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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.8 n.2 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Compreensão em leitura e desempenho em escrita de crianças do ensino fundamental

 

Reading comprehesion and writing performance of the elementary school children

 

Comprensión en lectura y desempeño en escrita de niños de la enseñanza primaria

 

 

Andréia Arruda Guidetti *; Selma de Cássia Martinelli **

Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo investigar as relações entre a compreensão em leitura e o desempenho em escrita de alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental. Participaram do estudo 148 crianças, entre 8 e 12 anos de idade, de três escolas públicas. A compreensão em leitura foi avaliada por um texto elaborado segundo a técnica Cloze e o desempenho em escrita por uma escala de avaliação da escrita. O resultado revelou valor significativo no teste de correlação, indicando que quanto maior a compreensão em leitura melhor o desempenho em escrita.

Palavras-chave: Avaliação da escrita, Cloze, Educação.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the relationships between the reading comprehension and the writing performance of students from the first cycle of the elementary school. 148 children, aged between eight and twelve years old, attending at three public schools, took part in this study. The reading comprehension was evaluated by a text elaborated according to the Cloze test technique, and the writing performance by a writing evaluation scale. The result revealed significant value in the correlation test, suggesting that the higher is the reading comprehension, the better is the writing performance.

Keywords: Writing evaluation, Cloze test technique, Education.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo investigar las relaciones entre la comprensión en lectura y el desempeño en escrita de alumnos de los primeros grados de la enseñanza primaria. Participaron del estudio 148 niños entre 8 y 12 años de edad de tres escuelas públicas. La comprensión en lectura fue evaluada por un texto elaborado según la técnica de Cloze y el desempeño en la escrita por medio de una escala de evaluación de la escrita. El resultado mostró un valor significativo en el test de correlación, indicando que cuanto mayor es la comprensión en lectura, mejor es el desempeño en la escrita.

Palabras clave: Evaluación de la escrita, Cloze, Educación.


 

 

Introdução

Conforme as pessoas crescem, elas passam, de uma maneira geral, a falar e escrever sem se indagar acerca do que a linguagem significa. A utilizar da palavra linguagem está referindo-se à linguagem como comunicação, representação e prática social e às suas modalidades oral, escrita e corporal. Neste estudo abordar-se-ão as duas modalidades presentes no contexto das concepções de linguagem, que são a leitura e escrita, por serem as formas mais enfatizadas pela instituição escolar, fazendo com que seu aprendizado ocupe grande parte do currículo acadêmico e seja a base das avaliações escolares.

Além disso, observa-se que o aprendizado da leitura e escrita é essencial, pois é por meio dele que a criança aprende e conhece o que é produzido historicamente, insere-se na sociedade letrada e adquire mais instrumentos para expressar seus sentimentos, idéias e emoções, revelando seu universo psíquico. Segundo Franchi (1992), a linguagem oral e escrita é utilizada pela humanidade como instrumento de comunicação, pois é por meio dela que comunicamos aos outros nossas experiências, estabelecemos laços contratuais, interagimos, influenciamos e decidimos.

Por ser inegável a relevância do aprendizado da leitura e escrita na vida do ser humano é que a escola o coloca como um dos principais objetivos de sua ação educacional, porém a deficiência nessas habilidades caracteriza-se como um dos principais obstáculos para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com dados do SAEB 2003, divulgados pelo INEP, 55% dos estudantes que saem da quarta série do ensino fundamental apresentam níveis muito críticos no desempenho em leitura e escrita, ou seja, não desenvolveram habilidades de leitura mínimas condizentes com quatro anos de escolarização, não foram alfabetizados adequadamente e não conseguem responder aos itens da prova de avaliação em leitura e escrita do SAEB.

Ler e escrever são habilidades que fazem parte do nosso dia-a-dia, entretanto, por mais comum que possa parecer, essa tarefa não é tão simples. Segundo Oliveira (2005), há algumas competências centrais para que o processo da leitura ocorra com eficiência. Entre elas são necessárias a consciência fonológica, ou seja, a idéia de que diferentes letras produzem diferentes sons; o princípio alfabético, desenvolvendo a idéia de que há uma relação entre a presença e posição de um grafema e o som que ela tem na palavra; a decodificação, que é a capacidade de pronunciar o som de uma palavra escrita ou transformar em escrita uma palavra ouvida e a fluência que inclui a correção e o ritmo de leitura de textos.

Para Tessaro (2004) o ato de ler envolve ainda um conjunto de habilidades, como a decodificação, nível de compreensão literal, nível de compreensão independente e nível de leitura crítica, e sub-habilidades como a discriminação visual, discriminação auditiva, memória visual e memória auditiva. Nessa direção, Garcia (1998) revela que, na tarefa concreta da leitura, é possível identificar quatro grandes módulos, que incluem os processos que são postos em funcionamentos ao realiza-se a leitura.

O módulo perceptivo é o primeiro na tarefa da leitura, pois efetua os trabalhos de extração de informação, reconhecimento e análise lingüística. O módulo léxico é o responsável pela recuperação do conceito associado à unidade lingüística, ou recuperação léxica, mediante dois caminhos: um visual e outro fonológico. Já o módulo sintático inclui estratégias de reconhecimento gramatical ou sintático da ordem das palavras, do seu papel funcional, do significado e do uso dos sinais de pontuação, entre outras. Por último, o módulo semântico implica processos que integram as distintas palavras num todo coerente que permite a extração do significado da mensagem, além do que cada uma das partes represente.

Dessa forma, Zorzi, Serapompa, Oliveira e Faria (2003) enfatizam que ler corresponde a um ato de extrema complexidade, envolvendo processos perceptuais, lingüísticos, cognitivos, comunicativos e também afetivos e, portanto, aprender a ler não se reduz à capacidade de decodificar e dar sentido às palavras. Nessa direção, Santos (1990) argumenta que ler significa, fundamentalmente, compreender o que foi lido e, portanto, não basta que o leitor somente decodifique, mas é preciso que contextualize e atribua significado à leitura.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa - PCN (Brasil, 1997), a leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto a partir de seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto e de diversos outros aspectos envolvidos nessa habilidade. Enfatizam ainda que ler não significa extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra, mas envolve uma série de estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, que permitem ao leitor controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante das dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido e buscar no texto a comprovação das suposições feitas.

São várias as definições sobre leitura; há divergências de posições entre alguns autores quanto às habilidades necessárias para se ler, aos processos envolvidos no ato da leitura, dentre outros. Entretanto, torna-se visível que o que há de comum em todos os autores é a complexidade de se tornar um indivíduo com competência crítica e criativa de ler. Desse modo, muitos estudos vêm se debruçando sobre esta temática, buscando um conhecimento mais aprofundado sobre as variáveis envolvidas neste contexto.

As pesquisas sobre leitura são diversificadas, tratando de temáticas como compreensão em leitura (Joly & Lomônaco, 2003; Salles & Parente, 2002; Santos, 2004), compreensão em leitura e desempenho acadêmico de universitários (Oliveira & Santos, 2005; Silva & Santos, 2004), desempenho em leitura e relações com o ambiente familiar (Guidetti & Martinelli, 2007), programas educativos em leitura (Fontes & Martins, 2004), estratégias de aprendizagem e leitura (Gomes & Boruchovitch, 2005; Santos, Vendramini, Suehiro & Santos, 2006), dificuldades na leitura (Capovilla, Capovilla & Suiter, 2004), leitura e alfabetização (Belintane, 2006), entre outras.

Muitos estudos têm utilizado a técnica Cloze para avaliar a compreensão em leitura e o desempenho acadêmico em estudantes universitários (Silva & Santos, 2004). Os resultados mostram que os estudantes apresentam um nível de compreensão em leitura aquém do esperado para essa etapa de escolaridade, além de indicar uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre compreensão em leitura e desempenho acadêmico.

Essa técnica também tem sido utilizada em pesquisas com estudantes do ensino fundamental e demonstra ser adequada tanto para a avaliação da compreensão em leitura quanto para a intervenção (Cain, Patson & Andrews, 2005; Joly & Lomônaco, 2003; Santos, 2004). Os estudos evidenciam que a técnica Cloze mostra-se motivadora e efetiva para promover a compreensão crítica e criativa em leitura, indicando que grupos que passam por programas de intervenção com essa técnica revelam progressos significativos na compreensão em leitura. Destacam ainda que se mostra eficaz para promover a compreensão em leitura, principalmente para os sujeitos da primeira à quarta séries do ensino fundamental.

Por sua vez, a escrita pode ser denominada como o segundo tipo de representação depois da fala. É uma nova forma de representar os pensamentos e sentimentos, além de ser uma forma de comunicação. Segundo Cagliari (1989), a escrita é uma das manifestações históricas mais antigas da humanidade e apareceu, no início, sob a forma numérica, visto a necessidade de contar os fenômenos da natureza ou o número de animais de um rebanho. O autor destaca que a forma não-numérica apareceu bem mais tarde e foi inventada pela leitura, pois na maioria das vezes escrevemos para que alguém leia.

Para Garcia (1998), pelo menos quatro grandes processos estão envolvidos na conduta criativa e complexa que é a escrita. Em primeiro lugar estão os processos de planejamento da mensagem, gerando idéias, organizando e revisando-as, seguidos pelos processos de construção sintática que regularizam a estrutura e a colocação de palavras funcionais. Em terceiro lugar são acionados os processos de recuperação de elementos léxicos que recuperam os grafemas, sendo seguidos pelos processos cognitivos que estão relacionados aos processos motores e que culminam com a produção da escrita de forma aberta. O autor enfatiza que a escrita é um processo complicado que exige vários anos de esforços escolares para sua aprendizagem e que não atinge o auge com a aquisição dos simples automatismos gráficos, pois necessita de habilidades específicas e muito treino.

Nessa mesma direção, Sánchez (1998) destaca que a escrita é a forma de linguagem que gasta o maior tempo para ser adquirida, justamente por compreender diversas operações cognitivas por parte do sujeito. Por sua vez, Zorzi (1998) enfatiza outros fatores envolvidos no aprendizado da escrita, como a relação entre a letra e o som, a correspondência quantitativa entre letras e sons, a variação entre o modo de pronunciar as palavras e a maneira de escrevê-las, a posição de cada letra no espaço gráfico, a direção da escrita e a linearidade, que corresponde ao fato de uma letra ser escrita após a outra.

Além de todos esses aspectos, Cruz (1999) evidencia que a aquisição da escrita requer o reconhecimento de processos construtivos e sua compreensão é uma construção interna do sujeito que utiliza processos ativos, pois quanto maior a participação da criança no seu aprendizado, melhor será sua compreensão da escrita. O autor destaca, ainda, a utilização de estratégias cognitivas e metacognitivas para a criança se ajustar às exigências pedidas e, por último, fala sobre o processo afetivo envolvido no aprendizado da escrita, indicando que a estabilidade emocional, o autoconceito, entre outros aspectos, se relacionam diretamente à aprendizagem.

Considerando que a escrita é um meio de comunicação importante e que seu poder não reside em si mesma, mas no uso que a sociedade faz dela, outros dois aspectos destacados por Cruz (1999) são importantes para se compreender esta construção. Os aspectos sociais e culturais, visto que quem não aprende a ler e escrever dificilmente chegará a uma autonomia pessoal e não terá acesso a obras e veículos de comunicação como jornais e revistas, que complementam a cultura do ser humano.

De acordo com os PCN da Língua Portuguesa (Brasil, 1997), as pesquisas na área da aprendizagem da escrita proporcionam saber que aprender a escrever envolve processos paralelos que possibilitam compreender a natureza do sistema de escrita da língua, seus aspectos notacionais e discursivos, ou seja, o funcionamento da linguagem que se usa para escrever. Ressalta-se ainda que é possível grafar palavras sem saber produzir textos, que o domínio da escrita se adquire muito mais pela leitura do que pela própria escrita e que a escrita não é o espelho da fala.

Essas colocações possibilitam refletir sobre a utilidade da escrita como finalidade de formação de escritores competentes e capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes. Dessa forma, um escritor competente é alguém que sabe selecionar o gênero do seu discurso, atendendo aos objetivos pedidos, que o planeja, sabe elaborar um resumo, tomar notas durante uma exposição oral, esquematizar suas anotações para estudar um assunto e expressar seus sentimentos, experiências ou opiniões. Além disso, é capaz de olhar para o próprio texto como um objeto e verificar se está confuso, ambíguo, redundante ou incompleto, ou seja, é capaz de revisá-lo e reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório.

Assim como no aprendizado da leitura, também na escrita estão envolvidos vários processos enfatizados por diferentes autores e com variadas ênfases. Entretanto, é importante destacar que a literatura da área concorda que o objetivo deste aprendizado é formar cidadãos capazes de utilizar a escrita com eficácia, possibilitando tornarem-se escritores competentes e criativos.

A questão da escrita, bem menos estudada que a leitura, é abordada sob diversos enfoques, entre eles: programas educativos em escrita (Martins & Batista, 2005; Silva & Spinillo, 2000), processos para aprendizagem da escrita (Gontijo & Leite 2002, Motta, Moussatchè, Castro, Moura & D'Angellis, 2000), desempenho em escrita e relações com o ambiente familiar (Guidetti & Martinelli, 2007), aspectos afetivos das dificuldades de aprendizagem na escrita (Bartholomeu, Sisto & Rueda, 2006, Schiavoni & Martinelli, 2005), dificuldades de aprendizagem na escrita e nível intelectual (Cunha, Brito & Silva 2003), consciência fonológica e escrita (Gindri, Soares & Mota, 2007), entre outros.

Considerando-se que, de acordo com as explanações anteriores, ambas as formas de linguagem implicam um duplo sistema simbólico que permite transcrever um equivalente visual em um equivalente auditivo (leitura), ou o contrário, um equivalente auditivo em um equivalente visual (escrita), o desenvolvimento da escrita, assim como da leitura, evidenciam um conjunto de habilidades complexas que requer do indivíduo a utilização de diferentes processos cognitivos. Assim, para ler e escrever é necessário que o sujeito possua a capacidade de decodificação, compreensão, memória visual e auditiva e os processos perceptivos léxicos, que incluem os mecanismos visuais e fonológicos; sintáticos, que requerem a capacidade de operar mentalmente sobre os mecanismos responsáveis pela representação das palavras, e semânticos, que dão o sentido ao que se lê ou escreve. Além dessas habilidades, a leitura e a escrita requerem o desenvolvimento da consciência fonológica, que é definida por Gindri, Soares e Mota (2007) como a capacidade para refletir sobre a estrutura sonora da fala, bem como manipular seus componentes estruturais. Trata-se, portanto, da capacidade de pensar e operar sobre a linguagem como um objeto.

Dessa forma, constata-se que ler e escrever sintetizam duas significações e são interdependentes, pois a primeira leva a segunda e vice-versa. Assim verifica-se que as habilidades lingüísticas e cognitivas básicas, necessárias para que a aprendizagem ocorra, são numerosas e complexas, o que pode levar muitas crianças a apresentarem dificuldades nessas aquisições.

Apesar de essa temática ser pesquisada sistematicamente pelos estudiosos da área, de acordo com Parodi (2007), foi a partir de década de 90 que a literatura começou a apresentar estudos que buscavam relacionar a leitura e escrita. A partir desse período a relação entre leitura e escrita, baseada em processos cognitivos, passou a ser o interesse principal dos trabalhos neste campo de conhecimento. Entretanto, destaca que essas investigações não foram guiadas por uma estrutura consensual nem por uma teoria unificada e, conseqüentemente, os padrões usados para correlacionar a leitura e escrita não eram necessariamente comparáveis e não compartilhavam de um ponto comum de similaridade. Adverte ainda que os principais obstáculos dessa temática são os problemas com as definições teóricas subjacentes das teorias da leitura e escrita e com as medidas na investigação.

Parodi (2007) enfatiza que as diferenças entre os modelos de pesquisa referem-se aos processos cogni-tivos e aos mecanismos lingüísticos relacionados à compreensão e à produção da leitura e escrita. O autor defende a hipótese bidirecional que parte da suposição que ler e escrever são processos interativos em alguns níveis, mas independentes em outros. Esse modelo apresenta as relações entre leitura e escrita como uma constelação de processos relacionados que utilizam o substrato comum do conhecimento, não sobrecarregando o sistema cognitivo do indivíduo. Assim, é importante aceitar a existência de relações múltiplas entre ambos os domínios e estratégias particulares que são comuns a eles, permitindo uma distribuição mais econômica dos recursos no processamento da leitura e escrita. O autor enfatiza que o modelo bidirecional é o mais complexo, mas também o mais completo.

O domínio fonológico, outro enfoque nas pesquisas dessa área, exerce grande influência no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que possibilita a generalização dos sistemas de escrita alfabéticos. Se o alfabeto é um código com sistema de regras que asseguram a cada fonema de uma língua sua representação gráfica distinta, essas regras permitem compreender uma série de signos ortográficos nunca vistos anteriormente e permitem criar novas séries de signos para representar conceitos novos, de maneira que suas representações sejam inteligíveis para toda pessoa que conheça o sistema (Batista & Resende, 2003).

Para Pestun (2005), independentemente de a relação entre consciência fonológica e habilidade para leitura e escrita ser de causa, de efeito ou de reciprocidade, o que se tem claro atualmente é que o domínio fonológico exerce grande influência no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que possibilita a generalização dos sistemas de escrita alfabéticos. Por sua vez, a autora revela que muitos pesquisadores defendem a idéia de que existe uma relação de reciprocidade entre os processos cognitivos, isto é, ao mesmo tempo em que as habilidades metalingüísticas são fundamentais para a aquisição e o desenvolvimento da leitura e da escrita, o treinamento em leitura favorece o desenvolvimento da consciência fonológica.

Na literatura é possível encontrar autores pesquisando a relação entre leitura e escrita sob diferentes enfoques. Esta questão aparece relacionada a dificuldades de aprendizagem nos trabalhos de Zucoloto e Sisto (2002) e Korat e Schiff (2005), cujos os resultados revelaram que a série escolar da criança é um importante preditor tanto "da boa leitura e escrita" como das dificuldades, e também, e que o desempenho das crianças em leitura e escrita foi explicado por suas experiências em leitura de livros. Mostram ainda que os erros na compreensão da leitura aumentavam em razão da dificuldade de aprendizagem da escrita.

Avaliar as habilidades de leitura e escrita de gêmeos por meio de uma avaliação genética comportamental foi o objetivo do trabalho de Oliver, Dale e Plomin (2007), que encontraram que 69% das influências genéticas na escrita eram comuns com as da leitura, e que as duas habilidades compartilharam das mesmas influências ambientais. Por sua vez, o trabalho de Pinheiro e Neves (2001) discute as bases teóricas da construção de um instrumento para avaliação cognitiva da leitura e escrita, analisando a importância de novos instrumentos nesta área.

A consciência fonológica e a aprendizagem da leitura e escrita foram objeto de estudo de Pestun (2005), que encontrou uma correlação positiva entre consciência fonológica e ulterior desempenho em leitura e escrita. Corroborando esses achados, os resultados de Salles e Parente (2006) mostram que, de modo geral, as variações na consciência fonológica correlacionam-se com a aprendizagem da leitura e da escrita. Identificar habilidades cognitivas capazes de predizer desempenhos ulteriores em leitura e escrita foi o objetivo do trabalho de Capovilla, Gütschow e Capovilla (2004), que revelam que as habilidades que melhor predizem a aprendizagem da leitura e escrita são a aritmética, a memória fonológica, o vocabulário, a consciência fonológica e o seqüenciamento.

Para estudar métodos para o desenvolvimento da habilidade da leitura e escrita, Martins e Pennington (2001) investigaram a correlação entre a nomeação seriada rápida e a consciência de fonemas e diversas medidas de habilidade de leitura e escrita. Encontraram que a habilidade subjacente à nomeação seriada rápida é particularmente importante para o desenvolvimento da habilidade de ler textos, rápida e acuradamente. Por outro lado, a consciência fonêmica é particularmente importante para o desenvolvimento da habilidade de ler mediante a codificação fonológica, ou seja, pela conversão das letras ou grupos de letras em seus sons correspondentes.

Elbow (2004) mostra que a combinação da leitura e da escrita ajuda crianças a aprender rapidamente. Da mesma forma, a pesquisa de Parodi (2007), que teve como objetivo examinar os possíveis relacionamentos entre os dois processos psicolingüísticos (leitura e escrita) sob uma visão discursiva de uma perspectiva cognitiva, revela que os coeficientes entre a leitura e a escrita são significativos em todos os níveis psicolingüísticos analisados e sugerem que os processos envolvidos em ambas as atividades compartilham de algumas estratégias baseadas em conhecimentos comuns.

Nesse mesmo sentido, o trabalho de Cunha e Santos (2006), que buscou verificar as relações entre as habilidades de compreensão em leitura e de produção escrita em universitários, mostra que quanto menor a compreensão da leitura maior o número de erros nos tópicos gramaticais, evidenciando uma correlação entre essas habilidades e enfatizando a importância da relação entre leitura e escrita do ensino fundamental ao universitário.

Pode-se observar, pelo levantamento bibliográfico, que são poucos os trabalhos que abordam a leitura e a escrita como uma prática integrada que pode determinar o sucesso ou o fracasso escolar com a mesma importância ou amplitude. Considerando as explanações anteriores, observa-se a importância do aprendizado da leitura e escrita tanto para o desenvolvimento acadêmico como o social do ser humano e, por isso, o presente estudo tem como objetivo verificar se existe relação entre a compreensão em leitura e o desempenho em escrita de alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada com 148 alunos regularmente matriculados da 2ª à 4ª série do primeiro ciclo do ensino fundamental na faixa etária de 8 a 12 anos de idade, de três escolas municipais situadas em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Quanto ao gênero, participaram 80 crianças do sexo masculino (53,7%) e 68 do feminino, correspondendo a 46,3% dos participantes. Com relação à distribuição dos participantes nas séries, 63 (42,6%) cursavam a segunda série, 47 (31,8%) cursavam a terceira série e 38 (25,7%) estavam matriculados na quarta série.

Instrumentos

Compreensão de leitura - Na presente pesquisa foi utilizado um texto estruturado na forma do Cloze tradicional, em que o 5º vocábulo é omitido, tal como proposto por Taylor (1953). A técnica Cloze é usada como instrumento de avaliação, diagnóstico e intervenção da compreensão da leitura, e a maior ou menor facilidade que o leitor encontrar para reconstruir a estrutura do texto determinará o índice de inteligibilidade do mesmo e a habilidade de compreensão da leitura.

O texto utilizado neste estudo foi elaborado por Santos (2005) para ser utilizado com crianças do ensino fundamental e apresenta evidências de validade para compreensão em leitura. A autora investigou 314 alunos de ambos os sexos, de 2ª a 4ª séries, e os resultados obtidos indicaram que o texto, com um total de 103 palavras, das quais 15 foram omitidas, mostrou-se adequado para avaliar a compreensão em leitura. A análise da consistência interna apresentou precisão satisfatória, com índices de alfa de Cronbach de 0,82. Procedeu-se também à análise dos desempenhos das crianças por séries e obteve-se um índice de 0,85 para a segunda série, de 0,69 para a terceira série, e para a quarta série, de 0,72. Como critério de correção adota-se a atribuição de um ponto para cada acerto.

Escala de Avaliação da Escrita (EAVE) - Trata-se de uma escala com 55 palavras, aleatoriamente dispostas em duas colunas a serem ditadas para crianças de 1ª a 4ª séries. Para cada palavra errada escrita pela criança é atribuído um ponto, sendo o escore máximo possível de 55 pontos (Sisto, 2005). A escolha das palavras ditadas foi feita com base em estudo desenvolvido.

O estudo realizado com 3.365 escolares de ambos os sexos, provenientes de escolas públicas e particulares do interior do estado de São Paulo, permitiu a seleção das palavras inseridas na Escala de Avaliação da Escrita, em seu formato atual, como as que ofereciam maior possibilidade de discriminação entre as diferentes séries. Um estudo preliminar realizado por Sisto (2005) revelou que a escala apresenta evidências de validade convergente, demonstrando alto índice de correlação (r=0,89) com outro instrumento, denominado Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), desenvolvido anteriormente pelo mesmo autor (Sisto, 2001).

Procedimento de coleta de dados

Após aprovação do comitê de ética, foi solicitada autorização da Direção das escolas e do Secretário de Educação do Município, bem como o consentimento livre e esclarecido dos responsáveis. Com o consentimento dos responsáveis, os instrumentos de avaliação da compreensão em leitura e desempenho em escrita foram aplicados pelo pesquisador, coletivamente na sala de aula, em dias diferentes e em horário regular de aula.

Para aplicação da escala de avaliação da escrita, os alunos receberam folha pautada em branco e foram orientados para colocar nome, série e data. Esclareceu-se que as palavras seriam ditadas de maneira pausada, uma a uma, não seriam repetidas e deveriam ser escritas da forma como houvessem sido compreendidas. Foram dadas indicações sobre as palavras maiúsculas que seriam ditadas. Ao final da aplicação todas as folhas foram recolhidas, e o tempo gasto para a atividade variou em cada turma, mas não ultrapassou 40 minutos.

Em outro dia, foi aplicado o instrumento para avaliação da compreensão em leitura. Os alunos receberam uma folha com o texto e foram orientados a colocarem nome, série e data, lerem o texto até o final, de modo a garantir o sentido do mesmo, e somente depois completarem as lacunas. Não foi estipulado tempo para a tarefa, porém esse não ultrapassou 30 minutos, variando em cada turma.

 

Resultados

Dois tipos de análise foram utilizados neste estudo. No primeiro são apresentadas as estatísticas descritivas dos grupos de compreensão em leitura e desempenho em escrita, seguidos pelos resultados da relação entre compreensão em leitura e desempenho em escrita. A associação entre as duas variáveis foi verificada por meio do índice de correlação de Pearson.

A pontuação obtida com o Cloze, instrumento utilizado para avaliar a compreensão em leitura dos participantes, pode variar de 0 a 15, tendo como ponto médio 7,5. A pontuação das crianças no teste variou de 0 a 14 e a média encontrada foi de 7,36 pontos com desvio-padrão igual a 3,68. Faz-se necessário ter clareza, para a leitura das análises posteriores, que o resultado obtido com o instrumento utilizado para avaliar a compreensão em leitura dos participantes foi computado considerando os acertos. Para divisão dos grupos de compreensão em leitura foi utilizado o percentil, que resultou na divisão em três grupos distintos de compreensão em leitura, como consta na Tabela 1.

 

 

De acordo com a Tabela 1, 25,7% dos participantes (38) acertaram de 11 a 14 palavras e representam o Grupo 1 (boa compreensão em leitura); 46,6% dos participantes (69) acertaram entre 6 e 10 e representam o Grupo 2 (desempenho mediano) e, por último, 27,7% dos participantes (41) acertaram de 0 a 5 palavras e representam o Grupo 3 (menor desempenho em leitura).

A pontuação obtida com a EAVE, instrumento utilizado para avaliar o desempenho em escrita dos participantes, pode variar de 0 a 55, tendo como ponto médio 27,5 e foi computado considerando-se os erros.

A pontuação das crianças no teste variou de 0 a 55 e a média encontrada foi de 21,65 pontos com desvio-padrão igual a 13,38. Para divisão dos grupos de desempenho em escrita também foi utilizado o percentil, que resultou na divisão em três grupos distintos conforme apresentado na Tabela 2.

 

 

De acordo com a Tabela 2, 25,7% dos participantes (38) possuem pontuação de 0 a 11 e representam o Grupo 1 (bom desempenho em escrita); 49,3% dos participantes (73) possuem pontuação entre 12 e 29 e representam o Grupo 2 (desempenho mediano) e, por último, 25% dos participantes (37) possuem pontua-ção entre 30 e 55 e representam o Grupo 3 (menor desempenho em escrita).

A prova de correlação de Pearson foi realizada entre os diferentes grupos de compreensão em leitura e desempenho em escrita, revelando uma correlação negativa e significativa (r= -0,57, p=0,000) entre as variáveis. Esse resultado indica que quanto maior a compreensão em leitura dos participantes melhor seu desempenho em escrita, ou pode-se dizer que, quanto melhor foi o resultado na prova de compreensão em leitura, menor quantidade de erros foi verificada na escrita de palavras, resultado este que pode ser observado pelas médias dos grupos nas duas variáveis investigadas.

 

Discussão e considerações finais

O presente estudo buscou analisar a relação entre compreensão em leitura e desempenho em escrita de alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental. Os resultados desta pesquisa parecem indicar uma ligação de reciprocidade entre as variáveis estudadas, pois revelam que a compreensão em leitura está relacionada ao desempenho em escrita, mostrando que ambos caminham juntos, tendo em vista que quanto maior a compreensão em leitura maior o desempenho em escrita e quanto menor a compreensão em leitura menor o desempenho em escrita. A partir desses resultados, pode-se inferir que leitura e escrita são duas construções que caminharam juntas na população investigada.

Esses resultados estão de acordo com outros estudos que analisaram a relação da leitura e da escrita buscando evidências de que ambas as construções acontecem paralelamente durante o processo de escolarização infantil (Elbow, 2004; Korat & Schiff, 2005; Parodi, 2007; Zucolotto & Sisto, 2002), o mesmo tendo sido verificado por Cunha e Santos (2006) com estudantes que cursavam o ensino superior. Apesar da congruência de resultados verificada entre esses estudos, deve-se destacar a escassez de literatura sobre o tema, seja nas pesquisas nacionais, seja nas internacionais, o que ressalta a necessidade de futuras investigações sobre essa temática.

Assim, pode-se considerar que os dados deste estudo, embora permitam apenas falar de relações de co-ocorrência e não de causalidade, possibilitam-nos supor que as habilidades de leitura e escrita caminham paralelamente em sua construção, pois observa-se que quanto melhor a compreensão em leitura dos alunos melhor seu desempenho em escrita e vice-versa.

Esses resultados levam-nos a refletir sobre a importância de se trabalhar essas habilidades paralelamente, sem que uma seja privilegiada em detrimento da outra, uma vez que a leitura e a escrita são socialmente valiosas e os educadores são naturalmente cobrados pelo ensino destas habilidades. Ensiná-las, porém, é uma difícil diligência, pois os processos cognitivos que as fundamentam são inerentemente difíceis de avaliar e de promover, e, mesmo os estudiosos propõem modelos diferentes para medir e desenvolver essa habilidade.

Desde o início da escolaridade as crianças já se deparam tanto com o trabalho de leitura quanto de produção de textos, seja com a colaboração do professor, com pares mais avançados, seja individualmente, em virtude da importância de seu aprendizado para a sociedade e para o indivíduo. Os PCN da língua portuguesa (Brasil, 1997) enfatizam que este trabalho é necessário desde o início da alfabetização e as crianças devem ser estimuladas a ler e escrever, ainda que não o façam convencionalmente. Temos clareza que ler e escrever sempre foram tarefas indissociáveis da vida escolar e das atribuições dos professores, entretanto ler e escrever maciça e superficialmente tem sido a questão dramática da escola recente, sem equipamentos e estendida a quase toda a população.

Tendo em vista a necessidade dessa aprendizagem e as dificuldades enfrentadas para se atingir tal objetivo dentro do contexto escolar, este trabalho proporciona informações valiosas aos profissionais da educação, pois possibilita analisar seus procedimentos educativos na construção das habilidades de leitura e escrita, vislumbrando que essa construção acontece paralelamente no processo de alfabetização infantil e no decorrer de todo o processo escolar, não de forma estanque e separada.

A sociedade vê a escola como espaço privilegiado para o desenvolvimento da leitura e da escrita, já que é nela que se dá o encontro decisivo entre a criança e a leitura/escrita. Considerando essas colocações, todo estudante deve ter acesso à leitura e escrita em boas condições, de forma estruturada, pensada e organizada, tendo em vista o processo de construção dessas habilidades. Neste ponto, destaca-se a importância da intervenção mediadora do professor e da ação sistematizada da escola na qualificação de ações indispensáveis à cidadania e à vida em sociedade, para qualquer estudante, como são o ler e escrever.

Por fim, cabe destacar que, no que diz respeito aos instrumentos utilizados, o presente estudo trouxe algumas contribuições que podem ser utilizadas para trabalhos futuros. Quanto ao uso da técnica Cloze e à EAVE para avaliar a compreensão em leitura e desempenho em escrita das crianças, pode-se observar que os instrumentos mostram-se eficientes para aplicação nas séries inicias do ensino fundamental e atingiram o objetivo proposto pelo estudo. Aponta-se ainda para a possibilidade de utilização do Cloze, por parte dos professores do ensino fundamental para fins de diagnóstico e intervenção em leitura. Vale lembrar ainda que seu emprego favorece o desenvolvimento da compreensão da leitura, auxiliando o aluno a estabelecer relações entre os elementos do texto, recorrer aos conhecimentos anteriormente aprendidos e apropriar-se de conhecimentos novos.

Sugere-se ainda que haja esforços para a realização de outras pesquisas que explorem mais amplamente as relações entre as duas habilidades pela sua importância para o contexto escolar.

 

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Endereço para correspondência
Rua Plinio Aviniente, 08 - apto. 220 - Santa Genebra II - Distrito de Barão Geraldo - Campinas/SP - 13084-740

Recebido em: julho/2007
Revisado em: setembro/2007
Aprovado em: novembro/2007

 

 

Sobre as autoras:

* Andréia Arruda Guidetti é psicóloga, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e Professora do Curso de Psicologia da Faculdade Politécnica de Jundiaí.
** Selma de Cássia Martinelli é pedagoga, Doutora em Educação, Professora do Departamento de Psicologia Educacional e Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia da Unicamp.