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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Topografias políticas de Michel Foucault

 

Political topographies by Michel Foucault

 

 

Guilherme SilvaI; Tiaraju Dal Pozzo PezII

IGuilherme Henrique da Silva Basco Garcia é graduado e Mestre em filosofia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Seus estudos são na área de filosofia contemporânea e subjetividade
IITiaraju Dal Pozzo Pez é Doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Seus estudos são na área de filosofia da diferença

 

 


RESUMO

Tendo por base o seu texto Des espaces autres, analisaremos como Foucault define e utiliza a noção de utopia para compreender os espaços e suas respectivas subjetividades produzidos pelos dispositivos de poder e saber. Também, e principalmente, mostraremos como o autor francês elucida a noção de heterotopia como um tipo de espaço que existe ao lado, através e no interior de um meio social e que, em razão de sua obliquidade e colateralidade, torna-se lugar de subversão, insubmissão e inquietação. À vista disso, este trabalho pretende apresentar o pensamento foucaultiano como uma experiência crítico-topográfica enquanto questão sobre o presente, no sentido de pesquisa, questionamento e busca de novas possibilidades à atualidade.

Palavras-chave: topografia; utopia; heterotopia; crítica; experiência de pensamento.


ABSTRACT

Based on his text "Des espaces autres", we will analyze how Foucault defines and uses the notion of utopia to understand the spaces and their respective subjectivities produced by the devices of power and knowledge. Also, and mainly, we will show that the French author elucidates the notion of heterotopy as a type of space that exists alongside, across, and within a social environment, and that due to its obliquity and collaterality, it becomes a place of subversion, insubmission, and restlessness. Given this, our work intends to present Foucault's thinking as a critical-topographical experience, as a question about the present, in the sense of research, questioning, and seeking new possibilities for the present.

Keywords: topography; utopia; heterotopy; criticism; thinking experience.


 

 

1. Introdução

Na conferência Des espaces autres, dada em 1967 e publicada em 1984, Michel Foucault afirma que talvez a época atual seria aquela do espaço. O problema retorna em 1976, em uma entrevista sobre a geografia na qual surge a ideia de que tratar do espaço, passá-lo ao primeiro plano da análise, não implica em negar o tempo, mas apenas lidar com ele de uma maneira diferente, não habitual.

Trata-se de uma escolha metodológica em que o objetivo é não se filiar à perspectiva da história evolutiva, cujos princípios constituintes seriam o progresso da consciência, a continuidade do vivente ou o seu desenvolvimento orgânico. Mais ainda, tal escolha permite ao seu pensamento desviar-se dos prognósticos, daquelas reflexões que são projeções futurísticas a partir das condições do presente, concebidos por uma história universalista. Foucault busca, então, as descontinuidades históricas, que assentam, antes da descrição de um fundamento substancial, o delineamento de experiências essencialmente incompletas e instáveis.

Eu me esforço, ao contrário, para mostrar que a descontinuidade [...] é um jogo de transformações específicas, diferentes umas das outras (cada uma com suas condições, suas regras, seus níveis) e ligadas segundo esquemas de dependência (Foucault, 2012a, p. 708).

A análise filosófico-histórica, em consequência disso, deveria ser uma narrativa mais modesta e, antes de buscar a causa das grandes transformações na histórica, aplicar-se-ia naquilo que consistiu, de fato, a mudança, quais os seus diferentes níveis, quais foram as modificações mais visíveis e as menos visíveis (Foucault, 2012b, p. 814). Foucault tenta voltar ao terreno rugoso dos acontecimentos em sua descontinuidade e heterogeneidade, do corpus em sua simultaneidade, justapostos, lado a lado e dispersos, ao fazer uma análise do espaço concebido como uma configuração em rede com suas variadas temporalidades. Mais do que afirmar os saberes e as certezas que se vinculam a eles, faz-se uma história das problematizações na qual questiona-se por que algo é elevado, ou não, à condição de objeto de saber ou alvo das relações de poder em um momento da história.

Pretendemos nesse artigo delinear o pensamento foucaultiano, não enquanto uma narrativa do desenvolvimento da razão em sua horizontalidade evolutiva, mas como interrogação nas/das descontinuidades, dos limites, das margens que liberam efeitos de estranhamento em relação aos espaços majoritariamente constituídos. Isto é, mostraremos que a sua filosofia é uma espécie de cartografia na qual as problematizações do pensamento dependem de irregularidades, inconstâncias, intermitências, em suma, de heterotopias que permitem um estar na diagonal, em obliquidade, em diferenciação em relação a nós-mesmos. Com esse diagnóstico cartográfico, tratar-se-ia, ao nosso ver, na experiência filosófica de Foucault, de heterotopisar o presente como forma de reavivar os espaços de desafios, de deslocamentos, de inversões das práticas instituídas, ampliando, com isso, as possibilidades de interrogações para o pensamento.

Inicialmente apresentaremos como Foucault compreende a noção de utopia relacionada aos dispositivos de poder e de saber. Depois, exporemos a sua conceituação das heterotopias como ferramentas filosófico-políticas as quais não pretendem sustentar a construção de uma sociedade utópica, mas que, sendo espacialidades transversais, admitem efetivamente a extensão das possibilidades de realidade, já que através delas podemos, imanentemente, ver e imaginar existências diferentes a partir de outros ângulos.

 

2. As utopias: projeções oníricas do poder

As utopias são ficções do poder, ou ainda, como afirma Foucault, são "lugares exteriores a todos os lugares", visto que são espaços ideais enquanto projeções de uma realidade em sua perfeição. Ou, em sentido contrário, uma representação ideal como crítica de uma realidade imperfeita. De pronto, deve-se ressaltar que Foucault traz as utopias ao seu lugar de nascimento - um topos que deve ser negado ou projetado pela utopia. Em seguida, ele mostra que toda utopia surge necessariamente de um lugar.

Em Les Mots et les Choses, Foucault, ao analisar o quadro As meninas, escreve que, num primeiro golpe de vista, parece que o quadro é bastante simples, pois Velásquez estaria no seu ateliê compondo uma obra na qual ele representaria a si mesmo pintando. No entanto, essa imagem é rapidamente desfeita quando Foucault se refere ao espelho no fundo do quadro:

[...] esse espelho atravessa todo o campo da representação, negligenciando o que aí poderia captar, e restitui a visibilidade ao que permanece fora de todo olhar. Mas essa invisibilidade que ele supera não é a do oculto: não contorna o obstáculo, não desvia a perspectiva, endereça-se ao que é invisível ao mesmo tempo pela estrutura do quadro e por sua existência como pintura (Foucault, 1999, p. 10).

Há, então, duas perspectivas que se sobrepõem em um cruzamento permanente - aquela do pintor, ilustrada pela tela virada no interior do quadro, e a perspectiva do espectador, mostrada pelo quadro que olhamos e na qual o pintor é objetivado -, mas que não poderiam ser dadas simultaneamente. "[...] aqui, o jogo da representação consiste em conduzir essas duas formas de invisibilidade uma ao lugar da outra, numa superposição instável" (Foucault, 1999, p. 10). Desse modo, a imagem do espelho, por um lado nos leva a pensar que o pintor do interior do quadro está pintando os modelos, mas, por outro lado, faz saltar a dimensão do quadro para fora dele e, nisso, nos faz crer que no seu exterior apareceria todo o espetáculo que nele é retratado.

Nesse jogo em que parece que há dois pintores, um dentro do quadro e outro que o pintou, e duas telas, aquela à nossa frente e a outra da qual só podemos ver o verso, interna ao quadro, o espelho tem a função de desfazer esse desnível, esse interstício entre as perspectivas, articulando-as numa imagem "metátese da visibilidade que incide ao mesmo tempo sobre o espaço representado no quadro e sua natureza de representação" (Foucault, 1999, p. 10) a partir da qual identificamos, naturalmente, uma tela com a outra. Entretanto, Foucault escreve que essa metátese em que ocorre uma redução da multiplicidade de sujeitos e de objetos a um pintor e a uma tela logo se desfaz, visto que a representação do espelho guarda a posição no exterior do quadro do pintor, que nessa identificação é esquecida. Ou seja, com a imagem do espelho se revela que essa posição não pode ser elidida e, mais ainda, que as duas perspectivas não podem ser reduzidas uma à outra, mesmo representadas num mesmo plano.

De fato, escreve Foucault, o espelho não reflete o que deveria, pois "faz ver, no centro da tela, aquilo que, do quadro, é duas vezes necessariamente invisível" (Foucault, 1999, p. 11) e nisso expõe toda uma problemática da identidade e da diferença. Nesse sentido, o visível no espelho, a imagem do casal real, nos remete ao lugar à frente do quadro, que também seria a posição do pintor e do espectador. Este, tem sua existência marcada como um não-lugar, posto que deveria, mas não é refletido pela imagem do espelho e, dessa forma, existe dependendo da perspectiva perceptiva que é tomada, podendo ser tanto do espectador externo, que olha para o quadro, quanto de alguém que é olhado como elemento que passa pelo ateliê: em todas essas posições o espectador se situa onde ele é realmente ausente.

Não há, nessa análise sobre o lugar do espectador, uma identidade previamente estabelecida. Isto, pois o eu não pode ser considerado uma forma prévia clara e distinta, mas ele é efeito da superposição de percepções, visto que, diante do espelho, enquanto espectador que olha o espetáculo, aparece duplicado, pois nele percebe que é. Porém, ao mesmo tempo, que não é, por estar aqui, do outro lado da tela, e não lá. Mas tão logo percorre com o olhar o espaço entre si e ele, reconstitui-se de novo... duplicado. Também a imagem do espelho, enquanto reflete o espectador, faz do espelho objeto identificado com ele, no qual é percebido. Mas, segundo esse reflexo, se reconstitui, ao mesmo tempo, do lado oposto, percebendo que sua visibilidade vem do exterior do espelho.

O problema enfrentado aqui é o jogo de interações entre perspectivas fragmentadas e correlacionadas constituindo uma disposição do saber como condição de possibilidades da identidade. Nesse sentido, o lugar do espectador representa uma lacuna invisível, a qual nos mostra o que falta, ao mesmo tempo, como sujeito e objeto. Temos, então, um jogo de olhares que faz desse quadro uma pura representação desse vazio essencial. Ou melhor, é esse lugar vazio que permite a subsistência da relação de justaposição entre a perspectiva do quadro e do espelho do ponto de vista da sua representação, mas não do ponto de vista de sua materialidade.

Seguindo essa direção, percebemos que As meninas possui uma série de incompatibilidades, como por exemplo aquela do passante no limite da porta e a imagem refletida pelo espelho. Visto que, supomos, se o pintor quisesse pintar esse fundo atrás de si, ele precisaria se apoiar no espelho que está à sua frente e, nisso, a imagem do espelho no fundo do quadro seria impossível pois deveria em alguns dos seus pontos refletir o passante na porta. Ora, essas incompatibilidades são todas aparentes e, nada nos impediria, escreve Foucault, de aceder a elas. Não há segredo, as diferenças estão lá; entretanto, o que nos impede de vê-las é que o nosso lugar de espectador, e nisso a perspectiva a partir da qual vemos, nosso ver como, se dá a partir de uma disposição do saber que impõe os limites para o nosso pensamento. Segundo Foucault:

O espelho, após tudo, é uma utopia, porque é um lugar sem lugar. No espelho eu me vejo onde não estou, em um espaço irreal que se abre virtualmente atrás da superfície. Eu estou lá, onde eu não estou, um tipo de sombra que dá, a mim-mesmo, minha própria visibilidade, que permite me olhar onde estou ausente: utopia do espelho (Foucault, 2012b, p. 1575).

Lugar utópico, visto que é "um lugar sem lugar", no qual o espectador pode se ver sem estar lá, pode existir na pura ausência e, também, porque representa a imposição de um limite, a partir do qual a disposição do saber se forma gradualmente e se projeta como forma identitária atual e idealizada dessa ordenação. Ou seja, a utopia consola, diz Foucault, pois é a representação da pretensão de universalização de uma perspectiva e a valorização do mesmo, daquilo que é interno à ordem, que, ao mesmo tempo, subtrai o cinza dos começos "como se esse mundo das coisas ditas e queridas não tivesse conhecido invasões, lutas rapinas, disfarces, astúcias" (Foucault, 1998, p. 15).

Em Surveiller et punir a noção de utopia é identificada aos sonhos do poder, sobretudo ao panoptismo. Trata-se aqui de:

M. Perrot: Bentham não projeta somente uma sociedade utópica, ele descreve, também, uma sociedade existente.

M. Foucault: Ele descreve na utopia de um sistema geral os mecanismos particulares que existem realmente (Foucault, 2012b, pp. 206-207).

O poder disciplinar é entendido, então, como práticas de gestão dos corpos e, nesses exercícios, determina formas espaciais com suas distribuições e limites, visto que exige o cerceamento, o isolamento e uma limitação geográfica para que este espaço seja otimizado em sua utilização específica - assim, ele deixa de ser entendido como neutro para ser mostrado como produto sinóptico de exercícios de poder.

Trata-se do famoso princípio do Panóptico, definido por Bentham no final do século XVIII, em que uma pequena quantidade, apenas um e no limite nenhum, poderiam vigiar uma grande quantidade de homens e que se encarna no modelo de edifício côncavo dividido em células completamente iluminadas, sem qualquer opacidade, nas quais os indivíduos são simplesmente, e totalmente, vistos e isolados para impedir a sua comunicação com possíveis efeitos e situações indesejáveis. A sua característica mais importante, diz Foucault, é induzir uma organização da variabilidade humana em tempo integral pelo modo como os mecanismos de vigilância operam e permitem que o vigiado não tenha certeza de estar ou não sendo visto, pois sua eficácia é maior quanto mais forem invisíveis e anônimos.

Nesse sentido, as disciplinas, enquanto microfísica do poder, são processos que fecham e produzem realidades, pretendendo exercer e gerar efeitos permanentes. Elas isolam e segmentam, visto que, como diz Foucault, concentram, centram, encerram e geram espaços de produção da alma disciplinar, ou seja, são domínios de confinamento ou tecnologias de planejamento espacial (prisão, escola), nos quais os indivíduos são condicionados corporalmente: o trabalhador, o militar, o aluno, em suma, o indivíduo disciplinado, e onde são completamente visíveis e obrigados a falar. Produz-se, destarte, espaços de previsão e de imunização para colocar em ordem os indivíduos e os grupos minoritários, buscando diminuir os riscos contra a sociedade. À vista disso, as disciplinas, então, muito mais do que a mera exclusão ou a regulação de uma situação excepcional, regulamentam o funcionamento dos grupos humanos de forma durável, e nisso tendem a se estender analogamente para outros espaços.

Foucault evidencia bastante essa relação entre utopia e poder no texto Des espaces autres, ao descrever as colônias fundadas na América do Norte pelos puritanos ingleses e aquelas fundadas pelos jesuítas na América do sul. Segundo ele:

Eu penso nessas extraordinárias colônias de jesuítas que foram fundadas na América do Sul: colônias maravilhosas, absolutamente regradas, nas quais a perfeição humana era efetivamente realizada. Os jesuítas do Paraguai estabeleceram colônias nas quais a existência era regrada em cada um de seus pontos. [...] O acordar era fixado na mesma hora para todo mundo, o trabalho começava na mesma hora para todo mundo (Foucault, 2012b, p. 1580).

Fica demonstrado como as utopias, a partir do momento em que são realizadas, configuram um dispositivo de poder, uma divisão policial. Foucault quer salientar que a utopia não é o espaço livre de poder, ao contrário, ela é a realização de uma ordem do saber ou de um dispositivo de poder já colocado.

2.1. O governo do meio: a utopia biopolítica

No curso de 1977 e 78, Sécurité, Territoire, Population, Foucault problematiza os dispositivos de segurança, cuja forma de poder central é a governamentalidade1. Trata-se, escreve Foucault, de uma tecnologia de governo que busca gerir a população em suas regularidades. Para isso, tem a "função estruturadora do espaço e do território" (Foucault, 2004b, p. 31) e a gestão rigorosa das ações, que podem ser futuras, atuais ou eventuais e possíveis, promovendo e sendo efeito de diferenciações (jurídicas, econômicas, de competência), com objetivo de manter privilégios e obter lucros, utilizando os mais variados instrumentos (dinheiro, vigilância).

À vista disso, para Foucault, os dispositivos de segurança compõem uma lógica da organização e da maximização de gestão dos fluxos populacionais, cujo empenho maior está em alinhar as condições de circulação dos objetos com a movimentação dos indivíduos. Desse modo, continua o autor francês, na nossa sociedade se pensa cada vez mais os efeitos da prevenção, uma vez que o acidente passou a ser compreendido como risco e, por isso, passível de mensuração, reparação, prevenção e normalização, na medida em que o poder cada vez mais busca gerir a vida. O objetivo desses dispositivos seria, então, intervir sobre os riscos e o aleatório, integrar e antecipar as resistências eventuais que poderiam surgir e administrar os afastamentos, corrigindo-os, expondo sua história e projetando um caminho possível.

Foucault diz se tratar de uma lógica que não parte de uma norma definida anteriormente às práticas corretivas, reparativas ou de aperfeiçoamento, servindo-as de norte ou modelo a ser atingido, mas de práticas de normalização que se apoiam nas diferenças e nas relações entre as normalidades. Em consequência disso, no domínio da biopolítica, a vida não é pensada em sua generalidade ou um resíduo puro ainda não alcançável pela norma, mas ela é sempre perspectivação desses dispositivos. E, desse modo, vindo a ser uma forma de viver (meio de vida), cujo caráter coercitivo e prescritivo das suas normas imanentes faz-se empírico-transcendental (histórico), pois, por um lado, ela é um valor a ser alcançado pela normalização e, por outro, base de referência à própria norma. Para Foucault, desse modo, a vida coincide com o seu caráter normalizante, pois:

Teremos um rastreamento das diferentes curvas de normalidade e a operação de normalização vai consistir em fazer jogar umas por relação às outras essas diferentes distribuições de normalidade e [a] fazer de forma que as mais desfavoráveis sejam aproximadas daquelas que são as mais favoráveis. Se tem, então, aí alguma coisa que parte do normal e que se serve de certas distribuições consideradas, se você quiser, como mais normais que as outras, mais favoráveis em todo caso que a outras. Estas são as distribuições que vão servir de norma. A norma é um jogo no interior das normalidades diferenciais. É o normal que é primeiro e é a norma que dele se deduz, ou é a partir desse estudo das normalidades que a norma se fixa e joga seu papel operatório (Foucault, 2004a, p. 65).

Ao abordar a normalização da vida, Foucault está se referindo às diferentes distribuições de normalidades desviantes. Tomadas estatisticamente, as normalidades diferenciais são compreendidas em suas variações no mesmo gráfico de normalidade, podendo ser, nesse processo tecnopolítico, organizadas para delas subtrair ou minimizar seus efeitos desfavoráveis e as aproximar das normalidades ditas favoráveis. Ao sonho utópico disciplinar de um controle total, a biopolítica, enquanto estratégia de normalização, responde produzindo e administrando a vida, não qualquer vida, mas a vida menos desfavorável possível.

Para Foucault, a norma e a vida estão em relação de imanência mútua. Em virtude disso, a biopolítica, como o autor francês a concebe, faz referência aos dispositivos, que organizam mecanismos de regulação social em termos de espaço de segurança, do tratamento do aleatório e da normalização securitária. Por conseguinte, nesse curso de 77 e 78, o conceito de meio é problematizado a partir de alguns exemplos do contexto urbano no século XVIII, dos quais destacamos aquele da cidade de Nantes, "que foi estudada em 1932, eu creio, por alguém que se chama Pierre Lelièvre e que deu diferentes panos de construção e de organização de Nantes" (Foucault, 2004b, p. 19).

O exemplo de Nantes é importante e fundamental para Foucault justamente porque a consistência desse projeto estava no bom gerenciamento do meio urbano, cujo principal problema era a circulação, pois colocava uma série de situações de ordem prática a serem solucionadas através de dispositivos biopolíticos, tais como higiene, comércio interior e exterior, relações de circulação com o campo e a supressão dos muros que implicava uma nova forma de vigilância para prevenir os perigos potenciais.

A biopolítica, então, através dos dispositivos securitários, escreve Foucault, investe nos elementos existentes, não para atingir um ponto de perfeição, mas para maximizar os elementos positivos e minimizar os elementos negativos como os riscos, os inconvenientes, as doenças etc., sabendo que eles não serão jamais suprimidos totalmente. Ela visa produzir um domínio seguro, uma forma de viver mais favorável possível, que garanta aos indivíduos a possibilidade de ter sua vida protegida, o que a torna uma produção tecnológica ou dispositivos contra quaisquer ameaças que possam, atual ou futuramente, vir a atingir a população. Eles buscam regular e gerir dentro de "um quadro multivalente e transformável" (Foucault, 1998, p. 22), um meio aberto constituído por um grande fluxo de acontecimentos; eles fabricam um meio no qual circulam e se relacionam elementos artificiais e naturais, como campo ou ambiente de sua aplicação, de sua intervenção e que por isso tende a ser cada vez mais produzido e convencional. Foucault define:

O meio, o que é? É o que é necessário para dar conta da ação a distância de um corpo sobre um outro. É, então, o suporte e o elemento de circulação de uma ação. (...) O meio é isso, em que se faz a circulação. O meio, é um conjunto de dados naturais, rios, pântanos, colinas, e de dados artificiais, aglomeração de indivíduos, de casas, etc. O meio é um certo número de efeitos de massa, entretanto, sobre todos aqueles que aí residem. É um elemento no interior do qual se faz fechamento circular dos efeitos e das causas, porque o que é efeito de um lado, vai tornar-se causa no outro. (...) E, enfim, o meio aparece como um campo de intervenção onde, no lugar de tomar os indivíduos como um conjunto de sujeitos de direito capazes de ações voluntárias (...) se tenta alcançar, precisamente, uma população (Foucault, 1998, p. 23).

O meio, essa forma de viver gerenciada por mecanismos biopolíticos, é, nesse sentido, uma configuração de normalização, pois o poder da norma é uma ação em relação com/em, visto que se refere a uma ação imanente ao seu meio de intervenção sem que este lhe seja exterior pois ele é seu primeiro efeito; assim sendo, o meio é uma produção das tecnologias de segurança, pois é no exercício da normalização que se produz a norma, ou seja, é no processo de produção de um meio por dispositivos de poder/saber que as suas normas são constituídas, definidas e instituídas.

Ainda em Sécurité, Territoire, Population, Foucault problematiza o acontecimento da varíola no século XVIII e a estratégia de vacinação empreendida por alguns países europeus para o seu combate. É ressaltado que essa estratégia foi mantida e ampliada por se mostrar estatisticamente eficiente, visto que era uma técnica que ainda não fazia parte da teoria médica desse período. Isto é, através do uso de cálculos de probabilidades e observando regularidades na população - estabelecendo taxas de mortalidade e morbidade - essa estratégia foi sendo disseminada no corpo social pela polícia médica para reduzir as normalidades mais desfavoráveis. Foucault diz, então, que a vacinação é integrada nos dispositivos de segurança na medida em que a vigilância tinha na estatística a sua razão de ser. Temos nesse caso a produção de um meio-miasma (sendo a cidade este meio, temos uma cidade-foco-epidêmico).

Portanto, para Foucault, os dispositivos biopolíticos pretendem gerir os riscos e criar um espaço que funcione de forma a mais favorável possível. Para isso, produzem um conjunto de normas que, por sua vez, mais do que agir diretamente nas práticas efetivas, lançam uma demanda, definem um programa a completar e oferecem os critérios da disposição a estar de acordo e, nisso, definem o meio. Este, portanto, deve ser entendido como campo de normalização biopolítico.

2.2. A utopia neoliberal: a subjetividade empresarial

A governamentalidade neoliberal, tal qual Foucault a entende, visto que põe em prática uma série de tecnologias de segurança cujo objetivo é a criação e gestão de meios dentro dos quais os indivíduos, entrepreneur man, podem empreender, assumir e enfrentar os riscos (Foucault, 2008, p. 180), é, por isso, uma forma de governo securitária. Segundo Foucault, nas sociedades neoliberais ocorre uma expansão ou irradiação dessa forma de governamentalização, a partir da qual produz-se uma sociedade empresarial onde a liberdade é aquela do homo oeconomicus e, na qual, também ocorre uma multiplicação dos dispositivos de segurança para garanti-la enquanto espaço de veridição do mercado. Este, em suma, ganha "um valor absoluto [...] como instância decisiva não somente de regulação social, mas principalmente de controle da vida dos próprios indivíduos" (Candiotto, 2010, p. 42).

Um dos principais desenvolvimentos da chamada Escola de Chicago de economia consiste na teoria do capital humano, que segundo um de seus principais teóricos, Theodore Schultz, significa:

A característica distintiva do capital humano é a de que é ele parte do homem. É humano porquanto se acha configurado no homem, e é capital porque é uma fonte de satisfações futuras, ou de futuros rendimentos, ou ambas as coisas. Onde os homens sejam pessoas livres, o capital humano não é um ativo negociável, no sentido do que possa ser vendido. [...] segue-se que nenhuma pessoa pode separar-se a si mesma do capital humano que possui. Tem de acompanhar, sempre, o seu capital humano, quer o sirva na produção ou no consumo (Schultz, 1971, p.53).

Nessa perspectiva, o alvo da governamentalidade neoliberal é o trabalho do indivíduo sobre si mesmo buscando desenvolver uma subjetividade cujas predicações seriam a competência, a proatividade, a polivalência e a inovação. Ou seja, para os economistas da Escola de Chicago o que importa é uma análise do modo como um indivíduo economicamente ativo faz uso dos recursos de que dispõe. Este indivíduo, homo oeconomicus, é aquele que ajusta sua conduta às necessidades que aparecem; ele comporta-se racionalmente, pois sua maneira de agir é flexível e sistemática às variáveis do meio em que vive. Assim, esses economistas relacionam sua concepção econômica ao comportamento humano, ou ainda, à racionalidade interna que anima esse comportamento.

O homo oeconomicus neoliberal é, assim, compreendido como o único responsável pelos cálculos de custo-benefício que são por ele traçados a partir de um conjunto de competências a serem adquiridas em formação permanente. Isto é, enquanto business man, este sujeito deve perseguir um rol de virtudes que são as chaves do sucesso segundo o léxico mercadológico, quais sejam: flexibilidade, criatividade, adaptabilidade, motivação, interessado, visionário e, sempre, competitivo. Foucault nos ajuda:

[...] a máquina constituída, digamos, por competência e trabalhador individualmente ligados vai, ao longo de um período de tempo, ser remunerada por uma série de salários que, para tomar o caso mais simples, vão começar sendo salários relativamente baixos no momento em a máquina começa a ser utilizada, depois vão aumentar, depois vão diminuir com a obsolescência da própria máquina ou o envelhecimento do trabalhador na medida em que ele é uma máquina (Foucault, 2008a, p. 309).

Desse ponto de vista, a fonte de rendimentos é esse conjunto de habilidades e competências, ou como na compreensão foucaultiana dos neoliberais. dita na citação, o trabalhador é uma máquina rentável expressa por fluxos de salários, ou melhor, em sequências futuras de renda a serem ganhas. Aqui, não faz mais sentido pensar a separação entre capital e trabalho, pois as competências, as habilidades e as aptidões de um indivíduo constituem, ao menos potencialmente, o seu capital.

Esse indivíduo, sublinha Foucault, passa a ver a si mesmo como uma empresa e, assim, vive sob a égide de investir permanente em si mesmo avaliando os custos e benefícios que suas decisões definem. Ou ainda, o homo oeconomicus é concebido como o empresário de si mesmo, sendo ele seu próprio capital, sendo para si mesmo seu produtor, sendo para si mesmo a fonte de renda (Foucault, 2008a, p. 201). Então, além das aptidões inatas, que podem ser objeto da ciência genética, os economistas de Chicago dão muita importância aos elementos adquiridos, em razão do investimento realizado na formação humana para desenvolver competências e habilidades que serão vendidas como capital no mercado. Segundo Blaug:

A educação é quase sempre ao mesmo tempo investimento e consumo, não só no sentido de que um dado tipo de educação, em determinado país, pode contribuir para aumentar a renda futura enquanto outro tipo de educação, no mesmo país, não tem tal efeito, mas o mesmo quantum de educação, digamos um ano de aprendizado escolar para determinado indivíduo, invariavelmente possui aspecto tanto de consumo quanto de investimento (Blaug, 1975, p. 20).

É, por isso, que a teoria do capital humano "adquiriu força impositiva ao ser incorporada à legislação [inspirou as reformas educacionais da década de 1990 e, mais recentemente, fundamenta a nova Base Nacional Comum Curricular2] na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade" (Saviani, 2013, p. 365). Também, que na atual sociedade neoliberal a educação ganha um papel de destaque e, mais do que nunca, há uma corrida permanente por formação educacional com vistas à construção de máquinas de fluxos de renda. Ou seja, a relação entre educação e capital humano está no fato de que os investimentos em educação não só proporcionam o aumento da produtividade do indivíduo, bem como a maximização crescente de seus rendimentos ao longo do tempo. Segundo Foucault:

Mas o que isso quer dizer: introduzir a regulação do mercado como princípio regulador da sociedade? [...] Vale dizer que o que se procura obter não é uma sociedade submetida ao efeito-mercadoria, é uma sociedade submetida à dinâmica concorrencial. Não uma sociedade de supermercado - uma sociedade empresarial. O homo oeconomicus que se quer reconstituir não é o homem da troca, não é o homem consumidor, é o homem da empresa e da produção (Foucault, 2008a, p. 200-201).

À vista disso, predominantemente, a dinâmica da nossa forma de viver passa a ser pautada pelo crivo econômico que provoca uma forma de subjetividade à qual realizar-se só diz respeito à busca incessante de novos rendimentos, novos ganhos e da produção de resultados. Desse modo, a subjetividade produzida pela governamentalidade neoliberal carrega o peso de sempre ter que produzir mais, visto que este conquistar incansável é tomado como direito obtido por merecimento. Mais ainda, segundo Foucault, o homo oeconomicus deve sempre estar de prontidão para mudanças de acordo com as possibilidades definidas pelo mercado - o que lhe permanece é somente a alteração constante. Veja:

[...] ao tomar a si mesmo como um capital, a entreter consigo (e com os outros) uma relação na qual ele se reconhece (e aos outros) como uma microempresa; e, portanto, nessa condição, a ver-se como entidade que funciona sob o imperativo permanente de fazer investimentos em si mesmo - ou que retornem, a médio e/ou longo prazo, em seu benefício - e a produzir fluxos de renda, avaliando racionalmente as relações de custo/benefício que suas decisões implicam (Gadelha, 2009, p. 149).

Segundo Foucault, essa forma de viver constituída pela subjetividade do homo oeconomicus é delineada por suas competências e resultados valorizados pelo mercado. Ele destaca que uma educação por competências, cujo indivíduo empreendedor é sua finalidade, se coaduna perfeitamente com essa racionalidade neoliberal para quem o mercado é o regulador da sociedade como um todo e na qual o cerne principal é a dinâmica da concorrência. Entendamos:

O Sistema normativo do neoliberalismo estende a lógica do mercado muito além das fronteiras estritas do mercado, em especial, produzindo uma subjetividade "contábil" pela criação da concorrência sistemática entre os indivíduos. Pense-se em particular na generalização dos métodos de avaliação no ensino público oriundos da empresa (Dardot; Laval, 2016, p. 30).

Atualmente, ocorre uma mercadologização da educação, visto que todas as instituições atuam como empresas e estas se tornaram instituições que educam. Isto se dá na medida em que as organizações neoliberais "precisam de indivíduos capazes de aprenderem novas capacitações" (Sennett, 2006, p. 107). Ou seja, trata-se da formação de empreendedores, daqueles indivíduos qualificados em capital humano, enquanto uma preocupação da sociedade neoliberal, mais precisamente, uma preocupação de/do mercado. É assim que as políticas em educação passam a ser objeto de investimentos do mercado, uma vez que para a tecnologia de governo neoliberal os indivíduos devem ser transformados em empresas e as relações humanas devem ser do tipo concorrencial e comercializáveis, ou seja, válidas segundo os parâmetros de veridição mercadológicos. Segundo Foucault, temos:

[...] incursão da análise econômica em um campo até então inexplorado e, segundo, a partir daí e a partir dessa incursão, a possibilidade de reinterpretar em termos econômicos e em termos estritamente econômicos todo um campo que, até então, podia ser considerado, e era de fato considerado, não-econômico (Foucault, 2008a, p. 302).

Nesse limiar, os indivíduos são considerados responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso, uma vez que o mercado, entendido como espaço de igualdade de oportunidades, realizaria a isonomia entre eles. Para Foucault, o indivíduo empreendedor de si é permanentemente perpassado pelo risco; sua vida de investidor, negociador e de ativo de mercado tem imanentemente ameaças recorrentes. Estas, continua ele, nada mais são que os riscos do mercado, uma espécie de cultura do perigo, os quais constituem uma dimensão ontológica da forma de governamentalidade neoliberal.

A governamentalidade neoliberal, escreve o autor francês, intensificou, como apontado no item anterior, o gerenciamento dos riscos, pondo em prática uma série de dispositivos de segurança. Isto é, o risco é capitalizado e tornado rentável nas sociedades neoliberais, nas quais ocorre uma privatização da gestão das ameaças, dos perigos e da segurança, que cada vez mais é feita pelo próprio indivíduo ou por empresas especializadas nesse mercado. Nessas sociedades, toma-se como capacidade e habilidade desse indivíduo-empresa, tanto, o viver perigosamente, o experimentar situações de risco e de crise, quanto a responsabilidade pela promoção e contratação de apólices de seguros no mercado que lhe permitam o mínimo necessário para se colocar em condições de continuar ou voltar à concorrência em caso de insucesso.

 

3. A constituição de um mundo outro: as heterotopias

O apelo às heterotopias, como ferramenta crítica por Foucault, tem o intuito de uma problematização daquilo que ele denominou l'espace du dehors, uma forma de lugar-outro, enquanto corpo espacial no limite de nossas vivências, que nos inquieta, visto que por causa dele somos perpassados e afetados por experiências diferentes daquelas ordinárias. Isto é, espacialidades que nos lançam para fora, ou melhor, nos colocam em desconexão, tanto conosco mesmo, quanto em relação ao meio em que vivemos e, assim, "corroendo-nos e erodindo-nos" (Foucault, 2012b, p. 1574), o que permite um arejamento do terreno para que distensões dos limiares ocorram.

As heterotopias, então, ao contrário das utopias, agem suspendendo, neutralizando as relações que elas designam ou refletem com outros espaços. Elas inquietam, escreve Foucault. Em Les Mots et les Choses, elas expunham a falta de fundamento substancial da ordenação do saber, que gerava no leitor certa inquietação, pois nos enviava ou designava o vazio. Para pensar isso, retornemos ao espelho do quadro As meninas:

É igualmente uma heterotopia, à medida em que o espelho existe realmente, e porque ele tem, sobre o lugar que ocupo, um tipo de efeito em retorno; é a partir do espelho que eu me descubro ausente do lugar onde eu estou, visto que me vejo lá longe. [...] o espelho funciona como uma heterotopia no sentido que ele torna esse lugar que ocupo, no momento em que me olho no vidro, de uma vez, absolutamente real, em ligação com todo o espaço que o rodeia, e absolutamente irreal, pois ele é obrigado, para ser percebido passar por esse ponto virtual que está lá longe (Foucault, 2012b, p. 1575).

O espelho é, tanto um lugar utópico, como mostrado anteriormente, quanto um lugar heterotópico, uma vez que, como escreve Foucault, ele é constituído por uma diversidade de sentidos que transborda o significado da forma da identidade e na qual se apresenta uma heterogeneidade de formações somente totalizadas ou totalizáveis em uma imagem a partir de estratégias ou projeções utópicas que elidem as suas descontinuidades. Neste espaço não se (re)presenta algo inferior de uma existência superior e anterior na escala ontológica ou, ao contrário, a projeção ideal de territorialidades imperfeitas, mas expõe-se os limites, enquanto contrastes, separações, distâncias e coexistências irreconciliáveis entre o visível e o invisível, o mesmo e o outro, em que se mostra a ordem do saber, não como exibição utópica, mas inversamente como volume fragmentário.

Temos um ambiente multidimensional, que resiste a qualquer centralização e constantemente descentraliza-se por causa da simultaneidade de perspectivas justapostas numa (co)habitação não compatível entre realidades diferentes. Suas fronteiras são de difícil definição, delatando sua multiplicidade imanente e, por isso, em permanente flutuação entre invisibilidades e sínteses cognitivas cuja movimentação produz novos espaços e limiares.

Foucault relata, em Les Mots et les Choses, que as heterotopias o faziam rir pois elas expunham os limites do nosso pensamento ao abalar o plano de ordenação do saber a partir do qual pensamos. Elas, explica Foucault, apresentam aquilo que não podemos pensar e arruínam, em consequência, certo lugar comum, em que se instituem as identidades e são estabelecidas as possibilidades de classificação e de organização da nossa forma de viver. Logo, o vazio a que somos enviados tem sua razão de ser no espanto causado por esses espaços ao colocar em xeque as familiaridades, a terra natal, a lógica que constitui os pontos estáveis da nossa forma de pensar e, consequentemente, são indiscutíveis, impensáveis e impossíveis para nós.

A problematização das heterotopias é uma problematização do pensamento, visto que toca diretamente à questão, filosófica por excelência, do espaço de experiências possíveis hoje, a qual, por sua vez, situa-nos nos interstícios daquilo que é atualmente realizável. Dessa forma, Foucault desvia-se dos prognósticos filosóficos para fazer diagnósticos do presente, que impõe um trabalho ético e político como problematização filosófica, que tem seu lugar em, e é sobre, nossos limites, e daí define os modos de ações viáveis.

É esse mesmo movimento crítico de inquietação do pensamento que é feito por Foucault ao utilizar as heterotopias de Borges. Quando o poeta Argentino, por exemplo, com O idioma analítico de John Wilkins, mostra que toda classificação é arbitrária e, por isso, a relação entre o Ocidente e o Oriente não pode ser reduzida à dualidade fixa entre dois territórios, mas, além disso, ela é pendular entre um horizonte e outro, ele privilegia a hibridação e o espaço intermédio, em suma, a heterotopia. Se Foucault no início de As palavras e as coisas utiliza a enciclopédia chinesa e na entrevista Le piêge de Vencennes diz que sonha com um Borges chinês, o faz justamente porque o pensamento deste lhe permite uma experiência heterotópica, que sua posição de ocidental e europeu não lhe autorizam, qual seja, aproximar-se do limite, esse outro Oriental, que encanta e perturba a coerência da ordenação do saber Ocidental, visto que assinala sua impossibilidade de ser e sua arbitrariedade.

Através dos espaços heterotópicos borgianos, Foucault afirma que o Oriente é o limite para o nosso pensamento, uma vez que é o limiar no qual nosso mundo acaba, porém, extraordinariamente, é onde - espaço fronteiriço permeável, cujas bordas tornam-se irreconhecíveis - um mundo outro pode começar, pois é o ponto em que o pensamento na sua (im)possibilidade experimenta a si mesmo. De fato, trata-se da tentativa de olhar para a nossa atualidade, não através da perspectiva da identidade, mas de uma "erosão que vem de fora" (Foucault, 1999, p. 69) desestabilizando-a. Eis:

O impossível não é vizinhança das coisas, é o lugar mesmo onde elas poderiam avizinhar-se. [...] jamais se chegará a definir, entre cada um desses conjuntos e aquele que os reúne a todos, uma relação estável de conteúdo e continente [...]. Borges não acrescenta nenhuma figura ao atlas do impossível; não faz brilhar em parte alguma o clarão do encontro poético; esquiva apenas a mais discreta, mas a mais insistente das necessidades; subtrai o chão, o solo mudo onde os seres podem justapor-se. (Foucault, 1999, pp. XI-XII).

Essa análise das heterotopias em Les Mots et les Choses está concatenada com a definição dessa noção no texto Des espaces autres, particularmente ao seu terceiro princípio de predicação, o da justaposição. Apoiado neste, Foucault assevera que as heterotopias têm o poder de justapor em um mesmo lugar múltiplos espaços, múltiplos posicionamentos e ângulos incompatíveis entre si, a exemplo do teatro e do cinema. Ambos apresentam um lugar delimitado, onde tudo acontece, naquele a chamada caixa preta, o palco, no outro a imagem em movimento. Isto é, espaços cênicos retangulares, nos quais se apresentam variadas formas e todo um conjunto de lugares (in)comuns.

Outro exemplo é o jardim, cuja origem remonta à antiguidade oriental e que simboliza uma espécie de heterotopia feliz e universal. Ele, com suas variadas significações profundas e superpostas e seus múltiplos microcosmos, pode ser encontrado em diferentes épocas e lugares sob diferentes formas. Isto vale para os jardins orgânicos, com plantas e flores e, também, em sua transposição ou reprodução nos tapetes. Estes, escreve Foucault, são jardins móveis; os jardins são tapetes "onde o mundo inteiro vem realizar sua perfeição simbólica [...] o jardim é a menor parcela do mundo e, ao mesmo tempo, a totalidade do mundo" (Foucault, 2012b, p. 1578)3.

No período genealógico ocorre um pequeno desvio na noção de heterotopia, na medida que se dirige para espaços físicos. Não se trata mais do vazio de fundamento substancial da linguagem, mas de "lugares de contestação mítica e real do espaço em que vivemos", escreve Foucault. Ele ainda remarca que há heterotopias que são a realização exata de utopias, tais como: as colônias americanas, os movimentos proféticos e milenaristas, a própria utopia californiana com o seu dandismo nas praias edílicas com os belos homens bronzeados designando uma sexualidade sem complexos. Percebe-se que Foucault reúne sob o mesmo termo, heterotopia, tanto as utopias que se tornaram reais, utopias homotópicas - nessas encontramos os mesmos elementos que compõem a nossa sociedade, mas deslocados e funcionando em outro sistema de relações - e as utopias heterotópicas - que compõem um espaço exterior à nossa sociedade, entretanto, permanecendo dentro ou ao lado dela.

Estas últimas, antes de ensejarem projeções ideais de outros mundos, pois são imanentes e oblíquas ao espaço principal, permitem fazer diagnósticos, a partir do interior da ordenação e, ao mesmo tempo, transversalmente, que coloquem em questão o espaço em que vivemos, oferecendo formas de viver novas e mundos outros a experimentar. O movimento crítico então que aparece com a noção de heterotopia não está na busca de uma outra sociedade, isso não a torna uma ferramenta impotente, mas, bem diferente disso, na possibilidade de inquirir as relações de poder e de saber, as quais determinam aquilo que nós somos a partir de espaços que estão deslocados, desencaixados, à margem como uma dobra e, nisso, abrir e explorar novas relações, novos caminhos e novas experiências.

Em Les espaces autres, ao descrever as heterotopias de desvio como aqueles espaços onde se encontram indivíduos que divergem das normas ou da forma de viver habitual, Foucault, uma vez mais, afirma que a sua filosofia "deseja percorrer os espaços da realidade dos poderes e das verdades construídos pela nossa história em um movimento literalmente desviante: que joga com as bordas [...] jogo que produz um afastamento. Heterotopia real e subversiva" (Sforzini, 2015, p. 346). É, nesse sentido, por causa do valor crítico das heterotopias, que podemos entender o retorno dele à antiguidade, especialmente ao cinismo, cujo modo de vida (bios) na margem, sem um lar, Liceu, Academia ou corpo doutrinário (utopia), é a encarnação visível do discurso verdadeiro (lógoi) que entra em conflito e inquieta (heterotopia) o seu contexto social. Portanto, é essa atitude elidida pela história do pensamento filosófico que Foucault quer reavivar no presente enquanto princípio ativo e intempestivo com a função de criar alterações desejáveis.

Segundo Foucault, o cínico se descrevia como o homem da parresía, a expressão da verdadeira vida, no sentido de uma bios como encarnação visível da verdade, uma vez que ele fazia da coragem da verdade o conteúdo e a forma de sua vida. Isto é, ele transformava a vida no difusor da verdade e no propagador da vida, criando uma perfeita associação entre vida e verdade, na qual o corpo produzia a forma do verdadeiro, que, por sua vez, dava forma ao corpo.

Foucault descreve a forma de vida do cinismo antigo como uma resposta radical à verdadeira vida tal qual se encontra no pensamento grego clássico. Assim, a verdadeira vida, utópica, é invertida e transvalorada e o seu duplo distorcido é a vida outra, heterotópica, do cínico. Segundo ele, a vida verdadeira, entre os gregos, teria basicamente quatro princípios valorativos: a transparência, a pureza, a retidão e a autossuficiência. De início, a verdadeira vida seria uma vida não-oculta, não-dissimulada e sem mentira, que não temeria se expor publicamente; em segundo lugar, a verdadeira vida seria aquela que não receberia nenhum suplemento, ela seria pura e, por isso, sem mistura, liberada de quaisquer paixões ou vícios; em terceiro lugar, a verdadeira vida era aquela que buscaria sem cessar a verdade conforme às leis (nomos); enfim, a verdadeira vida seria aquela autárquica, que dependeria apenas de si mesma.

Os cínicos, de acordo com Foucault, remeteram os ideais da verdadeira vida a uma crítica radical, cujo princípio-profecia, recebido por Diógenes diante do deus de delfos, era parakharattein to nomisma, que significava: "alterar o valor da moeda". Tal crítica, então, seria uma alteração, parakharattein, no sentido de desfazer a representação das leis e dos costumes, nomisma, da verdadeira vida para dar um valor mais autêntico (o verdadeiro valor).

De fato, para Foucault, os cínicos ao fio de seu dizer verdadeiro violento e agressivo expuseram e intensificaram até a sua deformação os princípios filosóficos clássicos. Isso, no seu entendimento, seria uma espécie de transformação da filosofia, fazendo com que ela deixasse de ser um dispositivo de autoproteção e autopreservação, que "resist[ia] à exposição, à simplicidade da expressão, à lógica e à mudança" (Gros, 2011, p. 57), e se abrisse à vida, sendo veículo de transformação e de liberdade. Ou seja, os cínicos foram, a maneira de seu pensamento, os primeiros não-filósofos ou contra filósofos ao estabelecerem uma crítica que retirou a filosofia da sua pureza e recusa das transformações, trazendo-a em direção à diferença, não como negação do mundo, da verdade ou da vida, mas enquanto afirmação de um mundo, verdade e vida outros. Ora, foi justamente essa marginalidade crítica deles que fascinou Foucault.

O cinismo, escreve Foucault, se apoderou do tema da vida verdadeira transfigurando-o e alterando-o através do escândalo da verdade, que era uma espécie de distensão dos limites, isto é, a amplificação das características da verdadeira vida, daquilo que era aceitável pelos clássicos ao máximo possível.

Inicialmente, a regra da não-dissimulação, a qual deixou de ser a aplicação de um princípio ideal de conduta, pois que o cínico fazia do espaço público o lugar próprio da sua existência, que, por isso, se tornou exclusivamente pública, sem dissimulação alguma, exposta e permanentemente visível, enquanto manifestação transparente da vida cotidiana. A aplicação radical do princípio de publicidade, pelos cínicos, causou uma reversão do próprio princípio, visto que ao levar uma vida que se livrava de tudo o que não era absolutamente necessário, expunha-se a inutilidade das convenções.

Nesse sentido, para o cinismo, a vida devia ser tudo o que a natureza lhe concedeu e concede, de modo que não poderia ser rejeitada na vida da polis, tal qual o fazia a filosofia clássica, para quem as coisas relacionadas ao corpo, aos desejos, à natureza deveriam se limitar à esfera privada. É, em consequência disso, que para os cínicos não era possível tornar-se um cínico pela via educacional, pois, somente, se o era por natureza. Isto é, não existia cínico por instrução. A crítica cínica, então, joga com os limites da cultura e da filosofia gregas, dissolvendo, por um lado, a separação entre o mundo público e o privado, e, por outro, abrindo, em razão disso, o pensamento e a vida à alteração e à diferenciação.

Em segundo lugar, no cinismo a vida independente tomou a forma de uma indiferença exposta na pobreza em sua radicalidade, ou seja, não somente "efetiva, material, física, mas, real, ativa, indefinida" (Foucault, 2011, p. 226). Real, uma vez que, mesmo na indigência, precisava continuar buscando ainda o que era possível de ser renunciado em uma jornada de permanente adversidade que requer coragem de viver de forma independente. Dessa maneira, o desafio da pobreza era infinito e indeterminado, visto que os cínicos estavam constantemente motivados em reduzir suas provisões e necessidades até restar, unicamente, o indispensável à existência. Tal desnudamento era para o cínico, afirma Foucault, um modo de mostrar sua superioridade, posto que, ao valorizarem as necessidades mais básicas da vida, eles evidenciaram como verdadeira miséria aquela do conservador e do acomodado, os quais seriam servos do conforto advindo das certezas e das aquisições materiais.

Os cínicos também inverteram o princípio da vida sem mistura, que refletia uma vida harmônica, bela e pacífica, ao produzirem uma vida pela feiura, desonra, humilhação, e calcada na completa dependência de doações, chegando ao ponto de não poderem preservar-se e na crença de que toda vida não pode ser auto regulada ou auto subsistente. Isto lhes rendeu, segundo Foucault, o predicativo cão, e explicava a sua admiração pela escravidão. Em todo caso, o fundamental aqui, continua o autor francês, é perceber que com essa inversão temos o fortalecimento da ideia de que viver é estar sempre exposto e aberto à diferenciação sem poder permanecer igual a si mesmo.

Em relação ao que concerne à verdadeira vida como vida da retitude, os cínicos assinalavam o paradoxo dissimulado sob o conceito de lei. Para eles, explica Foucault, os únicos critérios para mensurar o quanto uma vida era verdadeira seriam as leis da natureza, na medida em que elas, mais do que uma essência idealizada do homem como ser racional, significavam a indomabilidade do animal. Por consequência, a animalidade para os cínicos não era um simples dom inerente, ao qual se conformar, mas elemento do desafio de viver de acordo com as necessidades de sua própria natureza, a qual torna-se um modelo ético à existência. Desse modo, a bios cínica não era ordenada ou representava formas ideais que se impunham à animalidade como uma segunda natureza, mas, muito diferente disso, era uma vida em que a natureza criava uma bios a partir de seus próprios meios.

Por fim, o cinismo transfigurou a vida soberana do sábio, em razão do fato de que o cínico era o único rei absoluto, cujo reinado fora recebido dos deuses e não devido à fortuna, ao nascimento ou à força das armas. O cínico, rei do escárnio, opunha, então, aos reinados efetivos à superioridade da zombaria, dado que, rei da miséria, ele não precisava dominar os sujeitos ou um território. À vista disso, a mensagem imperativa, saia da frente do sol, de Diógenes a Alexandre, quando este veio vê-lo e lhe ofereceu o que desejasse, mostrou que os raios de sol eram para Diógenes, o escolhido dos deuses, não para Alexandre, cujo reinado era apenas uma nuvem passageira fazendo sombra ao verdadeiro rei. A escolha divina, para ele, o teria incumbido da tarefa de cuidar da humanidade como um todo, não apenas de conduzi-la através de discursos ou exemplos, específica Foucault, mas de lutar ferozmente para mudar seus hábitos, convenções e formas de viver.

Dessa maneira, assevera Foucault, a vida, tal qual levada pelos cínicos, era paradoxal, radicalmente outra, e inquietava os modelos existenciais, tanto da filosofia tradicional, quanto da cidade, uma vez que trouxe a vida filosófica para o âmbito do popular ao quebrar as barreiras que esta impunha contra a doxa e escancarou a vida da polis ao desfazer seus bloqueios contra o estrangeiro.

Diante do exposto, reitera Foucault, o cinismo buscava alterar o valor da moeda como "uma espécie de passagem ao limite" (Foucault, 2011, p. 145), uma transfiguração na qual não se fazia apelo a nenhum elemento além daqueles invertidos da verdadeira vida da filosofia clássica grega. Isto é, não se tratava de uma ruptura completa, mas de um movimento imanente para o limite; uma espécie de duplicação deformante (grimace) da verdadeira vida enquanto "prática de combatividade no horizonte do qual há um mundo outro" (Foucault, 2011, p. 253).

Para Foucault, portanto, o cinismo encarnava uma atitude crítica "que perpassa, sob formas diversas, com objetivos variados, toda a história ocidental" (Foucault, 2011, p.152) na qualidade de força de mudança da realidade a partir de uma luta permanente, na qual se engajava toda a existência num movimento ético-político na construção de si mediante a relação com os outros e com o mundo. É esta atitude, segundo ele, que deve ser reavivada pelo pensamento para que nossa atualidade se mantenha aberta para os movimentos que lhe são extemporâneos e heterotópicos.

 

4. Considerações finais

Através da sua análise cartográfica, Foucault, de um lado, apresenta-nos a uma das grandes características do seu pensamento, que é ser topográfico e, de outro, expõe que ele perambula por diversas áreas do saber, estabelecendo novos pontos de contato e de perspectivas, nos dando, assim, uma outra forma de compreensão do espaço. Isto o aproxima da geografia de tal modo que torna possível novas formas de análises geográficas e, numa via de mão dupla, reaviva o pensamento filosófico ao trabalhar com as noções espaciais desse saber. Tais considerações ficam claras quando em uma entrevista para geógrafos na revista Hérodote, intitulada Perguntas a Michel Foucault sobre Geografia, Foucault diz: "A geografia deve, de fato, estar bem no cerne daquilo com que me ocupo" (Foucault, 2006, p. 188).

Este trabalho se propôs a apresentar as experimentações topográficas de Foucault, isto é, o quanto a espacialidade é importante no desenvolvimento do seu pensamento. Neste, as noções espaciais têm um papel primordial, tanto para compreensão dos dispositivos de poder que produzem os espaços e, que estes, por sua vez, propagam, quanto, como meios de resistência, insubmissão e transgressão ao poder.

Em especial, frisamos o lugar e a importância das heterotopias no trabalho de Foucault, dado que esses espaços-outros, ao inquietarem e subverterem os limites instituídos pelas relações de poder e de saber, se tornaram pontos de partida, objetos e conceitos nos seus experimentos filosóficos sobre a loucura, a prisão, a relação entre palavras e coisas e o agonismo entre governo e liberdade. Isso não significa que se trate de um conceito de fácil abordagem no vasto quadro conceitual foucaultiano. Ao contrário, as heterotopias estão longe da univocidade ou de serem pensadas sob um mesmo conceito. Ainda mais, com esse neologismo espacial, Foucault não inventou uma nova filosofia, mas outras maneiras de fazer filosofia, as quais ensejaram variadas análises e usos que foram e estão sendo aplicados, também, em outros campos, como por exemplo, na arquitetura e no urbanismo.

É preciso apontar que Foucault dedicou sua vida e seus trabalhos às existências marginalizadas, às vidas ínfimas e infames, sem voz e invisíveis na história. Desse modo devemos situar a noção de heterotopia, pois elas inquietam e, consequentemente, provocam o pensamento a pensar-se, ao trazê-lo para habitar nos limites e abrir-se às miscigenações e migrações dos espaços intersticiais, nesse seu esforço para dar visibilidade e dizibilidade a todos esses outros que estão fora da representação do pensamento. Foi, por fim, essa experimentação com o pensamento, com sua narrativa que nos convida a imaginar e a produzir novas relações com outros e conosco mesmos a partir desses espaços, onde outras formas ético-políticas se desenvolvem, que esse trabalho teve a pretensão de apresentar.

 

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1 Trata-se de uma lógica do poder que não é mais aquela micropolítica do vis-à-vis das forças que compunham os espaços disciplinares. Agora, com a expressão governamentalidade, Foucault se refere aos processos macropolíticos de governo, que retomam e redefinem as práticas disciplinares. Segundo Candiotto: "Doravante, Foucault entende que as relações de poder consistem num campo de ações de múltiplas possibilidades, porém de uma mesma natureza: desde agir sobre uma população, agir sobre as ações de outrem (governo dos outros) até agir sobre a própria conduta (governo de si mesmo). A macropolítica torna-se indissociável da micropolítica" (2010, p. 37)
2 Ver: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base
3 Seria bastante interessante pensar essas questões na fotografia.

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