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009).

A exclusão social, a precária inserção no mercado de trabalho e a falta de acesso a um trabalho decente podem fazer com que os laços afetivos e sociais se desestruturem, o que propicia aumento do sofrimento mental e gera impactos negativos na autoestima do jovem (LIMA; BORGES, 2002). Além disso, um tempo muito prolongado na situação de desemprego pode aumentar o sentimento de solidão e fracasso, propiciando o desenvolvimento de distúrbios emocionais (PINHEIRO; MONTEIRO, 2007).

Com base nessa constatação, o desemprego juvenil se torna preocupante, visto que o jovem, depois de experimentar uma história de desemprego, não se recupera completamente dos impactos adversos dessa situação (MROZ; SAVAGE, 2006), que continua influenciando por muito tempo e de forma negativa o seu estado de bem-estar e sua saúde mental (BACIKOVA-SLESKOVA et al., 2007).

Por sua vez, o mercado de trabalho atual tem exigido, cada vez mais, mão de obra qualificada, e, entre as habilidades requeridas, destacam-se as habilidades sociais. Estudos realizados com universitários, no campo das habilidades sociais, indicam que as pessoas socialmente competentes podem apresentar relações pessoais e profissionais mais produtivas, além de melhorar a saúde física e mental (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2003). No entanto, o déficit nestas pode estar geralmente associado a dificuldades e conflitos nas relações interpessoais, a uma pior qualidade de vida e a diversos tipos de transtornos psicológicos, como isolamento social, delinquência juvenil e desajustamento escolar (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001).

O presente estudo teve como objetivo investigar a relação entre as habilidades sociais e o bem-estar psicológico de jovens em situação de desemprego. Além disso, analisaram-se possíveis associações entre gênero e tempo de desemprego, habilidade social e bem-estar psicológico. Esta pesquisa foi realizada no Vale do Paranhana (RS), que se caracteriza como uma região de fabricação de calçados.

Na literatura, o tema saúde e doença mental relacionado à situação de trabalho (JACQUES, 2003; MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 2003) é mais abordado do que a relação entre desemprego e saúde mental (SANTANA, 2006). A Organização Mundial de Saúde (OMS) descreve o conceito de saúde como o "perfeito estado de bem-estar físico, mental e social". No presente estudo, entende-se que o bem-estar pode ser definido pelo grau em que cada pessoa julga e avalia sua qualidade de vida de forma favorável como um todo (VEENHOVEN, 1991 apud SILVA et al., 2007). Sob essa perspectiva, a saúde e o bem-estar são conceitos muito relacionados entre si. Para Stotz (1993), a saúde e a perda de saúde são definidas como dois fenômenos que se referem aos jovens e que normalmente são representados por um estado de "bem-estar", que, em certo momento, pode se transformar em sofrimento.

Alguns episódios podem ser tão estressantes que geram uma ruptura na sensação de sentir-se psicologicamente bem, gerando sofrimento e mal-estar. Segundo Sparrenberger, Santos e Lima (2004), os eventos estressantes capazes de diminuir a sensação de bem-estar e gerar mal-estar podem ser descritos por sua ordem de importância: separação conjugal, desemprego e doença familiar.

Sarriera, Schwarcz e Câmara (1996) investigaram o estado de bem-estar e relacionaram-no com os níveis de ocupação dos jovens de Porto Alegre. Os jovens que se situam entre os níveis de bem-estar psicológico, classificados como "muito bom" e "bom", são os trabalhadores fixos (84,5%); em seguida estão os trabalhadores temporários (71,7%). Nesses níveis de bem-estar psicológico, os jovens em situação de desemprego apresentaram-se em menor número (65,1%). Essa redução do índice de bem-estar psicológico dos jovens pode ser entendida em termos de perda, pois eles já haviam experimentado uma ocupação laboral.

A situação de desemprego pode afetar o psiquismo dos jovens, porque aqueles que já estão fora do mercado de trabalho há muito tempo se desencorajam mais facilmente, demonstram pessimismo e dificuldade para se recolocar no mercado de trabalho. A dificuldade de encontrar uma ocupação pode fazer com que a qualificação profissional se deteriore, pois, à medida que o tempo de desemprego se estende, o indivíduo se vê obrigado a aceitar uma subocupação para manter sua sobrevivência, o que pode diminuir sua autoestima (MENEZES; DEDECCA, 2006). À medida que o tempo de desemprego aumenta, os sintomas se modificam: além da redução da autoestima, o indivíduo pode apresentar desânimo, tristeza e isolamento. O desemprego de longa duração foi associado ao aumento do risco de episódios de depressão maior e ao abuso de álcool (HÄMÄLÄINEN et al., 2005).

Os agravos na saúde podem ocorrer quando o desemprego não é visto como uma situação transitória, mas como um lugar marginalizado. Neste caso, é difícil falar dessa situação como um lugar reconhecido, principalmente quando o ficar desempregado pode significar não só uma suspensão da estabilidade econômica, mas também o aumento da vulnerabilidade do indivíduo, o que afeta a saúde mental (TERRA et al., 2006).

Alguns fatores, todavia, servem como proteção e auxiliam o jovem a interagir com os eventos geradores de estresse, como o desemprego, evitando consequências negativas. Entre esses fatores, estão: as características individuais (autoestima, inteligência, bom repertório de habilidades sociais e capacidade de resolução de problemas), o apoio afetivo dos familiares e o apoio social externo, como escola, igreja e amigos (GARMEZY; MASTEN, 1994 apud RAMIREZ; CRUZ, 2009).

A expressão "habilidades sociais" surgiu na década de 1960, na Inglaterra, e contempla uma diversidade de definições. No presente artigo, destaca-se o conceito de Bolsoni-Silva et al. (2006), no qual as habilidades sociais se referem "à existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais" (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001, p. 31).

As habilidades sociais são consideradas importantes em termos de otimização dos recursos dos jovens quanto a comportamentos assertivos, críticos e sociais que podem facilitar o enfretamento de dificuldades a serem encontradas (SARRIERA, 1998). No entanto, o campo teórico-prático do estudo das habilidades sociais, no Brasil, é ainda mais recente. Os primeiros estudos surgiram em 1990, e até o momento não há muitos trabalhos que envolvam esse tema com jovens desempregados (BOLSONI-SILVA et al., 2006).

Na região metropolitana de Porto Alegre, Sarriera et al. (2001) investigaram jovens de baixa renda em busca de emprego e analisaram as características da construção da identidade ocupacional. Os autores observaram que os jovens estavam desenvolvendo sua identidade ocupacional com projetos profissionais pouco definidos e também apresentavam considerável insegurança em relação às suas escolhas. Além disso, eles não sabiam como poderiam realizar, na prática, seus projetos profissionais, pois suas escolhas, muitas vezes, embasavam-se na fantasia. Os resultados apontaram que, apesar de os jovens estudados demonstrarem necessidade de se inserir no mercado de trabalho, a baixa escolaridade pode colocá-los no grupo de desemprego de longa duração.

Um estudo realizado com jovens universitários, do interior do Estado de São Paulo, indicou que estes percebem que, para competir por uma vaga de emprego, necessitam estar atualizados, devem buscar aperfeiçoamento e especialização constante, desenvolvimento do potencial e das habilidades, assim como revisar conceitos e reciclar-se (RUEDA; MARTINS; CAMPOS, 2004).

Como "as habilidades sociais são aprendidas e alteradas ao longo da vida por meio da variabilidade e seleção dos comportamentos submetidos às contingências ambientais" (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2010, p. 43), dependendo das contingências a que o jovem estiver exposto, ele pode desenvolver tanto um repertório elaborado de comportamentos efetivos na produção de reforçadores quanto um repertório limitado. Desse modo, entende-se que, quando ocorrem falhas no processo de aprendizagem de um indivíduo,também podem ocorrer déficits relevantes em seu repertório de habilidades sociais, e há evidências crescentes de que esses déficits estão correlacionados com delinquência, crises conjugais e desordens emocionais variadas, como transtornos de ansiedade (MURTA, 2005). Por outro viés, o desenvolvimento das habilidades sociais proporciona melhoria na qualidade de vida, no desenvolvimento pessoal e profissional. Dentro desse prisma, os jovens que são socialmente habilidosos são provavelmente mais capazes de suportar os estresses da vida, como o desemprego, evitando, assim, consequências negativas (GERK; CUNHA, 2006).

Nesse sentido, a avaliação das habilidades sociais tem sido objeto de interesse crescente dos educadores, psicólogos e empresários (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001), porém os resultados dos estudos em bases de dados no período de 1994 a 2004 indicaram que, dos 65 artigos encontrados que abordavam o tema habilidade social, apenas cinco investigaram essas habilidades relacionadas ao âmbito profissional, sendo estes últimos estudos realizados com professores, psicoterapeutas e técnicos de segurança do trabalho (BOLSONI-SILVA et al., 2006). Muito embora os autores ressaltem a importância do econhecimento das habilidades sociais como requisito para o sucesso profissional, ainda são poucos os estudos brasileiros que avaliaram as habilidades sociais de jovens desempregados. Em função disso, este estudo teve como objetivo verificar a relação entre as habilidades sociais e o bem-estar psicológico de jovens em situação de desemprego. Além disso, analisaram-se a variável gênero e sua relação com tempo de desemprego, habilidade social e bem-estar psicológico.

 

Método

Amostra

A amostra foi composta por 232 jovens, sendo 50,4% do sexo masculino e 49,6% do sexo feminino (ver Tabela 1). Os jovens tinham entre 18 e 24 anos (M = 20; DP = 2). Os critérios de inclusão considerados foram: residir no Vale do Paranhana, ter trabalhado pelo menos uma vez, mesmo que de modo informal, e estar desempregado há mais de seis meses. O critério de exclusão exigido foi não estar em acompanhamento psiquiátrico por mais de um ano.

O Vale do Paranhana está localizado no Estado do Rio Grande do Sul. A força de trabalho dessa região está centrada predominantemente na indústria calçadista e em sua cadeia produtiva, como máquinas e componentes. Esse segmento produtivo absorve grande parte da mão de obra da região.

 

 

Instrumentos

Para a coleta de dados da pesquisa, foram utilizados os seguintes instrumentos: um questionário sociodemográfico, o Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette) e o Questionário de Saúde Geral (QSG-12). O questionário sociodemográfico constituiu-se de questões objetivas que investigaram dados como: idade, sexo, estado civil, nível de escolaridade, cursos profissionalizantes, situação familiar, quantidade de empregos, tipo de trabalho realizado formal ou informal, motivo da demissão e tempo de desemprego.

O IHS-Del-Prette, desenvolvido no Brasil por Zilda A. P. Del Prette e Almir Del Prette (2001), é um inventário composto por 38 itens e permite identificar déficits e recursos em habilidades sociais. Foram efetuados estudos de análise de itens, consistência interna (alfa de Cronbach = 0,75), estabilidade teste-reteste (r = 0,90; p = 0,001) e validade concomitante com o inventário de Rathus (r = 0,79, p = 0,01) (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001).

O QSG-12 é uma versão reduzida do instrumento original, composta por 12 itens (GOLDBERG, 1972), adaptada para o Brasil, e um dos instrumentos mais utilizados para medir o bem-estar psicológico, principalmente em estudos ocupacionais. O coeficiente alfa estimado para a totalidade dos itens do QSG-12 foi de 0,80 (SARRIERA; SCHWARTZ; CÂMARA, 1996).

Procedimentos de coleta de dados

Após aprovação número 09/002 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), iniciou-se a coleta dos dados. A aplicação dos instrumentos foi realizada em grupos pequenos, em sala reservada nas dependências das agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine) ou em escolas estaduais da região do Vale do Paranhana.

Análise de dados

Todas as informações, obtidas por meio dos questionários, foram processadas em bancos de dados no programa Statistical Package for Social Science (SSPS), versão 17. Os resultados das respostas dos sujeitos aos itens de todos os testes foram computados em termos de médias e desvio padrão. Para avaliar diferenças entre grupos, utilizou-se teste t. Também foi realizada análise de correlação de Pearson para avaliar a relação entre habilidades sociais e bem-estar psicológico. Por fim, realizou-se a análise de regressão linear stepwise para verificar quais variáveis poderiam ser preditoras de saúde.

 

Resultados e discussão

A análise dos resultados indicou que 68,9% dos jovens não possuem o ensino médio completo. Dentro da própria amostra, também se observou que 51,7% dos jovens não estavam frequentando uma escola no momento em que foi realizada a pesquisa. De acordo com Constanzi, a inserção dos jovens em ocupações precárias e informais colabora para que o jovem abandone a escola, porém esse tipo de trabalho não acrescenta nada à sua qualificação profissional. A busca por trabalho, para contribuir com o orçamento doméstico, gera prejuízos à formação educacional formal, o que, por sua vez, também pode causar efeitos negativos sobre sua inserção futura no mercado de trabalho, pois esse jovem fica sem ter como comprovar sua experiência profissional.

Do total da amostra investigada, 77,9% dos jovens afirmaram ter tido até três empregos, e 53,4% alegaram que pediram demissão de seu último emprego, ou seja, saíram voluntariamente. Esse resultado corrobora o estudo realizado por Flori (2003), o qual apontou que o fator determinante para que a taxa de desemprego juvenil seja mais elevada é a alta rotatividade dos jovens no mercado de trabalho.

Quando se analisou a causa da rotatividade dos jovens, os cinco principais motivos citados para a saída do último emprego foram descritos na seguinte ordem: redução do quadro de funcionários, baixo salário, trabalho sem carteira assinada, atraso no pagamento do salário e fechamento da empresa.

Os resultados evidenciaram ainda que o grupo que se encontrava em situação de desemprego e no passado estava devidamente registrado (carteira profissional) sofreu mais (apresentando menor bem-estar) com a perda do trabalho, comparado ao grupo que exerceu apenas atividades como "biscates" (F = 3,96; p < 0,05). Neste estudo, entende-se como "biscates" todo o trabalho que propicia uma renda, mas que não é protegido por lei. Esse resultado sugere que os jovens percebem a perda de um emprego protegido por lei como mais dolorosa, quando comparada à perda de um trabalho informal. Também pode indicar que fazer "biscate" proporciona menor sofrimento do que estar sem nenhuma ocupação, o que pode ser um sentimento passageiro. A pesquisa realizada por Bjarnason e Sigurdardottir (2003) com jovens desempregados contínuos e com jovens que desempenhavam atividades temporárias indicou que o segundo grupo, por realizar atividades temporárias, era menos ansioso do que aqueles continuamente desempregados, visto que tinham uma renda para se manter, apesar de não estarem protegidos por lei. Porém, com o passar dos anos, a ansiedade desses jovens aumentou por causa da falta de perspectiva de futuro.

Em nosso estudo, 65,1% dos jovens, em situação de desemprego, já tinham realizado algum tipo de trabalho informal. Quando se comparou o grupo de trabalhadores formais com os informais, os resultados (F = 6,54; p < 0,05) apontaram que o segundo grupo está há mais tempo desempregado (M = 10,03; DP = 6,59) em relação ao primeiro (M = 8,66; DP = 4,18). Essa diferença pode estar relacionada com a dificuldade para comprovar experiência profissional, muitas vezes exigida pelos empregadores. Outra possível explicação para isso poderia ser o fato de que os jovens que estão ocupados, mesmo que informalmente, procuram com menor frequência por vagas de emprego, pois têm menos tempo e menos necessidade para isso, por já possuírem alguma renda.

Desemprego e gênero

Quando se analisaram as variáveis gênero e tempo de desemprego, os resultados apontaram que os jovens do sexo masculino apresentam tempo de desemprego (M = 8,64; DP = 3,80) estatisticamente inferior (F = 10,83; p < 0,001), quando comparados às jovens (M = 10,48; DP = 7,34). O estudo de Aquilini e Costa (2003), que aborda o tema "desemprego e a inatividade das mulheres na metrópole paulista", também apontou que a mulher enfrenta maior tempo de desemprego do que os homens, ainda mais se forem jovens e de baixa escolaridade. Para as autoras, os contornos da fronteira entre a inatividade e o desemprego se apresentam de modo muito fluido para as mulheres, as quais são geralmente classificadas como inativas "do lar", independentemente de o motivo ser por falta de perspectiva de inserção no mercado de trabalho ou por opção para cuidar dos filhos. O resultado do estudo de Valencia e Larrañaga (2004) também evidenciou que a trabalhadora, ao ficar desempregada, é facilmente deslocada para a inatividade, e, nas representações sociais, ela é associada à categoria "dona de casa". No entanto, os autores acrescentam que uma dona de casa não é uma mulher desempregada, há diferença entre a primeira e a segunda, pois a primeira, ao assumir seu papel de mãe e trabalhadora do lar, não sofre a influência direta do desemprego, enquanto a segunda têm problemas financeiros e se sente socialmente excluída.

Quando se averiguou a relação entre os cinco fatores do IHS-Del-Prette e gênero, por meio de teste t, observou-se que somente a variável autoafirmação na expressão de afeto positivo apresentou uma associação significativa (F = 4,04; p < 0,05), indicando que as jovens apresentam maior capacidade de autoafirmação quando comparadas ao sexo masculino. Isso sugere uma melhor capacidade para expressar sentimentos positivos e para manter conversas triviais (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001).

Investigou-se, também, a relação entre gênero e os três fatores do QSG-12, em que somente a variável autoestima apresentou uma associação significativa (F = 6,56; p < 0,01). Esse resultado indica que os jovens do sexo masculino possuem mais autoestima quando comparados com o grupo feminino. A autoestima é definida como "uma atitude positiva ou negativa do indivíduo frente a si mesmo" (ROSEMBERG, 1973 apud SARRIERA; SCHWARCZ; CÂMARA, 1996, p. 301). Como resultado, ter uma autoestima positiva pode auxiliar os jovens a enfrentar melhor a situação de desemprego, sendo mais eficazes na busca por um trabalho.

Análise descritiva IHS-Del-Prette e QSG-12

Conforme a Tabela 2, observou-se que a amostra apresentou um escore médio alto de habilidades sociais. Isso pode ter ocorrido pelo fato de a amostra ser composta por pessoas jovens. Na atualidade, os jovens se posicionam mais sobre suas questões sociais e afetivas, falam sobre elas e têm mais oportunidades de serem ouvidos (SILVA, 2002). Esse comportamento pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades sociais e promover um repertório de respostas mais adaptativas ante a situação de desemprego (RAMIREZ; CRUZ, 2009).

 

 

De acordo com a Tabela 2, os resultados apontaram que a média de habilidades sociais do grupo masculino foi maior (M = 100,11; DP = 15,90) comparada ao grupo feminino (M = 96,65; DP = 16,88). A média do grupo no escore total do IHS-Del-Prette foi de 98,40, indicando um bom repertório de habilidades sociais. Os escores médios e acima da média são considerados como repertório bastante elaborado de habilidades sociais, enquanto os valores abaixo da média indicam necessidade de treinamento (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001).

Para avaliar o impacto do desemprego sobre a saúde dos jovens, levantaram-se os dados obtidos no QSG-12 e, depois, classificaram-se esses resultados de acordo com o modelo proposto por Sarriera, Schwarcz e Câmara (1996), em que os valores são divididos em quatro níveis (saúde muito boa, boa, regular e ruim). Na amostra investigada, a média obtida indicou que a maioria se situa no grupo que está com saúde boa e muito boa (Tabela 3).

 

 

Os resultados apontam que 58,6% dos jovens apresentam saúde de boa a muito boa (Tabela 3). Do total, 27,2% estão com a saúde abalada, sugerindo certo prejuízo, mas também que ainda conseguem lidar com possíveis dificuldades. E 14,2% deles estão no grupo de saúde ruim, indicando que estão sofrendo.

Quando se analisaram homens e mulheres separadamente, para avaliar como eles se distribuem entre os quatro níveis de saúde, observou-se que esses grupos podem se posicionar de forma diferente ante a situação de desemprego. Os resultados da Tabela 3 apontam que mais de 50%, tanto de homens como de mulheres, situam-se nos grupos entre saúde muito boa e boa. Contudo, 48,7% das mulheres se situam nos grupos de saúde regular e ruim, enquanto apenas 34,2% dos homens se situam nesses grupos. Esse resultado sugere que as mulheres sofrem mais e que a situação de desemprego pode contribuir para que esse sofrimento seja ainda maior. Além disso, na Tabela 3, é possível observar que a média do grupo total de homens representa saúde boa, já a média das mulheres indica saúde regular.

Correlação entre as variáveis e análise de regressão

A fim de atingir o primeiro objetivo do estudo, verificar a relação entre desemprego, habilidades sociais e bem-estar psicológico, constatou-se que houve correlação significativa entre habilidades sociais e o bem-estar psicológico (r = -0,17; p < 0,05), indicando que quanto maior for o índice de habilidades sociais, maior será o nível de saúde. Desse ponto de vista, o sofrimento provocado pela situação de desemprego pode ser minimizado "com o desenvolvimento das habilidades sociais, por favorecer a qualidade das relações interpessoais e permitir ao sujeito expressar comportamentos mais adequados ao contexto, propiciando soluções mais satisfatórias" (GERK; CUNHA, 2006, p. 193) e, consequentemente, aumentando o nível de bem-estar.

Entende-se que a fraca correlação (r = -0,17) pode ter sofrido a influência do pouco tempo de desemprego de grande parte da população pesquisada, já que o tempo de desemprego variou de 6 a 48 meses, com média de 9,56, já que 90,5% dos jovens deste estudo tinham entre 6 e 12 meses de desemprego, o que também pode ter contribuído para que os níveis de saúde e de habilidades sociais fossem mais elevados. O pouco tempo de desemprego como um fator de melhor nível de saúde é tema do estudo de Sarriera, Schwarcz e Câmara (1996). Os autores apontam que os jovens desempregados pelo período entre quatro e seis meses apresentaram o melhor nível de bem-estar psicológico. Outro estudo, realizado por Thomas, Benzeval e Stansfeld (2005), indicou que os efeitos psicológicos negativos são mais pronunciados após seis meses de desemprego. Reine, Novo e Hammarström (2004) também realizaram uma pesquisa com jovens desempregados cujo resultado indicou que o grupo representado por desemprego de longo prazo foi associado com baixa saúde psicológica em homens jovens.

Por meio de uma análise de regressão linear stepwise, buscou-se verificar quais variáveis poderiam ser preditoras de saúde. O resultado dessa análise (F = 4,37; p < 0,05) aponta que ser mulher (B = 0,15) e ter menos habilidade social (B = -0,16) explica 5,4% da propensão para ter uma saúde pior (QSG-12).

 

Considerações finais

Este estudo investigou jovens em situação de desemprego e analisou a relação dessa situação com as habilidades sociais e o bem-estar psicológico. Os resultados apontaram que os jovens que fizeram parte deste estudo se localizam entre os níveis médio e alto de habilidade social, indicando haver um repertório bastante elaborado de habilidades sociais para a maioria deles. Observou-se ainda que 58,6% deles apresentam níveis de bem-estar acima da média.

Os altos índices de habilidades sociais e de bem-estar psicológico ressaltados podem ser analisados diante de algumas características específicas dessa amostra. Muitos dos jovens que fizeram parte deste estudo ainda moram com seus pais, já que ainda não precisam se preocupar tanto com a manutenção de suas necessidades básicas. Além disso, nesta análise, observou-se que 53,4% dos jovens saíram voluntariamente de seus empregos, indicando que foram em busca de novas oportunidades de trabalho. Assim, entende-se que, ao saírem do emprego, eles podem visualizar uma nova oportunidade e não um sofrimento. Outro resultado, não menos importante, apontou que 65,1% da amostra investigada já tinha realizado algum tipo de trabalho informal. Ao desempenharem atividades sem proteção social, eles podem ter encontrado uma forma de amenizar os desgastes gerados pela situação de desemprego, o que também pode contribuir para que essa população apresente bom escore de saúde e de habilidades sociais, pelo menos em curto prazo.

Entretanto, nem todo o jovem percebe a situação de desemprego do mesmo modo. Assim, o que irá determinar seu estado de bem-estar ou não é sua capacidade de absorver e resolver episódios de vida, como a situação de desemprego (SARRIERA; SCHWARCZ; CÂMARA, 1986). Os resultados apontaram que existem diferenças em relação aos níveis de saúde e gênero. O percentual de mulheres que apresentam ter saúde regular e ruim é maior (48,7%) quando comparado com homens (34,2%). Esse dado sugere que elas sofrem mais diante das dificuldades vivenciadas, além de permanecem mais tempo na situação de desemprego.

É fato que o desemprego se manifesta de forma diferenciada em sua magnitude, segundo as regiões, indústrias, mudanças econômicas, entre outras variáveis. Por meio deste estudo, observou-se que, na região do Vale do Paranhana, os jovens demonstraram algumas necessidades, como maior acesso à educação, novas propostas de atividades remuneradas - principalmente em períodos de baixa produção de calçado - e programas de inclusão do jovem no mercado de trabalho.

Os programas como o ProJovem (urbano, adolescente, trabalhador e campo), ProUni, Pontos de Cultura e Segundo Tempo beneficiaram e continuam beneficiando muitos jovens em situação de desemprego, em todo o território brasileiro. No entanto, resultados de pesquisas demonstram que o percentual de jovens em situação de desemprego ainda é alto (CONSTANZI, 2009).

Nesse sentido, sugere-se a elaboração de projetos sociais de treinamento que abordem as necessidades dos jovens em situação de desemprego de cada região e que sejam realizados em parceria com as agências do Sine. As atividades oriundas desses projetos podem ser realizadas no período em que os jovens recebem o benefício do seguro-desemprego, como uma forma de auxiliá-los na busca por um novo emprego. Além disso, podem ser estendidas àqueles que procuram a agência em busca de emprego, mas que não têm o direito ao benefício por terem realizado atividades informais. Dessa forma, imagina-se contemplar um número ainda maior de jovens em situação de desemprego, a fim de propiciar maior bem-estar psicológico.

As limitações deste estudo se referem ao fato de ele focalizar uma população específica de jovens que residem no Vale do Paranhana, e, portanto, as conclusões aqui apresentadas devem ser consideradas de forma cuidadosa, em termos de generalizações. No entanto, como na literatura de nosso país se observa uma carência de estudos que avaliem as habilidades sociais e bem-estar psicológico de jovens em situação de desemprego, a presente pesquisa serve como estímulo para novas investigações sobre essa temática.

 

Referências

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Romilda Guilland
Rua Santo Ângelo, 582
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e-mail: guil.ro@hotmail.com

Tramitação
Recebido em maio de 2010
Aceito em outubro de 2010