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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.7 no.1 São Paulo jun. 2005

 

HOMENAGEM

 

Homenagem a Maria Amélia Matos

 

Tribute to Maria Amélia Matos

 

 

Fátima Regina Pires de AssisI ; Maly DelittiI; Myrian Vallias de Oliveira LimaII

I Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
II Consultório Particular

 

 

 

Maria Amélia Matos,

Genial, geniosa, exigente, brava, competente, comprometida, atenciosa, disponível, enxerida, mandona, contingente, reforçadora, carinhosa, risonha, alegre, incansável, brilhante, companheira...

Todos estes adjetivos (e tantos outros) poderiam (e foram) usados para se referir à Maria Amélia Matos.

“Miss Matos,” como a chamávamos brincando, foi minha professora, como de tantos outros, e a cada um de seus alunos marcou de forma definitiva. A mim ensinou os princípios de análise do comportamento, ensinou pesquisa científica, me treinou em objetividade e parcimônia.

Ensinou-me também que amigos são solidários e carinhosos nas horas mais difíceis (e ela sabia bem discriminar quais eram) e imprescindíveis nas alegrias. Quando, com sua letra quase indecifrável, corrigia nossos trabalhos, sabia contingenciar comportamentos e não pessoas. Gostava de carinho, flores, músicas, boas comidas, viagens, cães, e principalmente de estudar e ensinar análise do comportamento. Pretendia, quando se aposentasse, viajar muito e continuar estudando. Foi sempre transparente. Quando ficou doente, relatou na Internet o que estava acontecendo com coragem, clareza e objetividade. No ano passado estava feliz com o encontro da ABPMC, de quem era madrinha e ainda que se cansasse muito, participou bastante e deu seus palpites ótimos como sempre.

Lutou muito contra a doença que a vitimou.

No fim, quando ficou evidente que estava perdendo a batalha, recolheu-se. Não queria visitas. Poupou-nos. Cuidou de nós até o fim.

Mandou um recado: que nós continuássemos a trabalhar e ensinar a ciência à qual se dedicou e em que sempre acreditou.

Ela vive e viverá sempre em cada um de nós.

Maly Delitti

 

Maria Amélia

“L'homme humble et Dieu sont un...”(MAÎTRE ECKHART)

Ao abrir a porta do quarto do hospital a enfermeira disse: - “D.Myrian está aqui...”Maria Amélia virou o rosto e, ao ver as orquídeas que lhe levava, exclamou, soltando sua gargalhada sonora e inconfundível, que nos fazia sentir únicos:

-Você não tem jeito, hein?!

Esta frase era sempre dita quando, entre encabulada e feliz, lhe oferecíamos alguma coisa.

Foi nosso último encontro...

Beijei-a, e ela ficou segurando a minha mão. Perguntou por todos da família. Quis saber de cada um - meu marido, filhos, netos e de como andava minha produção como ceramista. Sua voz estava firme e clara, diferentemente da encontrada na última semana, quando veio sonolenta dos exames que fizera, sentia dores e não conseguia falar. Na ocasião, levara um padre que lhe ministrou a Unção dos Enfermos e só ao Pai-Nosso, embora de olhos fechados, recitou-o com voz límpida. Falei-lhe sobre todos, contei lhe as novidades do sítio no qual ela está representada por uma árvore de Santa Luzia (para afastar raios, segundo disse ao meu marido a quem a presenteou, em seu aniversário). Ao me despedir, me beijou e recomendou-me:

“Cuide de você. Não viva só em função da doença do Amílcar (meu marido). Não trabalhe demais!”.

Foi nosso último encontro. Seis dias depois, ela foi para junto de Deus.

Conheci-a e a admirava através de seu trabalho em Psicologia Experimental, mas só no início de 1980, é que me aproximei da pessoa “MARIA AMÉLIA”. Na época, eu coordenava o curso de Terapia Comportamental no Instituto Sedes Sapientiae e fui convidada para escrever um capitulo sobre Terapia Comportamental Infantil a ser publicado no primeiro compêndio de terapia comportamental brasileiro que estava sendo organizado pelo Bernard Range (Ed. Manole). Por sugestão de uma amiga em comum, pedi-lhe que o lesse. Dias depois, recebi duas fitas cassete com seus comentários. Ela me telefonou dizendo que havia gostado muito do meu estilo conciso e ficado surpresa com o enfoque global na terapia. Ela dissecou meu trabalho, era uma analise crítica das mais perfeitas -. Não faltaram nem correções ortográficas ou de digitação...Admirei sua maneira direta de dizer as coisas e, principalmente, sua humildade ao o fazer. Ao lado das observações, havia sempre os estímulos e elogios.

A partir daí, foram inúmeros os encontros em nossa casa, na qual todos os membros apreciavam sua presença alegre, sua mente brilhante, sua conversação que fluía da música e arte para a literatura, da religião para a política, com a mesma desenvoltura e domínio. A não ser quando queria alguma opinião sua sobre algum artigo ou palestra, não falávamos sobre psicologia. Às vezes, íamos juntas a exposições ou apresentações musicais.

Só nove dias separavam nossos aniversários. Como sempre, comemorava o seu em Birigui, junto aos familiares. Fazíamos, durante o meu, uma prévia ou então, quando estava fora, nos reuníamos com os amigos e a família em ocasião propicia. Nunca se esqueceu de meu natalício: mesmo viajando, fazia-se representar por flores. Ela era presença certa nas reuniões em nossa casa, até mesmo quando se tratava do aniversário dos netos. Valorizava muito a família.

Se tivesse que lhe dar atributos, estes seriam: Simplicidade, Generosidade, Lealdade e Humildade. Este último, o maior de todos. Falando com sua irmã Eunice após sua morte, esta quis saber se era verdade que ela era importante na Psicologia e que, se ela tivesse por acaso publicado alguma coisa, para lhe mandar as fontes e os nomes. Maria Amélia não comentava nada sobre seu trabalho com os irmãos. Assim era ela. E é a esta pessoa humilde, mais do que à cientista brilhante, que reverencio.

Myrian Vallias de Oliveira Lima

 

Mensagem de Maria Amélia

Uma das características preciosas de nossa querida amiga Maria Amélia foi o respeito e o carinho com que tratava os amigos. Em todas as situações, assim como costumava opinar, solicitava opiniões de seus amigos, que ouvia com respeito; dividia, com eles, suas alegrias, dúvidas, anseios, mas os poupava de tristezas. Era uma audiência crítica, envolvida, sincera, honesta e extremamente reforçadora.

Foi assim em sua doença... partilhou com todos sua ansiedade inicial, suas dúvidas e a vibração pela aparente cura... os amigos mais distantes recebiam as informações por email... as amigas mais próximas revezavam-se com todo o carinho nos cuidados hospitalares e nas visitas domésticas. Ela mesma organizava os turnos e sentia-se feliz com nossos cuidados. A retomada das atividades foi marcada pelo viver o mais intensamente possível a vida com os amigos e familiares.

Nos meses finais, aparentemente calou-se: eram poucas as notícias... as visitas proibidas... alguns amigos enviavam mensagens escritas para que fossem lidas ou lembranças de que ela gostava...mas sabíamos que seria difícil haver um retorno...

Na última semana de abril, recebi um recado: minha amiga querida desejava me ver. Contendo a expressão de toda a emoção que sentia, fui ao seu encontro; era 21 de abril, feriado. Imaginei que tivesse algo especial para me dizer... Ao entrar no quarto, vi que sua irmã Dona Eunice e sua sobrinha Laila haviam acabado de chegar. Começavam a conversar a respeito dos presentes para a equipe médica; Maria Amélia, apesar da dificuldade em articular as palavras, calculava o número e sugeria o tipo de presentes. Parecia, assim, comandar as decisões que lhe eram possíveis sobre seu dia a dia. Conversamos, as quatro, sobre episódios engraçados envolvendo sua irmã, rimos muito.

Após a despedida de suas familiares, segurou em minhas mãos e disse que tinha incumbências para mim - identifiquei o possível motivo da chamada!

A última incumbência foi verbalizada de for-ma mais emocionada: enviar um abraço a todos os amigos. Após ouvir, falei que iria enviar o abraço e que voltaria sempre que ela quisesse. Mas seu tom fora de despedida! Saí do quarto e registrei com o maior cuidado o seu recado, para poder transmiti-lo com o menor viés possível.

Sua mensagem foi enviada aos nossos amigos comuns, com os quais tinha contato mais direto, mas ela se destinava a todos os seus amigos.

“Mande um grande abraço a todos os amigos... agradeça àqueles que têm se preocupado em enviar lembranças ou bilhetes...diga para todos que eu gostaria muito de poder estar com eles... mas não posso, estou muito cansada... muito indisposta...diga a todos que eles são muito importantes para mim”.

Fátima Regina Pires de Assis