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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.11 no.21 São Paulo jun. 2011

 

EDITORIAL

 

A psicologia política no cenário Ibero-Latino-Americano

 

Political psychology in the Ibero-Latin American scenario

 

Psícología Política en el escenario Ibero-Latinoamericano

 

 

Alessandro Soares da Silva*, I; Celso Zonta**,II

I Universidade de São Paulo USP
II Universidade Estadual Paulista UNESP

 

 

O ano de 2011 será particularmente importante para a Revista Psicologia Política – RPP, pois estabelecemos no comitê editorial algumas prioridades que demandarão um esforço concentrado, a saber: torná-la quadrimestral a partir de 2012 e ampliar sua base de indexação para que ela tenha maior penetração mundial. Estas não são tarefas fáceis, mas necessitam ser implementadas para que a RPP se torne um veículo ainda mais eficiente na difícil tarefa de ampliar e consolidar a Psicologia Política Brasileira. Nesse sentido, temos feito um importante esforço de aproximação com as outras revistas do campo. A ação que muito contribuiu para isso foram as duas reuniões de Grupos de Psicologia Política realizadas durante o XXXIII Congresso Interamericano de Psicologia ocorrido em Medellín – Colômbia nos dias 26 e 27 de Junho deste ano.

Essas reuniões com uma média de 23 pesquisadores(as), sendo que onze pertencentes a seis grupos consolidados de pesquisa em Psicologia Política. Esse grupo representou a dezesseis Universidades distintas localizadas na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Outros dezesseis pesquisadores da Costa Rica, Espanha e Portugal, bem como da Argentina, Brasil e México que não puderam comparecer enviaram previamente seu apoio e considerações para serem compartilhadas durante as reuniões, o que fortaleceu ainda mais o encontro. Isso possibilitou que nele se decidisse: 1º Fundar a Rede e a Associação Ibero-Latinoamericana de Psicologia Política – AILAPP; 2º Mapear os grupos e Pesquisadores do campo com vistas a fortalecer o mesmo e integrar seus agentes; 3º Fortalecer as Revistas de Psicologia Política Brasileira, Argentina e Espanhola, fazendo delas os veículos oficiais da nova entidade; e 4º Realizar em Córdoba – Argentina – entre os dias 3 e 4 de novembro deste ano, a I Reunião da AILAPP.

Para comandar os trabalhos fundacionais da AILAPP elegeu-se provisoriamente, na Condição de Secretária-Geral Pro-Tempore, a Prof.ª Dr.ª Silvina Alejandra Brussino da Universidade Nacional de Córdoba – Argentina, e líder do Grupo de Psicologia Política daquela instituição. Além do intercâmbio de informações e desta pauta inicial, agendamos uma nova reunião no Brasil durante o VI Simpósio Brasileiro de Psicologia para darmos continuidade aos processos de constituição da AILAPP.

A fundação dessa nova entidade, passados 110 anos das obras do francês Emile Boutmy (1901, 1902), 105 do galego Eloi Luiz André, 103 do brasileiro Victor de Britto ou os 101 anos do clássico livro de Gustave Le Bon, traz uma força renovada a um campo que tem enfrentado muita resistência no universo das ciências estabelecidas. Como é sabido, a Psicologia Política constituiu-se fora dos muros da universidade e só muito recentemente começou a abrir espaço dentro do meio universitário com a fundação da ISPP. Entretanto, parece-nos que a fundação da AILAPP vem trazer à luz outro jeito de fazer Psicologia Política, onde o campo se constitui interdisciplinarmente, e no qual o encontro de saberes disciplinares possibilita a produção de novos olhares, de novas formas compreensivas dos fenômenos coletivos. Essa tem sido a história não só da Psicologia Política brasileira, mas de toda a produção Latinoamericana. Nesse campo, encontram-se filósofos, historiadores, cientistas políticos, sociólogos e antropólogos, comunicadores e psicólogos. Juntos, estes e outros profissionais têm se esforçado por construir a Psicologia Política a partir de distintos e variados diálogos interdisciplinares. E disso a Revista Psicologia Política tem sido testemunha em seus dez anos de existência.

Esse relato é importante, porque, juntamente com a Revista Eletrônica de Psicologia Política editada pelo Prof. Dr. Elio Rodolfo Parisí – UNSL – Argentina, decidiu-se que um fascículo de cada Revista será coeditado pela AILAPP, sendo eles um número para a AILAPP e, para nós, fascículos correntes de nossos periódicos. Esse trabalho começa nesse ano e deverá frutificar em 2012 quando, no caso da RPP, passaremos a ser uma revista quadrimestral. Para esses fascículos teremos um conselho de editores e um editor convidado, sendo que os mesmos se caracterizarão por serem temáticos e representativos da Região. O primeiro fascículo a sair pela RPP está sendo coordenado pelo Prof. Dr. Agustín Espinoza Pezzia – PUC Perú – e pelo Prof. Dr. Alessandro Soares da Silva – USP.

Mas enquanto aguardamos essa mudança bastante bem-vinda em nossa RPP, aproveitemos esse primeiro fascículo da Revista Psicologia Política em 2011. No fascículo 21 da RPP temos um excelente exemplo deste encontro de saberes interdisciplinares. Os três primeiros artigos nos brindam reflexões acerca de temáticas psicopolíticas clássicas no campo dos processos políticos. Esses três textos são da lavra, como se verá, de pesquisadores que estão atualmente vinculados de modo mais estreito à área da Administração. Isso é bastante significativo, pois é nessa área que temos observado um crescente interesse pela abordagem psicopolítica dos fenômenos políticos com os quais o campo tem um envolvimento mais significativo. Um exemplo disso é a recém-criada disciplina de Psicologia Política no mestrado de Administração da Universidade Federal do Espírito Santo – Brasil.

O artigo de autoria de Letícia Dias Fantinel, doutoranda em Administração pela Universidade Federal da Bahia – Brasil nos oferece uma análise de alguns aspectos considerados importantes para que reflitamos sobre um tema clássico em Psicologia Política: a cultura política. Ao fazê-lo no manuscrito Algumas Questões para se Pensar Cultura Política no Brasil, ela centra sua análise a partir de matrizes sócio-históricas da sociedade brasileira e apontando para uma agenda de pesquisa que privilegia o diálogo da Ciência Política com a Antropologia.

Já o artigo da lavra de Milton Cordeiro Farias Filho, cientista social de graduação e professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Pará – Brasil – trata de outro tema caro aos primeiros estudiosos da Psicologia Política: as elites. Seu artigo Mapeamento de Elites Políticas em Regiões Amazônicas parte das teorias de elites, usando os autores clássicos e contemporâneos, desenvolvendo contornos teóricometodológicos para a identificação de grupos políticos no estado do Pará e constrói uma caracterização destas elites regionais e de suas dinâmicas.

O artigo Ascensão e Queda do Novo "Oásis Catalão" (1980-2010): uma Perspectiva Institucional da Organização Política da Catalunha é um manuscrito produzido pelo jornalista Juan Miguel Rosa González, mestrando em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Brasil, e por Miguel Eduardo Moreno Añez, Coordenador do programa de pós-Graduação em Administração Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Brasil. Em seu texto, os autores analisam, a partir do neoinstitucionalismo, aspectos centrais do cenário político e social da Catalunha – Espanha, desde 1980 até a atualidade. Esse período histórico é de particular importância por iniciar no momento da redemocratização do país após a ditadura franquista. Nesse momento iniciam as condições de produção de novas identidades e de novas instituições políticas de autogoverno. Nesse contexto, se faz atual e interessante a análise dos processos pelos quais se produziu na Catalunha a institucionalização de crenças, normas sociais e modelos de atuação política que permitiram a solidificação de um catalanismo.

A psicanalista Márcia Arán, professora do Instituo de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Brasil, traz uma importante contribuição para um tema que, felizmente, tem sido objeto recorrente na Psicologia Política contemporânea: a produção política da sexualidade humana. Em Políticas do Desejo na Atualidade: a psicanálise e a homoparentalidade, a autora nos brinda com um debate, não apenas atual, mas de suma importância para a consolidação dos direitos humanos de minorias. Ao fazer uma reflexão acerca do tema da homoparentalidade, e, por conseguinte da família, a autora analisa em que medida alguns argumentos psicanalíticos acabam por reinstaurar a heteronormatividade obrigatória. Para isso, ela discute o modo como noções tais como "diferença de sexos" e "dupla referência identitária" instrumentam essa visão heteronormativa da sexualidade humana. Ao pautar essa discussão, Marcia Arán abre espaço para o reconhecimento de outras formas de vida familiar, bem como para outras possibilidades de simbolização da parentalidade na psicanálise, possibilitando a emergência de um modelo psicanalítico que não aprisiona as relações sociais em determinismos sociais, mas que permite ao campo da psicanálise reinventar uma nova concepção da diferença.

Formando um bloco com o texto anterior temos o artigo da psicóloga Elizabete Franco Cruz, professora do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Universidade de São Paulo – Brasil, Banheiros, Travestis, Relações de Gênero e Diferenças no Cotidiano da Escola. Partindo de um olhar pós-estruturalista a autora nos coloca uma questão nada trivial: Em qual banheiro uma travesti deve "fazer xixi" na escola? No banheiro dos meninos? No banheiro das meninas? Não são triviais exatamente porque a diferença é sempre posta como algo que distancia o sujeito de outro que lhe põe de manifesto aos perigos que lhe são revelados pelos preconceitos. Falar de Transgêneros é, não poucas vezes, falar de sujeitos estranhos, fora dos padrões de normalidade esperada, obrigatória; é romper com expectativas sociais dadas para sujeitos que têm papéis previamente atribuídos segundo a sua categoria de sexo. Mas a condição das pessoas transgênero põem em xeque essas atribuições sociais construídas em uma sociedade patriarcal e heteronormativa. Em um tempo em que se busca transformar a realidade de preconceitos, onde o bullying é habitual em muitas escolas, pensar o que nos propõe a autora é fundamental, pois ela é uma questão real no cotidiano das escolas e relatada por diretores(as) da rede estadual de ensino de São Paulo. Entrelaçando relatos, elementos do filme Transamérica, reflexões sobre relações de gênero e aspectos do pensamento foucaultiano ela procura desconstruir as lógicas binárias que dão sustentação aos preconceitos e estereótipos que sustentam e garantem a hegemonia de fazeres e saberes que dão sentido a lógica da dominação masculina e heteronormativa. Seu texto é um convite a mudança social no campo das relações de gênero no interior, não só da escola, mas de toda a sociedade.

Dando continuidade a discussão iniciada nos dois textos que formam esse segundo bloco temos o manuscrito Corpo, Gênero e Identidade em Madame Satã da autoria de Rebeca Bussinger, doutoranda do Programa de Psicologia Social da Universidade Federal do Espírito Santo – Brasil. A autora propõe articular as noções de corpo, gênero e linguagem a partir da análise documental do filme Madame Satã. Ao enfocar o personagem principal do filme, ela analisa o processo de metamorfose da identidade de João Francisco a Madame Satã, a partir da análise de discurso mediante a codificação e transcrição das cenas do filme. Essa metamorfose identitária é estudada por meio das categorias macho, musa, travesti e marginal, para, então, observar como corpos e discursos se conectam, produzindo identidades que rompem com a matriz heteronormativa obrigatória.

Um terceiro bloco temático neste fascículo 21 trata da questão da infância, adolescência e da juventude. Abre esse bloco o artigo A Inconstância dos Laços Afetivos na Vida das Crianças e Adolescentes Abrigados, uma leitura psicanalítica de Sônia Altoé, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, da Especialização em Psicologia Política, do departamento de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Brasil, de Magali Silva, doutoranda em psicanálise pela mesma instituição, e de Bruna Soares Pinheiro, mestranda em psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, também na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Brasil. No artigo, as autoras propõem uma reflexão sobre as práticas institucionais de abrigos, no que concerne às múltiplas transferências pelas quais passam as crianças e adolescentes, a partir da noção de psicanalítica de desamparo. Por meio de casos selecionados, elas exemplificam e analisam a especificidade destes sujeitos e seus desafios jurídicos e operacionais, assim como os nexos existentes entre a situação de vulnerabilidade social em que esses sujeitos se encontram, a produção de relações afetivas instáveis, de referências familiares frágeis e o desamparo fundamental constitutivo do ser humano.

Da Medida Protetiva à Socioeducativa: o registro da (des)proteção é o manuscrito proposto por Olga Maria Pimentel Jacobina, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília – Brasil, e de Liana Fortunato Costa, docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília – Brasil, que dá continuidade ao debate iniciado nesse terceiro bloco. O texto trata da aplicação de medida socioeducativa para adolescentes em situação de vulnerabilidade, de como adolescentes, familiares e instituições envolvidas ressignificam a medida de proteção e a medida socioeducativa de liberdade assistida. As autoras consideram que há uma sistemática desarticulação do sistema de garantias de direitos que atende aos adolescentes que recebeu ambas medidas, o que gera graves implicações relativas à violação de direitos desses sujeitos, bem como para superação do contexto que os levou à prática do ato infracional. A leitura do texto também nos alerta para o fato de que as medidas protetivas recebem uma fiscalização episódica e isolada, levando o adolescente a uma condição de maior vulnerabilidade social.

Em O Adolescente, Tráfico de Drogas e Função Paterna, Nelson Pedro Silva, docente da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – Brasil, e Renata Cristina Graner-Araújo, mestre em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – Brasil, pautam um tema de difícil trato no campo da adolescência. Como apontam no texto, o envolvimento de adolescentes como trabalhadores no tráfico de drogas ilícitas têm aumentado nas últimas décadas, tornando muitos adolescentes vítimas e autores de ações violentas relacionadas ao tráfico. Na tentativa de entender essas trajetórias de vida, buscou-se no manuscrito verificar se esses adolescentes tiveram ao longo de suas histórias, referências de autoridade que os influenciassem na hora de entrar no mundo das drogas. A partir da perspectiva da psicanálise extramuros observam que, para eles, tal atividade é um dos caminhos possíveis em nossa sociedade para conquistarem reconhecimento social e sentimento de pertença ao mundo adulto e à sociedade de consumidores. Nesse quadro, a função paterna parece ser um elemento fundamental para a compreensão das relações entre drogas e adolescência a partir da psicanálise.

The Consumer Capitalist Society and Its Effects on Identity: a macro cultural approach é o artigo proposto pelo psicólogo e filósofo Moises Esteban Guitart, professor do departamento de Psicologia da Universitat de Girona – Espanha. Nesse texto, o autor propõe como necessário que identifiquemos os fatores macroculturais para uma melhor compreensão dos fenômenos psicopolíticos relativos aos modos de vida e às identidades que o capitalismo atual produz. Para ele, é mister estudar porque o capitalismo de consumo pode estimular um estilo de vida individualista, a concorrência, a propriedade privada, a instabilidade e o culto do aparente ou superficial, acentuando traços de personalidade que poderiam estar relacionados com o atual aumento de transtornos mentais como ansiedade, estresse e depressão.

De certa forma, esse texto retoma diversos elementos que estão presentes no conjunto dos manuscritos deste fascículo, seja de um modo mais ou menos visível, pois todos tratam de realidades próprias de uma sociedade patriarcal, machista e consolidada no âmbito do capitalismo que pouco ou nada tem contribuído para o reconhecimento de direitos e para a produção de um mundo onde os diferentes não sejam sinônimo de aberração, de estranho ou mesmo de algo do qual se necessita preconceituosamente marcar distância via a distinção deste outro perigoso para quem é normal, que condiz com os papéis previamente conformados a ditas categorias de sexo, idade, raça e orientação sexual.

Fechando o fascículo, temos a resenha do Livro Memória Política, Ditadura e Repressão no Brasil, Editora Juruá, 2008. Ela é da lavra das Psicólogas Elvira Hernandez-Riba, Universidade de Costa Rica – Costa Rica, e Semíramis Chicareli, Universidade Nove de Julho – Brasil. As autoras da resenha, recordam a relevância do tema para as ciências Sociais, mas destacam como esse tema tem sido significativo para a Psicologia Política e pode constituir um elemento destacado nos estudos psicopolíticos latino-americanos.

Ao olharmos para o resultado deste número 21, do volume 11 da Revista Psicologia Política, entendemos que, felizmente, ele é uma pequena grande contribuição de acadêmicos que pautam de modo crítico temas da realidade e contribuem para a consolidação da Psicologia Política Ibero-Latino-Americana.

Esperamos encontrar a todos no VI Simpósio Brasileiro de Psicologia Política a realizar-se em São Paulo ou no encontro de Córdoba – Argentina a ocorrer nos dias 02 a 04 de novembro de 2011. Enquanto isso, desejamos a todas e a todos uma excelente leitura!

 

 

* Editor.
** Editor.