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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.14 no.31 São Paulo dez. 2014

 

EDITORIAL

 

Psicologia Política: um olhar crítico sobre a realidade

 

Political Psychology: a critical look at the reality

 

Psicología Política: una mirada crítica hacia la realidad

 

Psychologie Politique: un regard critique sur la réalité

 

 

Alessandro Soares da Silva

Editor ABPP. USP - Brasil

 

Para finalizarmos este volume 14 da RPP desejamos trazer em seu fascículo 31 alguns textos que nos permitem recordar o potencial crítico da Psicologia Política. Com ela nasce um campo de saber que pode convergir diferentes modos de observar e lidar com as complexas questões com que a sociedade hodierna se defronta. Seu caráter interdisciplinar aproxima perspectivas de estudar e de entender o mundo que em uma perspectiva disciplinar encontram-se divididos, fracionados e fazem com que o mundo seja visto com um olhar distorcido.

Se, por um lado, a perspectiva da interdisciplinaridade ainda significa um amplo esforço de aprendizagem social, de compreensão de como essas distintas formas de entender a realidade podem compor um olhar mais acurado da realidade, por outro, tal potencialidade pode sim significar uma fragilidade, mas que deve ser enfrentada por sua comunidade de saber. E para fazê-lo ainda é necessário que se encontre o caminho para que a psicologia política não se converta em um novo campo que se fecha em fronteiras de modo a converter-se em mais uma disciplina a fatiar o conhecimento social.

Bem se sabe que, para muitos, ela é uma disciplina que disputa por espaço e reconhecimento na cena científica. Contudo, preferimos pensá-la como esse campo que privilegia o encontro e o diálogo e que se constrói em uma zona de fronteiras. Desses encontros, ela pode produzir um olhar crítico que permita ao amplo campo de estudos sociais entender os dilemas que afligem a humanidade.

Desde que esse periódico foi concebido em 2000 a partir dos trabalhos do I Simpósio Nacional de Psicologia Política, evento organizado por um grupo que pesquisadorxs liderados por Salvador Sandoval (PUCSP) e que desejava ver esse campo fortalecer-se até o presente fascículo que ora publicamos pudemos testemunhar o impressionante avanço e amadurecimento da Psicologia Política Brasileira. São diversos os grupos de pesquisa que nasceram desde que a revista e a ABPP surgiram. Além dos grupos pioneiros da PUCSP e da UFPb liderados respectivamente por Salvador Sandoval e Leôncio Camino surgiram grupos de relevância na UFMG, USP, UERGS e UFG para citar alguns. Indubitavelmente há muito mais para crescer.

Crescer significa ampliar o ensino da Psicologia Política no Brasil tanto na graduação como na Pós-Graduação, fortalecer os grupos nascentes e ampliar os espaços de encontros para o estudo e reflexão que permita fazer deste campo de saber uma alternativa plural e crítica, que se mantêm aberto a novas formas de análise dos fenômenos sociais e comprometida com fazeres capazes de promover a mudança social por meio de ações que impulsionem a tomada de consciência política geradora de emancipação e autonomização do sujeito.

Os trabalhos aqui publicados têm sido uma mostra deste compromisso e da vitalidade do campo psicopolítico.

Na qualidade de editor da Revista Psicologia Política gostaria de anunciar com o marco importante deste processo a posse da nova diretoria da ABPP. Ela é composta de pesquisadorxs que são de uma nova geração e mostra o vigor deste campo no Brasil. A partir de Agosto de 2014 assumem a função de conduzir a comunidade de pesquisadores e pesquisadoras, de profissionais e estudantes da Psicologia Política uma diretoria liderada pelo Prof. Dr. Fernando Lacerda Jr. - UFG (Presidente) e Aline Calvo Reis Hernandez - UERGS (Secretária Geral).

Um sinal desse crescimento é o fato de a direção da associação haver se deslocado da região sudeste brasileira para as regiões Centro-Oeste e Sul, o que pode potencializar o crescimento da produção de saberes para outras regiões do Brasil e desconcentrar a produção resultante dos grupos do Sudeste. Além disso, é um fato relevante a decisão de se realizar o IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política na UFRN, importante instituição de ensino do Nordeste brasileiro.

E, em breve, também serei relevado em minha função de editor da revista. E é com gosto que adianto esse anúncio, pois essa mudança trará bons ares a essa revista que tem sido o canal de diálogo para quem investiga o campo psicopolítico no Brasil e em muitas partes do mundo. Desejo toda a força e lucidez a quem se dispôs a dar continuidade ao trabalho de Salvador Sandoval (Presidente) e Cornelis Johannes van Stralen (Secretário Geral). O Esforço de sujeitos comprometidos com o desenvolvimento do campo assumindo a dianteira das ações formativas, táticas e políticas é um motivo de alegria e satisfação.

Também nos alegra a configuração deste número com o qual fechamos o ano de 2014. Nele podemos ver presente a ideia de compromisso social presente no pensamento de Martín-Baró, assassinado faz 25 anos como já recordamos no editorial da RPP 29. Para abrir esse número temos um artigo que analisa a produção em Psicologia Política realizada na Universidade Nacional de San Luís, Argentina, e que teve início com os trabalhos de Ángel Rodriguez Kauth.

Este manuscrito da lavra de Elio Rodolfo Parisí, Adrián Manzi e Marina Cuello Pagnone (UNSL - Argentina) intitula-se La Psicología Política de la Universidad Nacional de San Luis - Argentina e nos recorda que a Psicologia Política reflexiona sobre as pessoas e a subjetividade, recuperando a condição humana. Para tal é mister que se faça esse exercício a partir de mediações históricas. Disso resulta uma Psicologia Política altamente comprometida com a transformação social e que exige de quem queira ser psicólogo político um olhar que vá mais além das contradições e antagonismos que fragmentam a realidade.

O segundo artigo deste número da revista chama-se A Identidade Nacional Brasileira em Teses e Dissertações: uma revisão bibliográfica e é autorado por Cecília Baruki da Costa Marques e Eliane Domingues (UEM - Brasil). Nele, as autoras fazem uma revisão da literatura que trata a constituição da brasilidade a partir de um olhar psicológico. Ao fazerem um filtro do material as autoras encontram apenas oito trabalhos vinculados a programas de programas de pós-graduação em Psicologia. Para além das conclusões deste trabalho, ele revela como esse tema recebe pouca atenção na Psicologia Brasileira, visto ser ele bastante recorrente em países hispanos ou de origem anglo-saxã.

Em Memória e esquecimento: pacto denegativo e contrato narcísico guerrilheiro Domênico Uhng Hur (UFG - Brasil) trata de um tema que pode ajudar a pensar a questão identitária, pois foca-se em um momento importante da história recente nacional. Contudo seu foco é outro: "discutir os conflitos da memória sobre o período da ditadura militar a partir da construção da figura de traidor da Revolução sobre o ex-guerrilheiro Celso Lungaretti". Ao fazê-lo, Hur mostra a memória com o um campo de disputa de sentidos, com um encontro entre passado e as expectativas de futuro que se tinha e que são ressignificadas no presente. Nesse embate ficam claros os elementos que legitimam ou deslegitimam leituras distintas dos acontecimentos de outrora.

Vinícius Furlan e Telma de Paula Souza (UNIMEP - Brasil) discutem no quarto artigo deste fascículo 31 alguns aspectos das políticas públicas na perspectiva psicopolítica. Em Família, acolhimento institucional e políticas públicas: um estudo de caso Furlan e Souza abordam elementos da relação das políticas sociais dirigidas às famílias que têm crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. Em seu trabalho é visível a relevância da situação de pobreza, pois ela se traduz como uma marca a realidade destas famílias que convivem com a violação de direitos humanos por várias gerações e por falta de políticas públicas que sejam humanas o suficientes para reconhecer o sujeito que elas pretendem atender.

O quinto artigo intitula-se De Figurantes a Atores: o coletivo na luta das famílias dos autistas e foi produzido em parceria por Márcia F. Lombo Machado e Soraia Ansara (USP/Estácio de Sá - Brasil). Em certa medida ele faz uma ponte entre algumas das discussões feitas pelos dois textos que lhe precedem, pois trata da formação de identidades coletivas centrando-se nas famílias de pessoas com autismo, bem como nas múltiplas memórias que elas divididas. Memória e identidade se materializam em processos de luta e reconhecimento social de um conjunto de direitos negados e que emergem na vida dessas pessoas a partir do instante em que o autismo muda o cotidiano e a realidade de pessoas que também não se apercebiam das dificuldades e sofrimentos de uma parcela da população que necessita um tratamento igual na diferença. Para desenvolver esse debate as autoras lançam mão das contribuições de Martin-Baró e contribuem para a visibilização de um tema para o qual ainda não há uma produção significativa no âmbito das ciências sociais.

Luciene Jimenez (UNIAN - Brasil) discute em Você já tá manjado: a saúde de adolescentes em conflito com a lei as condições de saúde de 153 adolescentes em acompanhamento de medida socioeducativa em meio aberto na cidade de São Paulo. Para esse artigo, o sexto do fascículo, a autora pautou-se nos estudos de gênero e de masculinidades e pôde identificar expressões de violência que impactam diferentemente os gêneros. Tal abordagem contribui para o aprofundamento de uma psicologia política das relações de gênero, por um lado, e, por outro para um debate sobre as relações de poder que atravessam a vida de adolescentes que são correntemente tutelados de modo a dificultar um processo de autonomização e de produção de uma consciência política emancipadora. Mais uma vez fica patente a urgência de políticas públicas capazes de transformar a vida humana.

Podemos observar um continuum do debate quando o tema que segue é a velhice e o processo de envelhecer. No sétimo artigo deste fascículo, quem compartilha conosco sua visão é Adriana Rodrigues Domingues (Mackenzie - Brasil). Em O Envelhecimento, a Experiência Narrativa e a História Oral: um encontro e algumas experiências a autora lança um olhar sobre o lugar da velhice na atualidade e sobre um conjunto de elementos que são marcadamente ideologizados. As promessas de um envelhecimento bem-sucedido conduzem para uma nova forma de tutelar essa fase da vida. Por meio da História Oral a autora busca preservar as perspectivas de suas testemunhas, procura garantir que o olhar que esses sujeitos tem de si, do passado e do presente e sejam recordados e permitam que novas gerações sejam capazes de fazer a crítica e pensar outras formas de se relacionar com esse período da vida.

Desejamos fechar esse fascículo 31, relativo ao quadrimestre setembro-dezembro de 2014, recordando que no mês de novembro Ignácio Martín-Baró completaria 72 anos de idade. No entanto o que celebramos é o 25º aniversário de seu impiedoso assassinato por um batalhão de elite do exército salvadorenho. Neste ano reverenciamos sua memória publicando um segundo dossiê no qual temos um texto sobre suas contribuições e dois textos inéditos que nos ajudam a pensar como sua proposta política nos permite ver criticamente o mundo no qual vivemos.

Em A Contribuição de Martín-Baró para o Estudo da Violência: uma apresentação Karina Oliveira Martins e Fernando Lacerda Jr. (UFG - Brasil) refletem sobre a temática da violência na obra de Martín-Baró. Esta questão é uma importante problemática da Psicologia Política e o olhar de Ignácio Martín-Baró sobre a violência ainda são desconhecidos de uma imensa parcela de psicólogos políticos brasileiros e latino-americanos e este texto abre uma oportunidade para quem deseja conhecer mais e de modo sistemático o pensamento deste psicólogo político salvadorenho sobre a violência.

Os dois textos que seguem são publicados em inglês e que foram traduzidos por Fernando Lacerda Jr. (UFG - Brasil). O primeiro foi publicado em 1984 e se chama Processos Psíquicos e Poder. Martín-Baró recorda-nos que em um país como El Salvador era quase um lugar comum falar de "guerra psicológica" o fim desta é a conquista de "corações e mentes" do inimigo e de seus simpatizantes. Para o autor "A guerra psicológica é um ramo da psicologia política".

O segundo texto aqui traduzido chama-se Psicologia Política do Trabalho na América Latina e foi publicado em 1989 em El Salvador e derivou de uma Conferência que Martín-Baró fez no I Encontro Nacional de Psicologia do Trabalho organizado pelo Conselho Federal de Psicologia em Porto Alegre em 1988. No texto, o autor trata da imagem do latino indolente como uma adequação do indígena preguiçoso presente em relatos coloniais. Essa visão estereotipada e internacionalizada serve como base da dominação-exploração, serve para justificar o domínio opressor de um povo sobre outro ou de uma elite sobre as maiorias populares. Nesse contexto teórico o autor analisa as tensões que se geram a partir de uma ética protestante norte-americana e uma ética católica latino-americana. Nesse quadro, se produz uma psicologia política do trabalho pautada em perspectivas antagônicas de poder.

O ano de 2014 marca a Psicologia Política de maneira particular. Há acontecimentos que nos fazem ver com mais ânimo o desenvolvimento do campo. A renovação da diretoria, a retomada de leituras de Martín-Baró como um autor relevante para o pensar e o fazer psicopolítico e a qualidade das revistas produzidas nesse ano são sinais que se refletem na qualidade de nosso simpósio e no crescimento do campo. Em 2014 avaliamos, com a ajuda de 65 pareceristas, 76 textos e publicamos 30 manuscritos e 3 resenhas. Agradecemos a todxs xs autorxs e avaliadorxs que contribuíram para esse volume de 2014 da nossa RPP.

Desejamos a todxs que nos leem um momento frutífero de reflexão e de trabalho. Esperamos também que o vosso contato com nossa revista lhes animem a enviar colaborações para serem avaliadas em nosso processo editorial.

Boa leitura a todos!

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