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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.5 no.2 Florianopolis nov. 2014

 

Resenha - Dissertação de Mestrado

 

Gestão compartilhada de uma pesquisa: a compreensão dos participantes de Colegiados Ampliados de Pesquisa

 

 

Tatiana Lucia Caetano*; Marta Verdi**

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC – Brasil

Endereço para correspondência

 

 

O Sistema Único de Saúde – SUS é fruto das lutas pela redemocratização do nosso país e da busca por um serviço de saúde não discriminatório e universal. Com objetivo de fortalecer os princípios do SUS e enfrentar as fragilidades ainda presentes no campo da saúde brasileira, surge em 2003 a Política Nacional de Humanização – PNH ou HumanizaSUS.

A PNH opera através de princípios, diretrizes e dispositivas, baseadas em experiências exitosas. Entre as diretrizes da PNH está a Cogestão, entendida como um modo de administrar que inclui o pensar e o fazer coletivo, evitando os excessos de diferentes categorias profissionais e também como forma de controlar estado e governo. Coloca-se assim, como uma diretriz ética e política, que tem como objetivo educar e motivar os trabalhadores1.

Para Campos2, a gestão democrática e participativa, que se concretiza nos sistemas de cogestão, se constitui numa nova lógica para a distribuição de poder. O autor coloca que um sistema de cogestão depende da construção ampliada da "capacidade de direção" entre o conjunto das pessoas de um Coletivo e não somente entre sua cúpula.

A participação na saúde é desejável, e regulamentada, no âmbito de sua gestão. Para Furtado e Campos-Onocko3, se a participação popular numa política pública é vital, principalmente para garantir assistência e empoderamento, pode-se afirmar que a participação da comunidade e de grupos de interesse na produção de conhecimento em torno destas políticas seja igualmente desejável.

Essa resenha é referente a dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGSC/UFSC). O estudo estruturou-se com revisão de literatura – dividida em marco contextual e marco conceitual, percurso metodológico e resultados e discussões, apresentados na forma de artigo científico, conforme exigência do PPGSC/UFSC. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com design descritivo e exploratório, realizada junto aos membros dos Colegiados Ampliados de Pesquisa (CAP) da pesquisa intitulada "FORMAÇÃO EM HUMANIZAÇÃO DO SUS: Avaliação dos efeitos dos processos de formação de apoiadores institucionais na produção de saúde nos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo".

O objetivo do estudo foi caracterizar e discutir a participação no processo de gestão de uma pesquisa na percepção dos membros dos CAP's. A partir da análise de conteúdo temática surgiram três categorias analíticas. Foram entrevistados 10 (dez) membros dos colegiados dos três estados, utilizando-se um roteiro semiestruturado. Após transcritas, as entrevistas foram organizadas, codificadas e reagrupadas em categorias analíticas com o auxílio do software de análise de dados qualitativos Atlas.ti®. E a análise revelou três categorias: "Iniciando a experiência", "Apropriando-se do CAP" e "Sobre produtos e processos".

A categoria "Iniciando a experiência", a autora coloca como iniciou a participação dos membros, apresentando as formas de ingresso dos participantes e suas motivações para participarem desse espaço de gestão. Enquanto as formas de ingresso foram muito similares entre os entrevistados, as motivações foram mais variadas, porém tinham em comum o interesse na Política Nacional de Humanização, seja para conhecer como estavam se dando as práticas de apoio nos territórios, quanto para aprimorar os conhecimentos sobre a Política.

Na categoria "Apropriando-se do CAP", são apresentadas as tensões, pactuações e compartilhamentos que os membros dos CAP's experimentaram ao longo do processo de gestão dessa pesquisa. Os resultados demonstram que o entendimento do que era participação num espaço de gestão foi um gerador de tensões, que motivou várias pactuações durante a realização da pesquisa. Essa tensão foi atribuída ao fato de se tratar de uma experiência nova a todos os integrantes da pesquisa. Para Passos et al4 na pesquisa participativa, a integração entre pesquisador e os ditos sujeitos de pesquisa, requer um olhar a partir do método de tríplice inclusão. A primeira inclusão é a que coloca lado a lado os diferentes sujeitos implicados na produção do conhecimento. Esse primeiro procedimento, porém, faz emergir as tensões geradas pela não hierarquização da diferença entre os grupos de interesse da pesquisa.

Outra pactuação apontada foram as funções de cada membro do CAP. Embora houvesse o entendimento de que a participação nesse espaço era uma construção coletiva, a prática revelou que cada membro tinha atividades específicas dentro desse espaço, deixando a participação num âmbito mais individual. Essa conformação, em alguns momentos, gerou em alguns participantes a percepção de que sua participação no processo não foi plena.

Os resultados também demonstraram que, no processo de vivência do CAP, houve uma diferença quanto a apropriação da metodologia da pesquisa entre os chamados pesquisadores acadêmicos e aqueles que não eram pesquisadores tradicionais, demonstrando que haviam informações diferentes a serem compartilhadas, reforçando a demarcação de papéis nesse espaço. Guba e Lincoln5 reforçam que a opção pela avaliação construtivista responsiva pressupõe uma renúncia ao controle sobre o processo, entendendo que os steakeholders desempenham funções igualmente definitivas em todos os estágios com o avaliador.

Esse compartilhamento de informações também gerou pactuações referente a forma e ao tipo de informação que seria compartilhada. Entende-se aqui a informação como uma forma de poder. Essa questão foi problematizada pelos participantes, relacionando o acesso a informação com a possibilidade de tomada de decisão na gestão dessa pesquisa. Também se apontou a facilidade por parte do pesquisador acadêmico em acessar as informações geradas na pesquisa. Para Campos2, não há democracia sem a intervenção deliberada de Sujeitos concretos, sendo que a democracia depende da capacidade social de se construírem espaços de poder compartilhado. A democracia é, portanto, a possibilidade do exercício do Poder: ter acesso a informações, tomar parte em discussões e na tomada de decisões.

A diversidade dos membros dos CAP's, formado por pesquisadores acadêmicos e não acadêmicos, foi visto como potência e como fragilidade pelos entrevistados. Se por um lado, havia o compromisso da escuta entre os membros, num esforço de que as diferentes vozes fossem ouvidas e se construísse uma experiência verdadeiramente coletiva, também se percebeu uma necessidade de se "rebuscar" a fala para se fazer entender, sendo apontada a necessidade de um cuidado na estruturação dessa fala.

E na categoria "Sobre produtos e processos", apresenta-se o entendimento que os entrevistados tiveram sobre os produtos ao longo do processo de gestão da pesquisa. Os resultados demonstraram que houve entendimentos diferentes sobre esses produtos, novamente demarcados pelos papéis do pesquisador acadêmico (domínio sobre o "produto escrito") e não acadêmico (compartilha o "produto experiência").

A vivência nos CAP's também mostrou-se como possibilidade para reativação da rede PNH, reaproximando pessoas que trabalham com a Política. Também foi apontado que essa experiência motivou alguns participantes a retornarem ao meio acadêmico para investigarem questões referentes à PNH, reforçando o status quo da produção do conhecimento.

Nas considerações finais, aponta-se que a experiência de uma gestão de pesquisa participativa mostrou vários desafios frente à realidade atual na produção do conhecimento. Os resultados demonstraram que os entrevistados entenderam sua participação como a possibilidade de interferir nos rumos da pesquisa, embora também apontem que havia diferenças nos papéis de cada integrante dos CAP's. Nesse sentido, demarcaram o lugar do pesquisador acadêmico como detentor do conhecimento metodológico e dos demais como possuidores do conhecimento prático do curso de formação. Os dados revelaram as dificuldades de se romper com o modelo hegemônico de produção do conhecimento, centrado na instituição universitária, trazendo novos olhares e novos atores para esse processo. Apesar das fragilidades, essa experiência mostrou-se válida, pois buscou justamente romper com essa lógica, incluindo novos olhares e novos saberes, não tradicionalmente ligados à produção do conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brasil. HumanizaSUS: gestão participativa e co-gestão. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.         [ Links ]

2. Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos. 3ª ed. São Paulo: HUCITEC; 2007.         [ Links ]

3. Furtado JP, Campos-Onocko R. Participação, produção de conhecimento e pesquisa avaliativa: a inserção de diferentes atores em uma investigação em saúde mental. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2671-80.         [ Links ]

4. Passos E, Palombini AL, Campos RO. Estratégia cogestiva na pesquisa e na clínica em saúde mental. Estudos Contemporâneos da Subjetividade 2013; 3(1): 4-17.         [ Links ]

5. Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas: Editora da Unicamp; 2011.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Tatiana Lucia Caetano
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Ciências da Saúde
Campus Universitário - Trindade
CEP: 88040-900. Florianópolis, SC – Brasil
Email: taticaetano@hotmail.com
Tel.: (47) 9944-6360

 

Artigo encaminhado 05/10/2014
Aceito para publicação em 13/11/2014

 

 

Notas

* Mestre em Saúde Coletiva
** Professora Adjunta