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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho
versão impressa ISSN 1516-3717versão On-line ISSN 1981-0490
Cad. psicol. soc. trab. v.12 n.1 São Paulo jun. 2009
Flexibilização do discurso de gestão como estratégia para legitimar o poder empresarial na era do toyotismo: uma discussão a partir da vivência de trabalhadores
Flexibilization of the managerial discourse as a strategy to legitimate the power of companies in the age of toyotism: a discussion based on daily workers' experience
Márcia Hespanhol Bernardo1
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
RESUMO
Nas últimas décadas, tem-se observado nos meios de comunicação e, sobretudo, na literatura de gestão empresarial, o predomínio de um discurso que afirma a superação do rígido taylorismo-fordismo por um modelo de organização do trabalho mais flexível, que também seria mais humanizado. Tal discurso assimila temas que, historicamente, fizeram parte das reivindicações de trabalhadores organizados, tais como participação, trabalho em equipe e autonomia. Considerando esse contexto, o presente artigo inicia-se com uma discussão sobre o papel do discurso de gestão empresarial na difusão do atual "espírito do capitalismo", destacando a vinculação da ideia de flexibilidade divulgada com o modelo de organização do trabalho denominado como toyotismo. A partir dos resultados de uma pesquisa que focalizou a vivência de trabalhadores em duas montadoras de automóveis, discute algumas características do poder empresarial na atualidade e o papel do discurso de gestão na legitimação desse poder. Também apresenta exemplos de táticas utilizadas pelos trabalhadores que se configuram como uma rede de antidisciplina, que se opõem ao poder empresarial. Conclui que a almejada legitimação do modelo de organização do trabalho toyotista não é conseguida plenamente pelas empresas focalizadas na pesquisa devido ao contraste entre discurso e prática.
Palavras-chave: Flexibilização, Toyotismo, Gestão empresarial, Organização do trabalho, Poder.
ABSTRACT
In recent decades, the prevalence of a discourse which asserts that the hard Taylorism-Fordism was surpassed by a more flexible and humanized work organization model has been observed in the media and, above all, in the managerial literature. It has been noted that the main topics of that discourse competence, work participation, teamwork and autonomy deal with aspects that historically have been part of workers' claims. This article begins with a discussion regarding the role of the managerial discourse on the diffusion of the current "spirit of the capitalism". It is emphasized the link between the idea of flexibility and the work organization model named as Toyotism. Based on results of a research that focused on daily experiences of workers in two Japanese automobile companies having plants in Brazil, the article discusses some characteristics of Capital's power todayand the role of the managerial discourse to legitimate this power. It also presents examples of tactics used by workers, which form a kind of "network of anti-discipline" against the power of companies. The conclusion is that the aimed legitimization of the Toyotist organization model of work adopted by these companies is not fully achieved because of the contrast between discourse and practices.
Keywords: Flexibilization, Toyotism, Management, Work organization, Power.
A flexibilidade do discurso gerencial
A partir da década de 1990, nota-se que a ideia de mudança no mundo do trabalho passa a ser frequente na mídia e em publicações relacionadas à gestão de empresas. O novo discurso destaca a noção de flexibilidade como contraponto aos modelos rígidos anteriores e incorpora temas como participação, trabalho em equipe e autonomia.
Um exemplo significativo de como essa ideia vem sendo difundida na mídia pôde ser observado no programa "Globo Repórter" que foi ao ar no dia 3 de fevereiro de 2006. O tema do episódio era Os novos caminhos do emprego e, entre as reportagens que o compunham, uma descrevia "o novo peão de fábrica", ressaltando as possibilidades de crescimento profissional e pessoal que eram oferecidas por montadoras de automóveis do ABC paulista aos seus empregados. O repórter dizia que as atividades simples e repetitivas encontradas há cinquenta anos, que podiam ser exercidas até por "lavradores, pedreiros e tecelões", foram substituídas por novas tecnologias que possibilitam um novo status aos trabalhadores. A matéria finalizava com uma afirmação exultante: "Tempos modernos. Tempos que abrem novos caminhos do emprego que os brasileiros vão conquistando".
Na literatura de gestão empresarial, a ênfase na ideia de mudança e o otimismo a ela associado também podem ser identificados apenas com uma visada superficial em bestsellers dessa área. No livro A quinta disciplina, por exemplo, Peter Senge pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que se tornou um dos "gurus do management" (Huckzynki, 1993) expõe um novo modelo de empresa: a "organização que aprende" (learning organizations), que é definida como um "sistema social onde as pessoas estão voltadas para a aprendizagem coletiva" (Senge, 1998). Na concepção apresentada, tais organizações estariam mais preocupadas com o pensar do que com o fazer, buscando a disseminação do conhecimento entre todos os seus membros, independentemente da posição ocupada. Por isso, não teriam chefes e sim "líderes" que seriam facilitadores desse processo. O autor também ressalta que, nesse sistema, cada indivíduo deve mudar sua forma de pensar e de interagir para que se possa chegar a uma "visão compartilhada" que seria uma extensão das visões pessoais, "como em um caleidoscópio" (Senge, 1998, p. 44) sem que ninguém tenha de sacrificar seus próprios interesses.
Entre os autores brasileiros, um exemplo expressivo da difusão dessa ideia de mudança no mundo do trabalho pode ser encontrado no livro Em busca da empresa quântica (Nóbrega, 1999). Nele, o autor faz um paralelo entre o mundo empresarial e a física, dizendo que, assim como na ciência a teoria newtoniana foi superada pela teoria quântica, no mundo empresarial, a organização rígida também está sendo superada por uma organização muito mais complexa e dinâmica a empresa quântica , a qual tem sua maior riqueza nas "relações" entre todos os atores envolvidos.
Nesses exemplos, é possível observar uma desconsideração absoluta do conflito entre capital e trabalho. A linguagem utilizada apresenta, com otimismo, propostas nas quais se afirma ser possível alcançar a satisfação de todos os membros de uma empresa, sejam trabalhadores de chão-de-fábrica, executivos ou proprietários. Nesse sentido, também se observa uma transformação do vocabulário, sobretudo com relação às denominações de cargos e funções. Se o chefe se converte em líder, também o empregado se transforma em colaborador, o diretor passa a ser o gestor e os objetivos da empresa tornam-se sua missão, ou melhor, a missão coletiva.
Tal mudança na linguagem e nos conteúdos é estudada por Boltanski e Chiapello (1999) por meio de análise comparativa entre duas amostras de publicações voltadas para a gestão empresarial referentes a períodos de tempo distintos: o primeiro compreende a década de 1960 e, o segundo, o período que vai de 1989 a 19942. Nesse trabalho, os autores observaram, por um lado, uma perceptível homogeneidade de conteúdo e de vocabulário em cada um dos períodos estudados e, por outro, um contraste marcante entre os dois conjuntos de publicações. Tais constatações, segundo eles, confirmam que a literatura de gestão empresarial tem um papel normativo, sendo "um dos principais lugares de inscrição do espírito do capitalismo" predominante em cada época (p. 94). Sua principal atribuição estaria na difusão de uma imagem positiva de propostas que atendem ao interesse do capital, de modo a favorecer a incorporação de novas representações.
Tomando como referência a noção clássica de Max Weber, mas deixando de lado a controvérsia que envolve a questão do protestantismo, Boltanski e Chiapello (1999) definem o "espírito do capitalismo" como um "conjunto de crenças associadas à ordem capitalista que contribui para justificar tal ordem e para sustentar, por meio da legitimação, os modos de ação e as disposições que são coerentes com ela" (p. 46). Dizem eles:
Enquanto ideologia dominante, o espírito do capitalismo tem, teoricamente, a capacidade de penetrar em um conjunto de representações mentais próprias de uma época determinada, de infiltrar-se nos discursos políticos e sindicais e de proporcionar representações legitimas e esquemas de pensamento aos jornalistas e pesquisadores, de tal forma que sua presença é difusa e geral (p. 94).
No contexto atual, o discurso predominante estaria, então, diretamente vinculado ao surgimento de um "novo espírito do capitalismo", o terceiro, que se caracteriza por assumir uma forma globalizada e servir-se de novas tecnologias, especialmente as de informática (p. 57)3. A legitimação desse "novo espírito do capitalismo" pela literatura de gestão parece ser possível, sobretudo, pela assimilação de temas como participação, trabalho em equipe e autonomia que, há algumas décadas, costumavam estar presentes nas reivindicações de muitos sindicatos (Donadone, 1995). No entanto, para possibilitar um discurso que, ao mesmo tempo, sirva aos interesses do capital e enfatize ideias como a de humanização do trabalho e a de valorização do trabalhador, os sentidos atribuídos a esses temas são pervertidos ou, poder-se-ia dizer, flexibilizados.
Dessa forma, parece não ser por coincidência que a flexibilidade seja um dos eixos centrais das propostas de gestão defendidas na atualidade. Zilbovicius (1999) afirma que, devido a sua característica polissêmica, essa noção pode referir-se a diversos aspectos de uma empresa, desde estratégias de mercado até a gestão de pessoal. Por isso, nas últimas décadas, tem sido comum ouvirem-se expressões tais como organização flexível, especialização flexível, sistema flexível. Desse modo, segundo Blanch-Ribas et al. (2003), é possível dizer que, hoje, já existe um pressuposto de que "a flexibilização é uma espécie de estágio evolutivo da natureza das organizações produtivas (como a adolescência no ciclo vital dos seres humanos), não cabendo fazer mais nada além de dar-lhe as boas-vindas e encaminhá-la positivamente" (p. 84).
Mas, deve-se destacar que, além de seu caráter polissêmico, que permite uma ampla gama de sentidos, a noção de flexibilidade também se mostra apropriada para marcar a mudança em relação aos modelos rígidos que predominaram até meados do século XX4. Nesse sentido, segundo Zilbovicius (1999), o pressuposto básico da ideia de flexibilidade adotada pelas empresas atualmente é que ela será tanto maior quanto mais se afaste do modelo taylorista-fordista (símbolo de rigidez) e mais se aproxime do toyotismo (também conhecido como modelo japonês, ou, ainda, ohnoismo).
O toyotismo foi assim denominado por ter surgido nas fábricas da Toyota no Japão no período pós-guerra. Depois que essa montadora de automóveis conquistou o mercado automobilístico americano na década de 1980, vendendo mais automóveis do que a General Motors e a Ford, as empresas ocidentais voltaram a atenção para os princípios da organização da produção das montadoras japonesas, tentando aplicá-los nas suas fábricas. Apesar de não ser a única experiência que pode ser definida como flexível, o toyotismo logo se tornou o mais proeminente modelo de organização do trabalho industrial em praticamente todo o mundo ocidental (Antunes, 1999; Coriat, 1993; Hirata, 1993; Salerno, 2000). Apontado como o sucessor do taylorismo-fordismo e símbolo da inovação organizacional5, muitos de seus princípios também estão sendo cada vez mais assimilados por outros setores, além do industrial.
Antunes (1995) oferece uma síntese que possibilita a compreensão dos principais traços constitutivos desse modelo:
Ao contrário do fordismo, a produção sob o toyotismo é voltada e conduzida diretamente pela demanda. A produção é variada, diversificada e pronta para suprir o consumo. É este quem determina o que será produzido, e não o contrário, como se procede na produção em série e de massa do fordismo. Desse modo, a produção sustenta-se na existência de estoque mínimo. O melhor aproveitamento possível do tempo de produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque), é garantido pelo just in time. (...) O kanban, placas que são utilizadas para a reposição de peças, é fundamental, à medida que se inverte o processo: é do final, após a venda, que se inicia a reposição de estoques... ( p. 26).
Essa breve descrição mostra como a proposição do toyotismo busca, essencialmente, uma organização da produção que seja suficientemente flexível para atender com rapidez às demandas dos clientes na medida de suas necessidades. Mas, de acordo com Blanch-Ribas et al. (2003), o principal objetivo buscado por modelos flexíveis de gestão do tipo toyotista, estaria, na verdade, vinculado à estratégia "minimax", ou seja, "a maximização dos benefícios para o capital e a minimização dos custos com pessoal". Tal afirmação é corroborada por Unterweger (1992), que afirma que é justamente na intensificação do trabalho que está uma das "chaves do sucesso" do toyotismo. Segundo ele, "a meta é conseguir que os trabalhadores tenham um desempenho que abranja cada um dos sessenta segundos que compõem o minuto" (p. 9).
Veltz e Zarifian (1993) lembram que, para atingir seus objetivos adequadamente, qualquer modelo de gestão deve "articular intimamente as dimensões técnicas, sociais e econômicas" da produção (p. 5). Por isso, além da flexibilidade dos meios de produção, o funcionamento do toyotismo também prevê a flexibilização da organização e das relações de trabalho. Assim, são incorporadas, entre outras proposições, o banco de horas, o conceito de trabalhadores multifuncionais e os salários "flexíveis", vinculados à avaliação periódica individual.
Considerando esse contexto, Antunes (1995) ressalta que um dos aspectos mais perversos do toyotismo está relacionado ao fato de a sujeição do trabalhador nesse modelo ser, "qualitativamente diferente daquela existente na era do fordismo" (p. 34). O autor afirma que, enquanto o taylorismo-fordismo é movido por uma lógica "mais despótica", na qual o trabalhador é obrigado explicitamente a se sujeitar a normas estabelecidas sem sua participação, no toyotismo, existe aquilo que ele denomina "envolvimento cooptado". E, para conseguir essa "cooptação", as empresas valem-se de mecanismos que obedecem a uma lógica "mais manipulatória" (p. 34), propiciada, sobretudo, pela mudança no discurso de gestão.
Nesse sentido, Dejours (1998) ressalta que, além de servir como propaganda que visa ao "exterior" das empresas, as práticas discursivas de "valorização dos colaboradores" também são construídas para atender aos objetivos "internos", na medida em que buscam atestar aos próprios trabalhadores sua satisfação e sua felicidade com o trabalho (p. 65). Para Linhart e Linhart (1998), mediante tal prática, as empresas buscam "um novo tipo de controle social, que se exerce diretamente sobre os espíritos dos trabalhadores" e não apenas sobre seus corpos (p. 306).
Sendo assim, é possível supor que o modo como os trabalhadores vivenciam o trabalho sob o modelo toyotista também é diferente do que acontecia no taylorismo-fordismo. E, possivelmente, não na direção positiva como se busca divulgar nas publicações voltadas para a gestão empresarial. Tal pressuposto foi o que motivou a realização de uma pesquisa para doutoramento em psicologia social, cujos resultados norteiam a discussão realizada adiante.
Algumas informações sobre a pesquisa
A investigação foi realizada entre os anos de 2004 e 2006 e buscou analisar a vivência de trabalhadores inseridos nas áreas de produção de empresas que adotavam o modelo toyotista. Foram focalizados, especificamente, aspectos relacionados aos temas competência, participação, trabalho em equipe e autonomia, os quais, conforme foi afirmado anteriormente, tanto se destacam no discurso de gestão empresarial atual como, em épocas passadas, fizeram parte de reivindicações dos trabalhadores organizados.
Para tanto, foram selecionadas as unidades produtivas mais recentes e modernas de duas montadoras de automóveis de origem japonesa com fábricas situadas no interior do Estado de São Paulo. Na ocasião da pesquisa, elas ainda não haviam completado dez anos de funcionamento e estavam em pleno crescimento.
A proposta metodológica prevista inicialmente compreendia um estudo de caso de caráter qualitativo, com enfoque etnográfico, que seria realizado por meio do acompanhamento do cotidiano dos trabalhadores nessas empresas. No entanto, apesar da insistência, a entrada nas áreas de produção de ambas não foi permitida sequer para uma única visita. Desse modo, conforme preconizam Hammersley e Atkinson (2001), foi buscado o auxílio de intermediários que pudessem facilitar a aproximação com possíveis sujeitos da pesquisa em outros espaços que não os das empresas. Recorreu-se, então, a representantes do sindicato dos metalúrgicos da região e a pessoas que tinham algum contato, direto ou indireto, com esses trabalhadores.
No decorrer do trabalho de campo, foram realizadas entrevistas abertas, em locais públicos e no espaço do clube de campo do sindicato6. Além dos trabalhadores, também foram entrevistados dois representantes sindicais que atuavam nas fábricas escolhidas, com o objetivo de compreender a posição da entidade em relação ao tema proposto. Já para acessar dados sobre o discurso oficial das empresas, foram utilizadas fontes documentais, como notícias de jornais e suas páginas na internet.
Tais características evidenciam que o campo no qual se deu a pesquisa não foi um local específico, tratando-se, na verdade, de um "campo-tema", conforme argumenta Spink (2003, 2008), composto pelos diversos lugares nos quais o discurso social pôde ser acessado. Mantendo a coerência com a proposta etnográfica inicial, as entrevistas não tiveram um caráter formal, podendo ser descritas como conversas individuais e grupais que propiciaram uma situação "menos estranha e tensa para os entrevistados" (Hammersley & Atkinson, 2001). No total, foram ouvidos cerca de quarenta trabalhadores das áreas de produção das duas fábricas, sendo todos jovens (menos de 30 anos de idade) do sexo masculino7.
Entre os diversos aspectos analisados, os mecanismos de poder utilizados pelas empresas para conseguir o controle sobre o corpo e a mente dos trabalhadores, bem como o papel do discurso gerencial como legitimador desses mecanismos tiveram especial destaque entre os resultados da pesquisa e, por isso, constituem o foco do presente artigo.
As características do poder nas empresas toyotistas
Gorgeu e Mathieu (1996), ao pesquisarem as situações de trabalho em empresas montadoras de automóveis instaladas na França, destacam que tais empresas têm procurado instalar-se em regiões sem tradição sindical, adotando processos de seleção bastante rígidos. Nesses processos são avaliadas as qualidades "naturais, intelectuais e comportamentais" dos candidatos a emprego (p. 49) com vistas a selecionar pessoas "inteligentes, com iniciativa e espírito pró-empresa" (p. 16), mas sem experiência prévia. Tais critérios têm um cunho ideológico, na medida em que visam a excluir aqueles que possam adotar uma postura contestatória ou vir a ter algum engajamento sindical.
As situações relatadas por esses autores parecem repetir-se nas empresas focalizadas na pesquisa que deu origem a este artigo. Essas fábricas estão instaladas em cidades de porte médio em uma região, que, apesar de ser um polo industrial, fica distante do ABC Paulista, onde se concentraram as indústrias automobilísticas do país durante muitas décadas e, também, onde o movimento sindical ressurgiu após o período de ditadura militar.
A busca de pessoas jovens e sem experiência é evidenciada pela fala de diversos trabalhadores. Um deles diz o seguinte:
Acho que uma coisa que leva muito em consideração ali [na empresa] é a idade, porque normalmente quem está entrando ali é na faixa de 18 a 22 anos (...), porque a cada 40, cada 50 funcionários, o que a gente vê é um que ultrapassa a faixa dos 28, 30 anos (Marcelo)8.
Muitos descrevem, ainda, o processo de seleção rígido pelo qual passaram, indicando a ênfase nas características pessoais e na história anterior com interesses ideológicos. Um trabalhador que havia ingressado na empresa menos de seis meses antes de participar da pesquisa ofereceu detalhes das diversas entrevistas pelas quais passou e sua fala parecia referir-se mais a um interrogatório policial do que a uma seleção de emprego. Ele dizia ter respondido a várias perguntas sobre sua "vida trabalhista e pessoal nos mínimos detalhes", que eram repetidas diversas vezes em diferentes momentos "pra ver se não entrava em contradição" (Pedro).
A preferência dessas empresas por pessoas de origem rural também foi referida por diversos trabalhadores e a razão, segundo eles, seria a melhor aceitação de baixos salários. Sérgio, por exemplo, relata indignado um fato recente na época da entrevista: "t eve uma pessoa que entrou esses tempos no meu setor, que trabalhava na roça. O cara ganhava um real por dia. Cai na [Montadora], 5 reais por hora: fica iludido!". No entanto, há, possivelmente, outra razão para essa opção, que Unterweger (1992) identificou em montadoras de automóveis japonesas instaladas em alguns países ocidentais. Segundo o autor, a adoção de tais critérios também comprovaria o aspecto ideológico que envolve a seleção, uma vez que trabalhadores com essas características entram nas empresas sem conhecer as "regras do jogo" e, assim, tendem a submeterem-se às imposições da organização do processo de trabalho como se elas fossem naturais.
É importante lembrar que, apesar de o interesse em manter os trabalhadores sob domínio não ser uma novidade da era da flexibilização, não há dúvida de que ele adquire uma dimensão muito maior em modelos de organização como o toyotista. Nestes, além da utilização do corpo do trabalhador, também se quer incorporar sua criatividade e sua inteligência em favor da produção (Gorz, 2005; Tanguy, 1998). Desse modo, as empresas buscam, já no processo de seleção, pessoas que atendam a tais requisitos ao mesmo tempo em que possam ser mais facilmente dominadas.
As características dos trabalhadores entrevistados na pesquisa indicam que tal critério também é adotado pelas duas montadoras. Todos demonstraram ser inteligentes, curiosos, perfeccionistas e seguros de suas "potencialidades". Por outro lado, muitos (mas não todos) também expressavam certa ingenuidade ao falar da relação com o empregador, como, por exemplo, ao atribuir exclusivamente à chefia a responsabilidade pela pressão para atender à quantidade e à qualidade da produção exigida.
Todavia, além do processo seletivo rígido, também há a necessidade de manter o domínio sobre os trabalhadores no cotidiano das fábricas. Nesse sentido, Linhart e Linhart (1998) lembram que a institucionalização do controle e da pressão dentro do próprio processo de trabalho promovido pelo taylorismo-fordismo foi um imenso ganho de poder para as empresas e, apesar de todo o discurso atual de valorização do trabalhador trazido pelo toyotismo, elas não têm nenhum interesse em perdê-lo, querem, sim, aperfeiçoá-lo.
Os casos das duas montadoras de automóveis focalizadas neste artigo sugerem que o principal fator que viabiliza o controle gerencial é o desequilíbrio na correlação de forças entre essas empresas e os trabalhadores ou entre Capital e Trabalho propiciado pelos altos índices de desemprego e de trabalho informal que se observa no Brasil atualmente. Esse contexto fornece as condições estruturais que possibilitam a adoção de processos seletivos rigorosos, assim como a utilização dos mais diversos mecanismos de controle no cotidiano de trabalho.
De acordo com Morice (1999), o desemprego se configura como um "símbolo de um mal virtual, portador de uma ameaça real" (p. 46), que, por isso, dá às empresas uma posição de poder frente aos trabalhadores. Para esse autor, a ameaça solidamente ancorada na realidade está presente em todas as formas de poder, que "produzem um conjunto de mecanismos que o dominador vai colocar em prática, organizar, tornar coerente e visível, a fim de torná-la verossímil e, desse modo, eficaz" (p. 49).
Para Bourdieu (1996), o poder vale-se de mecanismos "simbólicos" intrinsecamente relacionados aos mecanismos "econômicos" para buscar a "dissimulação e a transfiguração da verdade objetiva da relação de dominação" (p. 90). Nesse sentido, conforme afirmam também Gollac e Volkoff (1996), se o desemprego é decisivo nas formas de poder utilizadas pelas organizações flexíveis, ele só pode ser eficaz com a existência de técnicas que atuem também na esfera simbólica de modo a legitimá-lo.
Bihr (1998) oferece uma proposta de análise do poder do capital sobre o trabalho, que parece sintetizar de forma adequada os mecanismos apontados acima. Segundo ele, para entender qualquer forma de poder, é necessário compreender que ele sempre constitui-se e mantém-se por meio de três princípios básicos, são eles: a existência de uma "violência, atual ou potencial", que mantém os dominados submetidos porque os "impressiona" e provoca medo; a aplicação de mecanismos que possibilitam a "administração das práticas sociais, que consiste em fixar e/ou controlar suas finalidades e modalidades" e a utilização de meios que promovam a legitimação do poder, de modo que os dominados consintam "ativamente sua própria dominação" (p. 220).
Essa breve exposição é importante para compreender as características do poder das empresas focalizadas neste artigo. As falas dos trabalhadores entrevistados na pesquisa sugerem que as duas montadoras valem-se, de fato, da ameaça velada de desemprego propiciada pelo contexto socioeconômico contemporâneo como uma violência simbólica potencial para garantir o poder sobre seus empregados (ou "violência metafórica", como prefere Morice, 1999). Contudo, os entrevistados também relatam situações cotidianas que evidenciam a utilização de diversos mecanismos para a administração desse poder, juntamente com a adoção de um discurso que parece visar a sua legitimação, conforme buscar-se-á mostrar na discussão que se segue.
Os mecanismos de administração do poder das empresas
Linhart e Linhart (1998) afirmam que as direções das empresas atualmente esforçam-se para "controlar e disciplinar a subjetividade do trabalhador" (p. 307), o que, segundo Boltanski e Chiapello (1999), teria por objetivo "transportar as pressões da exterioridade dos dispositivos organizacionais para a interioridade das pessoas" (p. 125). No entanto, é importante ressaltar que, se existe um empenho das empresas em obter aquilo que se pode chamar de mentes dóceis, não se pode esquecer que o interesse na utilidade dos corpos dos trabalhadores não deixou de existir. Deve-se lembrar que a atividade manual é, ainda, primordial no sistema toyotista de produção.
Assim, para manter, simultaneamente, o controle sobre as mentes e os corpos dos trabalhadores, a administração do poder nessas empresas parece se dar mediante a utilização concomitante de meios que abrangem desde mecanismos disciplinares característicos do taylorismo como a ordenação do tempo e do espaço e a cadência da produção imposta até dispositivos de controle mais sofisticados.
Existem autores, como Deetz (1992), que acreditam que, mesmo aqueles métodos de controle da administração flexível que, aparentemente, diferenciam-se daqueles utilizados nas fábricas tayloristas-fordistas, ainda guardam as características disciplinares definidas por Foucault (1979). Já outros, como Deleuze (1992), têm uma avaliação diferente. Em um pequeno ensaio focalizando as mudanças sociais ao longo das últimas décadas, esse autor sustenta que os meios de confinamento e de ordenação típicos da "sociedade disciplinar" descritos por Foucault (1979) já não seriam suficientes para explicar o poder nos dias de hoje, especialmente, nas empresas. Segundo ele, estamos vivendo na "sociedade de controle", na qual não cabem mais os "moldes" disciplinares que visam apenas a uma padronização dos indivíduos. Assim, o principal mecanismo de poder na sociedade de controle seria a modulação, que permitiria aos sujeitos algum espaço de expressão individual, sem, todavia, ultrapassar o limite de uma faixa desejável.
De acordo com Deleuze (1992), esse fato pode ser identificado na forma como são utilizados os atributos cognitivos dos trabalhadores. A modulação para que eles voltem sua inteligência e sua criatividade para a produção e não para seus interesses próprios seria conseguida por meio da vinculação do salário à avaliação individual. Deleuze afirma que, "sem dúvida, a fábrica [taylorista-fordista] já conhecia o sistema de prêmios, mas a empresa [moderna] se esforça mais profundamente em impor uma modulação para cada salário, num estado de perpétua metaestabilidade..." (p. 220).
Na pesquisa apresentada neste artigo, os relatos dos entrevistados sugerem que as duas montadoras valem-se, na verdade, de um somatório de diversos tipos de mecanismos para administrar o poder (no sentido definido por Bihr, 1998) sobre os trabalhadores. Parecem ser utilizados tanto dispositivos disciplinares apontados por Deetz (1992), como os mecanismos de controle descritos por Deleuze (1992), bem como outros que não se incluem nas proposições de nenhum desses dois autores. Mas, em todos os casos que serão discutidos a seguir, fica evidente a característica "minimax" (Blanch-Ribas et al., 2003) do modelo japonês de produção: obter o máximo aproveitamento do tempo de trabalho de modo a atingir metas de produção cada vez maiores e, concomitantemente, conseguir que os trabalhadores interiorizem a responsabilidade pela qualidade dos produtos. Vejamos alguns exemplos desses mecanismos.
Entre os dispositivos disciplinares identificados nas falas dos trabalhadores, há alguns que não são diferentes do que se observa no modelo taylorista-fordista, como a ordenação do tempo e do espaço. Apesar da proposta toyotista de que os trabalhadores sejam multifuncionais e trabalhem em células compostas por grupos de quatro ou cinco pessoas, os postos de trabalho nessas fábricas são, de modo geral, fixos. A cadência da produção também é estabelecida de forma rígida e imposta, conforme pode-se observar nos seguintes depoimentos:
...é desumano o que fazem com a gente. Na sexta-feira, nós fizemos 122 carros. Era pra ser 120 e foi 122. (...) Foi 122 carros sem hora-extra! Com mais meia hora, a gente fez 129 carros! E você, naquela pressão! Putz, é muita correria!!! (Sílvio).
Então, é um negócio... uma loucura! (...) É um desespero. É nego correndo pra tomar água. O outro, deu problema na peça lá, tem que correr pra trocar o bico pontiadeira. Corre lá porque não pode perder tempo! (...) é um ritmo totalmente... de desespero. Tanto que (...) na hora de almoçar, eles querem que o pessoal vá andando, não pode correr. Mas os caras falam: "Trabalhei correndo o dia inteiro, por que pra almoçar tem que ir andando?!?". É uma loucura! (Fabiano).
Também são relatados fatos que exemplificam novas formas de vigilância possibilitadas pela tecnologia, que, na visão de Deetz (1992), teriam, ainda, uma finalidade essencialmente disciplinar. O mais expressivo pode ser observado na fala de alguns entrevistados que afirmam que as empresas têm registros de todos os "processos"9, com a respectiva identificação de quem o executou. Um dos trabalhadores diz que essa identificação possibilita localizar quem cometeu algum "erro" na montagem do automóvel depois de anos da sua ocorrência:
Você tem um check-list hoje. Você terminou o processo, você vai checar ele. Tem seu nome, o dia, número da produção, número do carro, do chassi. Isso aí fica arquivado lá 5 anos. Então, eles têm como fazer um levantamento de quando foi feito, quem fez... (...) Já aconteceu de um motor fundir fora... (...) [e quando] veio pra fábrica, eles desmontaram e viram. Descobriram quem foi [o responsável pelo erro] (Sérgio).
Já a avaliação periódica realizada por meio de entrevistas individuais com a chefia, na qual é considerado o empenho de cada um em ir além de suas tarefas básicas parece exemplificar a "modulação" referida por Deleuze (1992), conforme pode-se verificar na seguinte fala:
No ano passado, um colega chegou pra mim e disse o seguinte: "Oh, Alexandre! Você acredita que o cara fez uma avaliação pra mim e falou: Olha, eu não tô dando uma nota cem porcento pra você porque você só faz o necessário! Você tem que fazer mais pra empresa!". Não é apenas fazer só o que você tem que fazer, por exemplo, fazer a limpeza do para-choque. (...) Além disso, você tem que limpar o chão, olhar um problema... Você não pode ser só um funcionário. Tem que ser funcionário e mais um pouco (Alexandre).
O estabelecimento de metas coletivas setoriais ou grupais também possibilita que os próprios trabalhadores exerçam controle uns sobre os outros. O relato de um trabalhador sobre a forma como são coagidos a fazer horas-extras esclarece como esse controle mútuo é incentivado pelas empresas:
Muitas vezes você fala: "Ô, não dá para ficar hoje [em hora-extra]" e o chefe: "Por que não dá pra ficar?", "Porque eu tenho compromisso". "Mas não dá para adiar o seu compromisso?!? Se você for embora, você vai complicar o seu grupo". Aí, você vai insistir, você vai embora, eles normalmente vão prejudicar aquele pessoal que está ali na linha. Aí eles vão conseguir colocar o pessoal contra você, entendeu? "Pô, se eu me ferrei ontem foi por sua causa". Então, normalmente tem esse tipo de pressão (…). Existe setor que é assim: existem cinco pessoas, se uma dessas cinco pessoas vai embora, eles pegam o processo daquela pessoa e repartem para as outras quatro, entendeu? Além de eu ter que fazer o meu trabalho, eu vou ter que fazer um pedaço daquela pessoa também! (Rodrigo).
A relação do tipo cliente-fornecedor entre os setores também é um mecanismo utilizado com essa mesma finalidade, conforme relata Alexandre,
...cada setor é um fornecedor e, ao mesmo tempo, um cliente. É isso o que a empresa coloca lá: cada setor é um fornecedor e um cliente. Então, o setor em que eu trabalho, (...) ele é fornecedor pra linha de montagem e cliente de outro setor (...) Tem que exigir a qualidade... cobrança. Então, [se houver] erro de processo... existem documentos internos que você faz, mandando o setor que é responsável por mandar peça com qualidade, melhorar a sua qualidade. Então, isso quem faz é o próprio trabalhador.
Finalmente, observa-se que as formas de punir assumem características peculiares nessas empresas, sendo descritas por alguns trabalhadores como "tortura psicológica" ou "assédio moral". Pode-se dizer que tais mecanismos de administração do poder se parecem mais com formas modernas e sutis de suplício10 do que com dispositivos disciplinares ou de controle. De acordo com os entrevistados, ambas as montadoras recorrem à discussão coletiva das supostas falhas identificadas na produção em reuniões setoriais de modo que aqueles que as cometem são expostos a uma espécie de humilhação diante dos colegas. O seguinte relato parece elucidativo:
Acontecia um problema (...) tinha uma reunião no final do expediente. Quarenta funcionários, todo mundo esgotado, cansado e aí o superior vinha, chamava a atenção do funcionário na frente de todos os outros (...) Primeiro falava do problema e aí falava se alguém tinha alguma coisa [a dizer] a respeito disso daí. Claro que dando uma indireta para a pessoa com quem aconteceu o problema pra ela tentar se explicar perante os outros. Só que ela ficava tão inibida... de uma tal forma inibida, porque tinha um monte de... né... dos amigos ali olhando, que ela ia tentar explicar e se complicava mais ainda... (Eduardo).
O constrangimento também pode ocorrer em relação à obrigatoriedade de elaboração de sugestões de melhorias do processo de produção ou dos produtos. Conforme relata Rogério:
Eles colocavam numa lousa lá: "Planos de S ugestão do mês: tal pessoa, quantos fez; tal pessoa, quantos...". Tinha gente que fazia até quinze Planos de Sugestão. Como é que o cara faz ali quinze Planos de Sugestão e aquele outro não faz nenhum, entendeu? Aí, eles falavam que era falta de interesse dos funcionários, que não tinham vontade de fazer as coisas. (...) E u não queria ver o meu nome lá na lista sem nada, entendeu?!? Ver lá na lousa... Os caras [chefes] viam lá e: "Pô, o cara não fez nada esse mês?".
À primeira vista, esses mecanismos poderiam ser identificados como os "modelos reduzidos de tribunal" descritos por Foucault (1997) como uma das características do poder disciplinar. Mas, por outro lado, tais situações são vivenciadas pelos trabalhadores como uma forma de opressão tão intensa, que parecem mais representar um tipo de tortura contemporânea subjetiva que evidencia o "poder soberano" (Foucault, 1997) dessas empresas. Essa "tortura" é possível graças ao contexto atual de desemprego, que está vinculado à ameaça que institui o poder e ao próprio recurso discursivo, que legitima o execício desse poder.
Assim, apesar de os mecanismos de administração do poder adotados pelas duas empresas parecerem evidentemente autoritários, os relatos dos trabalhadores indicam, por outro lado, a utilização de um discurso do mesmo tipo daquele discutido na introdução deste artigo. Essas empresas parecem, com isso, buscar o envolvimento dos seus empregados de modo a legitimar o modelo de gestão adotado.
Discurso flexível, trabalho duro: o contraste que dificulta a legitimação do modelo toyotista de organização do trabalho
Entre todos os mecanismos de controle gerencial sobre os trabalhadores, existe um especialmente importante, que corresponde à busca daquilo que Bihr (1998) define como o "momento de legitimação" do poder. Tal aspecto retoma o tema que deu origem à pesquisa que embasa este artigo: o discurso empresarial que atua no nível simbólico para dar sustentação aos mecanismos adotados na administração do poder.
Inicialmente, deve-se dizer que os relatos dos trabalhadores entrevistados indicam que o discurso utilizado pelos representantes das duas montadoras de automóveis nem sempre corresponde exatamente àquele divulgado pelos autores da área de gestão empresarial. Mas, ainda assim, é possível observar uma grande similaridade, seja em relação à forma, ao conteúdo ou ao objetivo de sua utilização. Parece que essas empresas buscam legitimar o modelo de organização adotado e consequentemente, seu poder por meio de um discurso que dissimula o conflito de interesses que está na base das relações de trabalho para conseguir que os trabalhadores interiorizem o controle, bem como controlem seus pares. Pode-se dizer, assim, que é no discurso que se encontra o principal mecanismo de nível simbólico que visa a obter o "controle do engajamento subjetivo" dos trabalhadores (Zarifian, 2005).
Desse modo, um aspecto que se destaca no discurso das duas montadoras que parece muito similar às proposições difundidas por autores como Senge (1998), por exemplo, é a ênfase na ideia de que todos os "colaboradores" são iguais. Para demonstrar a efetivação dessa política, nenhuma das empresas estabelece a clássica diferenciação entre o restaurante dos trabalhadores de chão-de-fábrica e aquele utilizado pelos executivos. Todos fazem as refeições em um único local e têm acesso ao mesmo cardápio. Uma das fábricas chega a determinar que todos, inclusive gerentes e diretores, utilizem o mesmo macacão do pessoal da produção. Assim, segundo afirma um trabalhador, "você vê ali e não sabe quem é chefe e quem não é chefe. É tudo igual! Eles procuram mais por essa filosofia e você não nota muita diferença dentro da empresa" (Rogério). Um outro diz que, "quando se entra na fábrica, lá tem um quadro escrito: Aqui é a sua segunda casa!" (Alexandre).
Relatos como esses sugerem que as gerências utilizam-se das ideias de "família-empresa", de igualdade e de participação para buscar um envolvimento subjetivo do trabalhador do mesmo tipo denunciado por Antunes (1999), Dejours (1998) e Linhart e Linhart (1998), entre outros. Quando, por exemplo, os trabalhadores entrevistados foram indagados diretamente sobre as possibilidades oferecidas pelas empresas para sua participação no trabalho, eles se referiram apenas à obrigatoriedade de colaborar na melhoria da qualidade dos produtos e do processo de produção. Isso ocorre porque, nas duas montadoras, o sentido dado ao termo participação é associado a metas mensais de sugestões de melhorias, cujo cumprimento é levado em conta na avaliação individual periódica à qual todos são submetidos.
Mas, se o discurso gerencial dessas empresas incorpora ideias como família-empresa, igualdade e participação da mesma forma que se observa em muitas publicações sobre gestão empresarial, o mesmo não se pode dizer em relação à autonomia. Alguns dos temas que foram referidos frequentemente e de forma espontânea pelos entrevistados dizem respeito justamente ao oposto de autonomia, ou seja, ao controle cotidiano que, além das normas operacionais também focaliza aspectos comportamentais, conforme já discutido anteriormente. Um trabalhador sintetiza essa questão da seguinte forma:
L á [na fábrica], você não pode só trabalhar bem. Não pode! Lá, você não é julgado só pela sua forma de trabalho (...) Você tem que englobar uma série de coisas. Trabalhar bem, precisa também, mas tem que dar o sangue lá e você não pode ter boca pra nada (Jairo).
Os aspectos apresentados até aqui indicam que ambas as montadoras se valem das estratégias discursivas que configuram o "terceiro espírito do capitalismo" (Boltanski & Chiapello, 1999) para buscar o "envolvimento cooptado" (Antunes, 1995) dos trabalhadores e fazer com que estes assumam a responsabilidade não apenas pelo cumprimento de metas quantitativas, mas também relativas à qualidade da produção. Entretanto, com esse mesmo objetivo, também adotam mecanismos autoritários de administração do poder que são opostos ao discurso que utilizam.
Pode-se concluir, assim, que a flexibilidade está presente de forma muito mais marcante no discurso seja aquele diretamente veiculado na empresa ou o que se divulga na mídia e na literatura de gestão empresarial do que nas situações de trabalho. Trata-se de um discurso flexível que visa a negar a dura realidade imposta aos trabalhadores. Tendo em vista esse contraste, cabe perguntar se essas empresas conseguem, de fato, legitimar suas propostas de modo a manter o poder sobre seus empregados.
De acordo com o dirigente sindical que trabalha em uma das fábricas, a resposta a essa indagação é, em grande parte, positiva. Ele afirma que a empresa consegue obter a "cooptação ideológica" de muitos trabalhadores, fazendo com que "o chefe nem precise mais estar ao lado dele. É interior mesmo! O chefe já não tá mais fora, ta dentro dá mente dele".
No entanto, parece que tal flexibilidade do discurso não convence a todos. Muitos dos trabalhadores entrevistados, por exemplo, demonstram vivenciar o tipo de participação que visa apenas à produção, não como um ganho e sim como uma responsabilidade a mais, que não seria deles. Ela se soma, assim, às atividades manuais que eles realizam em um ritmo, que, segundo afirmam, "é alucinante, é uma loucura" (Marcelo). A seguinte fala do diretor sindical da outra empresa sintetiza o que foi dito por diversos entrevistados:
Olha, liberdade [pra participar] você tem, desde que o que você faça seja melhor pra ela [empresa]. (...) Então, "liberdade", entre aspas, você tem. Desde que você dê uma sugestão em que você vai produzir mais, entendeu? Não adianta você querer fazer a sugestão porque a linha tá muito rápida e tem que ir mais lenta. Não! Você tem que fazer alguma coisa que melhore o processo! (Fabiano).
Assim, se os relatos de trabalhadores confirmam o empenho das empresas em legitimar suas propostas de organização do trabalho, também mostram que o controle atingido é muito menor do que o desejado. Em especial os trabalhadores com vínculo de trabalho mais antigo demonstraram um acentuado descontentamento em relação ao tipo de organização a que estão submetidos e identificaram a oposição de interesses que se interpõe entre eles e seu empregador. Conforme identifica um deles:
O negócio deles [empresa] é diminuir custos e aumentar produção. Então, se eles puderem tirar um operador... por exemplo, tem dois processos, se eles veem que pode juntar aqueles dois processos e deixar um operador só trabalhando, vai sobrar um operador pra eles, você entendeu? Mas, só que eles fazem uma lavagem [cerebral], dizendo que tão querendo diminuir o serviço pro operador... (André).
Quando indagados a respeito da diferença de sua posição em relação aos mais novos, esses trabalhadores disseram que, no início, todos se iludem com as promessas da empresa e isso também ocorreu com eles. Contudo, dizem que, depois de algum tempo, a maioria "cai na real". Daniel, que tinha cerca de cinco anos no emprego na ocasião da entrevista, afirma que "quando você entra lá, eles oferecem o mundo pra você: Ah! você vai subir, vai ser isso, vai ser aquilo! Aí, você vai, rala e trabalha e trabalha e trabalha... Dá um ano, nada. Dá dois anos, nada...". Quando questionados por que, então, continuam a se submeter às mesmas regras do jogo, alguns desses trabalhadores dizem temer não conseguir outro emprego no mesmo padrão salarial. Mas também há outros que afirmam estar se preparando para sair (fazendo cursos, poupando dinheiro etc.), porque não suportam mais, física e mentalmente, aquele trabalho.
Tais constatações parecem confirmar as afirmações de Linhart e Linhart (1998) de que, ao evocar "um novo tipo de trabalho que engaja profundamente a subjetividade dos assalariados, seu espírito de iniciativa e sua capacidade comunicacional" (p. 305), as empresas não se colocam a questão de que eles podem não aceitar colaborar voluntariamente. E são justamente as condições de trabalho adversas que desvelam a contradição entre o discurso e a prática. Por isso, as empresas focalizadas na pesquisa apresentada aqui parecem não conseguir que seu poder seja legitimado perante a totalidade dos trabalhadores. Seu domínio parece, assim, sustentar-se mais pela ameaça de desemprego, que se configura como uma violência potencial.
No entanto, deve-se considerar que, segundo Bihr (1998), o poder apoiado na violência não se legitima e, portanto, não se sustenta por muito tempo. A partir dessa afirmação, é possível compreender os relatos de trabalhadores descrevendo ações individuais e coletivas que se opõem às propostas das empresas. Se não mudam essencialmente as relações de trabalho, tais ações parecem possibilitar, ao menos, o alívio do fardo imposto pelo modelo de organização flexível, conforme se buscará mostrar no próximo tópico.
Estratégias e táticas de resistência dos trabalhadores ao poder empresarial
Inicialmente, deve-se dizer que, no nível coletivo, foi identificada uma surpreendente capacidade de mobilização capitaneada pelo sindicato dos metalúrgicos da região. Este conseguiu promover greves históricas que possibilitaram altos níveis de sindicalização, sobretudo em uma das montadoras, assim como marcaram uma relação de certo respeito das empresas em relação a essa entidade. O mais interessante, no entanto, é que os trabalhadores especialmente os de uma das montadoras11 também mostram que é possível existir uma "rede de antidisciplina"12 (Certeau, 1996), que opõe resistência ao poder empresarial. Essa rede configura-se pela utilização de diversas táticas denominadas pelos entrevistados como "malandragens" que podem ser identificadas tanto em ações de sabotagem, como na manipulação das normas impostas de modo a utilizá-las a seu favor.
Algumas das situações relatadas referem-se a respostas individuais impulsivas diante de situações extremas, enquanto outras são elaboradas e envolvem mais pessoas. Todavia, todas referem-se a ações astuciosas que correspondem àquilo que Certeau (1996) denomina como "táticas". Segundo o autor, diferentemente das estratégias que utilizam cálculos objetivos, as táticas são, justamente, reações ao poder sem um planejamento prévio e são regidas pela astúcia que é possível ao fraco, sendo, muitas vezes o "último recurso". A tática é "comandada pelos acasos do tempo" e "é determinada pela ausência de poder assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder" (Certeau, 1996, p. 101). A seguinte definição de Certeau parece adequada para a compreensão das ações que os trabalhadores relataram:
[A tática é] a ação calculada que é determinada pela ausência de um [lugar] próprio. Então, nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E, por isso, deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é movimento "dentro do campo de visão do inimigo" (...) e no espaço por ele controlado. Ela não tem, portanto, a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as "ocasiões" e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva (pp. 100-101).
Desse modo, diferentemente das ações sindicais, que, na concepção desse autor, poderiam ser definidas como "estratégias" que visam a um resultado mais durável, as táticas definem-se como ações astuciosas cotidianas que servem apenas para possibilitar que os sujeitos encontrem maneiras de desembaraçar-se da rede de forças e de representações estabelecidas. E, segundo Certeau (1996), "nesses estratagemas de combatentes, existe uma arte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as regras do espaço opressor" (p. 79).
Um primeiro exemplo de tática que pode ser identificado como uma sabotagem aos opressores é fornecido por um trabalhador ao descrever sua reação a uma situação de extremo desconforto. Diz ele:
À s vezes, eu ficava meio nervoso com aquela situação [de calor e ruído no local de trabalho] e fazia essas coisas, chutava o carro, amassava carro [na produção] (...) Amassava bem, ficava aquele amassadão feio mesmo. Então, pra fazer reparo, às vezes, é ruim. Às vezes, tem que jogar fora porque o amassado é tão grande que não tem como fazer reparo. (...) Não sei se é o psicológico... porque lá é tão quente, tão quente e... sabe, você também trabalha naquela barulheira! (Joaquim).
Esse trabalhador fala, ainda, da astúcia utilizada para conseguir executar esses atos sem ser descoberto. Mas, sem dúvida, ele sabia que estava correndo sério risco de ser demitido por justa causa se isso ocorresse. Tal relato mostra que, apesar de todas as características que compõem o discurso gerencial da era da flexibilização, que busca atribuir um maior nível de responsabilização ao trabalhador, ainda é possível encontrar sabotagens utilizadas desde o início do capitalismo industrial.
Uma outra situação desse tipo diz respeito a um trabalhador que não teve a mesma sorte de Joaquim, mas que se tornou uma espécie de mito na fábrica. Era sabido por todos que o robô de um dos setores funcionava mediante leitura óptica realizada por dispositivo situado em sua parte posterior. Assim, esse trabalhador divulgava um boato entre os colegas de que a produção iria parar em um determinado dia. Na data apontada, sem que ninguém visse, colocava uma fita adesiva sobre o dispositivo de leitura óptica, o que implicava que o robô parasse em seguida. Antes que o serviço de manutenção chegasse, a fita era retirada e, assim, não era identificada a origem do problema. Depois de alguns episódios, a empresa chamou técnicos do Japão para descobrir o que estava ocorrendo. Nessa ocasião, não foi seguida a rotina da manutenção da fábrica, o que impossibilitou a retirada da fita a tempo e desvelou a artimanha do trabalhador, que foi demitido sumariamente por justa causa.
Apesar de todos saberem de tal risco e da punição rígida, os trabalhadores "revoltados" parecem ver tais situações como um tipo de jogo, no qual, se perderem, serão demitidos, mas, se ganharem, terão a satisfação de ter prejudicado seu opressor. Esse tipo de sabotagem que alguns trabalhadores dizem ser uma "vingança" remete a determinadas situações de resistência à opressão que Thompson (1998) afirma terem sido comuns na sociedade proto-industrial da Inglaterra do século XVIII. Naquele contexto, eram as "sensibilidades irritáveis" da multidão que definiam os limites da exploração possível. O autor descreve ações frequentemente praticadas por plebeus dessa época, que configuravam uma "tradição anônima". Nela, um mesmo homem que reverenciava o fidalgo de dia podia, "à noite, matar suas ovelhas, roubar seus faisões ou envenenar seus cães". Ainda, segundo Thompson (1998), em uma sociedade na qual "toda resistência aberta e identificada ao poder vigente pode resultar em retaliação imediata (...), tendemos a encontrar atos obscuros" (p. 64).
Mas, os trabalhadores também descrevem algumas táticas menos radicais, que tentam alterar as regras impostas de modo a tirar proveito delas. Um fato bastante interessante que parece exemplar em relação a esse aspecto diz respeito à proposta de uma das montadoras de estabelecer prêmios em dinheiro para trabalhadores de um setor que identificassem falhas cometidas pelo setor anterior na sequência da montagem. Essa evidente medida de controle, que se apoiaria na vigilância de um setor sobre o outro, teve um efeito oposto ao esperado. Astuciosamente, os trabalhadores se apropriaram da norma imposta e utilizaram-na à sua maneira de modo a obter ganhos próprios. Assim, colegas de diferentes setores passaram a fazer acordos entre si nos quais aquele do setor anterior deixaria passar propositalmente pequenas falhas (que não lhes trariam graves consequências) e avisaria seu colega do setor seguinte para que este as apontasse. Ao receber-se o prêmio, ambos dividiriam o dinheiro. Esse tipo de acordo ficou tão habitual que levou a empresa a abandonar a premiação.
Os exemplos mencionados aqui mostram que essas pequenas vitórias raramente mudam a essência das dificuldades advindas do modelo de organização do trabalho ao qual esses trabalhadores estão submetidos. No entanto, além de propiciar um "prazer em alterar as regras" impostas (Certeau, 1996), algumas delas têm sido suficientemente eficazes para obrigar a empresa a abandonar ou, ao menos, modificar determinados aspectos centrais no modelo japonês de produção, que implicam sobrecarga aos trabalhadores, como a citada vigilância intersetorial.
Pode-se dizer então que, além de as tentativas de legitimação do modelo de organização do trabalho toyotista pelo discurso empresarial não alcançarem êxito plenamente em nenhuma das empresas focalizadas na pesquisa, elas parecem ainda incitar os trabalhadores "revoltados" em um dos casos a utilizarem táticas para subverter as regras do jogo. O forte contraste entre o que é apresentado pelo discurso empresarial (família-empresa, igualdade, participação) e os métodos adotados para administrar uma proposta "minimax" (Blanch et al., 2003) parecem ser a explicação mais plausível para tal fato.
Assim, é irônico constatar que as táticas de resistência utilizadas por alguns trabalhadores podem ser originadas exatamente do sentimento de ilegitimidade do poder empresarial. Essa observação sugere que, ao invés de legitimar o poder, o discurso de gestão contrastante com a prática pode fragilizá-lo, fornecendo um espaço propício para a emergência de propostas que se opõem às condições vivenciadas de forma negativa pelos trabalhadores.
Nesse contexto, pode-se supor que a apresentação, por parte dos sindicatos, de propostas que evidenciem essa contradição e oponham-se a aspectos da organização do trabalho repudiadas pelos trabalhadores constituam-se como "reivindicações dignas de credibilidade" (Bihr, 1998), capazes de mobilizá-los não somente para ações táticas isoladas, mas também para estratégias de organização coletiva com vistas a defender a "classe que vive do trabalho" (Antunes, 1995) dos abusos do poder do capital.
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Endereço para correspondência
marciahb@terra.com.br
Recebido em: 25/06/2008
Revisado em: 10/12/2008
Aprovado em: 20/12/2008
1 Mestre e doutora em psicologia social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
2 Os autores focalizaram "escritos não técnicos orientados pelas proposições de novos dispositivos de gerenciamento" em livros direcionados a executivos, deixando de lado a "literatura de investigação em gestão empresarial", que estaria voltada mais para os meios acadêmicos (Boltanski & Chiapello, 1999, p. 94).
3 Historicamente, segundo os autores, a primeira forma do espírito do capitalismo teve lugar no fim do século XIX, tendo como "epicentro a pessoa do burguês empreendedor e a descrição dos valores burgueses" (p. 54). Sua segunda caracterização encontra o "pleno desenvolvimento entre as décadas de 1930 e 1960 (...) e gira em torno do desenvolvimento no princípio do século XX da grande empresa industrial centralizada e burocratizada, fascinada pelo gigantismo" (p. 55).
4 Deve-se lembrar que, nas proposições de Taylor e de Ford que constituem o que costuma ser chamado de modelo taylorista-fordista , o trabalhador deve apenas executar tarefas simples concebidas por um departamento de planejamento (Braverman, 1974), não sendo previsto nenhum tipo de participação, autonomia ou trabalho em equipe ainda que, conforme assinalam ergonomistas como Wisner (1987) e Daniellou, Laville e Teiger (1989), exista uma diferença entre trabalho prescrito e trabalho real.
5 Em 1990, Womack, Jones e Roos sistematizaram as técnicas da Toyota juntamente com outras experiências japonesas e as apresentaram no livro The machine that changed the World, que, rapidamente, tornou-se um bestseller. Segundo os autores, somente as empresas que seguissem as propostas apresentadas no livro teriam condições de sobreviver.
6 Os contatos com trabalhadores nesse clube ocorreram durante um campeonato de futebol, do qual participavam times compostos por trabalhadores de diversas empresas, entre as quais, as duas selecionadas para a pesquisa. Apesar de se tratar do espaço de um sindicato que assume uma posição de esquerda frente ao capitalismo, segundo seus representantes, a maioria dos frequentadores, especialmente na época do campeonato, não tinha vinculação ideológica com a entidade, associando-se apenas para desfrutar do clube de campo e da colônia de férias.
7 Conforme será discutido posteriormente, essas características não se devem a critérios da pesquisa e sim ao processo seletivo das empresas.
8 Todos os nomes utilizados são fictícios.
9 Conjunto de tarefas atribuídas a cada trabalhador.
10 Foucault (1997) afirma que, no poder soberano, que caracterizava as sociedades pré-capitalistas, as punições ganhavam dimensão de grandes eventos públicos de suplícios e torturas, nos quais o Rei demonstrava seu poder.
11 Apesar de haver algumas características que diferenciam as duas montadoras focalizadas na pesquisa, neste artigo, optou-se por priorizar os pontos em comuns. Todavia, é importante esclarecer que, em relação ao tema da resistência ao poder empresarial, foi observada uma diferença marcante. Os trabalhadores de uma das montadoras, mesmo quando demonstravam clara insatisfação com o trabalho, mostravam-se mais passivos. Já aqueles vinculados à outra empresa, que diziam pertencer ao grupo dos "revoltados", relataram diversos fatos que demonstram sua rebeldia. Resumidamente, pode-se dizer que tais características que foram discutidas de forma mais aprofundada na tese de doutorado decorrente da pesquisa (Bernardo, 2006) parecem ser devidas ao histórico da relação de cada uma das empresas com o sindicato.
12 Essa expressão, utilizada por Certeau (1996) no estudo dos padrões de consumo da população, é também adequada para a discussão do presente caso. O autor identifica que, apesar de haver uma massificação de representações veiculadas pela mídia, as pessoas encontram diferentes maneiras para o "uso" dos produtos. Assim, se o poder é, aparentemente, "monoteísta" e busca se infiltrar nos mais diversos âmbitos da vida, existe um "politeísmo" de "práticas disseminadas, dominadas, mas não apagadas" que resistem a ele (p. 115).