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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.6 n.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Avaliação do reconhecimento de palavras em jovens e adultos

 

Assessment of word recognition in adult and the young

 

Evaluación del reconocimiento de palabras en jóvenes y adultos

 

 

Susana Gakyia CaliattoI, 1; Selma de Cássia MartinelliII, 2

I Prefeitura Municipal de Amparo
II Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando que o emprego da grafia correta é um dos elementos básicos para a comunicação clara e precisa por meio da linguagem escrita, o objetivo deste trabalho foi o de analisar essa habilidade em alunos que retomam os estudos na fase adulta. A amostra foi constituída por alunos de suplência de 5ª a 8ª séries em um programa que prepara jovens e adultos para certificação do ensino fundamental. O total de participantes foi de 22 alunos, de ambos os sexos, na faixa etária entre 20 e 54 anos. Foi construído um instrumento de reconhecimento de palavras, pois não há instrumentos padronizados para esses alunos. Para a avaliação dos resultados, foram considerados tanto o número de acertos e erros dos participantes quanto o tipo de erro, entre sete categorias. O estudo propiciou uma análise quantitativa de erros bem como uma análise qualitativa no que se refere aos tipos de erros mais freqüentes. As categorias de erros menos freqüentes foram: acréscimo ou omissão de letra e letras parecidas. Os achados deste estudo corroboraram com outros realizados com crianças.

Palavras-chaves: Escrita, Adultos, Ensino fudamental, Reconhecimento de palavras.


ABSTRACT

Considering that the use of correct spelling is one of the basic elements for a clear and precise communication through writing language, the aim of this work was to analyze these skills when starting school again after having quit it in elementary school. The sample consists of adults and young adult students from 5th through 8th grades within a special program to have elementary school certificate. As for the total amount of participants, 22 students of both sexes were analyzed, from 20 to 54 years old. An evaluation instrument to recognize the writing words was developed, because there’s not any standardized instrument available to evaluate these students. It was considered both the number of questions the participants got right or wrong and the kind of mistake, among seven categories. The research analyzed the amount of mistakes as well as the quality concerning the most frequent kind of mistakes. The categories of less frequent errors were: addition or omission of letters and similar letters. The findings in this study also found in other ones carried out with children.

Keywords: Writing down, Adults, Basic education, Recognition of words.


RESUMEN

Considerando que el empleo de la grafia correcta es uno de los elementos básicos para la comunicación clara y objetiva por medio del lenguaje escrito, el objetivo de este trabajo ha sido analizar esa habilidad en alumnos que retornan a los estudios en la fase adulta. La muestra ha sido compuesta por alumnos de 5º a 8º grados de un programa que prepara jóvenes y adultos para la certificación de la enseñanza báscia. El total de participantes ha sido 22 alumnos, de ambos sexos y entre 20 y 54 años. Ha sido construído un instrumento de reconocimiento de palabras pues no hay instrumentos con baremación para ese tipo de alumnos. Para evaluación de los resultados han sido considerados tanto el número de aciertos y errores de los participantes así como el tipo de error, entre siete categorías. El estudio ha permitido un análisis cuantitativo de errores así como un análisis cualitativo en lo que se refiere a los tipos de errores más comunes. Las categorias de errores menos frecuentes han sido: aumento u omisión de letra y letras parecidas. Los resultados de este estudio confirman los de otros estudios realizados con niños.

Palabras clave: Escrita, Adultos, Enseñanza Básica, Reconocimiento de palabras.


 

 

Observando a realidade escolar vemos que, atualmente, muitas pessoas que não freqüentaram escolas na infância se submetem às atividades escolares e à educação formal na adolescência ou na maturidade. Adolescentes e adultos matriculam-se nas escolas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) para serem alfabetizados ou para completarem o ensino fundamental. Esse segmento escolar cresce por diversos fatores, porém um dos motivos mais destacados, segundo o relato dos próprios estudantes em levantamento feito na cidade de Amparo, pela Secretaria Municipal de Educação (2002), tem sido a exigência do mercado de trabalho de mão-de-obra qualificada. A evolução das tecnologias empregadas nas diversas áreas da economia, produção e prestação de serviços gera a necessidade de mão-de-obra apta a receber treinamentos específicos. Os jovens e indivíduos adultos têm-se submetido à rotina escolar, nessa época de suas vidas, por causa de fatores como a necessidade de conseguir um novo emprego ou a garantia de permanência nos empregos que já possuem. Os treinamentos e as capacitações oferecidas pelas indústrias, pequenas empresas ou serviços públicos requerem de seus colaboradores a habilidade mínima de leitura e escrita.

Assim, a alfabetização de adultos tem sido uma constante preocupação das políticas educacionais, sendo que as prefeituras e os poderes estaduais e federais desenvolvem programas de combate ao analfabetismo. Também se devem destacar as iniciativas de Organizações Não Governamentais (ONGs), instituições sociais e religiosas e até partidos políticos, o que tem feito crescer o número de jovens e adultos em todos os níveis de ensino.

As prefeituras são, atualmente, as maiores responsáveis por organizar e desenvolver políticas públicas que atendam ao público de jovens e adultos, bem como é da responsabilidade delas criar e manter salas de EJA, para tratarem da formação social, escolar e fundamentalmente profissional desses alunos. Para orientar os programas e projetos desenvolvidos pelas cidades, em todo Brasil, o Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), com apoio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizaram uma pesquisa que permitiu traçar um mapa do analfabetismo no Brasil. A pesquisa verificou que existem, no Brasil, mais de 30 milhões de analfabetos funcionais na faixa etária dos 15 anos ou mais, distribuídos equiparadamente entre pessoas do sexo masculino e feminino (Ministério da Educação, 2001). Outra constatação diz respeito ao fato de que os jovens e adultos analfabetos já freqüentaram a escola, por algum tempo em suas vidas, o que pode indicar, por parte dos alunos, interesse e persistência em serem alfabetizados.

Por sua vez, no ano de 2003, o Instituto Paulo Montenegro, em parceria com a ONG Ação Educativa e vinculado ao Instituto Brasileiro de Pesquisas e Estatísticas (IBOPE), divulgou o resultado de uma outra pesquisa feita por amostragem (2000 pessoas entre 15 e 64 anos). Nessa pesquisa procurou-se verificar as habilidades de leitura e escrita da população, entre outros aspectos, para que fosse conhecido o grau de alfabetismo funcional da população brasileira. Conforme é citado nesse trabalho, o conceito de alfabetismo funcional refere-se atualmente à:

Pessoa que é capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida. (Instituto Paulo Monte Negro & Ação Educativa, 2003, p. 4).

Os resultados apontaram que 8% da população brasileira, na faixa de 15 a 64 anos, não são alfabetizadas, ou seja, não utilizam a leitura e escrita por si mesma em seus afazeres cotidianos. Da população que tem a prática de leitura e de escrita, em seu cotidiano, foi necessário subdividi-la em três níveis: o dos que lêem e compreendem apenas títulos e manchetes, como a direção que o ônibus irá tomar (30%); o dos que localizam informações em textos curtos e são considerados de alfabetização básica (37%) e aqueles cuja leitura permite a compreensão, localização de informação e inferência de opiniões em textos mais longos (25%). Nessa população de alfabetizados, constatou-se que a maioria utiliza as habilidades de leitura e escrita e em contextos restritos e por necessidade. Poucos são os que utilizam a leitura como lazer ou prazer, sendo que as mulheres costumam ler mais que os homens. Dados de hábito de leitura correlacionam-se ao tempo de escolaridade dos participantes, sendo que os que permaneceram mais tempo na escola lêem revistas, jornais e outros tipos de textos, com maior freqüência.

Os poucos estudos empíricos nessa área têm revelado dados importantes sobre a alfabetização dessa clientela, o que aponta para a necessidade de se buscar mais informações sobre essa população. Tomando como referência essa realidade, o presente trabalho de pesquisa se justifica por contribuir para o conhecimento das características dos alunos de EJA. Os alunos que freqüentam o II ciclo do ensino fundamental são considerados pelas escolas como alfabetizados, o que pressupõe que tenham desenvolvido diversas habilidades relacionadas ao sistema escrito da nossa língua, sendo uma dessas habilidades a apropriação da linguagem escrita formal, incluindo a ortografia. Entende-se que a linguagem formal e a ortografia são importantes condições para o indivíduo dar continuidade ao aperfeiçoamento da prática da leitura e da escrita ou da alfabetização funcional.

Os poucos estudos já realizados como os de Araújo (1990) e Jaeger, Schossler e Wainer (1998) destacam as semelhanças nas dificuldades que os adultos encontram para a apropriação do sistema escrito, com as dificuldades que crianças também apresentam ao aprender a escrever. Contudo pode-se dizer que depois de vencer a etapa de apropriação do código escrito o novo usuário da escrita, seja ele criança ou adulto, passa a enfrentar novos desafios que novamente vão colocá-lo diante de outros tipos de erro: os erros ortográficos. Nunes (1995) descreve que o sistema de escrita que utilizamos é chamado alfabético, considerando que o sistema representa uma seqüência de sons e não diretamente o significado da palavra, como acontecia na escrita pictográfica. Essa característica se apresenta como uma tarefa complexa para o sujeito que está no início da alfabetização, pois deve perceber que a palavra falada e a escrita estão relacionadas.

Lemle (1987) aponta as dificuldades impostas pela linguagem falada sobre a aprendizagem da língua escrita, referindo-se à relação entre os sons da fala e as letras da língua escrita. Há uma distinção entre a língua que se fala e a língua que se escreve e essa requer algumas aquisições e percepções para que possa ser aprendida. Apesar de o relacionamento da fala e escrita existir no sistema de escrita alfabético, nem sempre a escrita é uma representação direta de um determinado som, ou seja, a transcrição da fala não é uma relação direta de letra e som. A escrita alfabética ou fonética, segundo Cagliari e Cagliari (1999), esbarrou no problema da variação lingüística, e a forma encontrada para solucionar esse problema foi a criação da ortografia. A escrita fonética consiste em representar os sons da fala e a variação lingüística acontece quando, dentro de uma mesma língua, pronuncia-se a mesma palavra de diferentes modos. A palavra “balde” poderia ser escrita “baudi”, “baudji” ou ainda “barde”, entre outras formas, se sua escrita dependesse da pronúncia de diferentes regiões do Brasil. Com a forma ortográfica adotada, porém, ela deve ser escrita sempre da mesma forma.

Conforme Morais (1996) e Cagliari e Cagliari (1999), a ortografia é uma convenção criada dentro da língua escrita para que seus usuários possam comunicar-se de maneira eficiente, evitando variações na escrita e confusões de significados, já que os mesmos usuários podem adotar diferentes maneiras de falar a mesma palavra. O sistema gráfico que utilizamos permite que a escrita seja compreendida por todos aqueles que sabem ler e que a leitura possa ser realizada de forma fluente, mas não significa que utilizar o sistema ortográfico seja algo simples.

Faraco (1997) descreve as dificuldades que se pode encontrar na aquisição da grafia correta. Dizer que o sistema gráfico é alfabético significa que as unidades gráficas (letras) representam unidades sonoras (consoantes e vogais) e as palavras são escritas relacionando-se a grafia com a fala. Mas esse sistema não é uniforme e apresenta arbitrariedades o que obriga o usuário da língua a memorizar a escrita correta da palavra. Outras dificuldades apontadas pelo mesmo autor se dão em palavras em que a pronúncia da língua mudou, mas a grafia não, como o caso do “l” ao final da sílaba como em “mal” e “mau”, “cauda” e “calda”. No Brasil a pronúncia atual enfatiza o som do “u”, mas não foi sempre assim. Anteriormente era, como em Portugal, onde as pronuncias do “l” e do “u” são bem diferenciadas. Para eles, não há dificuldade em escolher a letra certa para escrever, pois a diferença está na fala.

Para investigar possíveis dificuldades encontradas na ortografia, Zorzi (1998) analisou a produção escrita de crianças das quatro primeiras séries do primeiro grau, procurando verificar a trajetória da apropriação da escrita por elas e apontar os principais erros apresentados. Sua categorização considera como dificuldades na apropriação ortográfica os erros decorrentes da possibilidade de representações múltiplas das letras, quando um som pode ser representado por diversas letras (fonema “s” pode ser escrito por “s”, “ss”, “c”, “ç”) ou uma mesma letra pode estar representando diferentes sons em palavras diferentes (a letra “c” pode valer pelo fonema “s” ou o fonema “k”); as alterações na escrita dos alunos se dão pelo ato de não haver forma fixa ou única representação gráfica desses sons.

Uma outra dificuldade bastante comum observada nesse trabalho se deve à generalização de regras, em que o estudante generaliza certos procedimentos que aprendeu e emprega uma regra de forma errônea utilizando-a de forma inadequada, como: ao perceber que certas palavras pronunciadas com “i” podem ser escritas com “e” – dizemos “minino” e escrevemos “menino” – pode generalizar a regra e escrever “cenema” no lugar de “cinema”. Outras formas de analisar os erros foram categorizadas como alterações ortográficas decorrentes do apoio na oralidade (dormir/durmir), omissões de letras (bombeiro/bombero), junções não convencionais de palavras (às vezes/asvezes), confusão entre “am” e “ão”, substituições de letras surdas e sonoras como t/d (perdido/perdito), acréscimo de letras (fugiu/fuigiu), letras parecidas (medo/nedo), inversão de letras (pobre/pober), entre outras dificuldades particulares.

Zorzi (1998) verificou que há distintos graus de conhecimento ortográfico que se vão aprofundando conforme a oportunidade que a criança tem de interagir com a escrita. A presença de muitos tipos de erros associada à alta freqüência deles pode indicar, segundo esse autor, dificuldades de aprendizagem.

As dificuldades para aprender a escrever podem estar ligadas a diversos aspectos, e no estudo realizado por Sisto (2001) para validação de um instrumento de verificação de dificuldades de aprendizagem em escrita (ADAPE), o autor chama a atenção para a questão da automatização do erro que, pela repetição sistemática, sem correção ou reflexão sobre pode-se tornar de difícil correção. Assim, na segunda série o erro na escrita pode não estar muito automatizado como estaria na terceira série do 1º ciclo do ensino fundamental.

Nota-se que o domínio ou a apropriação da escrita correta configura-se como uma etapa complexa para o indivíduo que está sendo alfabetizado. O estudo da aquisição da ortografia tem chamado a atenção de vários pesquisadores por ser necessária na comunicação fluente em linguagem escrita. O uso do reconhecimento de palavras como uma atividade presente nas escolas e nos trabalhos de pesquisas na área educacional visa a compreender o fenômeno de aquisição da leitura e da linguagem escrita. Segundo Citoler (1996), o reconhecimento de palavras ou a decodificação implica a discriminação das letras isoladamente e em grupo e a capacidade do indivíduo de compreender como se relacionam os símbolos gráficos e os fonemas. Considera a decodificação uma operação de nível inferior entre os processos de leitura, sendo o ponto de partida ou condição primária para a aprendizagem da leitura. Nessa perspectiva a operação deve ser automatizada pelo leitor para que obtenha uma leitura fluente. A automatização do reconhecimento de palavras permite que o leitor desvie a atenção excessiva de uma operação de nível inferior para execução de outras de nível superior que se refere à compreensão e interpretação das palavras e dos textos.

Cagliari (1998) reporta-se à necessidade de decifrar a escrita mesmo antes de ser capaz de escrever ortograficamente, pois acredita que é mais fácil decifrar e ler do que escrever. Relata ainda que algumas condições devem ser dadas ao aluno para decodificar a escrita. Condições como conhecer o funcionamento do sistema de escrita, saber o nome das letras, memorizar o alfabeto, conhecer a organização gráfica das letras, identificar para que servem as letras, saber como se correspondem com os sons e ter conhecimento sobre a ortografia. Para Kingeski (2002), o reconhecimento de palavras está associado ao processo de decodificação da palavra durante a leitura e a escrita. A eficiente decodificação das palavras é relacionada, por alguns autores, a uma melhora significativa na aprendizagem de leitura e de escrita. Observa ainda que o reconhecimento de palavras se relaciona com a leitura literal que antecede a leitura crítica.

Diferentes pesquisas vêm sendo desenvolvidas no contexto do reconhecimento de palavras, em diversos países (Agozine & Lockavitch, 1998; Chard & Osborn, 1999; Juel & Midden-Cupp, 2000; Kingeski, 2002; Pressley, 2001, entre outros). No entanto, as pesquisas com o público de jovens e adultos que estão relacionadas ao reconhecimento de palavras, leitura e escrita têm sido pouco exploradas, visto que há vasta literatura voltada para a pesquisa com o público infantil. Entre os estudos que enfocaram a população de jovens e adultos e o reconhecimento de palavras, pode-se citar o trabalho de Pufpaff, Blischak & Lloyd (2000), que demonstraram que a identificação de palavras com ortografia convencional era mais bem-reconhecida por adultos com retardo mental do que as palavras que tinham a ortografia modificada propositadamente. Davidson & Strucker (2002) verificaram adultos que aprendem o inglês como segunda língua e advertiram para que o professor esteja ciente, por meio de testes, do que os alunos sabem e como aplicam esses conhecimentos para ler. Sabatini (2002) verificou o papel da avaliação de velocidade em prejuízo do reconhecimento de palavras entre adultos que tinham diferentes níveis de habilidade de reconhecer palavras, verificando que houve diferenças no desempenho da velocidade e na exatidão da leitura entre os grupos.

Durgunoglu & Oney (2002) investigaram os processos cognitivos da aquisição da alfabetização em mulheres turcas. Avaliou o progresso em um programa intensivo e percebeu que, após noventa horas de ensino, houve melhorias no reconhecimento de letras e de palavras, quanto à consciência fonológica e à soletração. Wolff e Lundberg (2003) também aplicaram um programa com as características do trabalho anterior, mas com uma população de adultos disléxicos e conseguiram resultados positivos em relação ao seu grupo controle. Castro-Caldas e Reis (2003) investigaram as estratégias dos analfabetos para adaptação aos aspectos formais da língua escrita, como a ortografia, e sugeriram que se investigasse o desenvolvimento de novas estratégias, criadas pelos estudantes e que surgem no desenvolvimento de atividades de ortografia.

No Brasil, dados interessantes relacionaram a aprendizagem de crianças e adultos no trabalho realizado por Araújo (1990), que abordou a questão da aquisição da escrita sob o aspecto do funcionamento da linguagem. Entre outros objetivos verificou se havia diferenças na alfabetização de crianças e adultos. Suas conclusões foram de que o processo de alfabetização de crianças e adultos apresenta muito mais semelhanças do que diferenças.

Jaeger, Schossler e Wainer (1998) compararam a escrita de crianças e adultos a fim de verificar se existiam diferenças significativas na produção de um ditado de palavras. Concluíram, por meio de análises estatísticas dos dados, que os adultos tiveram maior dificuldade na realização da atividade proposta e que o tipo de erro cometido pelo adulto é amplo envolvendo trocas e omissões de letras e escrita de acordo com a fala. Os resultados encontrados levaram os autores a sugerirem estudos mais aprofundados quanto à existência ou não de períodos críticos para a aprendizagem de certas habilidades cognitivas e maiores investigações no contexto de aprendizagem de adultos.

Seguindo essa orientação é que se propõe investigar, neste estudo, o reconhecimento da escrita correta em uma lista de palavras, após a palavra ter sido ditada.

 

Método

Participantes

Os participantes deste estudo foram alunos de suplência de 5ª a 8ª séries, mais especificamente, alunos de uma sala do telecurso 2000, programa que prepara jovens e adultos a partir de 15 anos de idade para certificação do ensino fundamental, num total de 22 alunos, sendo 13 (59,09%) do sexo masculino e 9 (40,9%) do sexo feminino. Os participantes estavam na faixa etária entre 20 e 54 anos.

Instrumento

• Reconhecimento de palavras

O instrumento de reconhecimento de palavras, utilizado neste estudo, baseou-se no teste de múltipla escolha, elaborado por Sisto (2004), para verificar o reconhecimento de palavras em estudantes de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. Desse modo, cabe-nos informar brevemente como se deu a construção do instrumento original, que foi utilizado para compormos o instrumento final utilizado neste estudo.

O instrumento original, elaborado por Sisto (2004), era composto por 221 palavras que foram escolhidas por sorteio entre palavras que compõem os livros didáticos, utilizados em escolas de ensino fundamental. As 221 palavras foram analisadas e verificou-se que atendiam à classificação dos autores de palavras com dificuldade de escrita e sem dificuldade de escrita. As primeiras foram assim classificadas por apresentarem encontros consonantais, dígrafos, sílabas compostas, sílabas complexas ou por serem polissílabas. A quantidade de palavras com dificuldade de escrita, no instrumento original, foi de 165 (74,66%), e 56 (25,34%) as que não apresentavam característica de dificuldade de escrita.

A partir da organização dessas palavras em ordem alfabética, criaram-se, para cada uma delas, mais duas palavras com escrita errada o que resultou num teste de múltipla escolha. As palavras com escrita errada foram criadas pelos autores incluindo, alterando ou suprimindo um dos caracteres de uma das sílabas, na palavra de escrita correta.

• Procedimento de modificação do Instrumento Original

Para utilizarmos, neste estudo, o instrumento elaborado por Sisto (2004), foram necessárias algumas modificações para que atendessem aos objetivos desse. Para o procedimento de redução do número de palavras do instrumento original foram agrupadas todas as palavras iniciadas com a mesma letra e sorteadas a metade delas que passaram a compor uma nova lista de palavras, resultando numa seqüência, em ordem alfabética, de 105 palavras. A partir dessas palavras foram construídos os itens que apresentariam erros ortográficos, considerando-se as várias possibilidades de escrita da palavra pelo participante, caso estivesse escrevendo espontaneamente. Para isso foram considerados os problemas lingüísticos na alfabetização, levantados por Lemle (1987), Cagliari e Cagliari (1999) e a categorização dos erros de ortografia proposta por Zorzi (1988).

Após as modificações descritas, o instrumento de reconhecimento de palavras, adaptado para o presente trabalho, passou a conter 105 palavras e cada uma delas apresenta quatro alternativas de escrita, sendo três delas com erros, compondo um novo teste de múltipla escolha. Cada item foi apresentado como nos exemplos a seguir:

lápis( ) láps( ) lápis( ) lápiz( )

funcionários( ) funcionarios( ) funsionários( ) funssionarios( )

socou( ) çocou( ) socol( ) ssocou( )

• Procedimento de aplicação do instrumento

Para realização da pesquisa foi solicitado de cada aluno o seu consentimento para participar da pesquisa e para a divulgação dos dados, mediante apresentação de uma carta que continha explicações sobre a pesquisa a ser realizada. Só foram avaliados os alunos de EJA que concordaram em participar da pesquisa. O instrumento foi aplicado pela pesquisadora, na própria escola e em horário regular de aula.

A lista de palavras foi entregue e os participantes, depois ouvirem a palavra ditada pela experimentadora, foram instruídos a escolherem uma entre as quatro alternativas escritas. A pesquisadora ditava uma palavra de cada vez e dava o tempo necessário para que todos encontrassem uma alternativa, logo em seguida ditava outra e assim sucessivamente até o final da lista. A palavra foi ditada da maneira mais natural possível como na fala cotidiana, evitando-se ditar a palavra silabando, ou seja, dando ênfase nas sílabas.

 

Resultados

Para fins de análise caracterizaram-se os erros mais freqüentes encontrados nas opções de escrita, escolhidas, pelos participantes do estudo, para as palavras ditadas pela experimentadora. Chegou-se a um total de sete categorias de erros, conforme apresentado na Tabela 1, e que serão descritos e analisados a seguir.

Análise dos erros

O erro mais freqüente encontrado se refere à generalização de regras. Foram nomeadas por generalização (Zorzi, 1998) as trocas de letras ocorridas nos casos em que o procedimento aprendido sobre a escrita é aplicado em momentos não apropriados. Muitas vezes a palavra que é pronunciada com o fonema “i” como em “minino” e escrita com a letra “e”, e nesse caso o correto seria escrever menino. Em nosso instrumento essa troca pode ser exemplificada com a palavra “destinatário” em que muitos sujeitos fizeram a escolha pela escrita “destenatário”. Também foi considerada como caso de generalização de regras a utilização da letra “h” inicial em palavras que não a usam, como em “hadivinhe” e “hontem”.

Na seqüência encontram-se os erros na colocação de sinais gráficos e/ou acentos. Cagliari (1999) sugere que esse tipo de erro não seja enfatizado na escrita de crianças em fase inicial de alfabetização, uma vez que essa é trabalhada num momento posterior ao da aquisição do código escrito. Em nosso estudo, a grande concentração de erros nessa categoria sugere que o estímulo visual das palavras acentuadas no instrumento de reconhecimento de palavras foi percebido pelos participantes e que, baseados na tonicidade das palavras e no desconhecimento das regras de acentuação, optaram por escolher as escritas que tinham acento, mesmo que incorretamente utilizados.

Na terceira categoria de erros mais freqüentes na opção de escrita dos alunos, encontraram-se as alterações decorrentes de confusão entre as terminações am e ão. Segundo Zorzi (1998), a substituição de am por ão revela a marca da oralidade que o aprendiz realiza na construção do conhecimento da escrita. Ao se pronunciar começaram ou começarão, os fonemas produzidos são os mesmos para as duas palavras “começarãu” e a forma gráfica mais parecida corresponde à terminação ão. Lemle (1987), por sua vez, afirma que esse tipo de erro resulta do fato de que o aprendiz ainda não se libertou da idéia de que a transcrição de todos os sons se dá apenas por uma letra correspondente. O erro de colocar ão no lugar de am ocorre pelo desconhecimento de que o ditongo nasal quando não acentuado, em verbos, é transcrito por am e não ão.

Na amostra estudada, encontramos como o quarto tipo de erro mais freqüente os erros decorrentes da possibilidade de representações múltiplas, em que um mesmo som pode ser grafado por várias letras ou ao contrário. Segundo Zorzi (1998), essas alterações ou erros cometidos pelos aprendizes podem estar relacionados à própria característica da escrita alfabética que sugere que as letras devem corresponder às unidades sonoras. Nesses casos, quando duas ou mais letras concorrem na representação de um mesmo som, poderão ser geradas dúvidas quanto à grafia. Lemle (1987) chama a atenção para esses tipos de erro e explica que algumas palavras podem ter a posição da letra como explicação para a relação letra–som e som–letra. Por exemplo, o som “k” representado por “c” ou por “qu” diante das vogais. Mas, a maior arbitrariedade ocorre quando a posição da letra não é indicativa de escolha para a letra correta, como ocorre em casa ou caza, uma vez que em termos fonológicos seriam aceitas as duas formas escritas.

Em quinto lugar apareceram dois tipos de erros como os mais freqüentes. O primeiro trata de alterações ortográficas decorrentes do apoio na oralidade, ou seja, escreve-se praticamente como se fala. Essa alteração também está diretamente ligada ao fato de a escrita alfabética fazer a relação unívoca letra–som em algumas palavras como em “pata”. Essa conclusão, porém, pode levar a equívocos tal como na escolha das palavras “leiti” e “ouvidus”.

Em sexto lugar encontraram-se os erros categorizados por acréscimo ou omissões de letra. Os exemplos retirados do instrumento foram do tipo “adivihe” (omissão do n no dígrafo nh), “decubra” (omissão do s) e “pogramas” (omissão do r no encontro consonantal).

Por último, estão os erros de letras parecidas. Nessa categoria as grafias das palavras certa e errada apresentam semelhanças, como é o caso de m/n e que resultaram na escolha das alternativas “enfin” e “mimgau” como corretas. No caso específico da troca do m/n aponta-se para o fato de que parece haver desconhecimento por parte dos alunos da regra de uso do “m” no meio da palavra bem como o seu uso obrigatório no final das mesmas. Também puderam ser observados erros que não podem ser classificados, segundo a literatura da área, em nenhum grupo de dificuldades ortográficas e que foram pontuados no instrumento como hipóteses absurdas como o caso de “manusclitas” para a escrita de “manuscritas” e “vooo” para a escrita de “vôo”. Esses erros foram observados em casos particulares, não sendo compartilhados com a maioria dos participantes do estudo.

 

Considerações finais

Os resultados deste estudo nos permitem afirmar que a atividade de reconhecimento de palavras contemplou uma série de dificuldades para os participantes que apresentaram uma série de erros já apontados em estudos anteriores (Lemle,1987; Cagliari,1989; Carraher,1990 e Zorzi,1998). No estudo de Zorzi (1998), a categoria de erro mais freqüente encontrada entre o público infantil foi a referente aos erros decorrentes das possibilidades de representações múltiplas das letras. Em nosso estudo, embora essa categoria apareça como o quarto tipo de erro mais freqüente, esse pode ser considerado expressivo, o que nos permite afirmar que nossos resultados são bastante elucidativos dos problemas enfrentados pelos jovens e adultos nesse processo de apropriação da língua escrita e que esses não se diferem muito das dificuldades enfrentadas pelas crianças.

Resultado também interessante demonstra que o instrumento de reconhecimento de palavras, mesmo oferecendo as opções de escolha, em vez de utilizar a escrita espontânea dos alunos, possibilitou observar as principais dificuldades dos aprendizes e que essas se assemelham às verificadas em trabalhos que analisaram a escrita por meio de ditado de palavras ou texto ou produção espontânea de textos. Considerando que esse trabalho não ofereceu oportunidades de escrita espontânea por parte dos alunos, sugere-se que outros estudos possam avaliar a produção escrita em diferentes tipos de atividade escrita e com o mesmo público. Tais estudos poderiam confirmar se as categorias de erros encontradas neste estudo se confirmam em outras situações de produção escrita, o que possibilitaria uma análise mais elaborada e completa dessa população de alunos.

Implicações educacionais também podem ser discutidas a partir deste estudo sugerindo maior atenção na educação de jovens e adultos. Segundo Morais (1997), os erros de correspondência de letra a partir da terceira série devem ser encarados como falha na alfabetização, uma vez que se espera que o aluno já domine regras ortográficas e considere o contexto para a escrita correta. Da mesma forma, Sisto (2001) aponta que, ao se analisar as escritas de alunos, deve-se observar se essas dificuldades apresentam estabilidade e persistência ao longo da experiência escolar, pois seriam mais comuns nas séries em que iniciam a aprendizagem. A ocorrência da repetição do erro por diversas séries levaria ao automatismo do erro e maior probabilidade de a grafia não ser corrigida.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: selmacm@unicamp.br

Recebido em: abril de 2005.
Reformulado em: maio de 2005.
Aprovado em: junho de 2005.

 

 

Sobre as autoras:

1 Selma de Cássia Martinelli é mestre e doutora em Psicologia Educacional e professora do Departamento de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas, atuando na graduação e pós-graduação.
2 Susana Gakyia Caliatto é mestranda em Educação da Universidade Estadual de Campinas e professora da rede municipal de Amparo/SP.