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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.22 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

Impacto do diagnóstico nas famílias de pessoas com Síndrome de Down: revisão da literatura

 

Impact of diagnosis on the families of Down Syndrome people: review of literature

 

 

Juliana de Souza Santos Hannum1, I ; Fábio Jesus Miranda2, I; Izadora de Freitas Salvador3, I; Aparecido Divino da Cruz4, I, II

I Pontifícia Universidade Católica de Goiás
II Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Goiás

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo avaliar a produção bibliográfica constituída por relatos de pesquisa indexados na base de dados CAPES e SCOPUS, no período de 2006 a 2016, sobre o tema impacto do diagnóstico e estratégias de enfrentamento em famílias de pessoas com Síndrome de Down. Essa revisão propõe verificar a influência deste impacto e as estratégias de enfrentamento parental como fatores que afetam os cuidadores diretos e contribuem para a ocorrência de alterações na dinâmica familiar. Os achados da pesquisa foram classificados de acordo com o tema investigado. Pode-se concluir que os pais, sem exceção, sofrem impacto do diagnóstico do filho SD e são acometidos por um processo de sofrimento agudo.

Palavras-chave: Síndrome de Down, Família, Enfrentamento.


ABSTRACT

This article aims to evaluate the bibliographic production consisting of research reports indexed in the CAPES and SCOPUS database, from 2006 to 2016, on the theme of diagnosis and coping strategies in families of people with Down Syndrome. This review proposes to verify the influence of the diagnosis impact and the strategies of parental coping as factors that affect the direct caregivers and contribute to the occurrence of changes in the familiar dynamics. The research findings were classified according to the topic investigated. It can be concluded that parents, without exception, suffer the impact of the diagnosis of with DS and are affected by a process of acute suffering.

Keywords: Down syndrome, Family, Coping.


 

 

Dados epidemiológicos indicam que, no Brasil, uma criança com Síndrome de Down (SD) nasce a cada 600 crianças nascidas vivas. Nesta perspectiva, estima-se o nascimento de cerca de 8.000 bebês por ano portadores da Síndrome (Ministério da Saúde, 1994).

A SD é uma condição genética humana resultante da trissomia do cromossomo 21, cuja alteração mais frequente corresponde a trissomia livre do 21, configurando cerca de 95% dos casos. Os outros 5% incluem translocação ou duplicação cromossômica envolvendo o cromossomo 21, além da ocorrência de mosaicismo entre alguns pacientes. A SD causa comprometimento intelectual com graus variáveis de dificuldades físicas, motoras e cognitivas (Moreira, El-Hani, & Gusmão, 2000; Castelão, Schiavo, & Jurber, 2003). Além do comprometimento intelectual com frequência variável, outros problemas de saúde podem ocorrer na criança com SD: cardiopatia congênita (50%); hipotonia (100%); problemas de audição (50-70%); de visão (15-50%); alterações na coluna cervical (1-10%); distúrbios da tireóide (15%); alterações neurológicas (5-10%); obesidade e envelhecimento precoce (23 a 70%) (Cooley & Graham, 1991).

John Langdon Down, médico britânico, foi quem primeiro descreveu as características da síndrome que leva o seu nome. Ele apresentou minuciosa descrição clínica da SD, apesar de estabelecer erroneamente associações entre a síndrome e indivíduos oriundos da Mongólia em função das características faciais peculiares evidentes na síndrome (Down, 1866). Após a sua descrição, diversos estudos sobre SD e suas famílias começaram a ser produzidos em diferentes áreas como Psicologia, Genética, Enfermagem, Serviço Social, dentre outras. A preocupação em relação ao modo como os pais (aqui denominados como cuidadores diretos por sua presença constante ao lado do filho) percebem a criança com SD sempre foi o enfoque de muitos desses estudos (Matos, Andrade, Melo, & Sales, 2006; Nóbrega & Oliveira Lopes, 2006; Ramos, Caetano, Soares, & Rolim, 2006; Sunelaitis, Arruda, & Marcon, 2007).

A princípio, os estudos tentaram associar o surgimento da SD à idade materna. Castelão et al. (2003) afirmavam que o avanço da idade materna aumentava gradativamente a possibilidade de uma criança nascer portadora da SD. As chances empíricas estimam que aos 20 anos, a proporção é de um caso a cada 1500 nascimentos, aos 35 anos sobe para um a cada 380 nascimentos e aos 45 anos, esse número sobe para quase um a cada 28 nascimentos. As informações do Ministério da Saúde (1994) mostram que a SD é uma condição genética que ocorre devido a erros na divisão celular que origina os gametas maternos ou paternos. Não é um fato que decorre de alguma alteração na gravidez ou de um acidente de qualquer natureza. A SD é uma alteração genética e, seguindo por essa interpretação pouco esclarecedora das diretrizes ministeriais, gera nos pais um sentimento de culpa e um peso que, muitas vezes, eles não conseguem lidar.

Essa rotação de perspectivas abriu a possibilidade de investigação até então insuspeitada ou pouco elaborada, suscitando uma série de interrogações que desdobram temas e dilemas que merecem a atenção da literatura sistemática. Podemos nomear algumas dessas questões: O que os pais sabem sobre a SD (diagnóstico e prognóstico)? Seria o impacto do diagnóstico o determinante para a condução da relação mãe-bebê? Por meio de quais mecanismos a estratégia influenciaria a qualidade dos cuidados fornecidos no cotidiano familiar? Qual a percepção dos pais sobre a condição do filho (como são percebidas as capacidades e potencialidades da criança)?

O presente estudo propõe-se a avaliar a literatura científica da área mediante pesquisa bibliográfica com o objetivo de investigar o impacto do diagnóstico em famílias de pessoas com SD e as estratégias utilizadas para enfrentar o diagnóstico, buscando-se identificar temas convergentes nos artigos publicados que possibilitem a organização e a análise de dados.

A preocupação que norteou esta revisão bibliográfica constituiu em busca de evidências que permitam caracterizar a influência do impacto do diagnóstico decorrente dos cuidados especiais exigidos pela criança com SD sobre os cuidadores diretos e as estratégias familiares. Mais particularmente, no presente estudo, a busca compreendeu-se no sentido de verificar quais as perguntas formuladas e examinadas pelo conjunto da literatura, que recursos metodológicos foram privilegiados pelos estudos, sua natureza (empírico, teóricos, relatos de experiência) e a perspectiva teórica que os informa.

O estudo de revisão orientou-se pela seguinte questão norteadora: qual o status da produção científica nacional e internacional acerca do impacto do diagnóstico em famílias de pessoas com SD e as estratégias de enfrentamento utilizadas?

 

Método

Operacionalizou-se a pesquisa bibliográfica mediante a busca eletrônica de artigos indexados em bases de dados (CAPES = Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e SCOPUS, a partir de palavras-chave relacionadas ao impacto do diagnóstico em famílias de pessoas com SD e as estratégias de enfrentamento. As consultas incluíram o período de 2006 a 2016. Foram utilizados os cruzamentos dos descritores (palavras-chave) relacionados ao tema em inglês: Down's syndrome and coping; Down syndrome and strategy; Down Syndrome and Family and Disability.

A amostra compreendeu os artigos indexados em periódicos, selecionados a partir de uma leitura prévia dos resumos anexados e seguiu os seguintes critérios de inclusão: I) veículo de publicação – optou-se por periódicos indexados por órgãos de maior divulgação e fácil acesso para os pesquisadores; II) idioma de publicação – artigos publicados na íntegra em língua inglesa ou portuguesa; III) ano de publicação – foram selecionados artigos publicados entre 2006 e 2016, totalizando, portanto, um período de 10 anos; IV) modalidade de produção científica – foram incluídos trabalhos originais relacionados ao tema (relato de pesquisa, estudo teórico, relato de experiência profissional); V) referências que tiveram como objeto de estudo o casal parental com filhos SD; VI) referências que tiveram pertinência com o tema, impacto do diagnóstico em famílias de pessoas com SD e as estratégias, em particular nos cuidadores diretos.

Utilizando-se dos critérios para inclusão das referências, após um levantamento preliminar da leitura seletiva dos resumos encontrados, foram recuperados os artigos originais selecionados para leitura na íntegra, constituindo o corpus que delimitou o material de análise. De posse dos artigos recuperados, fez-se a leitura analítica e integral de cada estudo, a identificação das ideias-chave, hierarquização dos principais achados e a síntese dos resultados.

Para melhor organização e compreensão dos dados, realizou-se uma tabulação do material incorporado e uma análise das linhas mestras dos resultados de cada trabalho com a identificação de 16 dimensões de análise, a saber: tipo de publicação (modalidade de produção científica), ano de publicação, autores, fonte (periódicos de indexação), instituição e país de origem, palavras-chave, principais objetivos/hipótese investigadas, descrição sumária da amostra, estratégica metodológica, tipo de análise, período da pesquisa, abordagem de pesquisa, número de observações, procedimentos, instrumentos utilizados, principais resultados obtidos.

Assim, os artigos revisados constituíram fontes primárias de conhecimento sobre a ocorrência de alterações na dinâmica das famílias que possuem uma criança com SD. Devido ao critério rigoroso utilizado pela base de dados consultada, acredita-se ter englobado os artigos mais relevantes ao tema geral. Os trabalhos qualificados compõem o corpus da revisão elaborada através de uma análise descritiva e qualitativa da amostra bibliográfica, a partir de uma síntese do que os autores encontraram acompanhada de uma discussão crítica do material colhido.  Em seguida, realizou-se um levantamento dos temas que emergiram da leitura e análise de todos os artigos. As etapas seguidas para esse procedimento de análise temática (Silva et al., 2012) envolveram: pré-análise (organização dos dados através da leitura flutuante de cada artigo, compreendendo a sistematização geral das principais ideias e achados sob forma de quadros); exploração do material (com os dados já categorizados e tabulados, procedeu-se a busca de sínteses convergentes e divergentes de ideias); interpretação dos dados (a partir das sínteses realizadas, foram selecionados os temas mais recorrentes, destacados por categorias temáticas; nessa etapa, buscou-se atribuir significados aos principais achados).

 

Resultados

Inicialmente serão expostos resultados encontrados na consulta realizada com os descritores anteriormente citados. Os uni-termos utilizados, embora indicassem algumas vezes artigos repetidos, outras vezes revelaram estudos não incluídos em outros descritores. Assim, foi possível garantir abrangência das consultas realizadas.

Nas bases de dados CAPES e SCOPUS encontrou-se 200 artigos relacionados ao tema. Deste total, dezesseis artigos se repetiram, foram lidos 184 resumos de artigos científicos indexados na base de dados para seleção preliminar baseada nos títulos e conteúdo dos resumos. Foram excluídos os trabalhos que não preencheram os requisitos fixados para a revisão sistemática, sobretudo com relação aos parâmetros de pertinência e relação explícita com o tema investigado. Com a recuperação dos trabalhos selecionados, 18 artigos foram lidos na íntegra e qualificados, visando precisar sua qualidade metodológica.

No que se refere ao ano de publicação, verificou-se que, de maneira geral, não houve concentração do número de publicações em um ano ou período específico. Os estudos apareceram distribuídos de forma irregular pelo período de 2006 a 2016, com frequência de um a três artigos, à exceção de 2006, com quatro. Não foram selecionadas publicações nos anos 2013 e 2015. Deste total, 18 artigos selecionados puderam ser recuperados, constituindo o corpus desta pesquisa.

Com relação aos procedimentos e instrumentos, foram encontradas pesquisas que utilizaram desde relatos clínicos, relatos de experiências, observações em grupos, reuniões de aconselhamento informativo até instrumento de avaliação padronizado, sendo: entrevista semiestruturada, observações controladas e experimentos simples dentro de hospitais, clínicas, clínicas pediátricas e escolas. Dessa maneira, o tipo de delineamento das pesquisas empíricas que prevaleceu foram estudos transversais, mais centrados em perguntas formuladas acerca do impacto do diagnóstico em famílias de pessoas com SD e as estratégias de enfrentamento em dado momento presente, em detrimento dos estudos longitudinais. A estratégia metodológica referente ao tratamento do material coletado configurou-se, na maioria dos estudos, pelo procedimento combinado de análise quantitativa e qualitativa dos dados.

Grande parte dos estudos formularam questões norteadoras relacionadas à avaliação do impacto do diagnóstico e das estratégias utilizadas por pais de crianças com SD, utilizando instrumentos padronizados fundamentados em abordagens multidisciplinares. Este resultado relacionado à pesquisa dos recursos metodológicos torna-se compreensível quando examinamos os descritores essenciais utilizados neste estudo, tais como impacto e estratégias, enquanto construtos vinculados a aspectos de dinâmica familiar.

Verificou-se que as pesquisas com questões norteadoras relativas à avaliação das interações familiares são orientadas por abordagens de caráter multidisciplinar e têm contribuído de forma significativa com a complexidade do saber na área do impacto do diagnóstico da SD e estratégias de enfrentamento. Contudo, as abordagens psicanalíticas, sistêmicas e humanistas também foram constatadas nos artigos que fundamentaram uma prática de atendimento terapêutico das famílias, ao passo que todas as abordagens foram expoente significativo enquanto estratégia de tratamento de famílias de crianças com SD.

A análise das diferentes categorias temáticas possibilitou obter um panorama geral acerca do material sistematizado. Os temas encontrados foram: “Família de Pessoas com Síndrome de Down: O impacto do diagnóstico” (Matos et al., 2006; Ramos et al., 2006; Sunelaitis et al., 2007; Welter, Cetolin, Trcinski,  & Kelli, 2008);Mudança de Vida” (Nóbrega & Oliveira, 2006; Sunelaitis et al., 2007; Welter et al., 2008; Pereira & Fernandes, 2010); “Estratégia de Enfrentamento” (Goff et al., 2016; Siklos & kerns, 2006; Ripper, 2007; Veek, Kraajj, & Garnefsk, 2009a; Veek, Kraaij, & Garnefski, 2009b; King, Baxter, Rosenbaum, Zwaigenbaum, & Bates, 2009; Muggli, Collins, & Marraffa, 2009; Drabrowsk & Pisula, 2010; Hartley, Seltzer, Head, & Abbeduto, 2012; Hippman,Inglis, & Austin, 2012; Tajrishi, Azadfallh, & Garakani, 2015; Goff et al., 2016; “Apoio Profissional e/ou Preparação da Equipe” (Ramos et. al., 2006; Sunelaitis et al., 2007; Silva & Dessen, 2007; Welter et al., 2008; Nunes, Dupas, & Nascimento, 2011).

Família de pessoas com Síndrome de Down: O impacto do diagnóstico

A partir da chegada à família de uma criança com SD, esta se torna o centro de sentimentos, pensamentos, dúvidas, incertezas e, principalmente, de medo do desconhecimento do que a SD pode provocar de malefícios para a criança e do preconceito que ela possa vir a sofrer; preconceito este vivenciado também pelos pais, que muitas vezes optam por não revelar o diagnóstico nem sequer para a família ampliada. Não obstante, a família não pode se privar do apoio de sua rede social, a qual poderá colaborar no cuidado à criança e em sua própria reestruturação. Isso porque a estruturação psicológica da família e/ou uma rede de suporte atuante constituem a melhor ferramenta para o cuidado ao filho com necessidades especiais.

Iniciamos a apresentação desta temática com o estudo de Matos et al. (2006), que focalizou que o nascimento de uma criança sindrômica traz consigo diversas implicações no contexto familiar, sendo o maior impacto observado nas mães, que lidam desde o choque inicial frente ao diagnóstico à percepção, mediante o convívio cotidiano com as limitações características da síndrome. A pesquisa teve como objetivo analisar concepções das mães em relação a seus filhos portadores da SD. A amostra selecionada foi intencional. Participaram do estudo oito mães de crianças portadoras da SD (idade de 0 a 9 anos) atendidas por pediatras no município de Jequié-BA. Os dados foram coletados mediante entrevista semiestruturada contendo um roteiro com duas questões abertas, que foram submetidas à análise de conteúdo. Das entrevistas emergiram duas categorias e seis subcategorias que responderam o objetivo proposto: Categoria 1- Nascimento de um filho com SD com as subcategorias: choque, negação da doença, aceitação e mudança no estilo de vida; Categoria 2 - Expectativas futuras com as subcategorias: Positiva e Medo do futuro e Preconceito social. Como resultado o estudo mostra que: as mães que aceitam os filhos diferentes do imaginado estabelecem um vínculo afetivo; ressaltam a importância da mãe no desenvolvimento global da criança, no sentido de maior superação de várias limitações além daquelas impostas pela trissomia do 21; uma maior conscientização para minimizar a discriminação e rejeição à deficiência física e mental; e por fim, a importância do papel do profissional de saúde no sentido de apoiar a família, auxiliando na superação dos sentidos negativos viabilizando o estabelecimento da díade mãe e filho.

A temática abordada no estudo de Ramos et al. (2006) descreve a socialização do processo de convivência de sete famílias de portadores da SD com base na teoria humanística de Paterson e Zderad. Para coleta de dados, os autores utilizaram dinâmicas de grupo, observação participante e entrevista norteadora. As famílias relatam que, ao receberem a notícia de que o filho era portador da SD, houve um momento de choque, mas logo aceitaram a ideia e abraçaram a causa de ter um filho especial, dando-lhes todo o amor que somente os pais são capazes de dar. Ressaltaram a necessidade de segurança, apoio, confiança e dignidade, fazendo com que não fujam da realidade, mas enfrentem-na e construam algo.

O estudo de Sunelaitis et al. (2007) teve como objetivo identificar como a mãe percebe o processo de revelação do diagnóstico de SD e as repercussões disto no cotidiano familiar, o conhecimento sobre a SD e as expectativas em relação ao futuro do filho. A amostra foi composta por três mães de crianças menores de um ano que estiveram internadas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Maringá. Nas três famílias, o diagnóstico ou a suspeita foram comunicados à mãe individualmente e logo após o nascimento da criança, desencadeando tensão, angústia e estresse. As mães revelaram ressentir-se do fato de não terem sido preparadas para o nascimento de um filho com SD. Relataram ter realizado adequadamente o pré-natal, com acesso a recursos como ultrassonografia. Acreditam que este exame poderia ter antecipado o diagnóstico e que os médicos deveriam ter preparado a família para receber o filho. Observou-se ainda no estudo que as três mães, num primeiro momento, tentaram negar este diagnóstico. Isso foi identificado a partir do relato de algumas atitudes como, por exemplo, a de esconder o diagnóstico de alguns membros da família ampliada e até mesmo do esposo. É importante considerar que o fato da mãe não contar para outras pessoas pode indicar que ela ainda não se sente fortalecida para falar sobre o assunto. Neste estudo, as mães demostraram sentir medo, devido principalmente a não saber cuidar, o que poderia acontecer com ele, e se o filho iria conseguir fazer o mesmo que as crianças ditas normais. Revelaram, portanto, necessidade de alguém que as ajudasse a, aos poucos, compreender, aceitar, ter esperanças e amar seu filho.

No estudo de Welter et al. (2008), referente à deficiência, e em especial à SD e suas representações, percebeu-se que, sendo a deficiência algo inesperado e complexo para as famílias, em especial à mãe que passa a assumir o provimento do cuidado com o filho, essa elaborará um processo de construção de representações, objetivando incorporação e entendimento deste fenômeno que passará a fazer parte do cotidiano. Contudo, pode-se dizer que a maternidade/deficiência expressa grande preocupação, uma vez que tem seus reflexos perceptíveis na família e principalmente na sociedade, no que se refere ao preconceito e à segregação pelos quais passam as famílias, em especial as pessoas com deficiência.

A maioria das mães salientou durante o estudo que a resposta inicial à notícia sobre a deficiência de seu filho era o “choque”. Esses sentimentos vivenciados pela maioria das mães, a partir do diagnóstico da deficiência do filho, geram sentimentos antagônicos no que se refere à aceitação dessa deficiência. Embora todas as mães relatassem descrença, a intensidade da negação e da aceitação variou consideravelmente dependendo de vários fatores, e dentre estes aparece fortemente a religião. Dessa forma, a aceitação é uma das dificuldades enfrentadas pela mãe, pelo medo de encarar a realidade, buscando, muitas vezes na culpa, outro mecanismo de defesa para “explicar” o motivo da deficiência do filho.

Mudança de vida

O estudo de caráter descritivo com análise qualitativa de Nóbrega e Oliveira (2006) contou com a população de 13 mães, atendidas em um núcleo de tratamento e estimulação precoce, teve como objetivo analisar o nível de adaptação psicossocial de mães de crianças com Síndrome de Down, com foco nos indicadores positivos de adaptação e os indicadores de problemas comuns de adaptação de mães de crianças portadoras da SD. A necessidade de adaptação das mães à sua nova condição de vida está sob pena de a mesma comprometer seu bem-estar mental, físico e o cuidado que oferece a seu filho. Tudo isso gera a necessidade de obtenção de novas habilidades incluindo revisão de valores, conhecimento científico e prático sobre a enfermidade, além do enfrentamento da sociedade. Com este estudo, notou-se que há a necessidade de oferecer precocemente informações a essas pessoas sobre a enfermidade dos filhos, sobre os cuidados necessários, as possibilidades de suas crianças e até como lidar com o preconceito tão logo seja possível. Constatou-se o valor do sistema de suporte dedicado a essas mães por meio da família ou de uma rede social de apoio que lhes ofereça aceitação, respeito, compreensão e reconhecimento de sua importância para a saúde de seus filhos. A experiência de acompanhar o tratamento de um filho portador da SD pode causar nessa mãe uma sobrecarga emocional, preocupação com a saúde da criança e produzir um sentimento de ambivalência ao dar mais atenção a esse filho que a outros. Entretanto, observou-se que a fé, a autoconfiança e a força interior são necessárias para, gradativamente, superar as eventuais barreiras.

No estudo de Sunelaitis et al. (2007), as mães revelaram ter sentido necessidade de apoio no momento em que tomaram conhecimento do diagnóstico, e isto é compreensível, pois a chegada de um filho encontra-se entre os acontecimentos significativos que marcam uma importante mudança de ciclo no desenvolvimento familiar. É um acontecimento que, embora considerado normal, demanda do casal e da família uma série de mecanismos de ajuste para o enfrentamento e incorporação da nova situação, provocando alterações na dinâmica familiar. Nos casos em que ocorre o nascimento de um filho com algum problema de saúde ou necessidade especial, isto é particularmente exacerbado, afetando a dinâmica familiar.

No estudo de Welter et al. (2008), a deficiência dos filhos abalou as mães, atingindo-as no eixo de sua vida cotidiana, na organização de seu tempo devido à atenção e o cuidado que dispensam aos filhos. Como já ressaltado, a mulher/mãe é tradicional e culturalmente a principal prestadora de cuidados no âmbito doméstico e tem cada vez mais responsabilidades, pois além de estar inserida no mercado de trabalho formal e informal, sente-se “pressionada” a tomar conta da casa e dos filhos, e, principalmente, quando estes são pessoas com deficiência. A mãe é tão pressionada socialmente a assumir o cuidado do filho com deficiência que, na maioria dos casos, é a única a oferecer cuidados especiais ao filho. Nesse enfoque, aparece nas falas das mães a representação do cuidar dessa criança, o que se pode entender a partir do momento em que explicitam serem os pais incapazes de cuidar da sobrevivência saudável de seus filhos. Este fato é verbalizado por uma entrevistada: “Pai não sabe”.

Verificou-se a enorme responsabilidade que é atribuída às mães no que se refere ao cuidado do filho com SD, segundo as entrevistas com todas as mães da amostra estudada. Diante das colocações, salienta-se que o cuidar é atribuído historicamente à mulher/mãe que, inserida num sistema patriarcal-capitalista, tem sido relegada a um plano inferior. O fardo da culpa presente no imaginário social e a concepção histórica de que quem cuida é a mulher fazem com que a mãe assuma toda a responsabilidade do cuidado dessa criança, impondo-lhe mudanças com as quais acaba se “conformando” (Welter et al., 2008).

O estudo de Pereira e Fernandes (2010) buscou compreender a visão que os irmãos mais velhos de uma criança com SD possuem da dinâmica familiar e conhecer como é a relação entre irmãos, sendo um deles com SD. Participaram do estudo cinco famílias compostas por mãe, pai, filho (a) mais velho (a) e filho mais novo com SD. Os resultados mostram que a maior parte dos irmãos mais velhos do sexo masculino entrevistados quase não apontou alterações no dia-a-dia deles, e que, quando eram apontadas, se referiam somente às mudanças na casa (organização da rotina da casa) ou nos pais (vida mais agitada dos pais). Por outro lado, percebeu-se que as irmãs mais velhas aparentaram ter maior consciência sobre as alterações nos seus cotidianos. Esse dado pode ser encontrado entre os relatos das mães de meninos e meninas, que disseram que as meninas mais velhas cuidam dos irmãos com SD, evidenciando uma espécie de “função” para com os irmãos, enquanto que as mães dos irmãos mais velhos (sexo masculino) não apontam esse tipo de papel, fazendo questão de evitá-lo.

Estratégia de enfrentamento

Alguns autores (Goff et al., 2006; Hartley et al., 2012; Hippman et al., 2012; Veek et al., 2009a; Siklos & kerns, 2006; Veek et al., 2009b) descreveram as experiências de enfrentamento da Síndrome nas diferentes fases da vida. Eles realizaram estudos com pais e avaliaram que efeitos essas estratégias produzem por meio de treinamento. Além disso, discutiram os aspectos que dificultam ou impedem o uso dessas estratégias (estresse, depressão, pessimismo, percepções e crenças inadequadas).

Em 2007, Ripper realizou um estudo através de um questionário com 76 mães de crianças com SD. O estudo foi norteado pelo Modelo de Resiliência de Estresse Familiar, Ajuste e Adaptação, em dois eixos: (a) descrever as percepções maternas da adaptação dos pais e da família que tem uma criança com SD e (b) analisar as demandas familiares (recursos familiares, resolução de problemas familiares e enfrentamento). Dentre os resultados obtidos, percebeu-se que a maioria das mães estava reagindo bem em suas famílias. Quanto às variáveis demandas familiares, recursos familiares e comunicação familiar de resolução de problemas, estas foram significativamente associadas à adaptação familiar, indicando que muitas dessas famílias reagem à mudança de planos com resiliência.

Ripper (2007) e Tajrishi et al. (2015) realizaram estudo com as mães e puderam identificar as percepções que estas possuem quanto aos benefícios psicológicos gerados pela certeza de que seus filhos seriam portadores da SD. Enfocaram ainda a adaptação dessa nova realidade, investigando se elas utilizavam ou não ações resilientes. Além disso, os autores afirmam que não apenas a mãe, mas tanto o filho portador da Síndrome, quanto também a família são atingidos pelos efeitos das estratégias de enfrentamento.

Em um estudo realizado com 16 famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista ou SD, King et al. (2009) puderam examinar os sistemas de crenças familiares. Os resultados da sua pesquisa mostraram que as famílias adotaram estratégias de otimismo, aceitação e apreço, e de superação. Com isso, eles conseguiam mudar o ambiente ou satisfazer as necessidades dos seus filhos, quando possível. Através dessas atitudes, as famílias puderam experimentar um sentido de esperança, significado e controle de situações adversas.

Veek et al. (2009a) verificaram a variabilidade na força adaptativa em um estudo com 553 pais de crianças (com idades entre 0 e 18 anos) com SD. O alvo de investigação foi o stress-coping modelo e buscou explicar sintomas depressivos e de afeto positivo. Segundo esses autores, os pais que utilizam as estratégias de autoculpa e pensamentos negativos no enfrentamento do estresse, estavam diretamente relacionados aos sintomas depressivos. Já os que utilizam da reavaliação positiva como estratégia de enfrentamento às situações adversas estavam diretamente relacionados ao afeto positivo, enfrentando o estresse com mais assertividade e afeto.

Em estudo qualitativo realizado por Muggli et al. (2009) com 18 famílias de crianças com SD nascidas entre 2002 e 2004 e não diagnosticadas antes do nascimento, foi possível conhecer as experiências de famílias com um bebê com SD no momento do diagnóstico, suas preferências por informações e apoio recebido no período inicial após o diagnóstico. Notou-se que devido ao atraso no diagnóstico e pela comunicação prematura da notícia, o enfrentamento dos pais foi prejudicado. Já as necessidades parentais de apoio e informação foram facilitadas através dos cuidados pós-natais, da garantia da privacidade e do acesso precoce ao apoio à família e à informação escrita e atualizada da Síndrome.

A resiliência em famílias que possuem um membro portador da SD é encarada como um processo que vai se desenvolvendo ao logo do tempo, ou seja, é uma experiência pessoal e familiar que leva à criação de estratégias de enfrentamento (King et al., 2009; Muggli et al., 2009; Nunes et al., 2011). Porém, até chegar a esse ponto, essas famílias demonstraram experimentar, logo depois do diagnóstico da SD, incertezas, desamparo e inseguranças que acabam exigindo atenção de políticas públicas que possibilite o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento contribuindo no desenvolvimento de seus filhos.

Drabrowsk e Pisula (2010) apresentaram o nível de estresse familiar e o estilo de enfrentamento que pais e mães de portadores com SD, Autismo e do desenvolvimento típico desenvolvem na criação de seus filhos. Quanto à SD, o estudo demonstrou que, nos pais, o esgotamento emocional é o gatilho para o estresse e as mães apresentam nível de estresse familiar maior que o dos pais. Com isso, o estudo demostra que o estresse gerado na família de um portador de SD atinge a mãe, que geralmente fica a cargo do cuidado do filho, e também o pai, aumentando ainda mais a sua carga de responsabilidade, pois é ele o responsável pelo suporte social e financeiro da família.

Hippman et al. (2012) analisaram a maneira como 101 pais percebiam a SD, buscando identificar se havia “equilíbrio” nessas percepções. Os pais responderam a um inquérito de auto relato com 26 questões (abertas e fechadas) e cada descrição foi categorizada através de uma escala de 5 pontos (1 = Totalmente negativo e 5 = Totalmente positivo). As descrições dos participantes variaram de inteiramente positivas (n = 5; 10%) a totalmente negativas (n = 4; 7%), demonstrando que definir essas percepções como equilibradas é impossível.  As alternativas exploram o leque de possibilidades de educar sem julgamento e o auxílio na avaliação dessas possibilidades no contexto de seus próprios valores, estratégias de enfrentamento e redes de apoio alteram a percepção dos pais diante da SD.

Hartley et al. (2012) realizou pesquisa examinando sintomas depressivos, pessimismo e identificando o enfrentamento de pais de adolescentes e adultos jovens com Síndrome de Down, (SD, n = 59), Espectro Autista (EA, n = 135) e Síndrome do X Frágil (SXF, n = 46), de dois grandes projetos de pesquisa realizados com famílias de indivíduos com deficiências (projeto finalizado em 2007 e um estudo longitudinal). As diferenças entre os três grupos se basearam nas diferenças na idade, problemas de comportamentos da criança, risco de ter filhos adicionais com deficiência e sintomas depressivos maternos.  Os resultados encontrados evidenciaram que os pais de filhos EA relataram um nível mais alto de sintomas de depressão do que os outros grupos de pais, já os pais de filhos com SD relataram um nível mais baixo de pessimismo que os outros grupos.

Em estudo realizado com 64 mães, Tajrishi et al. (2015) tentaram determinar o efeito das estratégias de enfrentamento diante do diagnóstico de Síndrome de Down. Utilizaram para isso, um treinamento que ensinava estratégias de como lidar com seus sintomas psicológicos diante do diagnóstico. As mães foram selecionadas aleatoriamente e divididas em dois grupos iguais (experimental e controle). Uma vez por semana, o grupo experimental participou de 12 sessões de treinamento (60 minutos para cada sessão). Através do treinamento que recebiam, esses pais eram capacitados a enfrentar problemas cotidianos que geravam alguns sintomas psicológicos: fobia, depressão, pensamentos paranoicos, psicose, queixas somáticas, sensibilidade interpessoal, obsessão-compulsão, ansiedade e agressão. Já com o grupo controle, os resultados obtidos evidenciaram que os sintomas psicológicos foram diminuídos. Treinar a estratégia de enfrentamento focada no problema levou os pais a perceberem seus filhos como pessoas SD e não apenas como problemas vivenciados na SD, promovendo assim a saúde mental das mães.

Goff et al. (2016) realizaram estudo analisando as experiências de enfrentamento dos pais de crianças com SD em diferentes fases da vida. Para isso, utilizaram um questionário online com questões quantitativas e qualitativas. Participaram da pesquisa 445 pais, que foram divididos em quatro grupos (crianças menores de cinco anos; crianças entre cinco e 11 anos; crianças entre 12 e 18 anos - adolescente; e crianças maiores de 18 anos - adulto).  Na análise quantitativa, os autores identificaram que os maiores índices de estratégias de enfrentamento aconteceram na infância e adolescência (de cinco a dezoito anos). Esses pacientes apresentam uma expectativa de vida maior, pois se encontram em uma fase intermediaria da vida. Já em relação aos pais de filhos SD nessa fase, estes apresentam maior independência na realização de atividades cotidianas. Na análise qualitativa, os quatro grupos relataram características importantes de resiliência: aceitação do diagnóstico, ter uma atitude positiva e o nível de desenvolvimento dos filhos, como atitudes de enfrentamento.

Apoio profissional e/ou preparação da equipe

O apoio profissional e a preparação da equipe também foram abordados no estudo de Ramos et al. (2006). O estudo sugere que a assistência do profissional deve se dar pela promoção do bem-estar do paciente, por meio de um cuidado holístico e empático no qual a assistência ao indivíduo e sua família não pode ser negligenciada, sendo esse atendimento humanizado, trazendo um paradigma em que a pessoa seja recebida como única dotada de sua história pessoal, com seus valores e suas crenças. A humanização entre a equipe, o portador de SD e a família objetiva, como condição essencial, a vontade de encontrar e de ser encontrado. Esse encontro pressupõe escuta, olhar aberto e amoroso. O cuidador deve desenvolver uma capacidade de se conhecer e saber reconhecer seus sentimentos, como amor e empatia, entre outros. Essa capacidade diminui as possibilidades de conflito, pois abre caminhos para a comunicação com o outro. O cuidado integral à criança portadora de deficiência e a promoção da sua qualidade de vida promovem a reabilitação da criança na capacidade funcional e no desempenho humano, a proteção à saúde para que ela possa desempenhar o seu papel em todas as esferas da vida social. O cuidado humano e ético envolve alguns ingredientes especiais da enfermeira, entre os quais, o conhecimento, a humildade, a paciência, a honestidade, a esperança, que, juntos, estabeleçam uma parceria com o portador de SD, um sentimento de estar com, denotando a verdadeira presença, a experiência e o compromisso profissional.

Sunelaitis et al. (2007) ressalta um aspecto importante em seu estudo, que envolve esta condição, sendo o desconhecimento ainda existente na população geral sobre esta síndrome. As pessoas ouvem falar pouco sobre a mesma e diante de um caso na família, sentem-se inseguras e desamparadas. Por essa razão, os profissionais da saúde possuem um papel muito importante junto a essas famílias e suas ações devem ser no sentido de informar e prestar esclarecimentos, como também estimular vínculo com a criança. Este é papel ao qual o profissional de saúde não pode se furtar. Ele deve atuar com o objetivo de fortalecer a família para os enfrentamentos. As famílias dependem, nesse momento, de reconhecimento do problema do filho, de ações facilitadoras para compreender as situações vividas, e quanto mais esclarecidas estiverem, melhor será seu empenho e cuidado com o filho. O profissional da saúde deve fornecer informações de forma gradativa e constante, até que a família esteja suficientemente esclarecida e pronta para ajudarem esse filho. A família não deve ser enganada, e por isso, à medida que as demandas chegam, as informações não devem ser omitidas, mas é preciso respeitar o ritmo, a individualidade e o tempo de cada família, já que normalmente não estão preparadas para saber tudo de uma só vez.

Silva e Dessen (2007) citam um trabalho realizado por elas em 2004/2005 em que abordam a necessidade de os programas de educação familiar serem elaborados tendo uma base empírica. Isso significa incluir os profissionais, mas também os professores e a família das pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE) como fontes de informação para a construção dos programas. Possuir uma base empírica e prever avaliações sistemáticas são dois requisitos básicos para garantir a eficácia de Programas de Educação Familiar. As autoras abordaram ainda, questões sobre apoio profissional e/ou preparação da equipe e sugeriam que as políticas públicas e os programas de orientação a pais de crianças com deficiência enfatizassem a etiologia da deficiência como um dos recursos para conscientização dos objetivos da inclusão escolar destes alunos.

Segundo o estudo de Welter et al. (2008), é fundamental que os profissionais, ao dar a notícia, façam um atendimento humanizado e tenham conhecimento suficiente sobre o assunto para responder a todas as perguntas formuladas pelos pais. Cabe aos profissionais identificar possíveis sentimentos de culpa originários da falta de informação, tão comum, e extirpá-los, pois, na opinião da maioria das entrevistadas, as pessoas “não souberam anunciar corretamente o diagnóstico”, favorecendo o aumento de representações negativas sobre a SD. Isso é de suma importância, principalmente na elaboração de programas com ênfase nas interações familiares e também no papel da mãe. Também a implantação e implementação de pesquisas e programas incluindo todos os membros familiares contribuiriam, acredita-se, para uma melhor compreensão do desenvolvimento das pessoas com SD e do funcionamento de suas famílias.

Em estudo realizado com oito famílias, Nunes et al. (2011) tentaram compreender como a família lida com o fato de ter uma criança com SD. Outro objetivo foi auxiliar enfermeiras no cuidado a essas famílias. As respostas obtidas foram analisadas qualitativamente por meio do Interacionismo Simbólico (IS) e da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) e mostraram que a família enfrenta períodos de incertezas e dúvidas que necessitam de novas atitudes e confronto com aquele problema que, para eles, é desconhecido. Nesse momento, as famílias precisam reconhecer o problema do filho, vivenciar ações facilitadoras que os ajudem a compreender as situações vividas, e quanto mais esclarecidas estiverem, melhor será seu empenho no cuidado do filho com SD. O profissional deve estar atualizado quanto à síndrome, os cuidados que ela exige e o que o munícipio oferece que possa fazer parte da rede de apoio à família. Além disso, o profissional da saúde não pode se ausentar do seu papel de atuar com o objetivo de fortalecer a família para os enfrentamentos (Nunes et al., 2011).

 

Discussão

Considerando o impacto do diagnóstico da SD na família e a vivência relacionada aos sentimentos dos pais com SD, diversos autores afirmam que a chegada de uma criança com SD traz mudanças significativas no funcionamento e na dinâmica da família, alterando a rotina dos pais e todos os familiares. A família passa por um processo de ressignificação após o nascimento de uma criança com SD, apresentando um nível de estresse mais elevado do que famílias de crianças com o desenvolvimento típico, sendo possível constatar os sentimentos de luto, revolta, tristeza e culpa frente ao impacto do diagnóstico da SD no filho. Desta forma, torna-se essencial a busca de estratégias de enfrentamento para adaptar-se às limitações frente a essa nova fase.

Os estudos indicam que muitos profissionais da saúde não prestam as devidas informações e acolhimento no momento em que comunicam o diagnóstico da criança com SD para os pais. Além disso, esses profissionais muitas vezes não possibilitam o apoio aos pais, sendo que muitas vezes dão o diagnóstico de forma separada ao casal, dificultando assim a adaptação e aceitação frente à nova realidade. Deste modo, percebe-se uma necessidade de preparação dos profissionais da saúde para lidar com essas situações inusitadas, dedicando aos pais mais atenção, ajudando-os a superarem o impacto da notícia, prestando-os todas as orientações necessárias. Neste contexto, sobressaem dois tipos de treinamento que devem compor as equipes que lidam com as famílias de crianças com NEE: o aconselhamento genético e o aconselhamento psicológico. Ambos requerem profissionais excepcionalmente treinados para estabelecer uma comunicação eficiente com as famílias, de modo a possibilitar o entendimento e enfrentamentos produtivos e eficazes, que beneficiam a qualidade de vida de toda a família, incluindo a criança com SD e ampliam-se as possibilidades de um desenvolvimento adequado para a criança com síndrome, reduzindo o isolamento social e promovendo sua inclusão funcional na sociedade.

Os artigos que tratam das mudanças de vida e dificuldades constatam que é principalmente sobre as mães que recaem a maior sobrecarga de trabalho em relação aos cuidados com o filho SD. Na maioria dos casos, não recebem ajuda suficiente dos familiares e assumem as principais responsabilidades dos cuidados diários com os filhos, e isso se deve, especialmente, pelas questões sociais envolvidas que afetam a qualidade de vida das mesmas.

Estudos destacam que um dos grandes desafios das famílias é com relação à inserção social, pois há várias barreiras que dificultam a inserção da criança com SD na sociedade, tais como o preconceito, a falta de conhecimento sobre a SD e a falta de estrutura para adaptar as necessidades das crianças com SD. A partir disso, torna-se necessário desenvolver estratégias que busquem auxiliar a família na inclusão social e diminuir a discriminação.

No que rege a categoria rede de apoio, estudos ressaltam a importância de se criar um espaço onde os pais de filhos/as com SD sintam-se acolhidos, possibilitando um local em que sejam tratados iguais aos outros, para assim evitar rotulações e preconceitos por conta do filho/a. Reafirma-se também uma busca por grupos específicos e a necessidade de se desenvolver atividades com grupos, especialmente quando se refere aos pais que cuidam de filhos/as com necessidades especiais, pois, deste modo, pode ser agregado trocas de experiências e informações pontuais sobre os cuidados com a criança SD.

Deve-se salientar que a partir dos estudos realizados foi possível observar a necessidade de investir na qualidade de atendimentos de saúde oferecidos aos cuidadores diretos, como também para as pessoas com SD, pois esta ainda é uma das dificuldades. Investir em atendimentos e programas de orientação familiares mais qualificados é essencial para o bem-estar dos pais e das pessoas com SD, além de favorecer a qualidade de vida, evita o preconceito.

 

Considerações finais

O conhecimento gerado pela presente revisão constitui um recorte que contribui para uma maior compreensão da situação atual das famílias que têm como um de seus membros, uma criança com SD. Ainda que não tenha sido objetivo do presente estudo esgotar o assunto, fica a convicção de que a revisão efetuada oferece suporte teórico e empírico para o argumento de que trabalhos de intervenção em diferentes abordagens, baseados em uma reflexão desenvolvida a partir de diferentes referenciais da literatura e enfoques teóricos, podem abrir novos rumos para os desafios colocados pelo impacto do diagnóstico da SD na família.

 

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Endereço para correspondência
Juliana de Souza Santos Hannum
E-mail: dra.julianahannum@yahoo.com.br

Enviado em: 23/11/2017
1ª revisão em: 05/12/2017
2ª revisão em: 29/08/2018
Aceito em: 11/10/2018

 

 

1 Programa de Pós–Graduação em Psicologia, Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
2 Programa de Pós–Graduação em Psicologia, Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
3 Programa de Pós–Graduação em Psicologia, Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
4 Programa de Mestrado em Genética, Núcleo de Pesquisas Replicon, Escola de Ciências Agrárias e Biológicas, Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Laboratório de Citogenética Humana e Genética Molecular, Laboratório Estadual de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros, Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Goiás.

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