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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.2 no.2 Calle  2010

 

 

Iowa Gambling Task: correlatos neurais a partir do paradigma de lesão, da psicopatologia e de evidências de neuroimagem

 

Tarea de Iowa Gambling: correlatos neurales a partir del paradigma lesional, de la psicopatología y de las evidencias de la neuroimagen

 

Corrélats neuro-anatomiques du jeu du casino : Apport de la neuropsychologie, la psychopathologie et la neuroimagerie

 

Iowa Gambling Task: neural correlates based on brain damage paradigm, psychopathology and neuroimaging evidence

 

 

Caroline de Oliveira CardosoI; Nicolle ZimmermannII; Janaína Castro Núñez CarvalhoIII

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
IIIInstituto de Educação Superior de Brasília, Brasil

 

 


RESUMEN

La tarea de Iowa Gambling (IGT) es una tarea reconocida internacionalmente para evaluar la toma de decisiones, un componente de la función ejecutiva. Los estudios con el IGT en pacientes con daño neurológico generalmente se centran en individuos con lesiones frontales y/o límbicas. En el caso de estudios psiquiátricos, se focalizan en sujetos con características de desinhibición e impulsividad. Dichos estudios presentan datos importantes acerca del proceso de toma de decisiones. Aún así, estos datos son sesgados y simplificados cuando se los compara con el conocimiento potencial vinculado a la toma de decisiones. En este sentido, la presente reseña tiene por objetivo presentar los principales hallazgos del desempeño en la IGT en muestras con daño cerebral y desórdenes psiquiátricos. Asimismo, se revisan los estudios recientes de resonancia magnética funcional (RMf) que han utilizado la IGT. Los resultados en lesionados cerebrales indican que la región prefontral ventromedial y el sistema límbico están involucradas en la toma de decisiones. En poblaciones psiquiátricas, distintos desórdenes psiquiátricos están relacionados con dificultades en la toma de decisiones. Finalmente, los estudios de RMf en sujetos sanos confirman el lóbulo frontal y el sistema límbico en el procesamiento de la toma de decisiones, reforzando los resultados obtenidos en poblaciones clínicas. Se sugiere que los estudios comportamentales y por neuroimagen futuros deberán utilizar métodos más claros y replicables en muestras psiquiátricas de distinto tipo, con objeto de clarificar y fortalecer estos hallazgos, y contribuir a un mayor consenso acerca de los mecanismos de la toma de decisiones evaluados por el paradigma de la IGT.

Palabras-claves:Funciones ejecutivas, Toma de decisiones, Tarea de Iowa Gambling, Muestras clínicas, Resonancia magnética funcional.


RESUMÈ

Le jeu du casino (Iowa Gambling Task ou IGT) est un outil international reconnu pour évaluer la prise de décision, l'une des composantes du fonctionnement exécutif. Les études évaluant cette composante chez des patients cérébro-lésés au moyen de l'IGT portent généralement sur des individus souffrant de lésions frontales et/ou limbiques. Concernant les études sur des populations de patients atteints de troubles psychiatriques, celles-ci se focalisent surtout sur les désordres entraînant des troubles du comportement, tels que la désinhibition ou l'impulsivité. Les procédures expérimentales classiques utilisées dans ces études ont permis de collecter un grand nombre de données sur la prise de décision. Toutefois, celles-ci apparaissent toujours biaisées et simplifiées lorsqu'on les compare aux connaissances que nous avons des mécanismes cognitifs et biologiques de la prise de décision. Ainsi, cette revue de la littérature visait à présenter les principales découvertes à propos des profils de performances caractéristiques des patients atteints d'une lésion cérébrale ou de troubles psychiatriques lorsqu'ils sont soumis à l'IGT. Au-delà de ces données, une présentation de travaux récents concernant les bases cérébrales sous-tendant l'accomplissement de l'IGT est proposée. Les études portant sur les patients cérébro-lésés indiquent une implication de la région ventromédiane du cortex préfrontal, ainsi que des structures du système limbique. Concernant les études psychopathologiques, différents troubles psychiatriques peuvent être reliés à l'atteinte du processus de prise de décision. Enfin, les études conduites en imagerie par résonance magnétique fonctionnelle (IRMf) sur des individus bien portants ont confirmé l'implication des régions frontales et limbiques dans la prise de décision, allant dans le sens des études menées sur des populations cliniques. À la lumière de ces données, des études futures, comportementales et en neuroimagerie, devraient réfléchir à la mise en oeuvre de méthodes plus claires et réplicables avec différentes populations de patients souffrant de troubles neurologiques ou psychiatriques. Ceci permettrait de clarifier et renforcer les découvertes déjà faites, contribuant ainsi à un meilleur consensus à propos des mécanismes sous-tendant la prise de décision telle qu'évaluée par le paradigme de l'IGT.

Mots-clés:Fonctions exécutives, Prise de décision, Jeu du casino, Populations cliniques, Imagerie par résonance magnétique.


RESUMO

O Iowa Gambling Task (IGT) é um instrumento internacionalmente empregado na avaliação do processo de tomada de decisão, um dos componentes das funções executivas. Os estudos que utilizam esse instrumento na avaliação de populações clínicas neurológicas investigam principalmente lesões frontais e/ou límbicas. Já os estudos com populações psiquiátricas focam na avaliação de indivíduos com patologias que envolvem características de desinibição/impulsividade. Tais delineamentos trazem evidências importantes, mas ainda assim enviesadas e simplificadas para o conhecimento sobre os mecanismos cognitivos e biológicos da tomada de decisão. Frente a isso, a partir de uma revisão teórica, buscou-se apresentar os principais achados na literatura relacionados ao desempenho do IGT em pacientes com lesão cerebral e com doenças psiquiátricas, além de investigar os sistemas e estruturas neurais envolvidos no desempenho no IGT a partir de achados de neuroimagem funcional. Evidenciou-se que pacientes com lesão no córtex pré-frontal ventromedial apresentam importantes prejuízos na tomada de decisão, porém pacientes com lesões em outras estruturas do córtex pré-frontal e em estruturas do sistema límbico também apresentam prejuízo na tarefa. Quanto aos transtornos psiquiátricos, estudos confirmam que diversas psicopatologias podem apresentar déficits no processamento de tomada de decisão avaliado pelo IGT. As pesquisas com neuroimagem funcional com indivíduos saudáveis confirmam o envolvimento da região frontal e límbica na tomada de decisão, reforçando os achados dos estudos comportamentais com populações clínicas com lesões cerebrais nessas regiões. Sugere-se que futuros estudos comportamentais e de neuroimagem utilizando métodos claros e replicáveis com diferentes populações neurológicas e psiquiátricas ainda precisam ser desenvolvidos com o intuito de fortalecer os achados, contribuindo, assim, com um maior consenso sobre os mecanismos de tomada de decisão avaliada pelo IGT.

Palavras-chave:Funções executivas, Tomada de decisão, Iowa Gambling Task, Populações clínicas, Imagem por ressonância magnética.


ABSTRACT

The Iowa Gambling Task (IGT) is an international recognized tool to evaluate decision making, an executive function component. Neurological sample's studies with the IGT generally investigate individuals with frontal and/or limbic damage. Regarding research on psychiatric samples, it focuses mainly on disorders that involve disinhibition/impulsiveness characteristics. Such well known designs used in these studies present significant data about decision making processing, but still biased and simplified when compared to the possible knowledge related to the cognitive and biological mechanisms of decision making. In this way, the present review aimed to present the main findings about IGT performance in samples with brain damage and psychiatric disorders. Besides that, a review of recent studies about functional magnetic resonance imaging (fMRI) and the IGT is proposed. Results from the studies investigating performance and brain injured population indicate that ventromedial region of the prefrontal cortex and limbic system structures are involved in decision making. When it comes to reviewed studies on psychopathology, different psychiatric disorders can be related to impaired decision making processing. Finally, fMRI studies with healthy individuals and the IGT confirmed the involvement of the frontal and limbic regions in decision making processing, reinforcing the performance studies with clinical populations. It is suggested that future behavioral and neuroimaging studies must look for more clear and replicable methods with different neurological and psychiatric samples, aiming at clarifying and strengthening findings, contributing to a greater consensus about the mechanisms of decision making assessed by the IGT paradigm.

Keywords:Executive functions, Decision making, Iowa Gambling Task, Clinical samples, Magnetic resonance imaging.


 

 

Os estudos sobre a tomada de decisão emocional vêm aumentando consideravelmente nas últimas décadas, investigando principalmente populações com lesões cerebrais e psicopatologias que têm como principais características a impulsividade, dificuldades no planejamento e inibição de comportamentos (Contreras, Catena, Cándido, Perales, & Maldonado, 2008). Os achados das pesquisas nessa temática apontam que o Iowa Gambling Task (IGT) (Bechara, Damásio, Damásio, & Anderson, 1994), instrumento pioneiro na avaliação desse componente cognitivo/emocional, é sensível para identificar déficits na tomada de decisão em diversas populações clínicas. No entanto, apesar de ser eficaz em termos de sensibilidade, o instrumento parece ser pouco específico, já que não diferencia os sintomas de tomada de decisão entre diferentes patologias, ou seja, pacientes com distintos quadros apresentam desempenho deficitário no IGT (Bechara, Tranel, & Damásio, 2000). Neste contexto, este artigo de revisão teórica busca responder à pergunta "Quais são os principais correlatos neurais do desempenho no IGT a partir de dados comportamentais e de neuroimagem com populações neurológicas e psiquiátricas?".

Histórico dos estudos sobre a tomada de decisão

O interesse clínico em investigar as estruturas e mecanismos neurológicos que permitem os indivíduos tomar decisões teve início, em parte, pelo caso clássico de Phineas Gage, no final do século XIX (Contreras et al., 2008). Phines Gage, operário americano, em um acidente com explosivos em 1848, teve seu cérebro perfurado com uma barra de metal. A barra atingiu a parte anterior de seu crânio, afetando provavelmente a região pré-frontal ventromedial (RPFVM) (Damásio, 1996). Após o ocorrido, o operário apresentou uma rápida recuperação e aparentemente não havia sofrido nenhuma seqüela. No entanto, alterações em sua personalidade e no seu comportamento social começaram a surgir. Atualmente, considera-se que os sintomas apresentados podem estar relacionados com dificuldades em tomar decisões guiadas pela emoção (Clark, Manes, Antoun, Sahakian, & Robbins, 2003). Esse famoso caso abriu caminho para a idéia de que os lobos frontais são responsáveis pelo processo de tomada decisão, pela conduta social e algumas características de personalidade. Outros casos de danos do lobo frontal semelhante ao de Phineas Gage foram documentados na literatura (por exemplo, ver Barrash, Tranel, & Anderson, 2000; Dimitrov, Phipps, Zahn, & Grafman, 1999), porém não com tanto destaque (Bechara & Martin, 2004).

Na tentativa de entender os déficits emocionais e a inabilidade dos pacientes com lesão em tomar decisões diárias, Damásio (1996) propôs, em seu livro "O erro de Descarte", a Hipótese do Marcador Somático. De acordo com o autor, quando é necessário tomar uma decisão, particularmente em uma situação de complexidade e de incerteza, o indivíduo depara-se com uma sensação corporal chamada de "marcadores somáticos". A RPFVM tem sido indicada como a área do cérebro responsável, em parte, pelo mecanismo emocional capaz de orientar e induzir o indivíduo no processo de tomada de decisão, gerando os marcadores somáticos que lhe informam antecipadamente as possíveis consequências de sua ação. Com o intuito de comprovar sua teoria empiricamente, Bechara e Damásio (Bechara et al., 1994; Bechara, Damásio, Tranel, & Damásio, 1997) desenvolveram o instrumento neuropsicológico Iowa Gambling Task (IGT), utilizado internacionalmente para avaliar a tomada de decisão, um dos componentes das funções executivas (FE). Nessa tarefa em forma de jogo de cartas, o examinando deve fazer escolhas entre quatro baralhos (A, B, C e D) ao longo de 100 jogadas e, em cada ensaio, os indivíduos podem ganhar ou perder uma quantia de dinheiro. O objetivo do jogo é ganhar o máximo de dinheiro possível, mas para isso acontecer o examinando precisa manter-se afastado dos baralhos de risco. Nos baralhos A e B, o ganho imediato é alto, porém uma perda monetária mais freqüente, sendo considerados, portanto, desvantajosos. Em contraste, os outros dois baralhos (C e D) são vantajosos, no sentido que têm ganhos monetários a longo prazo e baixa perda de dinheiro. São analisadas, comumente, duas pontuações obtidas no instrumento. A primeira é denominada "cálculo total" e corresponde à soma de todas as escolhas dos baralhos vantajosos (C+D) menos a soma dos baralhos considerados de risco (A+B) obtendo-se assim um escore global do quanto o participante obteve de desempenho vantajoso no jogo. A segunda pontuação mostra o quanto houve de aprendizagem ao longo do jogo e é denominada "cálculo por blocos". Para este cálculo, divide-se a tarefa em 5 blocos, de 20 jogadas cada. O mesmo cálculo [(C+D)-(A+B)] é realizado para cada um dos blocos da tarefa.

Evidência do paradigma da lesão sobre correlatos neurais da tomada de decisão

Numerosos estudos com pacientes com lesão cerebral e estudos de neuroimagem situam o córtex préfrontal, especialmente a RPFVM, como a estrutura chave para a tomada de decisão em seres humanos (Bechara et al., 2000; Martínez-Selva et al., 2006; Roger et. al, 1999). Graças a sua localização e diversas conexões que estabelece com outras áreas cerebrais (como amígdala, hipotálamo e outras regiões do lobo frontal), a região desempenha um papel de interface entre as áreas emocionais e as estruturas de processamentos cognitivos do cérebro, com a função de regular e controlar o comportamento (Contreras et al., 2008). Estudos apontam que pacientes com lesões na RPFVM podem apresentar diversos sintomas, entre eles, dificuldade de planejamento das atividades cotidianas, incapacidade de aprender com seus erros, diminuição da competência social, com comportamentos socialmente inadequados. Além disso, esses indivíduos tendem a tomar decisões desvantajosas em relação a si e aos outros apesar das funções intelectuais preservadas, e demonstram uma impulsividade cognitiva acompanhada de desinibição (Bechara et al, 2000; Contrenas et al., 2008; Damásio, 1996)

Inicialmente, o IGT foi desenvolvido com propósito de avaliar a tomada de decisão em pacientes com lesão na RPFVM (Bechada et al., 1994). Ao compararem esses pacientes com um grupo saudável, os autores verificaram que enquanto o último grupo escolhia os baralhos mais vantajosos a longo prazo, os indivíduos com lesão continuavam a selecionar os baralhos de risco. Dessa forma, apoiados em suas teorias, os autores puderam concluir que estes pacientes não tinham os marcadores somáticos e por isto apresentavam "miopia para o futuro", ou seja, incapacidade de antecipar as conseqüências de suas ações. Diversos estudos posteriores encontraram resultados semelhantes, evidenciando que os indivíduos com dano na RPFVM têm seu comportamento comprometido no IGT, enquanto que pacientes com dano no lobo occipital, lobo temporal e no córtex pré-frontal dorsolateral possuem um comportamento semelhante ao do grupo controle (Bechara, Damasio, Tranel, & Anderson, 1998; Bechara et al., 2000; Bechara & Martin, 2004; Bechara & Damásio, 2002; Buelow & Suhr, 2009; Rogers et al., 1999).

Outros estudos mais recentes vêm colocando em dúvida essa especificidade da RPFVM com evidências de outras áreas do córtex pré-frontal podem estar envolvidas na performance do IGT. Follows e Frah (2005), ao compararem o desempenho no IGT em pacientes com lesão na RPFVM , lesão no córtex préfrontal dorsolateral e grupo controle, verificaram que enquanto os indivíduos saudáveis optavam pelas cartas vantajosas, tanto os pacientes com lesão na RPFVM como os indivíduos com lesão pré-frontal dorsolateral tiveram um desempenho prejudicado no IGT, não se diferenciando entre si. No estudo de Manes et al. (2002), os indivíduos foram divididos em grupos quanto a sua lesão cerebral, pacientes com discreta lesão orbitofrontal (incluindo RPFVM), discreta lesão dorsolateral, discreta lesão dorsomedial e pacientes com lesões maiores afetando tanto a parte dorsal e ventral do córtex préfrontal. Verificou-se que os indivíduos com danos dorsolaterais e dorsomediais, como também os pacientes com extensas lesões pré-frontais selecionaram mais os baralhos desvantajosos. Em contrapartida, os que foram classificados como tendo lesão orbitofrontal apresentaram um desempenho adaptado no IGT, comportando-se de maneira semelhante aos indivíduos saudáveis.

A diferença entre os resultados dos estudos posteriores com o original desenvolvido por Bechara et al. (1994, 1997) pode estar relacionada com a localização e a especificidade das lesões frontais. Nos estudos de Bechara, os indivíduos selecionados apresentavam uma extensa lesão bilateral; em contrapartida, o grupo com lesão orbitofrontal, no estudo de Manes et al. (2002) tiveram lesão predominantemente no lado esquerdo. Além disso, nos estudos originais os participantes que foram recrutados tinham dano na RPFVM e evidências clínicas da incapacidade de tomar decisão na vida cotidiana. Enquanto que nos estudos posteriores os participantes incluídos apresentavam uma lesão frontal confirmada por ressonância magnética (Fellows & Farah 2005; Manes et al., 2002), porém, não foi exigida a presença de déficits no processo de tomada de decisão. Dessa forma, as diferenças entre as amostras dos estudos de Bechara et al. (1994, 1997) e de Manes et al. (2002) podem explicar as conclusões sobre a especificidade do IGT para determinado tipo de lesão cerebral (Dunn, Dalgleish, & Lawrence, 2006).

No que diz respeito a lateralidade hemisférica, estudos vem sendo realizados com intuito de verificar se há diferença no desempenho do IGT entre pacientes que sofreram lesão frontal do lado direito e pacientes com danos à esquerda. A hipótese inicial era que pacientes com lesão na RPFVM à direita apresentavam prejuízo na tomada de decisão e no processamento emocional (Tranel, Bechara, & Denburg, 2002). Com interesse de explorar essa hipótese da lateralidade, Tranel et al. (2002) avaliaram uma amostra pequena de pacientes com lesão bilateral, com lesão apenas no lado esquerdo e pacientes com lesão somente à direita da RPFVM. Um prejuízo no IGT e na tomada de decisão cotidiana foi evidenciado nos grupos com lesão na RPFVM bilateral e lesão à direita, enquanto que os participantes com lesão à esquerda não demonstraram uma performance prejudicada no IGT. Achados semelhantes foram encontrados no estudo desenvolvido por Clark et al. (2003). Ao compararem o desempenho de pacientes com lesão frontal unilateral e grupo controle no IGT, estes últimos autores verificaram que os indivíduos com lesão frontal à direita selecionavam mais cartas de risco do que participantes saudáveis e com lesão à esquerda. Com esses dados, corroborando a hipótese inicial, podese considerar que a tomada de decisão avaliada pelo IGT depende mais da porção direita da RPFVM, uma vez que o lado esquerdo tem um papel relativamente menor na tomada de decisão e processamento emocional.

De acordo com a Hipótese do Marcador Somático, no processo de tomada de decisão, além da RPFVM, outras estruturas cerebrais também estão envolvidas. A amígdala, por exemplo, é uma estrutura do sistema neural responsável principalmente em desencadear estados somáticos de indutores primários, ou seja, é a região que está envolvida com respostas somáticas rápidas, automáticas, sem muito esforço e pensamento (Bechara, 2003; Bechara & Damasio, 2005). Com o intuito de compreender o efeito da amígdala na tomada de decisão avaliada pelo IGT, Bechara, Damásio, e Lees (1999) observaram cinco pacientes com lesão focal na amígdala. Diferente do comportamento do grupo controle, estes pacientes selecionavam mais os baralhos de risco, apresentando reduzido desempenho no IGT. Outra pesquisa, também visando a entender o papel da amígdala na tomada de decisão, encontrou resultados semelhantes ao analisar três pacientes com a mesma lesão (Brand et al., 2007). Segundo Bechara e Damasio (2005), entende-se que sem a capacidade de gerar esses sinais somáticos, os pacientes com lesão na amígdala não têm o sinal do quão prejudicados se sentem quando perdem dinheiro, e assim não conseguem evitar os piores baralhos. Ao contrário dos pacientes com lesão na RPFVM, em que a falha na tomada de decisão é resultado de problemas de interação de informações somáticas de várias fontes neurais, pacientes com dano na amígdala a falha está relacionada ao prejuízo no condicionamento emocional, que conseqüentemente afetará sua capacidade de tomar decisão (Buelow & Suhr, 2009).

Dados comportamentais em psicopatologias

Numerosas enfermidades e transtornos neuropsiquiátricos podem acarretar sintomas semelhantes aos de pacientes que sofreram algum tipo de lesão frontal (Palomo & Guinea, 2007). Além da aplicabilidade em pacientes com lesão RPFVM, outras pesquisas comprovam que o IGT pode ser utilizado na avaliação de diversas psicopatologias que supostamente apresentam o mesmo padrão de resposta (Kapczinski, Peuker, & Narvaez, 2010), como é o caso de dependentes químicos (Bechara & Damásio, 2002; Bechara & Martin, 2004), jogadores compulsivos (Cavedini, Riboldi, Keller, D'Annucci, & Bellodi, 2002; Goudriaan, Osterlaan, De Beurs, & Van Den Brink, 2005), pacientes com transtorno obsessivocompulsivo (Cavedini et al., 2002), esquizofrênicos(Sevy et al., 2007), indivíduos com transtorno de humor bipolar (Yechim et al., 2008), com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (Malloy-Diniz, Fuentes, Borges Leite, Correa, & Bechara, 2007), pacientes com anorexia nervosa (Cavedini et al., 2004), com transtorno de personalidade borderline (Haaland & Landro, 2007), entre outros. Investigações demonstram que estes pacientes apresentam um comportamento considerado prejudicado no IGT, ao optarem por ganhos maiores em curto prazo (Buelow & Suhr, 2009).

No estudo desenvolvido por Haaland e Landro (2007), buscaram-se comparar participantes com transtorno de personalidade borderline com participantes não-clínicos em relação ao desempenho no IGT. Os resultados mostraram que as pessoas com transtorno borderline obtiveram um desempenho inferior na tarefa do que os controles, sugerindo que estes indivíduos apresentam um prejuízo na tomada de decisão de cunho emocional. Comportamento semelhante no IGT foi evidenciado em pacientes com esquizofrenia, no estudo de Sevy et al. (2007). Os participantes foram divididos em três grupos: participantes com esquizofrenia que faziam uso de cannabis, participantes com esquizofrenia que não faziam uso de substâncias psicoativas e um grupo controles. Os autores concluíram que os dois grupos de pacientes diagnosticados com esquizofrenia (com uso de cannabis e sem uso de substância) não se diferenciaram entre si e que estes apresentaram uma pior performance na tarefa do que o grupo controle.

Dessa forma, uma ampla gama de transtornos psicopatológicos é caracterizada por apresentar algum tipo de prejuízo no processo de tomada de decisão detectado pelo IGT. Estes transtornos podem compartilhar uma fisiopatologia semelhante que envolve a RPFVM. Porém, a dificuldade de tomar decisões pode surgir a partir de disfunções em outros sistemas neurais, por exemplo, região pré-frontal dorsolateral,, hipocampo, amígdala. Assim, diferentes condições clínicas podem ter manifestações comportamentais semelhantes, porém com disfunção neural diferente. Neste contexto de falta de consenso sobre os correlatos neurais da tomada de decisão, a utilização de neuroimagem funcional pode ajudar a esclarecer os questionamentos sobre os substratos neurobiológicos deste processo cognitivo executivo dos indivíduos diagnosticados com transtornos neuropsiquiátricos.

Evidências de neuroimagem no estudo da tomada de decisão através do IGT

O paradigma da investigação do papel de diferentes áreas cerebrais no desempenho do IGT acompanha os estudos sobre esse instrumento desde o início de seu uso, na década de 1990. Como demonstrado nas seções anteriores, as investigações com pacientes com lesões cerebrais frontais e psicopatologias foram essenciais para o desenvolvimento do conhecimento sobre o papel das estruturas cerebrais e dos perfis psicopatológicos que têm influência na tomada de decisão. Com o maior desenvolvimento das técnicas de neuroimagem, no entanto, as pesquisas que investigam a ativação cerebral no IGT demonstraram com mais especificidade as regiões cerebrais envolvidas na tarefa. Primeiramente com o PET (tomografia com emissão de pósitrons) diversos estudos demonstraram áreas relacionadas com a tarefa de maneira geral. Num segundo momento, o advento de estudos com ressonância magnética funcional, conhecida em inglês como functional magnetic ressonance image ou fMRI, permitiu que essas áreas fossem mais bem investigadas em conjunto com cada momento/variável do IGT, já que a resolução temporal e espacial da fMRI é superior.

As pesquisas que utilizam a técnica de fMRI têm avançado significativamente na investigação das áreas envolvidas na realização do IGT. Apesar do consenso de que a tarefa ativa regiões frontais, principalmente ventromediais e orbitofrontais do córtex pré-frontal, os diferentes paradigmas da tarefa e de análise dos dados utilizados nesses estudos vêm contribuindo para a maior especificidade do entendimento dos correlatos neurais da neuropsicologia da tomada de decisão Além de contribuir para a compreensão das áreas cerebrais envolvidas na tomada de decisão, esses estudos dão importante suporte para as investigações sobre os diferentes processos cognitivos envolvidos no IGT.

Um estudo de Li, Lu, D'Argembeau, Ng, e Bechara (2010) com participantes sem lesões cerebrais ou psicopatologias demonstrou que no último bloco da tarefa as regiões orbitofrontais esquerdas, e da ínsula/SII direita do córtex somatossensorial foram predominantemente ativadas. Já quando comparados o último e o primeiro bloco, os autores relataram que parece não existir diferença significativa nas ativações entre eles, devido ao fato de a tarefa envolver decisões variadas e ambíguas em seu decorrer. Em complementaridade, foi encontrada ainda uma redução da ativação cerebral ao longo da tarefa, achado reportado também no estudo de Lawrence, Jollant, O'Daly, Zelaya, e Phillips (2009), demonstrando provavelmente que as regiões são mais ativadas quando existem situações de tomada de decisão mais complexas e ambíguas ou, ainda, menos conhecidas. As análises de correlação apontaram para uma maior ativação lateralizada no hemisfério direito enquanto o ganho era esperado pelos participantes. Os autores dessa investigação apontaram, ainda, que foi encontrada uma correlação entre o ganho esperado e a ativação do hipocampo (bilateral), giro frontal superior (bilateral), giro frontal medial (direito), giro frontal inferior (direito), e córtex orbitofrontal lateral (direito). Tais achados foram relacionados ao processamento da memória de trabalho, memória, e funções executivas. O processamento das emoções envolvido na tarefa foi relacionado à correlação encontrada entre o ganho esperado na tarefa e à ativação da amígdala (direita) e da ínsula (bilateral). As regiões que supostamente conectam a memória de trabalho, a memória, as funções executivas e o processamento emocional são o córtex orbitofrontal e região ventromedial do córtex préfrontal, córtex anterior ao pólo frontal, e a região orbitofrontal medial. As regiões relacionadas ao parâmetro de risco durante a tarefa foram a ínsula, a amígdala (bilateral), o córtex cingulado posterior (direita) e anterior (bilateral) e o córtex orbitofrontal medial (esquerdo). As correlações do estudo demonstraram que quanto maior a perspectiva do risco envolvida, maior avaliação é necessária, levando a uma maior ativação do circuito relacionado à Hipótese do Marcador Somático.

A análise da ativação cerebral em escolhas vantajosas e desvantajosas é relevante e vêm sendo relatada em estudos recentes. Em indivíduos que escolhem mais os baralhos desvantajosos foram encontradas correlações positivas e significativas entre o net score, ou o cálculo das escolhas vantajosas menos as desvantajosas, e as ativações no RPFVM direito, córtex pré-frontal dorsolateral, córtex pré-motor, córtex parietal esquerdo, e giro parahipocampal direito (Christakou, Brammer, Giampietro, & Rubia, 2009). Lawrence et al. (2009) encontraram ativações no giro frontal medial, no córtex frontal lateral, ínsula (bilateral), e no córtex occipital quando os participantes escolhiam baralhos considerados arriscados. No mesmo estudo, não foram encontradas diferenças significativas entre as ativações geradas durante as escolhas vantajosas versus desvantajosas. Em relação aos baralhos vantajosos, na investigação de Christakou et al. (2009), as ativações encontradas foram predominantemente no córtex préfrontal dorsomedial, RPFVM esquerdo, córtex préfrontal dorsolateral/ACC, córtex cingulado posterior, córtex motor, giro pós-central, córtex temporal bilateral, núcleos da base, tálamo, amígdala, hipocampo, e cerebelo. Já no estudo de Jollant et al. (2010) com amostras clínicas, verificou-se que a amostra de pacientes com histórico de suicídio quando comparada a controles teve uma menor ativação no córtex orbitofrontal esquerdo e no córtex occiptal esquerdo.

Em relação ao resultado imediato de cada escolha, que pode ser o ganho ou a perda monetária, as regiões do córtex pré-frontal dorsolateral esquerda, CPF dorsomedial, córtex cingulado posterior, tálamo, e mesencéfalo demonstraram-se ativadas em situação de ganhos (Christakou et al., 2009). Além de encontrar mais ativações em situações de ganho, Lawrence et al. (2009) encontraram que essas respostas ativaram regiões relacionadas à recompensa, como o estriato ventral, tálamo, e regiões parieto-ociptais, relacionadas à atenção visual. Foram ainda encontradas ativações no cerebelo e no córtex suplementar superior em situações de ganho, mas não foi observada diferença entre a ativação em situações de perda versus ganho. Em outro estudo, as perdas foram mais relacionadas à ativação do córtex pré-frontal dorsolateral direito, córtex parietal direito, córtex temporal esquerdo, giro parahipocampal, e precuneos (Christakou et al., 2009). Jollant et al. (2010), utilizando a mesma análise sobre perdas e ganhos na tarefa em uma amostra composta por controles, pacientes sem depressão atual, e pacientes com histórico de suicídio, não evidenciaram diferenças entre os grupos nas ativações.

No que diz respeito ao aprendizado de estratégias bem sucedidas, este parece estar relacionado à ativação do córtex orbito-frontal lateral esquerdo e ao córtex dorsal, de acordo com o estudo de Lawrence et al. (2009). Utilizando uma versão modificada do IGT, Hartstra, Oldenburg, Van Leijenhorst, Rombouts, e Crone (2010) também encontraram resultados que indicaram que a região lateral do córtex pré-frontal e o córtex cingulado anterior estão mais envolvidas no início do processo de decisão. Já a região medial do córtex orbitofrontal foi mais ativada no processo de tomada de decisão tardia, ou seja, após algum tempo de jogo, quando a aprendizagem já estava mais consolidada. Dessa forma, essa região foi relacionada pelos autores como responsável pelo processamento dos valores de recompensa nos quais as decisões devem ser tomadas.

Assim sendo, ainda que existam regiões cerebrais claramente identificadas no processo de tomada de decisão pelo IGT de uma forma global, como é o caso da RPFVM , os estudos de neuroimagem vêm apontando outras regiões que participam dos diferentes processos cognitivos que possibilitam a execução da tarefa (aprendizagem aversiva, memória operacional, busca ou aversão a riscos, etc). Estes achados podem contribuir para uma maior compreensão dos diferentes mecanismos cerebrais que podem estar prejudicados nos diversos quadros psicopatológicos que apresentamfalhas no processo decisório.

 

Considerações finais

A revisão proposta apresentou os principais achados relacionados ao desempenho do IGT em participantes com lesão cerebral, com psicopatologias, e aos correlatos neurais do IGT a partir de achados de neuroimagem funcional. Quanto aos estudos comportamentais com pacientes com lesão cerebral, fica claro que pacientes com lesões frontais tendem a apresentar com grande probabilidade prejuízos de desempenho no IGT, achados corroborados por estudos neurofisiológicos que buscam comprovar a Hipótese do Marcador Somático. Em relação à psicopatologia a bibliografia refere que uma ampla gama de transtornos psicopatológicos é caracterizada por apresentar algum tipo de prejuízo no processo de tomada de decisão detectado pelo IGT, como é o caso de dependentes químicos, jogadores compulsivos, pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrênicos, indivíduos com transtorno de humor bipolar, com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, pacientes com anorexia nervosa, com transtorno de personalidade borderline. No entanto, o que é ainda pouco estudada é a capacidade do instrumento de detectar as diferenças entre os distintos quadros. Isto talvez seja possível a partir de uma análise dos subcomponentes executivos que estão envolvidos na própria tarefa, já que a tomada de decisão avaliada pelo IGT é examinada por uma tarefa complexa que demanda diversos processos psicológicos ainda não suficientemente explorados.

Na perspectiva dos exames de neuroimagem funcional, destaca-se o envolvimento de áreas orbitofrontais, da amígdala, dos córtex cingulado posterior, córtex temporal, córtex pré-frontal dorsolateral e RPFVM, giro frontal posterior, medial, e superior, ínsula, hipocampo, e tálamo. Compreende-se que grande parte dos estudos comportamentais envolvendo o IGT é realizada com pacientes com dificuldades de inibição, seja de origem neurológica (pelo bem conhecido papel do lobo frontal) ou psiquiátrica. Nessa perspectiva, os estudos de neuroimagem preenchem essa lacuna dos trabalhos que parecem ser enviesados pela escolha dos quadros clínicos estudados, confirmando o envolvimento de áreas predominantemente frontais e do sistema límbico na tomada de decisão mesmo em indivíduos sem quaisquer patologias.

Quanto a isso, algumas limitações e sugestões são propostas para que os estudos sobre os correlatos neurais do IGT avancem ainda mais. As limitações dos estudos revisados de neuroimagem encontram-se principalmente no fato de que os delineamentos dos estudos são diversos, com base em diferentes versões da tarefa e diferentes variáveis são correlacionadas com as ativações cerebrais. Além disso, foi observado que grande parte dos estudos de neuroimagem não apresenta as variáveis de desempenho descritas de forma clara e operacional, o que dificulta a interpretação e a replicação dos dados. Sugere-se, a partir disso, que os estudos busquem um maior consenso sobre variáveis de interesse no IGT. Em complementaridade, estudos com neuroimagem estrutural correlacionando medidas de espessura cortical e de volumetria de regiões corticais e subcorticais podem ser de grande valia para o estado da arte da neuroanatomia da tomada de decisão avaliada com o IGT. Por fim, propõe-se que as investigações tanto comportamentais quanto de neuroimagem busquem pesquisar diferentes populações clínicas neurológicas e psiquiátricas para que dissociações ou convergências sejam encontradas em busca de uma maior especificidade do mecanismo de ativação cognitiva/cerebral da tomada de decisão.

 

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Artigo recebido: 19/08/2010; Artigo revisado: 01/09/2010; Artigo aceito: 20/09/2010

Agradecimento: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por fomento em forma de Bolsa de Iniciação Científica outorgada a Nicolle Zimmermann.

 

 

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