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Psic: revista da Vetor Editora
versão impressa ISSN 1676-7314
Psic v.6 n.2 São Paulo dez. 2005
ARTIGOS
Representações sociais de família para um grupo de professoras
The social representations of family for a group of teachers
Representaciones sociales de família para un grupo de profesoras
Ana Lúcia Costa e Silva1; Cláudia Araújo da Cunha2
Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo identificar as Representações Sociais de família para um grupo de professoras do ensino fundamental da cidade de Araguari-MG. Foram utilizados, como instrumento de coleta de dados, situações rotineiras, identificadas como: situação cotidiana - escolar e situação notícia. As situações apresentadas permitiram a identificação das Representações Sociais de família, por apresentarem uma linguagem diversificada e por possibilitarem a comunicação entre fatos do cotidiano e o comportamento emitido no dia a dia das professoras. As situações permitiram repensar os significados que pautam as condutas das pessoas, para que a construção das Representações Sociais pudesse ser elaborada. Os resultados demonstraram que, segundo este grupo de professoras pesquisado, a representação social de família ainda deve ser organizado nos moldes tradicionais, o que parece ser, na opinião delas, o modelo adequado para o desenvolvimento do indivíduo. Estes dados permitem refletir a respeito de uma reorganização dos conteúdos ministrados nos cursos de formação de professores, bem como que se pense em uma proposta de intervenção, caso as instituições e as próprias professoras se coloquem disponíveis a estarem participando, no sentido de sensibilizá-las para as demandas familiares contemporâneas.
Palavras-chave: Representações sociais, Professoras, Família.
ABSTRACT
This research had as objective to identify the Social Representations of family for a group of teachers of the basic education the city of Araguari-MG. They had been used, as instrument of collection of data, routine situations, identified as: daily situation - pertaining to school and situation notice. The presented situations had allowed the identification of the Social Representations of family, for presenting a diversified language and for they make possible the communication between facts of daily and the behavior emitted in the day the day of the teachers. The situations had allowed to rethink the meanings the behaviors of the people, so that the construction of the Social Representations could be elaborated. The results had demonstrated that, according to this group of teachers searched, the social representation of family still must be organized in the traditional molds, what it seems to be, in the opinion of them, the model adjusted for the development of the individual. These data allow to reflect regarding a reorganization of the contents given in the courses of formation of professors, as well as whom if it thinks about a proposal of intervention, in case that the institutions and the proper teachers if place available to be participating, in the direction to sensetize them for the familiar demands contemporaries.
Keywords: Social representation, Teachers; Family.
RESUMEN
Esta investigación ha tenido como objetivo identificar las representaciones sociales de família para un grupo de profesoras de educación básica de la ciudad de Araguari-MG. Han sido utilizados como instrumento de cosecha de dados situaciones comunes identificadas como: situación cotidiana - escolar y situación noticia. Las situaciones presentadas han permitido la identificación de las representaciones sociales de família por presentar un lenguaje variado e por viabilizar la comunicación entre hechos del cotidiano y el comportamiento expresado en el dia a dia de los profesores. Las situaciones han permitido repensar los significados que modelan las conductas de las personas para que de esa forma la construcción de las representaciones sociales pueda ser elaborada. Los resultados han demostrado que según las profesoras investigadas la representación social de la família todavía debe ser organizado en los modelos tradicionales, lo que parece ser, para ellas, el modelo apropiado para el desarrollo del individuo. Estos datos permiten reflexionar sobre una reorganización de los contenidos enseñados en los cursos de formación de profesores, así como pensar en una propuesta de intervención, en el caso que las instituciones y las propias profesoras estén disponibles y participando, como una forma de sensibilizarlas para las demandas familiares contemporáneas.
Palabras clave: Representaciones sociales, Profesoras, Família.
Introdução
A tarefa inerente e precípua de uma estrutura educacional deve ser a de favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem do indivíduo no que tange às dimensões social, cognitiva, emocional e motora. Neste sentido, a Psicologia, ciência voltada para o estudo do comportamento humano, numa definição geral, oferece embasamento teórico que permite um melhor entendimento da relação ensino-aprendizagem e formação do indivíduo (Novaes, 1970). Nesta perspectiva, a escola, enquanto espaço institucionalizado, deve ser vista sob a ótica de uma organização sociocultural onde estão pautados determinados valores, concepções e expectativas que são oriundas tanto de professores quanto de alunos e de suas respectivas famílias. Desta forma, a família merece papel de destaque.
Muitas funções que eram de cunho familiar estão sendo divididas com a escola e essa divisão gera cobrança de ambos os lados: tanto da escola que espera um respaldo da família; quanto da família que, da escola, espera auxílio no que se refere ao cuidar dos filhos (Novaes,1970;Larocca, 1999). Mas, de qual família se fala? Quais são as organizações familiares que estão dentro da sala de aula? Quais são as famílias que permeiam o pensamento dos professores? Reconhecer o processo de mudança pelo qual a sociedade brasileira está passando é uma das condições para possibilitar ao professor do ensino fundamental, subsídios para que o mesmo possa avaliar sua ação docente, ou seja, o professor deve ser auxiliado a ter consciência da fundamentação de suas ações.
A família é a primeira instituição da qual, geralmente, todo ser humano participa, sendo o primeiro grupo de forte influência sobre as pessoas, sobre seu comportamento, personalidade e suas escolhas futuras, tendo, ainda, funções de acolhimento, cuidados, educação e preparação do indivíduo para a vida em grupo. É na relação com seus cuidadores que a criança inicia sua constituição enquanto sujeito; a formação de sua identidade, as percepções de quem são os outros e quais são os papéis que ela e estes outros desempenham, dentro da organização familiar. Mas, uma pergunta permanece premente: de que família se está falando?
Ao se pensar em sistema familiar, é necessário entender que cada família tem um modo próprio de se organizar. Nos últimos vinte anos, têm crescido a preocupação em torno do tema família, no que tange ao seu processo formativo, seus papéis e como essa temática tem sido abordada no contexto educativo (Passos, 2002; Araújo, 2002; Souza, 1997; Nogueira, 1998, Amazonas; Damasceno, Terto, & Silva,2003, Almeida e Cunha, 2003). As mudanças nos modos de vida familiar exigem um resgate histórico para que se entendam as configurações familiares que, hoje, participam do contexto social, bem como, para que se encontrem respostas, ou caminhos para os seguintes questionamentos: por que existem hoje tantas formas de se compor uma família? Será que as pessoas estão sendo felizes com seus arranjos familiares? Enfim, o que é uma família? (Passos, 2002).
As respostas a estas indagações podem ser buscadas, inicialmente, recorrendo-se ao modelo histórico da construção do conceito de família. Ariès (1981) retrata, de modo significativo, como aconteceu a evolução da dinâmica familiar; ou seja, de como ela deixou de ser um grupo de sustentação material para se tornar um grupo afetivo, devotado aos cuidados infantis. Em seu livro A história social da criança e da família, é possível, através da iconografia, acompanhar como surge o sentimento de família. As descrições das imagens da família permitem verificar como elas foram traduzidas e construídas, durante os séculos XVI e XVII. Até o século XVII, a vida da família era representada pela vida exterior, pública, não havendo uma vida familiar em sua intimidade. As cerimônias religiosas, a bênção do leito nupcial, visitas dos convidados aos recém-casados já deitados, demonstram o quanto a sociedade era invasiva e controladora da vida do casal. Neste sentido, a existência da família pode ser descrita como realidade vivida; ou seja, ela não existia, ainda, enquanto sentimento ou valor. O sentimento de família surge entre os séculos XV e XVIII em função da importância que se passou a atribuir à educação e à maneira como a criança passou a ser vista pelos adultos, ou seja, os pais passaram a se interessar pelos estudos dos seus filhos, os acompanhando com uma solicitude habitual nos séculos XIX e XX. Nesse período, a família começou a se organizar em torno da criança dando-lhe uma importância que trouxe também uma modificação a respeito dos afetos existentes na dinâmica familiar. A partir dessas modificações, a família deixou de ser uma instituição pública e se tornou uma instituição fechada.
Historicamente, no caso do Brasil, a mudança na dinâmica familiar aconteceu pela colonização portuguesa. A família tradicional de modelo europeu era patriarcal e extensa, formada por um numeroso grupo de pessoas que habitavam a mesma casa, tendo o pai como chefe. Ainda na família patriarcal, o casamento formal era condição para estabelecimento de relações sexuais e procriação, e o adultério, considerado crime. Os maridos eram superiores às esposas, os homens, às mulheres e havia a existência de um grande número de parentes, convivendo no mesmo espaço. Esse modelo vigente existiu entre os séculos XVI até, praticamente, todo século XIX.
Em relação aos papéis assumidos pelos membros da família patriarcal, destacam-se: ao pai cabia exercer o poder em todo seu domínio territorial e sobre as demais pessoas da casa; à mulher, aos filhos e aos outros parentes, a obediência e o respeito ao pai, sendo ainda destinado à mãe, os cuidados com os filhos e administração do lar. Ainda nesta família denominada de parentesco extenso, os pais encontravam auxílio na criação dos filhos, visto que havia muitos substitutos convivendo no mesmo espaço. Nessa organização familiar, sempre um dos pais permanecia junto à sua família de origem, e o casal acabava vivendo uma relação paralela entre si, não partilhando funções e interesses mútuos. Uma das funções atribuídas a essa estrutura familiar, referia-se ao fato de assegurar a estabilidade e o fornecimento de padrões de vida e de relacionamento social aos seus descendentes (Souza, 1997).
Salienta-se que a família tem uma dinâmica de transformação no tempo e no espaço e, em virtude do progresso, as famílias sentiram a necessidade de mudança. Nos séculos XIX e XX, a família nuclear, composta por pai, mãe e filhos coabitantes do mesmo domicílio, passa a ser o modelo vigente. Sua estruturação ocorre em função do enfraquecimento da família tradicional extensa, ao mesmo tempo em que ocorre o processo de industrialização e urbanização, que colocou um fim ao trabalho escravo e à necessidade de se dividir a tarefa de cuidado dos filhos, com outras instituições, como a escola, por exemplo. À medida que as mudanças sociais e econômicas vão ocorrendo, surgem textos referentes a temática histórica sobre a família (Passos, 2002; Cirino, 2001, Wagner, 2002) relatando que o ideal da família nuclear, heterossexual, monogâmica, patriarcal, parece ameaçado, fazendo com que o núcleo se quebre em vários pedaços. Em virtude do casamento ser considerado uma instituição enfraquecida, devido ao aumento dos divórcios, recasamentos e uniões de concubinato, a história da família passa a ser contada e recontada pelos atores que se encontram no lar e pelos novos atores que passam a fazer parte do contexto: os namorados do pai e da mãe, os meio irmãos, os avós, os pais solteiros.
Estudos sobre família e educação (Nogueira, 1998, Nunes & Vilarinho, 2001, Chung, 1998) proporcionam uma reflexão acerca do que existe na realidade e a respeito de como lidar com a família, ou seja, é necessária uma mudança de mentalidade frente aos novos acontecimentos e que necessita ser realizada; o que permitirá uma possibilidade de "reconstrução" das representações sociais. Neste ponto, a teoria das Representações Sociais oferece subsídio para entendimento e discussão acerca das novas configurações familiares que adentram no contexto social, em virtude de que a representação é construída, fazendo as pessoas darem sentido à sua vivência e ao seu comportamento. Sempre que há comunicação, existe também o processo de influência social e neste aspecto, pode ser observado que novas formas de representações sociais são criadas. Consequentemente, elas não são estáticas, e sim, dinâmicas, o que permite às pessoas reavaliarem suas crenças, imagens, percepções, adequando-as ao contexto social que se encontram inseridas (Moscovici, 2003). Sendo assim, a teoria de Moscovici se torna pertinente ao trabalho em questão por oportunizar que as imagens, crenças, representações sociais e o conceito de família sejam passíveis de discussão e reflexão dentro do binômio família/educação.
O professor tem um sistema de representação que é socialmente construído. Durante sua formação isso não é diferente, se pensar que são representações de professores formadores juntamente com representações de professores em formação, e tais representações poderão ser sedimentadas ou revistas, de acordo com quem os forma. Segundo Chung (1998) as Representações Sociais implicam sempre a representação de algo e alguém situado num tempo e espaço e que é definida por conteúdos de natureza relacional a um objeto, informações, atitudes, imagens, e se relaciona, ainda, a uma representação de um sujeito (indivíduo, família, grupo, classe) em relação a outro sujeito. Sendo assim, podem ser entendidas como uma forma de conhecimento elaborado socialmente e a partir daquilo que é socialmente partilhado. A pesquisadora ressalta ainda, em sua dissertação, que a escola deve saber trabalhar os aspectos referentes a imagem que os professores têm acerca da escola e da família de seus alunos, pois, caso contrário servirá somente como terreno fértil para desqualificar e segregar as crianças das camadas populares. Um trabalho que relacione as questões ligadas às representações de família, seria um passo para se aproximar de outras temáticas como conhecimento técnico, visão sobre a educação, auto-imagem profissional, dentre outros.
Dessa maneira, conclui-se que há a necessidade de rever o papel da universidade no que se refere aos cursos de formação de professores, ao mesmo tempo em que há que se repensar o processo de formação continuada dos mesmos, com o intuito de acompanhar as modificações que ocorrem no contexto social e histórico. Nessa vertente, estudar o professor em seu cotidiano, bem como entrar em contato com suas Representações Sociais, entendendo-o como um ser histórico, pode auxiliar na definição e reconstrução de novas imagens. O conhecimento do professor é construído em seu próprio cotidiano e não é fruto somente da escola. Vale ressaltar que esses conhecimentos provêm de outros âmbitos e de sua participação em movimentos sociais, religiosos, sindicais e essa comunicação obtida na troca que ele estabelece com as pessoas que também participam destes movimentos é que proporciona que conheçamos as formas de ser, de agir e de pensar do professor (Cunha, 2003).
Neste sentido, objetivou-se nesta pesquisa identificar as representações sociais de família para um grupo de professoras do ensino fundamental, com base em situações rotineiras do cotidiano.
Método
Sujeitos
Esta pesquisa contou com a participação de 16 professoras regentes, atuantes no ensino fundamental nas quatro séries iniciais, de quatro escolas da cidade de Araguari-MG, com idade entre 20 e 50 anos e com formação em nível superior sem área pré-definida. Elas foram contatadas através da Secretaria Municipal de Educação que autorizou a realização da pesquisa em suas escolas, desde que as professoras participassem sob livre e espontânea vontade. Desta maneira, houve também um contato prévio com as professoras que assinaram um termo de compromisso para participação na pesquisa e que seguiu os preceitos éticos da resolução 196 da pesquisa com seres humanos.
Instrumentos
Como instrumentos para coleta de dados foram utilizados duas situações uma envolvendo "situação cotidiana / escolar" e outra "situação notícia". Os dados foram coletados durante o horário de módulo das professoras, que respondiam as situações individualmente e, cada situação era apresentada em dias diferenciados, para que se pudesse evitar influência de uma resposta sobre outra. A título de esclarecimento e para facilitar o entendimento dos resultados obtidos, as situações que foram apresentadas às professoras serão descritas na íntegra.
A situação cotidiana / escolar apresentava o seguinte contexto: Carolina é uma criança retraída; faz as tarefas somente quando a professora pede e não gosta de participar das festividades promovidas na escola. A professora, depois de seis meses, resolveu contatar a família de Carolina. Enviou três bilhetes, dos quais apenas o último continha uma resposta: "Professora, não tenho tempo para acudir os chiliques da Carolina. Se ela não quer participar de nada, nada, também, posso fazer. Vai ver que ela puxou a moleza do pai, o qual, aliás, tem dois dias que não o vejo". Qual seria sua reação, se estivesse no lugar de Carolina? Enquanto professora, qual seria sua reação ao receber um bilhete como este?
A segunda situação, denominada de "situação notícia" apresentava o seguinte texto: No mês de abril de 2004, foram veiculadas imagens retratando a violência no Rio de Janeiro, especificamente na favela da rocinha. Em menos de duas semanas, doze pessoas foram mortas em tiroteios. Morreram traficantes, policiais e inocentes alvejados por engano. Alguns pesquisadores e sociólogos alegam que toda essa violência acontece, porque não há políticas para acabar com a pobreza. Outros alegam que é necessário acabar com a desigualdade. "Não é a pobreza que causa violência. É a ruptura do tecido social, a falta de estrutura das famílias, a desigualdade e os conflitos". Em sua opinião, o que é a falta de estrutura familiar que a notícia está retratando?
Resultados
A análise dos dados foi realizada utilizando a Análise de Conteúdo de Bardin (1975), a partir da criação de categorias por semelhança de respostas, percentuais das mesmas, freqüência, com destaque para as falas por vezes, qualitativamente diferentes ou similares umas das outras.
Em relação às respostas obtidas para a questão "Qual seria sua reação, se estivesse no lugar de Carolina?", pôde-se verificar certa dificuldade, por parte das professoras, em responder, ou seja, em imaginar quais sentimentos, sensações e pensamentos perpassam na cabeça de outras pessoas e como reagiriam, caso a situação acontecesse com elas. Algumas professoras chegaram a expressar verbalmente, o quanto estava sendo difícil se reportar ao lugar do outro. As professoras expressaram comentários do tipo "isto é o que mais acontece na escola", ou "coitada desta menina". Algumas se sentiram pouco à vontade para se colocar no lugar de Carolina (criança da situação) e acharam mais fácil se posicionar como se fossem professoras da Carolina.
Os resultados observados na tabela apontam que 50% das professoras pesquisadas chegaram a responder que reagiriam do mesmo jeito que Carolina, não participando das atividades propostas, sendo retraída e tímida. Na segunda categoria de respostas, observou-se que 25% das professoras entrevistadas já teriam uma postura diferenciada, ou seja, não se contentariam com a situação vivenciada de ficarem de fora das atividades propostas pela professora e, então, procurariam chamar a atenção da mesma para que alguma providência fosse tomada. Em relação à terceira categoria, também foram obtidos 25% de respostas, alegando que se sentiriam desestimuladas em função da falta de apoio familiar.
Na segunda parte da situação 1, na qual as participantes do estudo retomam seus lugares de professoras da Carolina, ou seja, elas deixam o lugar do outro e reassumem o papel profissional, o percentual obtido apresentou a seguinte freqüência de respostas:
O percentual de respostas apresentados evidenciam que 43,75% mudariam o jeito de trabalhar com Carolina, após o recebimento do bilhete; 31,25% procurariam ajuda especializada ou a direção da escola; 18,75% procurariam a família e 6,25% assumiriam o papel de mãe da Carolina.
Ao se observar o conteúdo das respostas das professoras verificou-se uma mudança de postura ao tomarem conhecimento do bilhete enviado pela mãe de Carolina, tanto que elas relataram, em sua maioria (43, 75%) que mudariam o jeito de lidar com Carolina, com o propósito de fazê-la participar mais das atividades, juntamente com os colegas.
Em relação às respostas obtidas com a aplicação do segundo instrumento, que questionava a respeito do que seria a falta de estrutura familiar que a notícia está retratando, foram obtidas as seguintes freqüências de respostas:
Nessa questão, foi possível observar que 37,5% das professoras alegaram que a falta de estrutura se deve ao fato de ambos os pais terem que sair para trabalhar, deixando os filhos relegados a cuidados de terceiros (babás, creches, pré-escolas); 25% alegaram que se deve à falta de religião / Deus. O percentual equivalente a 12,5% apareceu em três categorias de resposta que podem ser identificadas como: pais que não assumem as responsabilidades para com os filhos, falta de amor e desigualdade social.
Discussão
Referente à situação cotidiana/escolar, foi possível observar uma certa discrepância nas respostas, quando as professoras tiveram que se posicionar no lugar da criança relatada na estória e ao retomarem seus papéis de professoras da mesma criança., salientando que foi percebida uma incongruência entre as respostas emitidas para a situação cotidiana, tanto na primeira quanto na segunda parte. Quando assumem o papel de professoras, mostram-se voltadas para o atendimento das necessidades da criança. Mas, ao se colocarem no lugar do outro, há certa dificuldade, porque a troca de papéis implica na visualização do fenômeno, com olhos de outrem. Daí a necessidade de um trabalho que faça a interlocução entre família e escola, fazendo com que pais e professores sintam o quanto são responsáveis pela educação de crianças e jovens. Esse trabalho pode ser executado a partir da formação de uma equipe interdisciplinar, composta de psicólogos, pedagogos, assistente social, por exemplo.
Independentemente da configuração familiar, tanto a família quanto a escola exercem grande influência na educação dos indivíduos e, deste modo, é importante que estabeleçam uma relação de colaboração pautada na cooperação e respeito mútuo, que se reflita, positivamente, na vida escolar dos alunos. O conhecimento oferecido pela escola deve permitir às crianças e jovens, que dela participam uma compreensão do mundo para que possa atribuir um sentido. Porém, isso somente será possível quando a escola se abrir, atravessar seus muros e fizer um movimento para conhecer a comunidade que existe ao seu redor. No entanto, cabe também à família, buscar a equipe escolar para compreender as dificuldades enfrentadas pela escola, para que juntas, possam solucionar os problemas existentes. (Fundação Itaú, 2002).
Sabe-se que não é possível atender à grande demanda de problemas que o setor educacional enfrenta como professores despreparados, além dos baixos salários que colaboram com a falta de estímulo e motivação para o trabalho. Porém, se o professor consegue obter informações sobre quem é o responsável ou quem poderá acompanhar a criança durante esse período de aprendizagem, as tarefas passam a ser divididas e a escola deixa de ter um fardo tão pesado a ser carregado, que é o ter que educar e cuidar de todos os seus alunos.
Em contrapartida, ao retomarem o lugar de professoras e ao saberem da situação da Carolina através do bilhete, elas afirmam que mudariam o jeito de trabalhar com essa criança. Dessa maneira, num primeiro momento, trabalha-se com a imagem de uma criança que "não quer fazer nada", sem o conhecimento do real motivo, para, num momento posterior, reverter essa imagem da mesma criança, visto que outras informações vieram complementar sua história de vida. Sabe-se que o professor exerce influência sobre os alunos. Desse modo, o fato de mudar sua postura pedagógica pode fazer a diferença na vida de uma criança e até mesmo, em sua própria vida, considerando que, se houve a possibilidade de mudança em seu modo de agir, como mencionado nas respostas, foi porque houve a necessidade de repensar e refazer as imagens criadas anteriormente. Enxergar a mesma realidade sob vários vértices pode ser uma das maneiras de se entender o fenômeno das Representações Sociais, visto que a teoria é construída a partir de um conjunto de idéias e significados que possuímos acerca da realidade.
Dessa maneira, pode-se concluir desse instrumento número 1 que há uma necessidade de se repensar a relação família / escola, a partir das representações das professoras que atuam em sala de aula, para que se possa promover uma reflexão que se concretize em mudança de atitude para oferecer espaço à construção de novas Representações Sociais.
Uma análise geral da segunda parte do instrumento número 1, a partir das freqüências apresentadas, permite pensar que, uma vez sabido que as interações entre escola - família - sociedade, bem como as heranças socioculturais (hábitos, costumes, crenças e preconceitos) são de fundamental importância tanto para o aluno, quanto ao que é transferido para a instituição escola, faz-se necessário que sejam situadas tais questões no processo de ensino-aprendizagem. (Donatoni, 2002). É inegável a influência que um professor exerce sobre seus alunos, principalmente no ensino fundamental, em especial, nas quatro séries iniciais. Não há como compreender a educação, deixando de lado a análise das relações sociais estabelecidas entre professores e alunos. Assim, cada vez mais se torna amplo o papel e a responsabilidade assumidos pela escola e por seus protagonistas, os professores. Ao se tomar como referência as respostas obtidas, caso elas fossem a criança da situação, pode-se perceber "o jogo do empurra - empurra": a escola que culpa os pais pelo modo como seus filhos se comportam; e os pais que deixam para a escola, toda a responsabilidade de educar seus filhos. (Wagner, 2003; Fundação Itaú, 2002; Larocca, 1999).
A impressão que se tem é que a escola e a família caminham, ainda, em linhas paralelas, não favorecendo, deste modo, que o indivíduo possa enfrentar as adversidades surgidas em seu contexto. Dessa forma, evidencia-se, nas três categorias de resposta, o pensamento de que a família, ainda que venha passando por transformações, é colocada como de extrema importância na vida das pessoas, e quando ela não cumpre uma de suas funções, que é a de oferecer assistência para o desenvolvimento do indivíduo, percebe-se uma incompletude em relação ao desempenho educacional. Essa característica pode ser evidenciada através do estudo de Wagner (2003) e pela pesquisa realizada pela Folha de São Paulo, em 1998, na qual as pessoas colocam a família como sendo mais importante do que o casamento, por exemplo.
Em relação ao segundo instrumento, a situação notícia, pode-se concluir que há certa distância entre o que acontece nas salas de aula e a realidade que as professoras gostariam que existisse. O questionamento a respeito da desestrutura familiar que estaria sendo retratada na notícia veiculada, revela a imagem da família que se encontra fora dos padrões considerados "normais", para que seja chamada de família: mora na favela, cada um cuida de si e, em geral, a mãe é a provedora e cuidadora do lar. Essa é uma imagem que vem sendo observada desde os anos 80, início da entrada da mulher para o mercado de trabalho; o que exigiu uma mudança nos papéis sociais assumidos por homens e mulheres e, por pais e mães, quando realizam essa função. Portanto, a desestrutura, na opinião das professoras pesquisadas, estaria se refletindo no fato de os pais terem que sair para trabalhar deixando seus filhos sob o cuidado de terceiros, incluídos nesse grupo, as creches, pré-escolas, a escolas infantis e as babás.
Nesse sentido, a Psicologia Social auxilia-nos a compreender a expectativa em relação ao comportamento do outro, visto que as pessoas são afetadas pelo modo como se relacionam entre si. A interação humana é de extrema importância para pautar a conduta do indivíduo em relação às outras pessoas (Rodrigues, 2003). A interação gera uma comunicação e é a partir disso que as Representações Sociais passar a ser construídas. Portanto ao se relacionar os resultados obtidos com a situação notícia e a teoria das Representações Sociais pode-se concluir que o mundo passa a ser percebido tal como é e todas as percepções, idéias e atribuições são respostas a estímulos do ambiente físico ou quase físico em que se vive. (Moscovici, 2003). Entretanto, na atualidade, não há comunicação porque não há tempo para estar com o outro e, dessa maneira, delega-se à escola, funções e responsabilidades que devem ser de cunho familiar, como a socialização inicial do indivíduo, por exemplo.
Conclusões
Com base nos resultados obtidos com a aplicação dos dois instrumentos - situação cotidiana/ escolar e situação notícia, foi possível identificar representações sociais de família, pela fala das professoras pesquisadas, evidenciando o quanto a família, organizada nos moldes tradicionais, seria a maneira mais correta de ser o esteio para o desenvolvimento do indivíduo. Dessa maneira, percebe-se que as Representações Sociais de família, para esse grupo de professoras ainda têm, em sua maioria, uma conotação de tradicionalismo para que seja considerada uma família, em seu sentido pleno.
Podemos inferir, ainda, baseando-se nessas considerações, que se colocar no lugar do outro implica em rever os próprios comportamentos e permite que, com olhos alheios, possa-se, pelo menos em parte, tentar entender o que acontece com as pessoas ao terem que enfrentar determinadas situações. Neste caso, a criança retratada poderá ser encontrada em qualquer instituição escolar, cabendo às professoras, buscar conhecer o grupo de alunos com os quais se trabalha no sentido de compreender de que maneira a dinâmica familiar pode interferir no desenvolvimento e na aprendizagem de um indivíduo.
Pode-se inferir que nenhuma das pessoas envolvidas - tanto os pais quanto às professoras - se encontram preparadas para lidar com a imagem das novas famílias que adentram na realidade social. Observa-se que ambos os pais trabalham fora para que possam garantir o desenvolvimento e a sobrevivência de seus filhos, considerando que vivemos em uma sociedade capitalista em que a desigualdade social abre espaços entre as pessoas. O que não se deve esquecer é que, para as camadas populares, mesmo que não tenham tempo disponível para acompanharem mais amiúde o desempenho de seus filhos na escola, depositam nela toda esperança de um futuro diferenciado.
Um outro item, que obteve um percentual considerado elevado, justifica a desestrutura familiar através da falta de religião ou de Deus na vida das pessoas. Sabe-se que a igreja é uma instituição que agrega valores e que, em muitos casos, pauta a conduta dos indivíduos exercendo uma influência direta em seu comportamento. Nesse ponto, a teoria das Representações Sociais encontra campo fértil para atuação e pesquisa, no sentido de permitir a reflexão a respeito do que já existe sobre família, bem como fornecer indícios para que novas Representações Sociais possam ser construídas. Não podemos esquecer que as Representações Sociais envolvem crenças, valores e imagens, relacionando estes aspectos entre si, procurando explicar de que modo estes elementos surgem na consciência dos indivíduos. Assim, as notícias sociais trazem ao nosso conhecimento o que acontece no mundo e como lidamos com estes fatos, já que, direta ou indiretamente, eles afetam o comportamento e a própria Representação Social do ser humano.
Concluindo, essa pesquisa permitiu conhecer, em parte, quais são as representações sociais de família para esse grupo de professoras da cidade de Araguari-MG. As respostas vieram confirmar a preocupação observada durante a prática como docente universitária de que o discurso teórico é moderno e flexível, mas quando é momento de declarar abertamente o pensamento particular acerca da temática família, o discurso não se sustenta, permanecendo a representação construída de que a família ideal é a família nuclear. Nesse ponto, é relevante desenvolver um trabalho de reflexão com o professor, considerando que sua atuação em sala de aula irá se refletir na construção das Representações Sociais de seus alunos de 1ª a 4ª série; período no qual a criança está em contato com outros adultos, além dos seus cuidadores, e seu processo de socialização exige que ela aprenda as habilidades para pertencer ao "mundo de gente grande".
Nesse sentido, favorecer a interlocução entre a Psicologia Educacional e a Psicologia Social se faz importante, pois, ao entender as relações que são estabelecidas entre as pessoas, como se processa o desenvolvimento e como se constroem valores e crenças, há a capacidade de elaborar Representações Sociais pertinentes à realidade a qual pertencem, passando a compreender que é pelo conflito que se processam as mudanças necessárias e adequadas à vida. Na escola, essa dinâmica interacional deve ganhar uma outra dimensão, visto que as professoras irão compartilhar linguagens e sentidos de mundo diversos que serão auxiliadores na elaboração, construção e, caso necessário, na re-construção das Representações Sociais, juntamente com seus alunos e suas respectivas famílias.
Parafraseando Moscovici (2003), o intuito da teoria das Representações Sociais é muito claro, já que assume como seu centro a comunicação e as representações, esperando elucidar os elos que unem tanto a psicologia humana quanto as questões sociais e culturais contemporâneas. Tudo aquilo que parece fugir do seu curso normal assusta, ao mesmo tempo em que incita. Tudo que se desvia do familiar, coloca em ação, a busca por um sentido que traga a familiaridade de volta. Dessa forma, a motivação para que se elabore as Representações Sociais nada mais é do que a construção de uma ponte que faça a junção entre o estranho e o familiar, na medida em que o estranho é a pressuposição de que há uma falta de comunicação dentro do grupo em relação aos acontecimentos do mundo. A procura pelo familiar, a partir das situações consideradas estranhas ou não-familiares, nada mais é do que a tendência para o conservadorismo, para a confirmação de um conteúdo considerado como significativo. Mas, é justamente o oposto que deve ser procurado: ao se depararem com algo que é não-familiar, deve-se partir para a especulação e buscar sua origem, quem sabe a partir desse ponto, as pessoas se tornem mais flexíveis e mais críticas de suas crenças.
Acredita-se que essa pesquisa possa abrir caminhos para que o tema família seja abordado e discutido sob outros vértices, bem como possa oferecer suporte para a realização de projeto de intervenção psicoeducacional capaz de mobilizar e sensibilizar as professoras para que possam rever sua atuação pedagógica. Ao se primar pelo desenvolvimento global do indivíduo, é necessário que o professor conheça sua história de vida, pelo menos em parte. Além disso, cabe ao professor, durante sua formação, adquirir conhecimentos referentes ao desenvolvimento humano e da cultura na qual está inserido, pois as concepções, representações e conhecimentos acerca de qualquer assunto, poderão ser conhecidos por sua fala e comportamento. Pelo lugar que o professor ocupa, sua influência é muito significativa, pois a maneira como ele vê os alunos, retrata o modo como ele estabelecerá os vínculos e, ainda, ajudará na construção da auto imagem dos mesmos.
Referências
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Endereço para correspondência
Ana Lúcia Costa e Silva
Rua Coronel José Ferreira Alves, 60 - Centro
38440-016 Araguari-MG
Tel.: +55-34 3242-6069
E-mail: anaciacosta@yahoo.com.br
Recebido em: agosto/2005
Revisado em: novembro/2005
Aprovado em: dezembro/2005
Sobre os autores:
1 Ana Lúcia Costa e Silva é psicóloga e mestre em psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia.
2 Cláudia Araújo da Cunha é psicóloga, mestre em psicologia, doutora em educação pela UNICAMP e professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia - MG.