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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.14 no.2 Fortaleza ago. 2014

 

EDITORIAL

 

 

A preocupação com a contundência das práticas e a operatividade dos conceitos é o eixo que perpassa e permite articular os vários artigos deste número da Revista Subjetividades. Essa inquietação argui várias categorias e campos, desde a clínica às práticas institucionais, sejam estas hospitalares, escolares ou jurídicas, mas também levantando uma discussão sobre a infância, a adoção, o feminino e os gêneros, ou seja, situações incisivas do laço social.

Três desses trabalhos investigam os dispositivos hospitalares. No artigo "Enquanto a gente espera: histórias de saúde-doenças-cuidados na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Cruzeiro em Carnaubal", Carlos Winston Bezerra e Lucy Mary Siqueira relatam uma prática de atuação conjunta do psicólogo e da enfermeira na Estratégia Saúde da Família. Propõem, a partir de suas práticas, um trabalho de sala de espera como um instrumento de intervenção grupal na Atenção Básica.

Numa outra perspectiva, mas imersos na inquietação institucional, os artigos "O lugar do psicanalista nos hospitais gerais: entre os dispositivos clínicos e os institucionais" de autoria de Maíla Do Val Machado e Daniela Chatelard, assim como o artigo "O psicanalista frente algumas especificidades do trabalho em saúde mental" de autoria de Diego Alonso Dias e Oswaldo França Neto, adentram nas especificidades da atuação do psicanalista no âmbito da saúde e, no segundo caso, mais especificamente no espaço da saúde mental. Discutem o lugar e a função do psicanalista nas práticas em hospitais gerais, situando-o no interstício das dimensões clínica e institucional. Neste último, os autores estabelecem ainda, uma apreciação crítica da utilização institucional dos manuais psiquiátricos e do DSM, especialmente do seu caráter descritivo e em sua função de nomeação que exercem no trabalho clínico. Utilizam-se do conceito de "psicose ordinária", para melhor situar a práxis da psicanálise no campo da saúde mental.

Esse conceito, o de "psicose ordinária", também é utilizado por Éverton Cordeiro e Patrícia Fátima Mendes Guedes em seu texto "O Estatuto do Inconsciente na Clínica Sinthomática das Chamadas Psicoses Ordinárias". A partir dele, trabalhando com a teoria do sinthoma e o modelo "joyceano" de Lacan, averiguam essa nova perspectiva para abordar a psicose, não mais em termos de déficit do Nome-do-Pai, mas a partir da topologia borromeana e dos registros Real, Simbólico e Imaginário. Buscam assim, considerar os efeitos clínicos dessa nova abordagem do Real e da psicose.

Encaminhando-se também numa perspectiva critica quanto aos protocolos psiquiátricos, Isloany Machado e Tiago Ravanello discutem o conceito de angústia a partir das elaborações de Freud e Lacan, cotejando-o, posteriormente, com as descrições contidas no DSM-IV-TR e na CID 10, de modo a confirmar as divergências entre as concepções nosográficas, determinadas pelo fato de que no campo psiquiátrico não se considera as causalidades e a possibilidade de produção subjetiva por parte do sujeito.

A psicose permanece sendo o tema no trabalho "Dois paradigmas da psicose no ensino de Lacan" de Flávia Tótoli e Cristina Moreira Marcos. Na mesma linha do trabalho anterior, apresentam os dois momentos da obra de Lacan sobre as psicoses, revisitando suas concepções iniciais baseadas nos conceitos de Nome-do-Pai e metáfora paterna, que acompanhavam suas formalizações sobre o "inconsciente estruturado como linguagem", até chegarem à outra perspectiva da psicose, abordada sob o viés do sinthoma. Abrem, então, a possibilidade se se pensar em "múltiplas soluções encontradas pelo sujeito para lidar com sua psicose".

O interessante desses vários trabalhos psicanalíticos que compõem este número de nossa revista, é que a preocupação com a prática e com a operatividade dos conceitos que acima me referi, giram - como não poderia deixar de ser - em torno da dimensão do real e as possíveis bordas que a prática e os conceitos permitem. A ética, a repetição, a angústia, a função do pai e os fenômenos psicossomáticos comprovam essa abordagem da real pelo simbólico, definição canônica de Lacan da práxis psicanalítica.

O trabalho de Caio de Mattos Filho e Maria Angélica Teixeira "A ética da psicanálise e a repetição do encontro faltoso com o real" realiza uma crítica das terapêuticas que oferecem receituários normativos de adaptação, apresentando como contraponto exatamente a ética psicanalítica e seu consequente tratamento, que se centra nas vias do bem-dizer o sintoma, e na conquista de uma posição subjetiva que mobiliza o desejo inconsciente. Aborda esta questão, articulando a ética com a repetição, através do axioma psicanalítico de que o mal-estar é intrínseco ao ser humano. Mantém assim, a causa do trabalho ético e clínico da prática psicanalítica: o encontro faltoso do real da pulsão.

Uma prática com o Real mais uma vez comparece no relato de pesquisa "A Direção do Tratamento na Clínica dos Fenômenos Psicossomáticos" de Ingrid de Figueiredo Ventura e Roseane Freitas Nicolau, através da apresentação de um caso clínico que discute a relação transferencial e as dificuldades de um tratamento onde se expõe uma manifestação no real do corpo. Demonstram que a circulação da palavra tem por efeito a constituição de um sintoma analítico, através do qual outra abordagem deste real do corpo é possibilitada.

Ainda numa perspectiva psicanalítica Rogerio Quintella desenvolve um exame do conceito de Ideal do Eu na obra e Freud e Lacan de forma a permitir uma discussão acerca da autoridade dos pais na contemporaneidade. Estabelece uma discussão profícua com a antropologia, a partir das proposições de Margareth Mead, como uma forma de introduzir uma perspectiva histórico-cultural ao estudo e apresentar o fenômeno contemporâneo da "evanescência do ideal do eu". Busca assim contribuir para uma questão atual, extremamente pertinente e preocupante, por implicar também a constituição do sujeito e as afetações do mundo contemporâneo.

A posição do feminino no mundo atual e suas relações com o imaginário cultural, ilustrados aqui pela moda e a beleza, apresenta-se como o mote principal de dois artigos: "A tirania da moda sobre o corpo: submissão versus subversão feminina" de autoria de Fernanda Heinzelmann, Patrícia Romani, Marília Saldanha da Silva, Adriana Lessa e Marlene Strey, assim como o texto intitulado "Sujeito mulher: a imagem da beleza" de autoria de Christiane Nascimento e Luiz Carlos Avelino da Silva. No primeiro, as autoras interrogam o padrão estético do mundo contemporâneo e debatem as implicações decorrentes da adequação ou não aos ditames deste padrão. Observam de forma crítica os estereótipos femininos que se apresentam em nossa cultura, e fundamentam suas críticas a partir dos estudos de gênero. Em "Sujeito Mulher..." a mídia enquanto instância formadora de subjetividades é abordada de maneira a vislumbrar as formas como a beleza é proposta como condição para a mulher tornar-se sujeito na pós-modernidade. Articulam a noção de beleza com a dimensão da castração funcionando como um atributo compensatório na constituição do sujeito mulher.

Retornando ao âmbito institucional, Gabriela Balaguer articula as áreas escolar e comunitária com a prática jurídica, através de uma apresentação e discussão das possibilidades de utilização das práticas restaurativas nas experiências de mediação de conflitos escolares e comunitários. Apostam na possibilidade dessas práticas virem a contribuir para a reflexão a respeito da violência como barbárie, muito especialmente no âmbito escolar.

Ainda no campo educacional no trabalho "Representações sociais do mal-estar no trabalho para professores gestores", Tatiana Torres, Pedro Bendassolli, André Torres de Lima, Jéssica Freitas e Beatriz Gonçalves Lima, apresentam uma pesquisa onde comprovam que a falta de estrutura, a disputa de poder, os baixos salários, o estresse e a falta de compromisso são desencadeadores do mal-estar e situações de conflito.

Por fim, dois trabalhos que discutem situações jurídicas e institucionais envolvendo crianças, e mães que entregam seus filhos para adoção. Sobre este último, a pesquisa de Flavia Leão, Bruna Corazza Martins, Suane Faraj, Aline Siqueira, Samara dos Santos intitulada "Mulheres que entregam seus filhos para adoção: um estudo documental" interroga a condição preconceituosa e estigmatizante com a qual ato de entregar o filho para adoção é significado. Com o objetivo de conhecer características biosociodemográficas dessas mulheres chegam à conclusão que elas pertencem às camadas socialmente desfavorecidas, são solteiras e jovens. Constatam ainda a ausência da participação dos pais neste processo e a falta de um apoio psicológico nessas situações.

Como um fechamento para essa série de estudos que articulam o institucional e o jurídico a pesquisa "Infância e direitos: o uso de metodologias participativas em contexto de acolhimento institucional" de Juliana Prates Santana e Janaina Rocha Avanzo investiga qual a influência das situações de acolhimento institucional sobre a forma como as crianças se posicionam como sujeito de direitos. Chegam a conclusão que essas crianças tem uma clareza sobre as situações de violação, mesmo que não apresentem conhecimentos claros sobre seus diretos, o que indica uma posição ética desses sujeitos. Deduzem, por fim, que o acolhimento institucional contribui de forma crucial para a formação da concepção de direitos das crianças.

Convidamos, então, o leitor a se lançar na empreitada de desvendar os contundentes trabalhos que ora oferecemos. Temos certeza que o lastro do passeio intelectual e científico que o leitor tem em mãos neste número da Revista Subjetividades trará efeitos e aportes decisivos para o desenvolvimento de estudos e interlocuções capitais para os avanços das pesquisas e estudos em psicologia no Brasil.

Bom passeio!

 

Leonardo Danziato

Universidade de Fortaleza - UNIFOR - Fortaleza - CE - Brasil

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