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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.7 no.2 Juiz de Fora dez. 2013

https://doi.org/10.5327/Z1982-1247201300020002 

ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201300020002

 

Inclusão no Ensino Superior: Percepções de Professores em uma Universidade Portuguesa

 

Inclusion in Higher Education: Teachers' Perceptions in a Portuguese University

 

 

Ana Pereira AntunesI; Catarina Pereira FariaI; Sandra Estêvão RodriguesII; Leandro Silva AlmeidaII

IUniversidade da Madeira, Portugal
IIUniversidade do Minho, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As universidades enfrentam desafios crescentes com a democratização do ensino e o ingresso de alunos com necessidades especiais. Neste trabalho, analisamos as percepções dos professores do ensino superior sobre a inclusão desses alunos nesse nível de ensino. Os participantes são 10 docentes, diretores de curso do 1º ciclo, com uma idade média de 41,5 anos, sendo seis homens e quatro mulheres. Os dados foram recolhidos por meio de entrevista semiestruturada e analisados utilizando-se a abordagem da grounded theory. Os resultados apontam para percepções favoráveis ao processo de inclusão educativa, condicionado por fatores ideológicos e instrumentais, e para uma noção alargada de necessidades educativas especiais, destacando-se a necessidade de recursos tecnológicos e humanos para apoio à inclusão, pelo que tecemos algumas apreciações, que se podem refletir em termos de intervenção ou de estudos futuros.

Palavras-chave: Inclusão escolar; necessidades educativas especiais; atitudes dos professores; ensino superior.


ABSTRACT

Universities face increasing challenges related to the democratisation of education and the admission of students with special needs. In this paper, we analyzed the teachers' perceptions about the inclusion of these students at this level of education. The participants are 10 teachers, 6 males and 4 females, with an average age of 41.5 years old. All teachers are also Degree Directors of 1st training courses. Data collection was carried out using a semi-structured interview and data analysis was done based on grounded theory approach. The results reveal positive perceptions of the inclusive educational process, which is conditioned by ideological and instrumental factors, and a broad concept of special educational needs, highlighting the need for technological and human resources to support inclusion. The concluding section presents some reflections that may have implications for future research and intervention.

Keywords: School inclusion; special educational needs; teachers' attitudes; higher education.


 

 

A educação inclusiva esteve associada durante muito tempo aos níveis de ensino do pré-escolar, básico e secundário. Porém, devido ao recente alargamento da escolaridade obrigatória, à utilização das novas tecnologias da informação e da comunicação e ao regime de contingente especial de acesso ao ensino superior para estudantes com deficiência física ou sensorial, este torna-se cada vez mais acessível a pessoas com necessidades educativas especiais (NEE). Neste trabalho, adotamos a designação NEE, referindo-se, num sentido lato, à necessidade de adequação da resposta educativa aos alunos portadores de deficiência física ou sensorial ou com dificuldades de aprendizagem, transpondo para esse nível de ensino a designação conforme legislação em vigor no âmbito do regime da educação especial. Em Portugal continental, no Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, podemos ler no ponto 1, do artigo 1º:

[...] a criação de condições para a adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social.

Na Região Autónoma da Madeira, no Decreto Legislativo Regional nº 33/2009/M, de 31 de dezembro, podemos ler no artigo 6º, alínea g:

"Necessidades educativas especiais" o conjunto de necessidades intrínsecas às crianças e jovens com problemas sensoriais, físicos, intelectuais ou emocionais, ou ainda, com perturbações graves da personalidade ou do comportamento, da fala, da aprendizagem, ou problemas graves de saúde, derivados de fatores orgânicos ou ambientais, quando comparados com outros na mesma faixa etária e que são inerentes ao processo individual de aprendizagem e de participação na vivência escolar, familiar e comunitária.

Face à evolução das políticas de acesso e de inclusão no ensino superior, o aumento de estudantes com NEE nesse nível de ensino coloca também à Universidade desafios sobre o processo de inclusão, no sentido de responder eficazmente às necessidades individuais dos alunos, garantindo-lhes não só o acesso, mas igualmente o sucesso educativo (Rodrigues, 2004; Rodrigues et al., 2007).

Nos últimos anos, têm-se realizado alguns estudos em Portugal sobre a temática da inclusão no ensino superior, focando principalmente as percepções dos alunos com NEE sobre o processo de inclusão nesse nível de ensino (Abreu, 2011; Espadinha, 2010; Pires, 2007; Reis, 2003; Rodrigues et al., 2007; Souza, 2011). Todavia, se atentarmos à relevância que outros estudos têm atribuído à influência das atitudes e das crenças dos docentes do ensino superior no processo de inclusão e no sucesso acadêmico do estudante com NEE (Elhoweris & Alsheikh, 2006; Lidio & Camargo, 2008; Mamah, Deku, Darling & Avoke, 2011), constatamos que importa conhecer e investigar também as percepções desses docentes.

Em Portugal, o número de candidatos com deficiência física ou sensorial admitido no ensino superior continua a aumentar. Segundo Pires (2009), o número de estudantes com NEE quase triplicou em pouco mais de uma década quando se refere à identificação de 816 estudantes com NEE no ensino superior, realizada pelo Grupo de Trabalho para o Apoio a Estudantes com Deficiências no Ensino Superior (GTAEDES), no ano letivo 2007/2008, em comparação com os 244 estudantes com NEE identificados, em nível nacional, no ano letivo 1994/1995 (Patrício, 2002). No entanto, algum cuidado deve acompanhar a análise desses dados, uma vez que alguns estudantes não se identificam junto dos serviços acadêmicos disponíveis, procurando evitar a estigmatização, o que poderá significar a existência de um número real de estudantes com NEE a frequentar o ensino universitário superior ao divulgado (Fernandes & Almeida, 2007).

A inclusão pressupõe a organização e aplicação de respostas educativas que possibilitem a adequação dos conteúdos e das estratégias pedagógicas, a eliminação de barreiras arquitetônicas, e, muito importante, a eliminação de barreiras relacionadas com as atitudes da comunidade educativa, onde se incluem as atitudes dos professores universitários (Ferreira, 2007). Para alguns desses docentes, a inclusão constitui um aspecto positivo para todos os intervenientes no processo educativo, assumindo-se que nessa educação inclusiva os estudantes com NEE têm oportunidade de adquirir conhecimento, minimizando os efeitos negativos de uma educação mais segregadora, e aprender novas competências por meio de imitação de modelos diferentes (Mamah et al., 2011; Wang, 2009).

Infelizmente, no entanto, alguns docentes no ensino superior ainda receiam que a inclusão de estudantes com NEE possa afetar negativamente o rendimento acadêmico da turma, desconhecendo a investigação na área que aponta para a ausência de efeitos adversos no processo de ensino-aprendizagem por parte dos estudantes sem NEE (Ferrari & Sekkel, 2007). As percepções que os professores possuem atuam como filtros na interpretação da realidade e podem influenciar os seus comportamentos. Assim, os professores que possuem percepções positivas sobre os estudantes com NEE acabam por desenvolver, com mais frequência, práticas eficazes de inclusão (Elhoweris & Alsheikh, 2006; Leatherman, 2007).

Nesse quadro, os docentes do ensino superior parecem manifestar três tipos de opinião em relação à inclusão de estudantes com NEE:

•   concordar que é benéfica para todos os estudantes e que constitui um direito civil;

•   defender a possibilidade de inclusão dos estudantes com NEE e prestar apoios adequados no contexto de sala de aula sem promover a estigmatização ou a alienação;

•   defender que a inclusão de estudantes com NEE na sala de aula tem um efeito negativo sobre os estudantes sem NEE e que estudantes com determinado tipo de NEE não podem receber uma educação adequada em uma sala de aula comum.

Face a essa tipologia, os professores universitários parecem partilhar da primeira perspectiva, mais direcionada para as questões legais, demonstrando uma posição favorável à inclusão dos estudantes com NEE, embora se verifique uma minoria de docentes que partilha de uma visão mais conservadora de segregação educativa (Elhoweris & Alsheikh, 2006).

Claro que variáveis individuais, como traços de personalidade, características sociodemográficas, capacidade de criar e manter redes de apoio social, competências técnico-profissionais e condições de trabalho, também se revelam como fatores influenciadores das percepções sobre a inclusão educativa (Fakolade, Adeniyi & Tella, 2009). Os professores são pessoas em interação e construção, que também se constroem e se desenvolvem ao longo do tempo. No entanto, parece que o tempo de serviço, por si só, não altera de forma significativa as atitudes dos docentes face à inclusão de alunos com NEE (Fakolade et al., 2009). Mas, se durante a sua experiência profissional, tiverem a oportunidade de vivenciar situações e interações positivas com alunos com NEE, percebendo a inclusão destes como positiva, tais professores acabam por desenvolver uma percepção favorável da inclusão, construída a partir da experiência vivenciada (Elhoweris & Alsheikh, 2006; Leatherman, 2007). Por vezes, na sua prática docente, também sentem dificuldade em conciliar os valores do desempenho individual e do culto da meritrocracia, em uma lógica de competição, característicos dos sistemas educativo e social atuais, com a lógica da inclusão e do atendimento diferenciado (Felizardo, 2010).

Em termos de práticas educativas, requerem-se ainda várias mudanças. O discurso de vários estudantes universitários com NEE revela a existência de barreiras ao processo de inclusão, centradas nas medidas educativas e estratégias pedagógicas adotadas pelos docentes no contexto de aula (Healey, Fuller, Bradley & Hall, 2006). Considerando o processo de ensino e aprendizagem, apesar de variar de acordo com a NEE apresentada, encontra-se referência à desadequação dos materiais, às dificuldades na realização de exames, ao discurso rápido dos professores nas aulas e às dificuldades em responder a perguntas e em participar nas discussões nas aulas (Alqaryouti, 2010; Espadinha, 2010).

Ainda que o sucesso acadêmico dos estudantes com NEE no ensino superior pareça estar correlacionado com determinadas condições institucionais, também em nível nacional, esses alunos apontam como fatores inibidores da inclusão: a ocorrência de atitudes discriminatórias no contexto universitário, dificuldades na adaptação à metodologia e às estratégias pedagógicas utilizadas pelos docentes, ausência de um serviço de apoio e regulamentos específicos (Fernandes & Almeida, 2007; Pires, 2007). Por tudo isso, e tomando também a parca investigação sobre a inclusão de alunos com NEE no ensino superior, justificamos o presente estudo partindo de um trabalho mais alargado (Faria, 2012), com a necessidade de refletirmos e melhor conhecermos o que pensam os professores do ensino superior sobre a inclusão dos alunos com NEE nas instituições universitárias.

 

Método

Participantes

Para a constituição do grupo de participantes, teve-se em consideração que os docentes exercessem a função de diretor de curso do 1º ciclo (3 primeiros anos da graduação) no ano letivo 2011/2012 e que o grupo em estudo pudesse ser representativo do potencial de variações e diversidades de percepções acerca do processo de inclusão (Strauss & Corbin, 1998). Assim sendo, contamos com a participação de dez docentes com habilitações acadêmicas em várias áreas de conhecimento, pertencentes aos diferentes centros de competências que constituem as unidades orgânicas da sua instituição superior (três docentes pertenciam ao centro de competências de artes e humanidades; dois docentes pertenciam ao centro de competências de ciências exatas e engenharia; quatro docentes pertenciam ao centro de competências de ciências sociais e um docente pertencia ao centro de competências de tecnologias da saúde).

Podemos acrescentar, ainda, que seis professores são homens e quatro são mulheres, com idades compreendidas entre os 30 e os 53 anos (M=41,5; DP=7,7). Os participantes exercem funções como docentes na instituição de ensino no mínimo há 1 ano e no máximo há 20 anos (M=10,6; DP=4,8) e desempenhavam no momento do estudo o cargo de diretores de cursos entre 2 meses e 5 anos (M=3,4; DP=1,7).

Instrumento

Para a coleta de dados, utilizamos uma entrevista semiestruturada como instrumento único, procurando identificar padrões e temas na perspectiva dos participantes, aprofundando o conhecimento sobre essa temática relativamente pouco investigada nesse ciclo de estudos. A construção do roteiro da entrevista semiestruturada resultou dos objetivos definidos na investigação e da análise de outros estudos (Lidio & Camargo, 2008; Rebelo, 2011), sendo que se constitui por quatro grandes domínios:

•   conceito de inclusão e de NEE (por exemplo: o que pensa sobre a inclusão de estudantes com NEE no ensino superior?);

•   medidas educativas e estratégias pedagógicas (por exemplo: a inclusão de estudantes com NEE altera a prática pedagógica do docente?);

•   aspectos facilitadores e inibidores do processo de inclusão (por exemplo: que fatores podem facilitar ou inibir o processo de inclusão dos estudantes com NEE?);

•   impacto do aluno com NEE no ensino superior (por exemplo: qual é o impacto da inclusão de estudantes com NEE?).

Anteriormente à versão final do roteiro utilizado, realizou-se uma primeira entrevista com o presidente de um dos centros de competência da instituição onde ocorreu o estudo, uma vez que desempenha funções de alguma forma semelhantes às dos diretores de curso do 1º ciclo (por exemplo: docência, coordenação e supervisão), procurando treinar e validar a aplicação da mesma, verificando-se a adequabilidade das questões e ensaiando também a sua transcrição integral e análise de conteúdo.

Procedimentos

Após a autorização do organismo superior responsável pela gestão e coordenação dos cursos do 1º ciclo do ensino superior da instituição, para a realização do estudo foram contatados os 21 diretores de curso desse ciclo. Por meio de correio eletrônico, foram informados sobre o enquadramento e objetivos do estudo e convidados a participar. Face à resposta positiva de dez professores, as entrevistas foram agendadas de acordo com a disponibilidade manifestada, tendo sido realizadas durante o mês de junho, majoritariamente nos seus gabinetes de trabalho, garantindo-se a privacidade e o anonimato dos dados (recorre-se a siglas na transcrição de excertos das entrevistas na descrição dos resultados). As entrevistas individuais tiveram uma duração variável entre os 28 e os 92 minutos e foram registadas em áudio para análise posterior, com a devida autorização dos participantes. Apenas um participante evidenciou algum desconforto com a gravação da entrevista, pelo que, nesse caso, procedemos ao registo de notas em papel.

As entrevistas foram transcritas integralmente e, no processo de análise de conteúdo e de categorização, seguimos a abordagem da grounded theory (Strauss & Corbin, 1998). Antes de procedermos à análise das entrevistas, foi definida a unidade de análise, que foi definida como a componente tripartida das atitudes, ou seja, cada expressão de crenças, sentimentos e comportamentos (Zimbardo & Ebbesen, 1973). Cada unidade de análise foi sinalizada no corpo da entrevista com um sublinhado de cor diferente, o que possibilitava a sua fácil distinção e localização. Uma vez que, a partir de uma única unidade de análise, emergiam várias categorias e propriedades, assumiram-se as categorias como não mutuamente exclusivas, pois podiam estar relacionadas com diferentes temas, utilizando-se, assim, uma estratégia de multicategorização (Rodrigues, 2004).

Em um primeiro momento, as entrevistas foram analisadas e categorizadas individualmente. Posteriormente, foi realizada uma análise mais global, procurando-se definir propriedades (podem ser definidas como características gerais ou específicas de uma categoria) e dimensões (permitem situar as propriedades em um intervalo ou em uma escala que não necessita ser numérica) das categorias encontradas, cruzar informação e relacionar as categorias comuns entre elas (Fernandes & Maia, 2001; Strauss & Corbin, 1998). Apesar de não ter sido alcançada a saturação teórica (Strauss & Corbin, 1998) com esse grupo de participantes, mas perante a impossibilidade de alargar a coleta de dados devido à proximidade do final do ano letivo, procedemos à análise das categorias emergentes nos dados coletados.

 

Resultados

No que tange às percepções dos docentes acerca da inclusão, emergiram dois grandes temas: um relativo ao processo de inclusão educativa (remetendo a aspectos que condicionam o processo de inclusão) e outro relativo às necessidades educativas especiais (referente a aspectos relacionados com as NEE).

Processo de Inclusão Educativa

Face ao processo de inclusão educativa, parece que as percepções dos docentes podem-se agrupar em três categorias: motivos (origem do movimento/paradigma da inclusão), conceitualização. (ideias associadas ao modelo de inclusão educativa) e aspectos influentes no processo de inclusão (fatores facilitadores ou inibidores do processo de inclusão do aluno com NEE no ensino superior).

No discurso dos professores, encontramos três subcategorias distintas para os motivos que justificam a ocorrência do processo de inclusão:

•   as dificuldades encontradas pelos estudantes

[...] haverá alunos que terão determinadas características pessoais que, do meu ponto de vista, podem dificultar um pouco mais este processo de adaptação [...] (E1);

•   o direito legal

[...] tecnicamente e teoricamente ninguém pode ser contra a questão da inclusão, porque até está prevista na própria Constituição [...] (E8);

•   e o direito social

[...] direito de participar na vida de uma comunidade a que pertencem ou a que deverão pertencer [...] (E1).

No que se refere à conceitualização do processo de inclusão, os professores referem uma série de opiniões que se podem agrupar em três subcategorias diferentes, nomeadamente a:

•   igualdade de oportunidades

[...] é dar as mesmas oportunidades àquelas pessoas que têm dificuldades ou necessidades educativas [...] (E3);

•   ensino diferenciado

[...] temos de adaptar, ou melhor, o ensino tem de ser adaptado para acolher a diferença de todos os alunos, sejam elas quais forem [...] (E4);

•   e ensino indiferenciado

[...] nós tentamos tratar uma pessoa que tem características diferentes dando exatamente o mesmo que damos aos outros. (E5).

Finalmente, no que se refere aos aspectos influentes no processo de inclusão, encontramos três subcategorias como facilitadores ou inibidores do processo de inclusão do aluno com NEE no ensino superior: o professor (referente a aspectos inerentes ao professor), a instituição (aspectos relacionados com o funcionamento institucional) e o aluno (características da NEE que apresenta).

Em relação à subcategoria professor, encontramos cinco propriedades:

•   relação pedagógica

[...] eu acho que é muito da relação que se vai estabelecer, uma relação que se vai estabelecer entre o docente e o aluno [...] que poderão surgir, vá lá, resultados mais positivos [...] (E1);

•   conhecimento acerca das NEE

Quando eu avisei as pessoas: 'Atenção! Vamos ter X alunos com X'. A maior parte das pessoas não fazia ideia do que era, não conhecia. (E2);

•   experiência pedagógica com estudantes com NEE

O fato de eu ter esse tipo de alunos leva a que eu tenha vários discursos e vários comportamentos, também uma certa sensibilização ao comportamento dos alunos. (E6);

•   competências técnico-profissionais do docente

[...] alunos que envolvam um maior dispêndio de tempo podem ser encarados como uma ameaça por parte dessa fração muito ampla de docentes que não gosta de dar aulas. (E8);

•   e autoeficácia do docente

Professores mais confiantes nas suas capacidades e nas suas competências têm maior probabilidade de aceitar alunos com NEE. (E10).

A subcategoria instituição caracteriza-se pela emergência de cinco propriedades:

•   disponibilidade financeira da instituição

[...] devido à situação financeira, a universidade não consegue; pode admitir estes alunos, mas falta, sei lá, os aparelhos e as coisas necessárias. (E7);

•   recursos materiais disponíveis

[...] se o aluno invisual precisar de uma máquina para datilografar, se a universidade não tiver esse tipo de equipamentos, obviamente que o professor não pode fazer nada [...] (E9);

•   número de estudantes com NEE por turma

[...] mas eu também digo que, se fossem mais alunos com necessidade, era impossível [...] se fossem mais era inviável. (E5);

•   dimensão das turmas

[...] reconheço que não é fácil para um professor que tem 40 alunos ou 45 alunos ou até mais fazer um tratamento diferenciado. (E3);

•   e legislação disponível

Há pouca legislação na área, e poucas pessoas sabem o que fazer… e é um bocadinho ver o que se faz no ensino secundário e tentar dar continuidade a isso. (E4).

A terceira subcategoria, aluno, caracteriza-se pela referência à necessidade educativa especial do estudante:

[...] não é expectável que, de fato, uma pessoa que não consiga ver consiga fazer alguns dos trabalhos, portanto, [...] há coisas que são pura e simplesmente impossíveis de ultrapassar. Que não será possível em algumas áreas resolver [...] (E2).

Necessidades Educativas Especiais

No que toca ao tema designado por necessidades educativas especiais, verificamos que as percepções dos professores caracterizam-se pela emergência de cinco categorias: causas (fatores que podem contribuir para o aparecimento ou desenvolvimento de características associadas às NEE); tipo de NEE (referente à duração temporal); grau de severidade (atendendo à gravidade do comprometimento funcional); consequências (implicações das NEE no percurso acadêmico do estudante no ensino superior) e sinalização da NEE (referente à comunicação do diagnóstico de NEE ao diretor de curso).

No que se refere à subcategoria causas, as suas percepções apontaram para variáveis intrínsecas (aspectos internos do indivíduo) e extrínsecas (aspectos inerentes à ação do meio no desenvolvimento de características associadas às NEE). Nas causas intrínsecas, encontramos aspectos:

•   biológicos

Estas características quanto a mim são variáveis, algumas terão mais a ver com aspectos [...] biológicos, fisiológicos [...] (E1);

•   e psicológicos

[...] mas normalmente se a pessoa não está bem consigo próprio [...] desencadeia alguma instabilidade emocional e até estados de ansiedade bastante perturbadores [...] (E3).

Nas causas extrínsecas, encontram-se quatro propriedades que ajudam a melhor especificar a subcategoria, nomeadamente:

•   contexto familiar

[...] fatores de natureza familiar [...] (E3);

•   contexto escolar

As escolas regionais estão nos últimos lugares, sobretudo na disciplina de português, o que significa que a oralidade, a construção de texto dos alunos são muito reduzidas. (E8);

•   contexto universitário

Alguns desequilíbrios emocionais poderão surgir já no decurso da própria formação desencadeados também por coisas múltiplas. (E1);

•   e situações acidentais

Isto foi um acidente que ele teve com o automóvel e fez-lhe amputar a perna. (E3).

Considerando a categoria da tipologia da necessidade educativa especial em função da sua duração, constatamos a emergência das subcategoriras caráter permanente (manifestação por um período ilimitado de tempo) e caráter temporário (manifestação temporária), tendo sido nomeadas propriedades com as características que os estudantes manifestam e que os docentes associam às NEE.

Em relação à subcategoria caráter permanente, são apontadas manifestações em vários níveis:

•   motor

Pessoas com problemas de movimento [...]. (E7);

•   sensorial

Repare quando o aluno apresenta dificuldades dessa natureza, a nível sensorial, problemas graves de visão, surdez [...] (E1);

•   emocional

Desencadeia alguma instabilidade emocional [...] (E3);

•   comunicacional

Pessoas com problemas na fala [...] (E7);

•   dificuldades de aprendizagem específica

[...] tive uma aluna que teve dislexia. (E7);

•   saúde

Pessoas que têm cancro, doenças crónicas também deveriam ser objeto dessas atenções. (E6);

•   e relação interpessoal

Vamos ter X alunos com síndrome de Asperger. (E2).

Na subcategoria caráter temporário, encontramos três propriedades:

•   competência acadêmica

Pessoas que não tenham capacidades numéricas, de cálculo matemático básico, que não saibam ler nem pensar de uma forma lógica [...] (E4);

•   funcionamento psicológico

[...] têm ou apresentam em situações pontuais alguns desequilíbrios [...] (E1);

•   e habilidade motora

[...] partiu uma perna, pode ser uma operação que a pessoa faz, pode ser uma entorse. (E9).

Quanto à categoria grau de severidade, emergem as subcategorias:

•   grave (referente à intensidade acentuada da problemática com limitações acentuadas também)

Repare quando o aluno apresenta dificuldades dessa natureza, a nível sensorial, problemas graves de visão, surdez [...] (E1);

•   e ligeira (referente à intensidade relativamente leve da problemática e consequente limitação parcial)

Pessoas que necessariamente não têm de ser cegas, mas podem ter problemas de visão, daltónicos podem ter que ser incluídos. (E6).

A categoria consequências reflete-se na subecategoria dificuldades acadêmicas, que se caracteriza pelas propriedades:

•   avaliação insatisfatória em unidades curriculares

[...] não teve uma avaliação satisfatória. (E1);

•   e abandono acadêmico

[...] muitas vezes não acabam o curso e desistem [...] (E4).

No que respeita à categoria sinalização da necessidade educativa especial, os docentes referiram que esta é efetuada por diferentes agentes:

•   estudante

a aluna já me informou do seu caso [...] (E7);

•   docente

Só viemos a saber por acaso e foi através de um colega professor que disse [...] (E5)

•   pais

[...] o pai de um deles [...] quando veio fazer a matrícula, tratou-nos de nos informar e depois veio entregar os papéis. (E2);

•   ou unidade de assuntos acadêmicos

[...] recebemos um requerimento de um aluno que tem dislexia (E2).

 

Discussão

Parece que este grupo de docentes percebe a inclusão e opina sobre ela, por meio de dois grandes temas: um considerando o paradigma atual da inclusão, que traduzimos pelo tema processo de inclusão educativa, e outro pelo entendimento ou caracterização que faz das situações de necessidade especial, que designamos neste estudo pelo tema necessidades educativas especiais.

Verificamos que este grupo de professores reconhece que a inclusão deve acontecer como resultado de um direito à educação e à formação dos alunos com NEE, não só como direitos legais e sociais, mas também como resposta do sistema educativo aos que revelam mais dificuldades de adaptação. Essas percepções vão ao encontro de diretivas consignadas em diversos documentos internacionais na lógica do paradigma da educação inclusiva, contemplando o ser humano na generalidade ou o aluno em particular.

Em nível nacional, a legislação sobre a inclusão de alunos com NEE segue os princípios da educação inclusiva, mas quando consideramos o ensino superior, verificamos alguma diferenciação entre Portugal continental e a Região Autônoma da Madeira. Nesta, no Decreto Legislativo Regional nº 33/2009/M, de 31 de dezembro, encontra-se uma alusão à possibilidade de aplicação desse diploma no ensino superior em situações devidamente comprovadas. No entanto, em Portugal continental, o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, aplica-se explicitamente ao ensino pré-escolar, básico e secundário, não se verificando regulamentação específica para o ensino superior, sendo que as várias universidades vão elaborando regulamentos internos que contemplam o atendimento a essas situações. Aliás, procurando auxiliar na qualidade dos serviços prestados e no sucesso acadêmico dos alunos, foi criado, em 2004, o GTAEDES, ao qual se associam, atualmente, várias universidades portuguesas.

Os professores entrevistados, no que se refere à conceitualização do processo de inclusão, parecem reger-se pela igualdade de oportunidades e ensino diferenciado, permitindo-nos antecipar o princípio da não discriminação e a consciência de que a inclusão implica que a instituição se reestruture e proceda às alterações necessárias para receber e formar o aluno. No entanto, a referência a um ensino indiferenciado – "[...]nós tentamos tratar uma pessoa que tem características diferentes dando exatamente o mesmo que damos aos outros" (E5) – permite-nos verificar que ainda existem docentes que não internalizaram o verdadeiro conceito de educação inclusiva, pautando-se a sua percepção por um modelo mais conservador e que não responde à diversidade.

No que se refere aos fatores influentes no processo de inclusão, encontramos fatores associados ao professor, não se colocando à parte nesse processo, remetendo à sua responsabilização na eficácia do processo, refletida nas percepções de autoeficácia, de competência técnico-profissional, da qualidade da relação pedagógica e de experiência prévia na lecionação de alunos com NEE. Por exemplo, a experiência de trabalho com alunos com NEE percebida como bem-sucedida parece influenciar o desenvolvimento de crenças favoráveis à inclusão (Elhoweris & Alsheikh, 2006; Leatherman, 2007).

Os participantes do estudo, desempenhando o papel de diretores de curso, esperando-se, portanto, que tenham de lidar com alguns procedimentos burocráticos e mediar processos de interação entre os alunos e os vários docentes, referem alguns fatores associados à instituição como condicionantes do processo de inclusão. Sabemos que determinadas condições institucionais, como a existência de serviços de apoio e de regulamentos específicos, revelam-se determinantes no sucesso dos alunos com NEE (Fernandes & Almeida, 2007; Pires, 2007). Esse parece ser um aspecto que merece uma reflexão cuidada, pois a instituição onde ocorreu o estudo não tem um serviço específico de atendimento aos alunos com NEE e não integra o GTAEDES, apesar de contemplar a atenção educativa a esses estudantes de uma forma relativamente generalista no seu regulamento de avaliação, deixando a forma de intervenção mais específica ao critério do docente. Acreditamos que repensar a forma de atendimento direto e indireto a esses alunos poderia constituir uma mais-valia com repercussões na permanência dos alunos com NEE no ensino superior (Correia, Malusá, Mourão & Santos, 2011 ), sendo que deveriam ser contempladas igualmente possibilidades de consultadoria aos docentes (Vidacek-Hains, Kirinic & Kovacic, 2011).

Verificamos que os docentes entrevistados referem, também, a própria NEE apresentada pelos estudantes como um aspecto a ter em conta no processo de inclusão, remetendo-nos para a necessidade de serem constantemente equacionadas e contrabalançadas as potencialidades e as dificuldades dos alunos, bem como os conhecimentos dos professores sobre os recursos específicos de apoio existentes, nomeadamente, em relação às novas tecnologias e às possibilidades de serem utilizados.

Ora, quando analisamos os dados referentes ao tema NEE, verificamos que os professores referem-se não só às deficiências físicas e sensoriais, mais notórias e também contempladas pelo contingente especial de acesso ao ensino superior, mas também a outras dificuldades. Aliás, no discurso das entrevistas, o conceito de perturbações emocionais é frequentemente utilizado pelos professores e alguns deles parecem utilizá-lo como sinônimo de deficiência mental. Tal fato, a não diferenciação entre a perturbação mental e a deficiência mental, é relatado em outros estudos e poderá estar associado à falta de conhecimento aprofundado e específico acerca das NEE, sendo que este revela-se como um fator determinante no sucesso da educação inclusiva (Lidio & Camargo, 2008).

Não queremos terminar esta discussão sem referir que a forma como o diretor de curso toma conhecimento da situação do aluno é diversificada, revelando, por um lado, a falta de uniformização do procedimento em nível institucional e, por outro lado, a forma como o aluno com NEE vivencia a sua situação. Em algumas situações, parece não haver interesse explícito em usufruir de medidas educativas de apoio, mas em outras situações, essa necessidade torna-se explícita, verificando-se até o envolvimento parental e de colegas mais próximos. Além disso, sabemos também que alguns alunos no ensino superior evitam ser identificados pelos serviços institucionais com receio de serem estigmatizados (Fernandes & Almeida, 2007). A esse propósito, importa relembrar que a responsabilidade da inclusão do estudante com NEE cabe a toda a comunidade acadêmica, mas também depende do papel do estudante na promoção da sua inclusão.

 

Considerações Finais

De uma forma geral, o grupo de professores entrevistados assume um posicionamento próprio face à educação inclusiva no ensino superior. No entanto, importaria uma política nacional mais específica nesse domínio, que se traduzisse em uma maior uniformização de diretivas e práticas. Parece-nos que, se existem escolas básicas e secundárias de referência em função das problemáticas, talvez se pudesse equacionar igualmente a criação de universidades de referência.

No caso da universidade onde foi realizado o estudo, parece-nos que a existência de um artigo específico no regulamento de avaliação da aprendizagem, designado por "medidas de apoio aos alunos com necessidades educativas especiais, deficiências físicas e sensoriais", ainda que generalista, mas procurando contemplar aspectos mais adequados à realidade do ensino superior; o fato de vários diretores de curso terem se disponibilizado a partilhar as suas percepções acerca da inclusão, apesar da sobrecarga de trabalho no final do ano letivo; e a aplicação de medidas extraordinárias na prática educativa não contempladas no regulamento, relatadas no estudo mais alargado que realizamos (Faria, 2012), são aspectos que traduzem sensibilidade e abertura dos docentes para responder às exigências da implementação do paradigma inclusivo no ensino superior.

No entanto, o número de participantes não constitui uma representação do universo dos professores, ressaltando que não se atingiu o ponto de saturação teórica. Isso significa que o alargamento da coleta de dados, junto de outros diretores de curso (e sobretudo de professores em geral), até se atingir a saturação teórica, poderia permitir a incorporação de novos dados na análise, podendo implicar a reorganização das categorias atuais ou a criação de outras categorias, o que possibilitaria a criação de um modelo compreensivo dos fundamentos e processos de inclusão dos alunos com NEE no ensino superior.

Uma variante deste estudo poderia ser a sua replicação ao nível do 2º ciclo do ensino superior, pois surgem outros desafios em relação à aquisição de novas competências e colocam-se questões importantes relacionadas com a participação dos alunos com NEE nas unidades de estágio curricular e de dissertação de mestrado, sendo que os mesmos as referem como situações de desvantagem quando comparados com os colegas (Espadinha, 2010).

A presente investigação constitui um estudo exploratório sobre a inclusão no ensino superior dando voz aos professores. Partilhamos da ideia de que os professores são um elemento-chave no sucesso da inclusão educativa também no ensino universitário. Esperamos que este estudo constitua mais uma contribuição à reflexão e à concretização do que se entende por inclusão educativa e, em última instância, por sociedade inclusiva.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Pereira Antunes
Centro de Artes e Humanidades, Universidade da Madeira
Edifício da Penteada, Caminho da Penteada
CEP: 9000-390 – Funchal, Portugal
E-mail: aantunes@uma.pt 

Recebido em 15/02/2013
Revisto em 23/09/2013
Aceito em 04/10/2013