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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.4 no.2 Calle  2012

https://doi.org/10.5579/rnl.2012.00106 

DOI:10.5579/rnl.2012.00106

 

Modelos teóricos sobre construto único ou múltiplos processos das funções executivas

 

Modelos teóricos sobre constructo único o sobre múltiples procesos de las funciones ejecutivas

 

Modèles théoriques concernant processus simples ou multiples de fonctions exécutives

 

Theoretical models about single or multiple processes of executive functions

 

 

Bruno Kluwe-Schiavon; Thiago Wendt Viola; Rodrigo Grassi-Oliveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As Funções Executivas (FE) são consideradas atividades cognitivas de alto nível de complexidade, o que contribui para que não haja consenso sobre seu construto teórico na literatura científica. Alguns autores sugerem que as FE são formadas por processos distintos, relacionados e independentes. Entretanto, outros autores supõem que elas constituem uma única habilidade que abrange todos os elementos – planejamento, flexibilidade cognitiva, atenção seletiva e sustentada, processamento emocional, inibição comportamental, tomada de decisão, automonitoramento - um sistema integrador que fundamenta o funcionamento executivo direcionado a um objetivo. Deste modo, duas diferentes modelos teóricos podem ser observados no que tange às FE: Modelos de Múltiplos Processos e Modelos de Construto Único. O objetivo do trabalho foi realizar uma revisão sobre alguns dos principais modelos teóricos das FE à luz desta questão, apresentando de maneira sumária os principais conceitos e referências teóricas de cada modelo.

Palavras-chave: Funções Executivas, Neuropsicologia, Cognição, Córtex pré-frontal.


RESUMEN

Las Funciones Ejecutivas (FE) son consideradas actividades cognitivas de alto nivel de complejidad. La amplitud de esta definición contribuye a la falta de consenso respecto del alcance del constructo teórico en la literatura científica. Algunos autores sugieren que las FE están constituídas por procesos distintos, relacionados pero independentes. Otros suponen que conforman una única habilidad, compuesta por una totalidad de procesos – planeamiento, flexibilidad cognitiva, atención selectiva y sostenida, procesamiento emocional, inhibición, toma de decisiones, automonitoreo – incluídos en un sistema integrado que fundamenta el funcionamento ejecutivo dirigido hacia un objetivo. De tal modo, se reconocen dos perspectivas teóricas diferentes en relación con las FE: los modelos de múltiples procesos y los modelos de construto único. El objetivo del trabajo fue realizar uma revisión sobre algunos de los principales modelos teóricos de las FEs a la luz de estas cuestiones, presentando de manera sintética los principales conceptos y referencias teóricas de cada planteo.

Palabras clave: Funciones ejecutivas, Neuropsicología, Cognición, Córtex pre-frontal.


RÉSUMÉ

Les fonctions exécutives (FE) sont considérés comme des activités de haut niveau de complexité cognitive, ce qui contribue donc il n'y a pas de consensus sur sa construction théorique dans la littérature. Certains auteurs suggèrent que les phobies spécifiques sont formées par des processus différents, apparentées et non apparentées. Toutefois, d'autres auteurs supposent qu'ils constituent une compétence unique qui englobe tous les éléments - planification, la flexibilité cognitive, l'attention sélective et soutenue, le traitement des émotions, l'inhibition comportementale, la prise de décision, l'autosurveillance - un intégrateur de système qui prend en charge le fonctionnement exécutif dirigé vers un objectif. Ainsi, deux modèles théoriques différents peuvent être observés par rapport à FE: processus et des modèles de plusieurs modèles simples Construct. L'objectif était d'examiner quelques-uns des principaux modèles théoriques de la FE à la lumière de cette question, en présentant de façon succincte les principaux concepts et des références théoriques pour chaque modèle.

Mots-clés: Fonctions exécutives, La neuropsychologie, De la cognition, Le cortex préfrontal.


ABSTRACT

The Executive Functions (EF) are considered high-level complexity cognitive activities, which contributes to a quite controversial theoretical construct in the scientific literature. Some authors suggest that EF are formed by different processes, related and independent. However, other authors assume that they constitute a single skill that encompasses all the elements - planning, cognitive flexibility, focused and sustained attention, emotional processing, behavioral inhibition, decision making, self-monitoring - an integrator system that supports executive functioning directed to a goal. Thus, two different theoretical approaches can be observed regarding EF: Models of Multiple Process and Models of Single Construct. The objective of this study was to review the main theoretical models of the EF in light of these distinct constructs, briefly presenting the main concepts and theoretical references for each model.

Keywords: Executive Functions, Neuropsychology, Cognition, Prefrontal cortex


 

 

Estudos em neuropsicologia, em geral, definem como Função Executiva (FE) um sistema de gerenciamento de capacidades cognitivas a serviço de objetivos (Funahashi, 2001; Stuss, 1992). Esse sistema está diretamente associado à motivação, visto que é essencial para identificação de metas e para o planejamento de ações para alcançar tais objetivos. Tal sistema engloba atividades cognitivas de alto nível de complexidade envolvidas, também, na flexibilização destes planos a partir da aquisição de novas informações (Alvarez & Emory, 2006; Verdejo-Garcia & Bechara, 2010).

Lezak, em 1982, define a FE como "o coração" das habilidades sociais, fundamental para a construção da personalidade e habilidades criativas (Lezak, 1982), enfatizando o papel central da mesma na auto-regulação e auto-monitoramento, através de um processo metacognitivo complexo. Estudos com enfoque da psicologia evolucionista apontam que tal habilidade representa uma significativa mudança nos processos cognitivos, e estaria relacionada ao desenvolvimento do córtex pré-frontal (CPF) (Ardila, 2008). Com o advento das técnicas de neuroimagem, foi possível descrever o papel de regiões corticais e subcorticais no funcionamento executivo, corroborando para uma noção de um sistema formado por redes neurais, no qual o CPF desempenharia uma função chave (Ardila, 2008; Moll, de Oliveira-Souza, Moll, Bramati, & Andreiuolo, 2002; Vuontela et al., 2009).

O estudo dos correlatos neurais da FE surgiu da observação de pacientes com lesões pré-frontais que apresentavam significativa mudança de comportamento, demonstrando dificuldade em se engajar em tarefas direcionadas a algum objetivo (Bechara & Van der Linden, 2005; Cicerone, 2002; McDowell, Whyte, & Desposito, 1997; Sweeney, Kersel, Morris, Manly, & Evans, 2010). Outros pacientes com o mesmo tipo de lesão obtinham dificuldade de autocontrole e atenção direcionada (Funahashi, 2001; Miyake et al., 2000). Estes estudos encontraram nestes pacientes características posteriormente denominadas de "síndrome disexecutiva" que incluía problemas de planejamento, organização, motivação, resolução de problemas e tomada de decisão (Baddeley, DellaSala, Papagno, & Spinnler, 1997; Funahashi, 2001). De modo geral, estes pacientes demonstravam pouco comprometimento em testes que avaliavam funções cognitivas isoladas, porém, quando diferentes funções tinham de ser coordenadas, estes déficits podiam ser facilmente observados (Elliott, 2003; Shallice, 1982). Tais implicações demonstram uma incapacidade de gerenciar processos cognitivos, supondo que a FE seria formada por processos distintos, relacionados e independentes (Duncan & Owen, 2000; Godefroy, 2003). Contudo, alguns autores destacam que tais processos constituiriam uma única habilidade capaz de abranger todos os componentes, um fator central integrador que serviria de base para o funcionamento executivo e a organização do comportamento direcionado a um objetivo (Jurado & Rosselli, 2007; Miyake et al., 2000).

Ainda não há consenso sobre um modelo teórico capaz de representar as FE e, apesar de existirem muitos estudos abordando o caráter multifacetado das mesmas - composto por inúmeras funções interligadas - outros autores apontam que as FE comportariam um sistema gerenciador capaz de sustentar tais funções, o que falaria a favor de um construto único (Tirapu-Ustarroz, Garcia-Molina, Luna-Lario, Roig-Rovira, & Pelegrin-Valero, 2008a). Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão apresentando de maneira sumária e esquemática os principais conceitos e referências teóricas das abordagens de construto único e de múltiplos processos, classificação sugerida por Tirapu-Ustarroz et al (2008a).

Modelos de Construto Único

Os Modelos de Construto Único sugerem um construto cognitivo principal como chave dos processos cognitivos vinculados ao lobo frontal, sendo esse um elemento que organiza e engloba as FE como um único sistema. Incluímos nesta categoria a Teoria de Luria (1973), o Modelo de Memória de Trabalho de Baddley e Hitch (1974), o Sistema Atencional Supervisor (SAS) de Norman e Shallice (1986), a Teoria da Informação Contextual de Cohen (1992) e o Modelo de Acontecimentos Complexos Estruturados de Grafman (1995) (ver Tabela 1).

Luria (1973) foi o primeiro pesquisador a destinar sua linha de pesquisa para a investigação das funções frontais encefálicas. Através da análise experimental do comportamento de animais e humanos após a remoção ou lesão de estruturas cerebrais específicas, desenvolveu o primeiro modelo teórico para compreensão hierárquica do funcionamento cerebral enfatizando o papel do CPF (Luria, 1966). Luria sugeriu que o cérebro humano poderia ser compreendido por sua subdivisão em três unidades básicas. A primeira responsável pela regulação da excitabilidade do córtex cerebral, localizada principalmente no tronco cerebral. A segunda unidade responsável pelo processamento e armazenamento da informação associada aos lobos temporal, parietal e occipital. Enquanto a terceira unidade seria localizada na região frontal do cérebro, e suas funções abrangeriam a programação, regulação e verificação do comportamento humano racional. Nesse sentido, o CPF seria uma estrutura extremamente desenvolvida e associada à regulação da maioria das atividades mentais, sobretudo, ao gerenciamento das FE.

Através de achados neuropsicológicos associados aos componentes da memória humana de curto prazo (Warringt & Shallice, 1972), uma das mais influentes teorias foi desenvolvida - o modelo da Memória de Trabalho de Baddley e Hitch (1974). Segunda essa teoria, a Memória de Trabalho seria um processo responsável pelo monitoramento e manipulação de informações necessárias para a execução de tarefas complexas, possuindo uma capacidade limitada para o armazenamento de curto prazo, composta por uma unidade executiva central que coordenaria dois sistemas escravos – alça fonológica e rascunho viso-espacial – interligados pelo buffer episódico (Baddeley, 2010). O Executivo Central está envolvido com o desenvolvimento de estratégias que possibilitam o aumento da capacidade de armazenamento dos subsistemas a ele subordinados, além do recrutamento e gerenciamento de outros sistemas durante a execução de tarefas cognitivas. Ao adotar o conceito de Executivo Central, Baddeley especifica uma conexão entre memória e atenção no nível da teoria. A Memória de Curto-Prazo, vista como uma Memória de Trabalho seria um sistema de memória no que diz respeito às suas funções de armazenagem, mas seria também um sistema atencional, na medida em que seu componente Executivo Central gerencia a atividade mental (Oliveira, 2007).

Outro modelo de abordagem de construto único foi proposto por Norman e Shallice (1986) no qual descreve o SAS, um sistema específico no processamento da informação (Norman & Shallice, 1986). A construção empírica deste modelo foi influenciada pelos achados de Baddeley (1974), como igualmente influenciou o desenvolvimento do modelo de Memória de Trabalho (Baddeley & Hitch, 1974). De acordo com o modelo do SAS, um controle primário mostrar-se- ia necessário em situações não habituais ao indivíduo, nas quais diferentes estímulos estariam sendo processados simultaneamente (Jurado & Rosselli, 2007).

O aspecto principal desse modelo seria a distinção entre o processo automático de seleção de respostas e o processo controlado de seleção de respostas (Tirapu-Ustarroz, Garcia-Molina, Luna-Lario, Roig-Rovira, & Pelegrin-Valero, 2008b). Os processos automáticos ou rotineiros ocorreriam com a ativação automática de certos comportamentos como a leitura, que não seriam suficientes para situações envolvendo planejamento, tomada de decisões, mudanças de estratégias ou desenvolvimento de metas, ou seja, existem respostas que estão atreladas a certos estímulos, de forma que uma vez diante do estímulo, essa resposta seria acionada (Tirapu-Ustarroz et al., 2008b). Por outro lado, as respostas automáticas muitas vezes seriam inibidas a favor de respostas controladas e, portanto necessitariam de dois sistemas para serem executadas: um Organizador Pré-programado e o Sistema Atencional Supervisor. O Organizador Pré-programado selecionaria modos automáticos de respostas a partir de estímulos previamente determinados, é o caso de dirigir, em que um estímulo pode gerar diferentes respostas automáticas já aprendidas (Tirapu-Ustarroz et al., 2008b).

Porém, quando surgem situações complexas ou com conflitos cujos esquemas previamente aprendidos não são suficientes para resolver o problema o SAS, por sua vez, entraria em ação. Neste caso é preciso que haja uma modificação destas respostas ou mesmo uma elaboração de respostas através de um ato consciente e voluntário (Jurado & Rosselli, 2007). O SAS, portanto, possibilitaria uma importante flexibilização do comportamento, pois os esquemas de respostas armazenados em nossa memória precisariam ser reformulados, gerando novas possibilidades de esquemas a serem testados (Tirapu-Ustarroz et al., 2008b). Dessa forma, o SAS modularia a seleção operada através do Organizador Pré-Programado, alterando o nível de ativação dos esquemas de acordo com as intenções do indivíduo, ou seja, criando meios de gerenciar ações a partir de intenções.

Cohen et al (1996) propuseram a Teoria da Informação Contextual a qual postula que diferentes processos cognitivos (como memória de trabalho, inibição ou atenção) são reflexos de um único mecanismo que opera em diferentes condições (Cohen, Braver, & Oreilly, 1996). Em situações de competição entre estímulos (por exemplo, teste de Stroop), quando uma tendência de resposta deve ser vencida para emitir o comportamento apropriado, as representações internas do contexto inibem a informação não relevante a favor de outros estímulos menos habituais. Assim, quando há necessidade de uma informação relevante a uma resposta e sua execução, a memória de trabalho mantém a devida informação por quanto tempo for necessário (Tirapu-Ustarroz et al., 2008b).

Vários modelos propostos sobre as FE sugeriram que a principal função do CPF seria a de coordenar processos de outras áreas cerebrais, como as regiões subcorticais, por exemplo, remetendo ao conceito de uma unidade encarregada de programar e regular a atividade mental (Freeman, 1967). Outras teorias abordaram o estudo do controle executivo como aproximação representacional, como é o caso da proposta de Grafman, Holyoak e Boller (1995) em seu Modelo de Acontecimentos Complexos Estruturados. Estes acontecimentos complexos estruturados seriam uma sequência particular de eventos que, em geral, orientariam o indivíduo a um objetivo (Goel & Grafman, 1995). Portanto uma conduta estruturada complexa poderia ser ir ao cinema com a namorada já que envolveria a seguinte seqüência de acontecimentos: sair de casa, passar na casa da namorada, ir ao cinema, escolher o filme, comprar o ingresso, assistir, voltar para casa.

Os acontecimentos complexos estruturados não são selecionados ao acaso e, sim, com um começo e um final definido (Tirapu-Ustarroz et al., 2008b). Contudo o indivíduo precisa estar preparado para um evento não programado que possa interromper a sequência de acontecimentos que levariam ao objetivo desejado, neste caso, formar-se-iam eventos complexos estruturados abstratos e independentes, similares aos que antes existiam, para contornar o acontecimento imprevisto e chegar ao objetivo. Essa habilidade é altamente adaptativa, pois permite resolução de problemas complexos e desenvolvimento de estratégias.

Modelos de Múltiplos Processos

Os Modelos de Múltiplos Processos sugerem teorias integradoras nas quais o controle executivo seria fruto de funções primarias do CPF, não caracterizando uma função unitária específica e sim um conjunto de fatores distintos e interligados. Estão nesta categoria a Teoria da Representação Hierárquica dos Lobos Frontais de Fuster (1980), a Teoria da Complexidade Cognitiva e Controle de Zelazo (1997), a e as Sete Funções Atencionais propostas por Stuss (2000) (ver Tabela 2).

Conforme Fuster (1980), o principal papel do CPF seria a estruturação temporal da conduta, sendo que esta estruturação aconteceria a partir da coordenação de três funções subordinadas: uma função retrospectiva de memória de curto prazo, uma função prospectiva de planejamento de conduta e uma função de supressão das influencias internas e externas que podem interferir no êxito de um objetivo (Tirapu-Ustarroz et al., 2008a). O autor desenvolveu uma "Representação Hierárquica dos Lobos Frontais" onde quatro mecanismos fundamentais representariam a base deste processo: controle inibitório, executivo central (baseado no modelo de memória de trabalho de Baddley, 1998), set preparatório e mecanismos de supervisão (Jurado & Rosselli, 2007). O controle inibitório refere-se ao componente de supressão de interferências externas ou internas que podem atuar como distratores. A memória operacional representa a ativação de redes neuronais da memória de longo prazo e reverberação da atividade entre os componentes corticais frontais e posteriores destas redes. O set preparatório funciona de maneira semelhante, porém de forma prospectiva, preparando o indivíduo para a ação. Em um processo de constante monitoramento ação-percepção e, a partir disso, introduzindo modificações necessárias aos planos de ação está o mecanismo de supervisão. Mais recentemente, Fuster (2009) publicou um expressivo estudo utilizando técnicas de neuroimagem e modelo animal, no qual discorreu sobre a organização cortical da memória e dos processos executivos. De acordo com os resultados, as memórias, assim como o processamento da informação, consistem de uma complexa rede neuronal integrada a "links" associativos, no qual se enfatiza o sistema como um todo e não uma estrutura específica (Fuster, 2009).

Zelazo e Frye (1998) defenderam um sistema funcional complexo, uma macroestrutura com subfunções executivas que trabalhariam juntas a serviço da resolução de problemas. A Teoria da Complexidade Cognitiva e Controle entende que as FE não podem ser representadas apenas nas regiões pré-frontais, pois requerem o envolvimento de todas as áreas cerebrais (Jurado & Rosselli, 2007). Porém, para executar uma tarefa direcionada a um objetivo é preciso que o CPF possa integrar temporariamente unidades separadas como percepção, ação e cognição em uma seqüência lógica a favor de um determinado objetivo, envolvendo também algumas estruturas subcorticais. Nesse sentido, Zelazo aprofundou os chamados componentes "quentes" e "frios" das FE. Aqueles componentes dentre os quais a resolução de problemas envolveria afetividade e regulação emocional foram considerados "quentes", enquanto os processos puramente cognitivos e racionais seriam considerados "frios" (Ardila, 2008; Tirapu-Ustarroz et al., 2008b).

A Teoria da Complexidade Cognitiva e Controle também leva em consideração o neurodesenvolvimento na infância e sua relação com a capacidade de atribuir regras cada vez mais complexas a respeito do mundo. Deste modo, as crianças se tornam hábeis em mudar julgamentos em situações que gradativamente vão se tornando mais complexas. Estes julgamentos são caracterizados por regras SE-ENTÃO seguidas através de processos de raciocínio e resolução de problemas. A competência no controle cognitivo, adquirida pela maturação do CPF, ocorre quando o indivíduo é capaz de refletir sobre o julgamento que ele pode fazer e se tornar consciente de um possível conflito ("Eu penso de uma maneira ao mesmo tempo em que meu amigo pensa de outra"). Incorporando um julgamento em outro, o indivíduo vai se tornando capaz de usar regras de ordem superior SE-SE-ENTÃO para selecionar o julgamento mais apropriado para cada situação. Essa regra de ordem superior controlaria a aplicação do julgamento individual a respeito do outro e suas possíveis consequências conflitantes, formando sistema de inferências, muito utilizado atualmente em estudos da teoria da mente (Adolphs, 2009).

Os estudos de Stuss e colaboradores redefiniram o modelo do SAS através da observação de pacientes que sofreram lesões cerebrais e se basearam também no desenvolvimento biológico e psicológico dos lobos frontais (Stuss, 1992). Os autores questionaram a adequação desses dois processos a favor de uma ideia de múltiplos níveis de controle, sugerindo uma progressão do indivíduo mediante o desenvolvimento dos lobos frontais abrangendo três níveis distintos (Stuss & Alexander, 2000). Sendo assim, os autores deixam claro que não há um processo frontal básico e central e, baseando-se em um modelo anatômico-funcional, descrevem vários processos que atuariam em conjunto, porém, independentes. A região dorsolateral do CPF estaria relacionada com a "energização" do comportamento, termo utilizado para nomear a capacidade de iniciar e manter um comportamento (Stuss & Alexander, 2007). Esse processo seria sustentado por duas outras funções anatomicamente distribuídas. A "task setting", mediada no CPF dorsolateral esquerdo, seria responsável pela associação estímulo-resposta; enquanto o monitoramento, mediado no CPF dorsolateral direito, funcionaria como um sistema regulador dessa resposta. Portanto o construto de flexibilidade cognitiva, muitas vezes compreendida como uma das funções complexas intercedidas pelo CPF seria, neste caso, o produto da "energização" (capacidade de associar estímulo-resposta e automonitoramento). Além disso, existiriam mais duas outras funções adicionais, a autorregulação emocional e comportamental, sustentada no CPF orbitofrontal e os processos metacognitivos mantidos nas regiões frontopolares do CPF. Essas funções consideradas "quentes" sustentariam, por exemplo, o controle inibitório.

Entre os modelos mais atuais e empiricamente estudados, Koechlin e Summerfield (2007) desenvolveram um modelo baseado em resultados de neuroimagem (Braver & Barch, 2002; Koechlin, Ody, & Kouneiher, 2003; Koechlin & Summerfield, 2007). Estes autores partem da ideia de que as FE mais complexas podem ser decompostas em simples rotinas ou pensamentos, e a demanda de controle executivo irá depender da quantidade de informações requeridas pela situação e este controle irá opera de acordo com três níveis de processamento (contextual, episódico e branching). Este modelo pressupõe o entendimento de dois processos distintos referentes ao funcionamento das regiões envolvidas, processos top-down (processadas no CPF posterior lateral com projeções para regiões para subcorticais) e os processos botton-up (processadas em regiões sensório-motoras e projetadas para regiões frontocorticais) (Koechlin & Summerfield, 2007).

O branching está relacionado com as informações transmitidas pelos acontecimentos que precederam o evento atual e são mantidas em estado pendente até a conclusão do episódio em curso, integrando vários sinais do passado para a seleção de ações durante a execução de múltiplas tarefas (flexibilidade cognitiva) (Koechlin & Summerfield, 2007). Estas respostas poderão variar de acordo com o controle episódico, em que um evento passado poderá definir um novo conjunto de regras que deverão, ou não, serem incorporadas para a seleção da ação. Ao mesmo tempo, o episódio em curso irá disponibilizar "pistas" relacionadas ao contexto, que igualmente serão julgadas na seleção da ação. O córtex pré-motor é o responsável por integrar todos estes sinais, inclusive os do próprio estímulo desencadeante (bottom-up) para decidir como agir (top-down). Nesse sentido, as informações fluem como uma cascada, das regiões anteriores para as regiões posteriores.

 

Considerações finais

O que se percebe, mesmo considerando inúmeros instrumentos consagrados na literatura, é que as avaliações das FE carecem de modelos teóricos que as sustentem e por vezes falha em aferir o construto que se propõe (Alvarez & Emory, 2006). O estudo neuropsicológico das FE ainda encontra inúmeras dificuldades, seja no âmbito da pesquisa como no contexto clínico. Uma destas dificuldades refere-se à acurácia e fidedignidade dos modelos teóricos, uma vez que a opção por um dado referencial irá nortear tanto a avaliação destas funções como a abordagem terapêutica a posteriori. Outra dificuldade diz respeito ao próprio processo de avaliação das FE onde os testes convencionais utilizados na clínica tendem a ser inespecíficos em relação aos processos cognitivos que se propõem a avaliar quando transpostos para a pesquisa. Há ainda quem argumente que a apropriação do construto de FE pode ser apontada como simplesmente metafórica, baseada primordialmente em adultos de lesionados nas áreas frontais (Coolidge & Wynn, 2002).

Atualmente, os estudos das FE têm se direcionado para a inclusão de modelos compreensivos que enfocam, sobretudo, no processo de julgamento e tomada de decisão. Entre estes, destacam-se a teoria dos "marcadores somáticos" (Bechara, 2005; Bechara, Damasio, Tranel, & Damasio, 1997; Damásio, 1995), na qual respostas fisiológicas associadas a sinais emocionais exerceriam um papel chave na tomada de decisão. Não obstante, recentes estudos com ressonância magnética funcional tem buscado mapear as funções corticais envolvidas na tomada de decisão através de modelos experimentais em humanos e primatas (Philiastides, Auksztulewicz, Heekeren, & Blankenburg, 2011; Rorie & Newsome, 2005). Estes achados demonstram o papel chave dos neurônios do CPF dorsolateral como mediador dinâmico da decisão: 1) identificando experiências passadas para a decisão futura; 2) analisando e antecipando o possível comportamento de outros sujeitos no atual contexto para a tomada de decisão (Barraclough, Conroy, & Lee, 2004).

Entretanto, o referencial teórico abordado neste estudo precisa ser interpretado sob a luz das limitações desta revisão. Primeiramente cabe ressaltar que os modelos revisados não são únicos, foram escolhidos por caracterizarem a dicotomia apresentada entre o entendimento das FE, como processos unitários ou múltiplos. Além disso, o artigo não se propõe a discorrer sobre testes neuropsicológicos como forma de apropriação do construto teórico das FE, apesar de muitos autores utilizarem testes específicos para confirmar ou refutar modelos teóricos, ou mesmo desenvolverem modelos de avaliação (Chan, Shum, Toulopoulou, & Chen, 2008).

Neste sentido, apesar do crescente número de estudos acerca das FE e seu construto teórico, parece haver uma inconsistência na literatura sobre sua concepção de unidade ou múltiplos processos. Mesmo dentro destas concepções, não fica claro qual função corresponderia a um sistema gerenciador integrado ou quais seriam estas múltiplas funções distintas. No cerne desta discussão, enquanto a prática clínica parece caminhar para uma ideia de múltiplos processos, em busca do estabelecimento de possíveis intervenções em reabilitação, as pesquisas em neurociência cognitiva buscam identificar modelos que representem estas funções e como elas estão organizadas, sugerindo modelos de construto único. Assim segue um paradoxo na práxis de avaliação e entendimento das FE.

 

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Endereço para correspondência
Bruno Kluwe-Schiavon
Postgraduate Program in Psychology, Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul
Av. Ipiranga, nº 6681, prédio 11, sala 936
CEP 90619-900, Porto Alegre/RS, Brazil
E-mail: brunokluwe@gmail.com

Artigo recebido: 12/04/2012
Artigo revisado: 26/04/2012
Artigo aceito: 30/04/2012

 

 

Bruno Kluwe-Schiavon, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Grupo de Pesquisa em Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento (GNCD), Programa de Pós-Graduação em Psicologia: Cognição Humana, Brasil.
Thiago Wendt Viola, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Grupo de Pesquisa em Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento (GNCD), Programa de Pós-Graduação em Psicologia: Cognição Humana, Brasil.
Rodrigo Grassi-Oliveira, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Grupo de Pesquisa em Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento (GNCD), Programa de Pós-Graduação em Psicologia: Cognição Humana, Brasil.

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