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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.19 no.45 São Paulo maio/ago. 2019
ARTIGOS
"Uma aula assim muito forte": aprendizagem, escola e ritual em tempos de ocupação
"A lesson so very strong": learning, school and ritual in times of occupation
"Una clase tan fuerte": aprendizaje, escuela y ritual entiempos de ocupación
"Un cours, comme ça, tellement fort": apprentissage, école et rituel en période d'occupation
Isabel Cristina de Moura CarvalhoI; Chantal MedaetsII; Nadège MeziéIII
IProfessora da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP; isacrismoura@gmail.com
IIPós-doutoranda na Universidade Estadual de Campinas; chantal@uol.com.br
IIIPós-doutoranda na Universidade Estadual de Campinas; nadege.mezie@wanadoo.fr
RESUMO
Este artigo parte de um conceito de aprendizagem como imersão significativa em uma experiência vivida, tendo como referência empírica o movimento secundarista de ocupação das escolas públicas de ensino médio no Brasil, particularmente a ocupação das escolas em Porto Alegre, RS. A ocupação das escolas é analisada como movimento social que marca a iniciação na política para muitos dos jovens que se engajaram nele. São evocados os conceitos de estrutura, antiestrutura, communitas e liminaridade, de Victor Turner (1974), para dar conta da intensidade desta experiência que, do nosso ponto de vista, guarda analogia com um rito de passagem para a militância e a autonomia relacionadas à cidadania e a vida adulta. Em diálogo com um conjunto de autores que operam com a noção de aprendizagem como ontogênese, formação da pessoa, continuidade e engajamento com a vida prática e comunitária, nos interessa tematizar a aprendizagem desde as experiências vividas pelos jovens. As aprendizagens aqui serão identificadas como os processos de autocompreensão e compreensão contextual do mundo, desde a participação direta no grupo de colegas, no movimento social de ocupação e no espaço da escola ocupada. Diante da polarização entre a experiência de communitas da escola ocupada e a escola "normal ", discutimos os diferentes regimes de aprendizagem no âmbito dos processos educativos engendrados tanto pelo sistema formal de ensino e quanto pelas experiências de participação em movimentos sociais, como foi o caso da ocupação.
Palavras chave: escolas ocupadas, movimentos estudantis, aprendizagem, communitas
ABSTRACT
This article is based on a concept of learning as a significant immersion in a lived experience, having as empirical reference the secondary movement of occupation of public high schools in Brazil, particularly the occupation of schools in Porto Alegre, RS. The occupation of schools is analyzed as a social movement that promoted the initiation into politics for many of the young people who engaged in it. Victor Turner's (1974) concepts of structure, antistructure, communitas, and liminality are evoked to account for the intensity of this experience which, from our point of view, bears analogy with a rite of passage to militancy and autonomy related to citizenship and adult life. In dialogue with a group of authors who work with the notion of learning as ontogenesis, formation of the person, continuity and engagement with practical and community life, we are interested in learning from the experiences of young people. The learning here will be identified as the processes of self-understanding and contextual understanding of the world, from the direct participation in the group of colleagues, in the social movement of occupation and in the space of the occupied school. In the face of the polarization between the communitas experience of the occupied school and the "normal" school, we discuss the different learning regimes within the educational processes engendered by both the formal education system and the experiences of participation in social movements, case of occupation.
Keywords: occupied schools, student movements, learning, communitas
RESUMEN
Este artículo parte de un concepto de aprendizaje como inmersión significativa en una experiencia vivida, teniendo como referencia empírica el movimiento secundario de ocupación de las escuelas públicas en Brasil, particularmente la ocupación de las escuelas en Porto Alegre, RS. La ocupación de las escuelas es analizada como movimiento social que promovió la iniciación en la política para muchos de los jóvenes que se comprometieron en él. Se evocan los conceptos de estructura, antiestructura, communitas y liminaridad, de Victor Turner (1974), para dar cuenta de la intensidad de esta experiência que, desde nuestro punto de vista, guarda analogía con un rito de paso hacia la militancia y la autonomía relacionadas la ciudadanía y la vida adulta. En diálogo con un conjunto de autores que operan con la noción de aprendizaje como la ontogénesis, la formación de la persona, la continuidad y el compromiso con la vida práctica y comunitaria, nos interesa tomar el aprendizaje desde las experiencias vividas por los jóvenes. Los aprendizajes aquí serán identificados como los procesos de auto comprensión y comprensión contextual del mundo, desde la participación directa en el grupo de colegas, en el movimiento social de ocupación y en el espacio de la escuela ocupada. Ante la diferencia entre la experiencia de communitas de la escuela ocupada y la escuela "normal", discutimos los diferentes regímenes de aprendizaje en el ámbito de los procesos educativos engendrados tanto por el sistema formal de ensenanza y por las experiencias de participación en movimientos sociales, como fue el caso de la ocupación
Palabras-clave: escuelas ocupadas, movimientos estudiantiles, aprendizaje, communitas
RÉSUMÉ
Cet article est basé sur le concept d'apprentissage en tant qu'immersion significative dans une expérience vécue et a pour référence empirique le mouvement lycéen d 'occupation de lycées publics au Brésil, em particulier à Porto Alegre, RS. L 'occupation des lycées est analysée comme un mouvement social qui témoigne del 'initiation politique de nombreux jeunes qui s 'y sont engagés. Les concepts de structure, d'antistructure, de communitas et de liminalité de Victor Turner (1974) sont mobilisés pour rendre compte de l'intensité de cette expérience qui, de notre point de vue, présente une analogie avec un rite de passage: entrée dans le militantisme et accès à l'autonomie de la citoyenneté et de la vie adulte. En dialoguant avec des auteurs produisant des travaux sur la notion d 'apprentissage en tant qu 'ontogenèse, formation de la personne, continuité et engagement dans la vie pratique et communautaire, nous nous intéressons à la question de l'apprentissage à partir des expériences vécues par les jeunes. Les apprentissages seront ici considérés comme des processus de compréhension de soi et de compréhension contextuelle du monde, issus de la participation directe au sein du groupe de collègues, du mouvement social de l'occupation et de l'espace du lycée occupé. A partir de l'opposition entre l'expérience communitas de l'école occupée et de l'école "normale", nous discutons des différents régimes d'apprentissage au sein des processus éducatifs engendrés à la fois par le système éducatif formel et les expériences de participation aux mouvements sociaux, en l 'occurrence le mouvement d 'occupation de lycées.
Mots-clés: Écoles occupées, mouvements d'étudiants, apprentissage, communitas
Introdução
Este artigo aciona um conceito de aprendizagem como imersão significativa em uma experiência vivida, tendo como referência empírica o movimento secundarista de ocupação das escolas públicas de ensino médio no Brasil, particularmente a ocupação das escolas em Porto Alegre, RS. A ocupação das escolas é analisada como movimento social que marca a iniciação na política para muitos dos jovens que se engajaram nele. São evocados os conceitos de estrutura, antiestrutura, communitas e liminaridade, de Victor Turner (1974), para dar conta da intensidade desta experiência que, do nosso ponto de vista, guarda analogia com um rito de passagem para a militância e a autonomia relacionadas à cidadania e a vida adulta. Em diálogo com um conjunto de autores que operam com a noção de aprendizagem como ontogênese, formação da pessoa, e continuidade/ engajamento com a vida prática e comunitária, nos interessa tematizar a aprendizagem desde as experiências vividas pelos jovens. As aprendizagens aqui serão identificadas como os processos de autocompreensão e compreensão contextual do mundo, desde a participação direta no grupo de colegas, no movimento social de ocupação e no espaço da escola ocupada. Diante da polarização entre a experiência de communitas da escola ocupada e a escola "normal", discutimos os diferentes regimes de aprendizagem no âmbito dos processos educativos engendrados tanto pelo sistema formal de ensino e quanto pelas as experiências de participação em movimentos sociais, como foi o caso da ocupação.
"A gente quer aprender o máximo"
Entre 11 de maio e 21 de junho de 2016, aproximadamente 150 escolas estaduais do Rio Grande do Sul1, a maioria situada na capital, foram ocupadas por estudantes secundaristas em protesto contra as más condições de ensino. A ocupação também foi uma resposta de apoio a uma greve de professores. Além de apoiar as reivindicações dos professores, os estudantes de Porto Alegre reivindicavam o repasse de verbas estaduais atrasadas (que deveriam garantir a manutenção dos prédios escolares) e a suspensão da tramitação na assembleia legislativa estadual do Projeto de Lei número 44 - PL 44 (projeto que permitia a ampliação da participação da iniciativa privada em serviços públicos).2
As ocupações secundaristas nas escolas públicas de São Paulo precederam o movimento no Rio Grande do Sul e se tornaram referência para vários outros estados no Brasil. Os protestos estudantis paulistas se concentraram em dois momentos: em novembro de 2015 e outubro de 2016. O movimento paulista se inspirou no manual Como ocupar um colégio?, escrito por secundaristas da Argentina e do Chile em 2012, baseado na experiência chilena de 2006 conhecida como a revolta dos pinguins3. Este documento, bem como outros vídeos e materiais de apoio e orientação, se difundiu pelos diferentes movimentos de ocupação no Brasil, incluindo o Rio Grande do Sul. Desta forma, os documentos de referências, as formas de militância, a estética das manifestações e as estratégias de comunicação tinham muito em comum nas várias ocupações brasileiras.
O movimento em São Paulo, em sua primeira onda de protestos, foi uma reação ao projeto do governo, anunciado em 23 de setembro de 2015 pela Secretaria Estadual de Educação de "reorganização" da rede estadual paulista. A proposta do governo era separar as escolas por ciclos: ensino fundamental I, ensino fundamental II ou ensino médio, e a previsão era o fechamento de 93 escolas para "otimizar" a rede.4
A segunda onda de protestos se iniciou em outubro de 2016 quando o movimento secundarista em São Paulo contestou as seguintes medidas: a Reforma do Ensino Médio através de Medida Provisória (MP 746/2016); o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 55/2016), conhecida como PEC dos gastos públicos, que limita por 20 anos as despesas do governo federal com graves consequências para a educação; e o Projeto de Lei de autoria do senador Magno Malta (PR/ES), que incluía nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (DCN) as ideias do programa Escola Sem Partido.
Vamos nos concentrar na primeira onda dos protestos secundaristas em São Paulo, porque é esta que precede imediatamente o movimento em Porto Alegre e é uma de suas inspirações. Os protestos paulistas de 2015 foram motivados por uma sequência de fatos: em 28 de outubro, o governo estadual divulgou a lista das 93 escolas que seriam fechadas ou, no discurso governamental, "disponibilizadas" para outras atividades de educação. Em 14 de novembro, as escolas ficaram abertas para receber pais e alunos e tirar dúvidas sobre a chamada "reestruturação ou reorganização", no discurso governamental. Em 1° de dezembro, o governo publicou um decreto definindo a transferência de funcionários para outras escolas. A medida afetava diretamente a vida dos estudantes, funcionários e professores da escolas que seriam fechadas, pois estes seriam redistribuídos para as escolas remanescentes que, em geral ficavam em outros bairros de uma cidade de difícil mobilidade como São Paulo. Os estudantes começaram a ocupar as escolas em 09 de novembro, em protesto contra esse programa governamental que os estudantes renomearam de "desestruturação". Em poucos dias, o estado contava com 200 escolas ocupadas, segundo a secretaria de educação e 213, de acordo com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). O movimento ganhou as ruas e a imprensa. Houve repressão policial e detenção de estudantes nas manifestações de rua. Na justiça o governo pediu a reintegração de posse das escolas, mas esta disputa jurídica resultou em vitória dos estudantes, com o direito de permanecer na escola. O apoio da população às ocupações foi crescendo, enquanto caia a popularidade do governador medida pelo Instituto Datafolha. Após 42 dias de intensa mobilização, em 04 de dezembro de 2015, foi suspenso o projeto nomeado pelo governo de "reorganização da rede de ensino" e, em seguida, o secretário da Educação do Estado de São Paulo deixou o cargo.5
No Rio Grande do Sul o movimento se concentrou na capital e chegou a 150 escolas ocupadas, o que mostra, comparativamente, a força das ocupações em Porto Alegre que é uma cidade de 1 milhão e 400 mil habitantes, enquanto São Paulo possui 11 milhões. É preciso destacar que em 2016, não apenas a educação estava em crise. Todo o país viveu, de forma muito polarizada, os acontecimentos que envolveram o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a posse do vice-presidente Michel Temer. A mudança na presidência ocorre em agosto. Em setembro, Temer decreta a Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio. Ao mesmo tempo, as ocupações se espalham por vários estados no Brasil.6
Além de acompanharmos o movimento na cidade de Porto Alegre pela imprensa e pelas redes sociais, as pesquisadoras do Grupo Sobre Naturezas, Chantal Medaets e Nadège Mézié, realizaram uma incursão etnográfica, durante os meses de maio e junho de 2016, em uma escola pública na Zona Norte da cidade, que vamos denominar de Toledo. A ocupação das escolas se organizou em diversas comissões responsáveis por setores estratégicos do dia a dia da ocupação: comida, limpeza, segurança, imprensa e informação. Na Toledo, os alunos que assumiram a comissão de comunicação eram responsáveis por agendar as várias ofertas de oficinas que eles recebiam, pela página do Facebook da ocupação. Como relata um dos estudantes da Toledo: "A gente teve oficina de gênero, de primeiros socorros, sobre o Irã, teve uma sobre racismo (...) Na real, a gente quer aprender o máximo possível!". Outra liderança da mesma escola nos disse: "Isso aqui que a gente está vivendo é uma aula imensa de cidadania, está ligado? Uma aula assim muito forte."
Na Toledo foram realizadas oficinas sobre gênero, racismo, feminismo, primeiros socorros e defesa pessoal. Houve também rodas de conversa sobre filosofia, e sobre movimentos sociais e ocupações como estratégia de luta em outros países. Estas oficinas eram oferecidas por uma diversidade de atores da comunidade interna e externa a escola. Participaram como oficineiros professores e estudantes universitários, estudantes secundaristas do Rio Grande do Sul e de outros estados. Também aconteceram oficinas de matérias regulares como física e química. Ao falar das oficinas, era visível o entusiasmo do líder da Comissão de Comunicação da Toledo: "Cara, toda a educação é bem-vinda aqui dentro. Qualquer coisa nova que a gente vier a aprender, é super bom". As oficinas aconteciam semanalmente e participavam delas os estudantes que aderiram ao movimento. Na Toledo os alunos mobilizados eram aproximadamente 30, dos 675 alunos do ensino médio matriculados na escola. Quando perguntamos sobre a ausência dos demais alunos nas atividades, os estudantes mobilizados se referiram aos colegas que não aderiram ao movimento afirmando que estes estavam mais preocupados com o "certificado e não com o conhecimento" (estudante, 16 anos, 2º. ano do ensino médio).
O que os ocupantes buscavam nas oficinas, não era um saber "certificado" por qualquer instituição, mas experiências que eles consideravam como muito mais interessantes, dadas por pessoas chamadas por eles de "superabertas", que eles mesmos tinham escolhido acolher dentre as diferentes ofertas que receberam. As oficinas tratavam de temas que eles diziam não serem abordados em sala de aula. Uma das declarações registradas em São Paulo revela o mesmo sentimento de aprendizagem percebida como autêntica e intensa: "o que estamos aprendendo agora [no período das ocupações] não se compara com o que aprendemos durante o ano" (Basílio, 2016).
O dia a dia e o espaço escolar na Toledo foi gerido pelos estudantes que se responsabilizaram pela comida, pela limpeza, pela oferta de oficinas e pela comunicação com a comunidade, em reuniões presenciais e nas redes sociais. Diante das más condições dos prédios escolares, em muitas escolas, os estudantes fizeram manutenções, limpeza, pintura, entre outras melhorias. Esta experiência da ação direta, também parece ter sido vivida em outras ocupações. Em São Paulo, numa reportagem sobre as ocupações, uma estudante declarava: "Zeramos a escola. Agora está bem mais limpa. Antes, pra cortar qualquer pedaço de grama precisava passar por uma burocracia enorme. Nós somos ação" (Mekari e Nogueira, 2015). Na Toledo, a aluna que participou na pintura dos banheiros comentou: "as portas estavam cheias daquelas frases nada e ver, frases agredindo os outros... Pintamos tudo de branco. Claro, falta terminar ainda, mas a gente fez alguma coisa pelo colégio, sabe? Não ficou só reclamando." Vários ocupantes relataram sentir a escola como sua, como um dos estudantes da Toledo: "É uma coisa bem legal, porque a gente se sente dentro, não é aquela coisa que tu vem, tem aula e vai embora. Em casa, não suporto limpar o banheiro, mas aqui eu limpei".
Quando os estudantes ocuparam um lugar que lhes era inacessível na vida cotidiana da instituição escolar, pautada por sua submissão ao poder dos adultos e da instituição, em muitas escolas encontraram pilhas de livros nunca abertos, materiais de laboratório em caixas fechadas e até estoques de alimentos, que não eram servidos. Ouvimos, por exemplo, na Toledo, a história de um grupo que encontrou uma grande quantidade de pacotes de filés de frango congelados que, de acordo com os alunos, as responsáveis pela cozinha haviam dito não ter recebido.7
Era visível a intensidade com que a relação com o conhecimento, com espaço físico, com os colegas, com os pais e com a comunidade foi sendo transformada durante o tempo em que os alunos estiveram acampados nas escolas. A escola se converteu em uma nova família, como diziam os estudantes da Toledo. E, ao mesmo tempo, ela se tornou uma arena pública de debates e discussões. As ocupações foram um dos principais acontecimentos da cidade de Porto Alegre nos meses de maio e junho em 2016, objeto de frequentes notícias na mídia oficial e alternativa.
Normalmente e ocupada: communitas e reversão de status na vida escolar
A figura 1, que circulou nas redes sociais, expressa a polarização percebida pelos estudantes entre a escola "ocupada": percebida como alegre, amorosa, unida, sem avaliações, com cultura, lazer, esportes e aulas temáticas (oficinas) e escola "normalmente", associada às palavras: tédio, obrigação, avaliação, opressão. O processo de inversão temporária dos papéis sociais, a intensidade da experiência, a aprendizagem contínua e o caráter extraordinário das ocupações nos faz pensar na noção de liminaridade e communitas de Victor Turner (1974). Uma das características da liminaridade é a inversão entre a norma da estrutura social vigente e a emergência de um estado ou condição de antiestrutura, com as possibilidades que a suspensão da norma traz. A emergência da antiestrutura é o que caracteriza a communitas. Diferente de uma comunidade, em geral associada a um território estabelecido a partir de status sociais diferenciados e regido por regras, a communitas se constitui por uma forte vivência comum igualitária, uma experiência compartilhada, com grande poder de coesão e identidade, que ganha força ritual e performática8. Para Turner, a communitas representa a força dos fracos, pois reúne pessoas ou grupos sociais em geral submetidos às regras e às hierarquias prevalentes, que experimentam, ainda que de modo efêmero, as possibilidade de reversão do status quo. Turner mostra como toda estrutura social coopera para a existência de uma antiestrutura, na medida em que produz sujeitos liminares, transitórios ou não, que se agrupam em communitas. Toda vida social é acompanhada por ritos que concedem direitos de acesso a determinadas esferas de poder ou status. Do mesmo modo que estes ritos constituem a estrutura, outros ritos revelam a antiestrutura. Assim, a relação entre estrutura e antiestrutura traduz uma dinâmica imprescindível à vida social.
A ocupação operou uma suspensão do cotidiano escolar e uma inversão de suas regras. Reverteu, assim, o status de aluno que, no tempo ordinário da escola, está submetido a uma hierarquia dos professores e da direção da instituição e raramente tem acesso às decisões sobre o espaço, a rotina e os métodos de ensino. O estudante das escolas ocupadas passou de aluno a protagonista de um movimento social, porta voz de um outro projeto de escola e de aprendizagem, além de demonstrar como se poderia gerir coletivamente uma escola ocupada. Como nos disse um líder da Toledo: "pelo menos no tempo que a gente tiver aqui, é a gente que decide o que fazer aqui dentro. A gente quer deixar tudo limpo, abrir tudo que a gente conseguir, e deixar entrar pessoas também, tem uma lista de entrada que a gente marca cada um que entra". Por todos estes aspectos, a ocupação reuniu, do nosso ponto de vista, os elementos de uma vivência liminar, uma condição provisória, onde os estudantes protagonizaram elementos da antiestrutura, performando possibilidades do que seria a vida escolar fora dos enquadramentos estabelecidos pela estrutura social hegemônica. As ocupações, operando como communitas, acionaram as esperanças e desejos de uma escola ideal, presentificada no mesmo espaço escolar da escola instituída, que assumia um caráter extraordinário naqueles dias de ocupação. A norma escolar e seus dispositivos de governo da vidados estudantes, funcionários e professores foram suspensos durante a ocupação, dando lugar à imaginação e às aspirações dos jovens secundaristas. A ocupação performava como poderia ser a escola e a experiência educativa numa situação idealizada pelos alunos. Esta condição de estar "perto do coração selvagem"10, isto é, no centro de uma vivência extraordinária, conferiu legitimidade e força ao movimento dos estudantes. Eles estavam na escola vivendo e produzindo de modo exemplar um ambiente de aprendizagem contínua. Os estudantes, com suas ações, declarações, palavras de ordem e grafites ganharam voz e falaram aos professores, pais, gestores e tomadores de decisão sobre como tornar a escola uma experiência significativa. Estes alunos, com suas vidas, estavam demostrando que isso era possível. O contraste entre certificado e conhecimento, apresentado na fala de uma estudante da Toledo sobre os colegas que não aderiram ao movimento, evidencia a oposição entre a autenticidade, isto é, a dimensão quente e experiencial do conhecimento como aprendizagem encarnada na vida e o certificado frio, conferido pelo sistema instituído e formal.
A tensão entre vida e escola ou os excessos da vida administrada
As ocupações expressaram, de muitas maneiras, a associação entre a alegria de viver e aprender à antiestrutura ou communitas propiciada pela experiência da ocupação. A polaridade vida versus escola, contudo, não é uma questão que surgiu com as ocupações. Longe disso, é uma tensão clássica na educação, tematizada por décadas, desde Montessori, Dewey, Anísio Teixeira, Bourdieu, Paulo Freire, apenas para citar alguns dos autores mais conhecidos. A crítica à escola como espaço regulado que tende a se distanciar do mundo da vida dos estudantes foi reiteradamente enunciado pelos educadores populares no Brasil. Além das obras de Paulo Freire, também podemos mencionar algumas publicações que circularam amplamente nos anos 80, como Cuidado Escola (Harper, Ceccon, Oliveira & Oliveira, 1980) e Na escola zero, na vida dez (Carraher, Carraher & Schliemann, 1982).
Tim Ingold, em outro horizonte epistemológico, situado na interface antropologia e educação, aciona a oposição entre educação escolar formalizada e aprendizagem pela imersão no mundo da vida. Ele nomeia de educação da atenção o mecanismo pelo qual os processos de aprendizagem se dão, frutos de engajamento dos sujeitos entre si e no mundo "lá fora", onde o caminhar e o imaginar são os mestres do conhecimento. Ingold (2015) usa a metáfora da fila indiana ou fila de crocodilo -que as escolas de educação infantil costumam utilizar para iniciar o dia e levar as crianças até a sala de aula - para caracterizar a formação escolar tradicional. A disciplina, imposta pelo andar em fila até a sala de aula para que as crianças não se dispersem, é contrastada com o caminho errante que elas fazem até à escola, onde são livres para observar e aprender com o ambiente e o caminhar. Outro argumento do autor baseia-se na crítica à distância entre um metaconhecimento sobre as coisas e as coisas em si, na relação direta com o mundo. Ingold usa a metáfora do dédalo e do labirinto para distinguir duas formas de educação. O dédalo é um caminho que apresenta várias escolhas, mas apenas um delas leva à saída e à resolução bem sucedida do desafio para o caminhante. O labirinto, por sua vez, é um caminho que oferece muitas opções e não há uma única escolha certa. O dédalo exige acertar. O labirinto oferece a possibilidade de seguir por diferentes caminhos que se apresentam para o caminhante. A transposição desta metáfora para as formas de aprender leva à proposta de uma educação-labirinto, que tem como centro a imersão do aprendiz num mundo de muitas possibilidades entre as quais são realizadas assuas escolhas. Aqui, ao invés da educação, voltada para transmissão de conhecimento, o que se apresenta como fundamental é a educação da atenção, modulada pela observação das situações que surgem no caminho. O que conta nesta perspectiva, é o uso da imaginação e da percepção como vias régias da aprendizagem. Enfim, Ingold defende uma pedagogia pobre, no sentido proposto por Masschelein e Simons (2014), para o qual a educação estaria menos atrelada a conteúdos, metodologias e explicações, orientando-se, ao contrário, para a experiência vivida e refletida na prática e no movimento.
A crítica a uma educação muito formalizada e, portanto, menos conectada aos contextos experienciais não soa estranho para educadores latino-americanos, sobretudo brasileiros, pois este é o principal legado deixado por Paulo Freire. Embora Ingold não o cite, nos parece que corrobora com o pano de fundo da crítica de Paulo Freire a uma educação inculcadora de conteúdos (educare) em oposição a uma educação que conduz para o mundo (educere), afirmando a segunda como desejável: Educar é levar os noviços para o mundo lá fora, ao invés de - como é convencional hoje - inculcar o conhecimento dentro das suas mentes. Significa, literalmente, convidar o aprendiz para dar uma volta lá fora. (Ingold, 2015 p. 23). Esta frase de Ingold lembra muito a pedagogia de Paulo Freire e as aulas em baixo de um pé de manga, na forma de rodas de conversa. Paulo Freire era contrário ao que ele chamava de educação bancária, aquela que, segundo ele, depositava conteúdos na cabeça do aluno.
Em contraposição, defendia uma educação libertadora, imersa na vida, envolvendo não apenas a mente do aprendiz, mas todo seu corpo, sua história e seu contexto social (Freire, 1983)11. A despeito das diferenças entre eles, interessa destacar aqui, em ambos, o jogo das oposições dentro e fora, mente e mundo, inculcação e autoria, passividade e atividade, reiterando, a denuncia de uma educação escolar muito formalizada e apartada dos contextos de vida dos aprendizes.
Uma outra forma de pensar a educação e os processos de aprendizagem como parte do da ontogênese humana pode ser encontrada no trabalho de Christina Toren. Entre outros antropólogos contemporâneos que trabalham em universidades britânicas como Marilyn Strathern e Tim Ingold, Toren faz seu próprio esforço crítico para desnaturalizar os conceitos de sociedade e de cultura tomados como "naturais". Tendo eleito as ilhas Fiji como seu campo de estudos Toren contribuiu enormemente para estudos sobre o desenvolvimento humano em geral e particularmente da criança no campo de uma psicologia antropológica. Segundo ela, quando discutimos acultura, invocamos necessariamente o dualismo da natureza-cultura e, levando essa oposição como dada, somos incapazes de fazer as categorias de nossos interlocutores operarem de forma analítica em nossas etnografias. Toren (2012) propõe uma noção de ser humano em que a mente é uma função de toda a pessoa em relações intersubjetivas com outras pessoas no meio ambiente/mundo em que vive. Neste sentido o que nos faz diferentes uns dos outros é a qualidade e a quantidade de história que compartilhamos. Toren pensa a noção de desenvolvimento como processo micro e macro histórico, isto é, a história individual em confluência com a socialidade intersubjetiva e com o ambiente. Trata-se de não opor sujeito e sociedade, historia pessoal, continuidade e transformação, unidade e diversidade. Para ela, o que os humanos tem em comum é o que lhes permite ser diferentes. A diversidade cultural é função de uma humanidade comum que se perfila diferentemente nas histórias pessoais coletivas. Esta é a dinâmica da aprendizagem como gênese do sujeito. Ela reconheceu que a melhor imagem para presentificar este movimento de ontogênese como auto e hetero aprendizagem e, ao mesmo tempo, formação de si, é a fita de Môbius.12
Mas será que só existe vida "lá fora", ou ela está em toda parte?
Escola normal e ocupada, certificado e conhecimento, cabeça e coração, dédalo e labirinto, educação bancária e libertadora. Afinal, o que nos ensinam estas oposições? Será que existe vida somente "lá fora", para além dos muros da escola, ou ela está em toda parte, inclusive dentro dos seus muros? Nosso argumento é de que estas oposições revelam um justo clamor contra o excesso de instituição sobre os sujeitos, mais do que demarcam uma condição onde a vida é plena versus outra condição onde não haveria espaço para a vida. A vida está em toda parte, assim como a aprendizagem, se a tomamos numa acepção ontológica. Concordamos, no entanto, que aprender num regime formal de ensino não é o mesmo que aprender durante uma ocupação, ou pela participação em afazeres tradicionais comunitários, familiares, ou em aprendizagens profissionais do tipo mestre e aprendiz, como o ofício de alfaiate, estudado por Jean Lave, na Libéria, dos anos 70. Mesmo em modos contemporâneos de educação, aprender em regimes baseado em educação ao ar livre (educação ambiental, acampamentos, ecovilas, autdoor education, entre outras), por exemplo, não é o mesmo que aprender em salas de aula, tributárias de uma arquitetura do isolamento visual, acústico e sensorial em relação ao ambiente externo. Mas, ainda assim, não nos parece que se trata de uma questão de ausência ou presença da vida. O que muda são os modos e os ambientes de conhecimento e as dimensões da experiência que cada um destes regimes de aprendizagem mobiliza, estimula, e autoriza.
O contraste entre as experiências de aprendizagem no espaço "normal" da escola e na ocupação, é bom para pensar a distância, mas também as continuidades, nem sempre percebidas, entre estes modos de aprender. O ensino regular também é um ambiente de autênticas aprendizagens sobre como ser e viver em ambientes formalizados. Implica em aprender a administrar o corpo, a alma e o ambiente de um modo bem particular. Um estudante que passa pelo menos 12 anos no ensino formal aprende como se posicionar física e atitudinalmente de acordo com as hierarquias estabelecidas. Aprende como modular sua atenção dentro do tempo e do espaço regulado da escola. Manter-se minimamente atento dentro da sala de aula exige eliminar os ruídos de fora (do corredor, da rua, dos acontecimentos do dia) e de dentro (inquietações, devaneios, preocupações pessoais, fome, sede, sono, desconfortos somáticos e psicológicos). Do sucesso deste empreendimento de auto governo depende sua certificação pelo sistema formal. Assim, seja no registro do que os estudantes chamaram de conhecimento seja no registro do que denominaram de certificado, para usar os termos nativos dos nossos interlocutores, em ambos há experiência e aprendizagem. Contudo, a aprendizagem proporcionada pela communitas, vivida durante a ocupação, está indexada por outros marcadores como o protagonismo dos jovens, suas vivências pessoais e políticas, a quebra de hierarquias, as amizades, os amores e a partilha com a "família" da ocupação. O sentimento de empoderamento deriva justamente da intensidade desta experiência que inverte a norma escolar, centrada nos adultos, nos professores e técnicos, na disciplina do tempo e no controle do espaço, garantidos pela política pública de educação.
Organizações, não apenas escolares, mas também em outras esferas da vida, são espaços muito regulados. Basta pensar em hospitais, Igrejas, empresas, fábricas, condomínios, bancos, sem esquecer das centenas de aplicativos, softwares e demais tecnologias da informação,que controlam a vida dos indivíduos todo o tempo, nas coisas mais simples do cotidiano. Talvez, pela exaustão e sofrimento causados pela vida administrada, seu contraponto, um estado de liberdade e inversão de status,precisa ser periodicamente idealizado e reivindicado. Este outro lado do pêndulo tem sido, muitas vezes, atualizado na sociedade por meio de promessas de liberdade e autenticidade, associadas à natureza, às espiritualidades, à arte, e às ações disruptoras dos movimentos sociais.
O que queremos ressaltar é que, do ponto de vista da compreensão dos processos de aprendizagem, há que se ter cautela quando esta oposição assume a forma de uma distinção essencial entre a presença de aprendizagem, associada ao polo da autonomia e criatividade e uma ausência de aprendizagem, associada ao polo escola e instituição. Consideramos que, seja na escola formal altamente regulada, seja em práticas sociais antissistêmicas, os processos de aprendizagem estão presentes. A oposição se justifica apenas se tomada no que se refere às formas de aprender. E há muitas formas diferentes nos processos educativos em relação aos seus modos de conduzir a experiência de aprendizagem, ao manejo do tempo, à autoria, à circulação da palavra, ao governo dos corpos, à criatividade e à autonomia. Contudo, nosso argumento é que se tratam de diferentes regimes de aprendizagem. E, provavelmente, numa sociedade complexa, diferentes regimes de aprendizagem terão lugar ao longo da vida de quem aprende e contribuirão para a formação da pessoa, no sentido de sua ontogênese, isto é tornando-a aquilo que ela é (Toren, 2012).
"Estudantes, servidores e professores não invadem as escolas, eles são as escolas". Um conceito ecológico de aprendizagem
Considerando tudo o que vimos discutindo até aqui, um desafio para os educadores, é pensar a aprendizagem desde uma perspectiva que dê conta das rupturas e continuidades, sem tornar-se mais uma categoria a ser clivada por dualidades irreconciliáveis. A aprendizagem, neste sentido, seria compreendida como o processo de formação dos sujeitos humano e não humano, organicamente imbricados com o ambiente de vida, com as coisas, com a historicidade, com os diversos saberes, com as práticas sociais e com os processos naturais. Uma primeira decorrência deste conceito é considerar que os processos de aprendizagem estão presentes onde quer que haja vida e a vida está em toda parte. Uma segunda decorrência é que os processos de aprendizagem não se restringem à vida humana, mas são igualmente um atributo da vida não humana e, portanto, do ambiente mais que humano. O mundo em sua materialidade e diversidade, é inteligente, sensiente, e aprende continuamente (Sillas & Carvalho, 2015; Steil & Carvalho & Gomes, 2015). A aprendizagem, da perspectiva de uma epistemologia ecológica (Steil & Carvalho, 2014) é um processo integral (não apenas mental ou cognitivo) de imersão do aprendiz nos diversos ambientes que o cercam, seja a sala de aula, a oficina do mestre, a roda de conversa sob um pé de manga, ou a caminhada na floresta.
Este conceito é deduzido de um conjunto de discussões já levadas por autores como Jean Lave, Tim Ingold, Alain Pierrot, Christina Toren, Bárbara Rogoff, entre outros, que propõem perspectivas alternativas às teorias mentalistas e representacionais sobre aprendizagem. Apesar das diferenças, o que há em comum entre os autores aqui citados é a compreensão de que as formas de aprender supõe, sempre, sujeitos imersos no ambiente e não destacados da experiência vivida. Este é o sentido mais abrangente dos conceitos de educação situada (Lave & Packer, 2011; Lave, 2015); educação da atenção (Ingold, 2010; 2015); aprendizagem difusa (Pierrot, 2015); aprendizagem como participação das crianças no trabalho-ajuda através do garantir-se e do acostumar-se (Medaets, Miézié & Carvalho, 2018); aprendizagem como ontogênese, continuidade social, participação e imitação (Toren, 2012); aprendizagem como participação guiada e apropriação participatória (Rogoff, 1998); aprendizagem como fazer-se pessoa (Sautchuk, 2015).
A aprendizagem por imersão numa situação de prática seja ela a experiência de uma criança urbana assistindo a uma aula ou uma criança rural, indígena ou de uma comunidade tradicional aprendendo as tarefas do dia a dia implica em um processo contínuo de observação, repetição, imitação, mobilização da percepção, focalização da atenção a partir de seu engajamento num contexto de prática. Este modo de circunscrever a aprendizagem é muito caro à antropologia e tem sua origem nas etnografias que se ocuparam das formas de transmissão da cultura em populações não escolarizadas. Este modelo, contudo, não se aplica apenas a grupos étnicos não escolarizados, mas nos auxilia a pensar os modos contínuos de engajamento situacional que caracterizam a aprendizagem de um modo geral, mesmo em contextos formais de educação. Concordamos com Jean Lave quando nos adverte de que é "um erro pensar na aprendizagem como um tipo particular de atividade, que se dará somente em momentos específicos e em lugares especiais destinados para isso" (Lave & Packer, 2011, p. 13). A autora entende que é preciso observar o engajamento do aprendiz nos múltiplos contextos que lhe é dado habitar, ao invés de voltar-se apenas para os momentos "naturalizados" de aprendizagem (Lave, 2015).
Dentro desta paisagem epistêmica, pensamos que o conceito ecológico de aprendizagem torna-se mais inclusivo dos processos pelos quais os sujeitos humanos adquirem e desenvolvem habilidades que lhes permitem compartilhar modos de existência numa determinada comunidade de práticas, valores e crenças. A partir deste ponto de convergência, podemos pensar uma noção de aprendizagem como prática individual, social e cultural que envolve o treino da atenção e o desenvolvimento de habilidades, num processo contínuo e recursivo entre percepção e ação e entre sujeito e ambiente. Neste sentido, seguindo os autores que mencionamos anteriormente, aprender é tomar-se um praticante experiente. Aprender a ser. Tomar-se pessoa. Fazer o corpo. Refinar os sentidos. Aprender a ver. Aprender a ler os sinais e a escutar o que o ambiente e as coisas ensinam.
A frase que destacamos no inicio deste tópico está publicada na página #ocupatudojulinho. O Colégio Estadual Julho de Castilhos, ou Julinho, como é carinhosamente chamado, é uma escola de ensino médio, reconhecida pelo bom ensino e pelo ativismo estudantil, em Porto Alegre. A afirmação de que "a comunidade escolar não invade a escola, mas ela é a escola", ou mesmo afirmações, como a de uma liderança da Toledo: "tu te sentes parte disso, porque a gente é parte disso, e o que é nosso tem que cuidar! " indicam uma relação ecológica com o lugar, no sentido que damos aqui a ecológico, isto é, uma participação direta no mundo-ambiente, onde o sujeito se situa dentro, imerso e em continuidade com o lugar geográfico e social que o envolve. Não há externalidade do sujeito em relação ao ambiente. Neste sentido, a perspectiva ecológica implica em ser o mundo-ambiente onde se vive, diferentemente de uma noção de viver sobre um ambiente. Assim, a percepção dos estudantes de que eles não apenas frequentam uma escola, mas que eles são a escola, está em sintonia com a intensificação do pertencimento ecológico ao ambiente material e simbólico que os constitui. Assim, com outras asserções que igualmente radicalizam a participação ecológica, ser a escola é uma percepção análoga a de que não possuímos um corpo, mas somos um corpo; não vivemos num mundo, mas somos o mundo em que vivemos. As ocupações, como já destacamos, em seu devir de communitas, proporcionaram esta experiência de unidade, de coincidência com a escola: todos e cada um eram a escola e a escola era a comunidade da ocupação.
"Nunca mais isso aqui vai ser só uma classe"; "Pra mim, aqui sempre vai ser a cozinha, sempre."
Quando as ocupações estavam no final, pudemos observar a apreensão dos estudantes que a protagonizaram com a volta à rotina da "escola normal". "Quando o resto do pessoal voltar, a gente vai ficar bem isolado, isso vai." ponderava uma liderança da Toledo. Os estudantes que participaram das ocupações foram poucos, relativamente ao conjunto dos alunos, o que não é incomum em relação a outros movimentos sociais e a base que representam. Na Toledo, como já mencionamos, os ocupantes eram 30 dos 675 alunos inscritos no ensino médio daquela escola.
A pressão pela volta às aulas foi denominado "desocupa", pela mídia oficial, que se fez porta-voz dos estudantes que não participaram das ocupações e se sentiam prejudicados com a possível alteração da agenda do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e da entrada na universidade. Durante a primeira semana de aula regular, um grafite, pintado durante a ocupação, no pátio da escola, catalisou as posições antagônicas dos alunos. Se por um lado o desenho que exibia um jovem e uma jovem com um lenço na boca e um spray na mão, exaltava a ocupação, os alunos que eram contrários a ela pixaram em cima deste desenho frases provocativas como "Tchau querida", "Estamos com a Polícia Militar" e "Vão pra Cuba", evidenciando as tensões existentes entre o alunos. Esta reação trazia para o pátio da escola, a polarização presente na política nacional. A permanência do grafite foi questionada pela direção e por parte dos alunos não ocupantes. Logo após o fim da ocupação um plebiscito para decidir se ele deveria permanecer ou ser retirado foi realizado pelo grêmio da escola. A maioria dos votos obtidos foi em favor da sua permanência. Durante as férias, no entanto, a direção retirou-o, alegando a necessidade de obras de manutenção. A decisão provocou a indignação dos alunos ocupantes mas o grafite, afinal, não perdurou.
A tensão entre estrutura e antiestrutura aparece novamente no conflito que se instaurou em torno do grafite. O grafite materializava a reversão de status que se operou durante a ocupação e sua supressão, mostra o reenquadramento do tempo e da experiência da ocupação no tempo e na norma da escola regular. Mas, como os estudantes já percebiam durante a ocupação, a volta aos tempos "normais"não seria fácil. Entretanto, mesmo os estudantes ocupantes, que com frequência criticavam as aulas e seus métodos, pareciam concordar que perder as aulas em virtude da ocupação era um problema, pois precisavam se formar. Precisavam, afinal, do "certificado" para seguirem suas vidas. Por outro lado, a volta à estrutura, isto é, à escola "normalmente", não se dá com o completo apagamento da experiência de communitas vivida pelo movimento de ocupação. Mesmo que frases de repúdio tenham sido gravadas no grafite, posteriormente apagado pela direção da escola, o desenho, assim como a experiência dos dias de ocupação não pode ser anulada. Para o grupo dos jovens que ocuparam a Toledo, aquele espaço ficará "para sempre", como nos disseram, marcado pela experiência da ocupação: "nunca mais isso aqui vai ser só uma classe..."; "Para mim, aqui sempre vai ser a cozinha, sempre". E, mesmo para os alunos que não participaram da ocupação, o fato da existência do movimento OcupaTudo RS não pode ser apagado da história daqueles dias, não pode ser eliminado da memória política da escola, do bairro e da cidade, independentemente da posição política de apoio ou não ao movimento.
Considerações Finais
Neste artigo procuramos analisar o fenômeno das ocupações em Porto Alegre no contexto do movimento estudantil secundarista nacional que irrompeu em 2015 e 2016, num cenário de crise política nacional, onde os estudantes foram diretamente afetados em seus direitos e garantias. A ocupação intensificou a polarização entre os modos de aprender na/através da ocupação e na/através da escolarização formal. Este efeito esteve associado, sobretudo, às dinâmicas horizontais de autogestão, estabelecidas pelos ocupantes e a inversão das regras do cotidiano escolar. A vivência da ocupação foi um contraponto ao espaço-tempo do dia a dia escolar, caracterizado por uma economia da atenção focalizada na permanência em sala de aula, nas aulas expositivas e exercícios dirigidos pelo professor. Com o final das ocupações, a chamada desocupação trouxe a norma escolar de volta mas também abriu um campo de possibilidades de produção de sentidos da experiência vivida na liminaridade da communitas. Esta dupla face da experiência é transformadora tanto no âmbito da vida privada quanto na constituição dos estudantes como sujeitos na esfera pública.
Buscamos, na análise do movimento de ocupação, mostrar como os ocupantes passaram por um contínuo e intenso aprendizado, típico da experiência liminar da communita, que envolveu desde os tópicos específicos oferecidos nas oficinas até a iniciação nos modos de fazer política, de organizar a vida comunitária e administrar as tensões nos grupos e com a família. A desocupação e a volta à norma escolar, isto é, a retomada da estrutura, marca outras aprendizagens, tais como administrar o final da mobilização, a passagem da "ocupação para "desocupação", o enfrentamento com professores, funcionários e colegas que não aderiram ao movimento, o processamento da experiência da militância após o tempo da mobilização política, entre outras aprendizagens. O que quisemos ressaltar é que a desocupação não deve ser lida apenas como anulação da communitas e a capitulação dos desejos de reversão da norma. Ao suceder a antiestrutura, a estruturajá não é a mesma. Ainda que o ordenamento da vida cotidiana volte a ser definido pela estrutura, as aprendizagens vividas na liminaridade já terão inscrito suas marcas e seguirão ensejando consequências de longa duração ao longo da vida dos estudantes e das comunidades das escolas ocupadas.
Referências
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Recebido em: 16/09/2018
Aprovado em: 16/11/2018
1 O número de escolas varia segundo as fontes. Enquanto a Secretaria Estadual de Educação fala de 120, o movimento Ocupa Tudo RS estima em 180 as escolas ocupadas.
2 Para um estudo etnográfico da ocupação das escolas em Porto Alegre ver Medaets, Mézié e Carvalho (2018). Algumas falas de alunos usadas nesse trabalho foram retomadas aqui, analisadas sob outra perspectiva.
3 O manual Como ocupar um colégio? foi elaborado em 2012 na Argentina pelo movimento Frente dos estudantes libertários e traduzido para o português pelo coletivo brasileiro O mal educado. Está disponível em https://issuu.com/omaleducado/docs/como-ocupar-vers_o-web_fe32bdfbe0b515.
4 Ao todo, a reorganização do ensino iria atingir 1,8% das 5.147 escolas do estado. No total, 1.464 unidades estariam envolvidas na reconfiguração, mudando o número de ciclos de ensino que seriam oferecidos. Segundo a secretaria, 311 mil alunos do total de 3,8 milhões de matriculados deveriam mudar de escola. A mudança atingiria ainda 74 mil professores. A reorganização iria separar a maioria das escolas em unidades de ensino fundamental I, para crianças do 1° ao 5° ano; ensino fundamental II, do 6° ao 9° ano; e ensino médio. (Jornal O Globo, 2015).
5 Sobre a literatura produzida sobre o movimento das ocupações ver, principalmente, Barbosa, 2018; Bucci, 2016; Catini e Mello, 2016; Corti e Corrochano, 2016; Ghon, 2016 e 2017; Maia, 2014; Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016.
6 Ocupações ocorreram em 2016 em muitos estados no Brasil, combinando a crise acionada pelas medidas federais e políticas governamentais e precariedades na educação verificadas em cada estado. Os estados onde houveram ocupações foram: Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul. Sobre o movimento secundarista em vários estados do Brasil ver: Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016; Minucelli, Santos e Dombrowski, 2016; Oliveira e Oliveira, 2017.
7 A merenda foi um tema sensível, que também veio à tona com as ocupações em São Paulo, e reapareceu no Rio Grande do Sul. A má qualidade nutricional foi o estopim do protesto secundarista nas escolas técnicas estaduais em São Paulo, em 2016. Este levou à instauração da CPI da Merenda Escolar, no estado de São Paulo, para apurar os desvios de verba na compra de alimentos para as escolas estaduais e evidenciou o que ficou conhecido como a máfia da merenda.
8 Turner propôs estes conceitos inicialmente para compreender os rituais de passagem, expandindo depois a mesma lógica para a compreensão de outras situações como é o caso de alguns movimentos socais (contracultura, movimento hippie) e religiosos (movimentos milenaristas), onde também se operam inversões entre estrutura e antiestrutura. Para os conceitos de liminaridade, estrutura e antiestrutura e communitas ver Turner (1974).
9 Foto de Danilo Mekari, disponível em http://portal.aprendiz.uol.com.br/2015/12/02/o-que-estamos-aprendendo-agora-nao-se-compara-com-o-que-foi-ensinado-durante-o-ano/ acessado em 25/06/2018.
10 Perto do Coração Selvagem é o título do primeiro romance de Clarice Lispector.
11 As bases teóricas de Paulo Freire, o materialismo dialético, o humanismo e o personalismo cristão, não coincidem com as bases de Ingold que poderia ser visto como neomaterialista e pós-humanista. Mas há uma relação entre ambos sustentada numa abordagem fenomenológica e experiencial.
12 Christina Toren esteve no Brasil em março de 2018 lecionando uma disciplina compartilhada no PPG de Educação da UFMG, sob coordenação da profa. Ana Gomes, onde Isabel Carvalho também participou na equipe docente. Neste seminário discutimos sobre a imagem da fita de Mobius. A fita de Mobius é um objeto topológico proposto no século XIX pelo astrônomo e matemático alemão August Ferdinand Mobius. Sua estrutura especial é uma superfície em forma de um oito horizontal, sem começo nem fim, uma linha infinita que torna impossível determinar ou mesmo separar um dentro e um fora da fita, ou mesmo, um lado interno e um lado externo. Este protótipo foi usado pelo artista holandês Escher em várias versões, bem como foi explorado por Lacan, na psicanálise como metáfora do sujeito psíquico.