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versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777
Rev. Subj. vol.20 no.3 Fortaleza jul./dez. 2020
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i3.e10358
ESTUDOS TEÓRICOS
Laços Familiares e Afetivo-sexuais de Mulheres nas Prisões brasileiras e portuguesas
Family and Affective-Sexual Bonds of Women in Brazilian and Portuguese Prisons
Lazos Familiares y Afectivo-Sexuales de las Mujeres en las Cárceles Brasileñas y Portuguesas
Liens Familiaux et Affectifs-Sexuels des Femmes dans les Prisons Brésiliennes et Portugaises
Ana Cristina Costa FigueiredoI; Rafaela Patrícia Gonçalves GranjaII
IPós-Doutoranda em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Doutora em Psicologia (PUC-Minas/UMinho), Mestra em Psicologia Clínica (PUC-SP) e Especialista em Terapia de Casal e Família (PUC-Minas)
IIDoutora em Sociologia e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Universidade do Minho. Em 2020, iniciou um projeto atribuído no âmbito do concurso de Estímulo ao Emprego Científico Individual, FCT
RESUMO
O presente artigo propõe analisar os desafios que as mulheres aprisionadas enfrentam para manutenção do contato familiar, afetivo e sexual. Esta reflexão baseia-se numa análise comparativa entre Brasil e Portugal. Em ambos os países, há primazia da vigilância, que se traduz em reduzidas possibilidades de contatos, na carência de privacidade durante as visitas e nas limitações ou proibições aos contatos telefónicos. Não obstante as diferenças entre os contextos, é claro que a manutenção de laços durante o aprisionamento se evidencia como um desafio nos dois países, sugerindo a necessidade de mudanças para que os direitos dos/as reclusos/as possam ser garantidos.
Palavras-chave: laços familiares; relacionamento afetivo-sexual; prisões; mulheres; Brasil; Portugal.
ABSTRACT
This article proposes to analyze the challenges that imprisoned women face in maintaining family, affective and sexual contact. This reflection is based on a comparative analysis between Brazil and Portugal. In both countries, there is primacy of surveillance, which means reduced contact possibilities, lack of privacy during visits, and limitations or prohibitions on telephone contacts. Notwithstanding the differences between contexts, it is therefore clear that maintaining ties during imprisonment is a challenge in both countries, suggesting the need for change so that prisoners' rights can be guaranteed.
Keywords: family ties; affective-sexual relationship; prisons; women; Brazil; Portugal.
RESUMEN
Este artículo propone analizar los desafíos que enfrentan las mujeres encarceladas para mantener el contacto familiar, afectivo y sexual. Esta reflexión se basa en un análisis comparativo entre Brasil y Portugal. En ambos países, existe la primacía de la vigilancia, lo que significa posibilidades de contacto reducidas, falta de privacidad durante las visitas y limitaciones o prohibiciones en los contactos telefónicos. A pesar de las diferencias entre contextos, está claro que mantener los lazos durante el encarcelamiento es un desafío en ambos países, lo que sugiere la necesidad de un cambio para garantizar los derechos de los prisioneros.
Palabras clave: lazos familiares; relación afectivo-sexual; mujeres; prisiones; Brasil Portugal.
RÉSUMÉ
Cet article propose d'analyser les défis auxquels sont confrontées les prisonnières pour maintenir le contact familial, affectif et sexuel. Cette réflexion est basée sur une analyse comparative entre Brésil et Portugal. Dans les deux pays, il existe une primauté de la surveillance, qui se traduit par des possibilités réduites de contacts, un manque d'intimité lors des visites et des limitations ou interdictions de contacts téléphoniques. Malgré les différences entre les contextes, il est clair que maintenir des liens pendant l'emprisonnement est un défi dans les deux pays, ce qui suggère la nécessité de changements pour que les droits des prisonnières puissent être garantis.
Mots-clés : liens familiaux ; relation affective-sexuelle ; femmes ; prisons ; Brésil ; Portugal.
O presente artigo propõe analisar os desafios que as mulheres aprisionadas enfrentam para manutenção do contato familiar, afetivo e sexual. Esta reflexão baseia-se numa análise comparativa entre o Brasil e Portugal, abordando-se as possíveis implicações sociais e subjetivas diante das barreiras impostas pelas instituições prisionais para o contato familiar e íntimo.
O presente estudo, de cariz teórico, ancora-se numa pesquisa qualitativa (Lakatos & Marconi, 2003) por meio de uma revisão narrativa que visa contribuir para o debate sumarizando o conhecimento produzido e levantando questionamentos (Rother, 2007). O processo de coleta foi realizado de forma não sistemática no período de fevereiro de 2017 a fevereiro de 2019, quando foram selecionados estudos que possibilitaram condições explicativas e discussões pertinentes acerca dos laços familiares e afetivo-sexuais de mulheres nas prisões brasileiras e portuguesas. Textos relevantes foram pesquisados em livros de referência e nas seguintes bases virtuais: Portal de Periódicos Capes, Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). O corpus de análise foi sendo complementado com materiais indicados por especialistas na temática. Todos os materiais foram lidos na íntegra, categorizados e analisados criticamente, tendo sido efetuada uma comparação, articulação e apreciação acurada do material escolhido visando ao avanço do conhecimento sobre os vínculos afetivos e familiares de mulheres nas prisões.
Foram escolhidas como objeto de estudo as mulheres privadas de liberdade, devido à invisibilidade a qual são submetidas e ao androcentrismo do sistema prisional em diferentes partes do mundo. No Brasil, 83,6% das unidades prisionais destinam-se aos homens, 3,79% à população prisional feminina e 12,61% são caracterizadas como mistas, ou seja, contam com alas/celas específicas para o aprisionamento de mulheres dentro de um estabelecimento originalmente masculino (Infopen, 2019). Já em Portugal, existem 49 prisões, três das quais são exclusivamente para mulheres (Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo Feminino, Tires1 e Odemira) e três mistas, situadas nos arquipélagos dos Açores e da Madeira (Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada e Estabelecimento Prisional do Funchal).
As implicações da categoria gênero presentes na sociedade são intensificadas no contexto criminal (Cappellari, 2018; Carvalho, 2014; Carvalho & Mayorga, 2017; Cunha, 1994, 2018; França, 2014; Gonçalves, Coelho, & Vilas Boas, 2017; Miyamoto & Krohling, 2012; Pimentel, 2016). Por serem consideradas duplamente desviantes, para além de transgredirem a lei, as mulheres ofensoras rompem com papéis de gênero convencionais (Braunstein, 2007; Carvalho, 2014; Carvalho & Mayorga, 2017), carregando um estigma de inferioridade (Braunstein, 2007).
Optou-se por abordar os laços familiares e afetivo-sexuais de mulheres, pois este é um domínio invisibilizado no âmbito dos estudos prisionais (Figueiredo, 2019; Granja, 2015; Lemgruber, 2010). Por exemplo, no Brasil, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres, 2017), ao se analisar as médias de visitas sociais registradas por pessoa privada de liberdade ao longo do primeiro semestre de 2017, enquanto nos estabelecimentos masculinos foram realizadas, em média, 4,55 visitas por pessoa ao longo do semestre, nos estabelecimentos femininos essa média cai para 4,45 e, nas unidades mistas, para 2,63 por mulher aprisionada. Tais informações não estão disponíveis em relação ao contexto português.
Destaca-se, assim, a escassez de estudos que analisem criticamente e comparativamente a realidade de diferentes países no que se refere às dificuldades para a manutenção de laços familiares e afetivos no contexto prisional, evidenciando-se uma necessidade iminente de pesquisas nessa área. No presente artigo, intenciona-se a visibilização dos desafios enfrentados pelas mulheres em relação à preservação de laços familiares e afetivo-sexuais de mulheres nas prisões brasileiras e portuguesas. O caráter comparativo dessa discussão pretende produzir um conhecimento transformativo ao articular os saberes produzidos no Brasil e em Portugal, o que poderá ensejar políticas públicas e ações que promovam mudanças no atual cenário em ambos os países.
A fim de que o objetivo proposto seja contemplado, com base numa perspectiva comparativa entre Portugal e Brasil, o artigo abordará as seguintes unidades temáticas: os laços familiares no contexto prisional; o contato entre pessoas privadas de liberdade e seus familiares; os desafios para a manutenção dos laços familiares; os laços afetivos e sexuais no contexto prisional; as visitas íntimas; e os desafios para a manutenção dos laços afetivos e sexuais. Por fim, as considerações finais serão apresentadas.
Os Laços Familiares no Contexto Prisional
A separação familiar é apontada como a principal dificuldade pelas pessoas privadas de liberdade (Granja, 2015). Ademais, a pena privativa de liberdade gera amplos impactos para a família (Granja, 2015; Hagan, J., & Dinovitzer, 1999; Pattillo, Weiman, & Western, 2004); Touraut, 2012), que enfrenta desafios financeiros, sociais, emocionais, simbólicos, relacionais e até mesmo físicos a partir do aprisionamento de um ente querido (Granja, 2015; Touraut, 2012). Rupturas e perdas passam a fazer parte do cotidiano daqueles que mantêm vínculos com pessoas privadas de liberdade, que partilham o estigma de desviante e suas consequências (Granja, 2015), já que suas vidas também são invadidas pela prisão, um processo descrito como "prisionalização secundária" (Comfort, 2003, p. 101).
A preservação de laços familiares e afetivo-sexuais nas prisões enfrenta, contudo, um paradoxo. Por um lado, reconhece-se cada vez mais a relevância da sua preservação durante o aprisionamento (Codd, 2007; Touraut, 2012), que podem ser fonte de motivação e esperança, como uma forma de aliviar sensações de isolamento (Granja, 2015). Por outro lado, ainda há a primazia de modelos que visam o controle, disciplina, vigilância e disciplinarização institucionais. Regulações institucionais têm dificultado a gestão de relacionamentos das pessoas privadas de liberdade e a implementação de políticas públicas que promovam a manutenção de vínculos sociais tem sido manifestamente limitada (Figueiredo, 2019; Granja, 2015; Touraut, 2012).
Mesmo enfrentando limitações, as dinâmicas dos relacionamentos familiares são plurais durante o cumprimento da pena. O ajustamento familiar depende de vários fatores, como a relação familiar existente previamente ao aprisionamento (Morris, 1965). Embora o aprisionamento possa implicar no rompimento de relacionamentos devido às tensões e limitações impostas, mesmo paradoxalmente, este pode também ser favorável à manutenção, reconstrução ou criação de laços afetivos. Nesse contexto, relacionamentos com familiares e companheiros(as) são marcados pela criação de fragmentos de intimidade que escapem do controle da administração prisional, mostrando-se ativos durante o aprisionamento (Comfort, 2008a; Granja, 2015; Touraut, 2012). Com base nessa premissa, serão apresentadas regulações estabelecidas em Portugal e no Brasil, discutindo-se as suas decorrências.
O Contato entre Pessoas Privadas de Liberdade e seus Familiares em Portugal
No contexto europeu, as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos (ONU, 1955) e as Regras Penitenciárias Europeias (Conselho da Europa, 1973/2006) visam renovar e uniformizar as normas que regulam e norteiam o tratamento de reclusos/as entre os Estadosmembros e assegurar que pelo menos as condições mínimas de proteção são providenciadas nos sistemas prisionais europeus (Masó, 2003). Ambas preconizam a autorização de comunicação o mais frequentemente possível entre pessoas privadas de liberdade e seus familiares ou representantes de órgãos exteriores, assim como o recebimento de visitas da família, considerada essencial no processo de reinserção social (Touraut, 2012).
Em Portugal, questões associadas ao respeito pela privacidade e vida familiar têm sido incorporadas na legislação que regula a execução de penas de prisão e têm-se vindo a desenvolver diligências práticas no sentido de promover a manutenção de laços. É pelo menos desde 1979 que a regulamentação das penas de prisão sublinha a necessidade de promover o contato dos/as reclusos/as com pessoas externas, em particular cônjuges e familiares (Decreto Lei nº 265/79: 10). No momento presente, ao nível dos direitos dos/as reclusos/as consagrados no código de execução de penas e medidas privativas de liberdade, destacam-se três diretamente associados à vida familiar: i) direito a manter contatos com o exterior, designadamente mediante visitas, comunicação a distância ou correspondência; ii) direito à proteção da vida privada e familiar e à inviolabilidade do sigilo da correspondência e outros meios de comunicação privada e iii) direito a manter consigo filho até aos 3 anos de idade ou, excepcionalmente, até aos 5 anos, com autorização do outro titular da responsabilidade parental, desde que tal seja considerado do interesse do menor e existam as condições necessárias (Lei nº 115/2009).
Entre os instrumentos de contato disponíveis, a correspondência constitui um importante sustentáculo de alguns relacionamentos, pois permite expressar sentimentos e pensamentos íntimos (Granja, 2015). No âmbito dos relacionamentos íntimos, a correspondência possui uma importância simbólica, pois se torna substituta do corpo ausente e possibilita a fantasia, ultrapassando os muros prisionais (Comfort, 2008a). Em Portugal, o direito à inviolabilidade do sigilo da correspondência possibilita a "livre" expressão de pessoas aprisionadas e seus familiares, o que não acontece no Brasil, como será exposto adiante.
No que diz respeito aos contatos telefônicos, efetuados através das cabines instaladas para o efeito nos estabelecimentos prisionais, o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, implementado em 2011, definiu a possibilidade de se realizar uma chamada telefônica por dia, com a duração máxima de cinco minutos. Os telefonemas facilitam o conhecimento de detalhes da vida familiar, incluindo as pessoas aprisionadas na tomada de decisões familiares rotineiras. Não obstante, a sua duração limitada coloca desafios vários à preservação de relacionamentos (Granja, 2015).
As visitas têm também um caráter particularmente relevante na sustentação de laços familiares na medida em que permitem a verificação do bem-estar e o contato pessoal de pessoas privadas de liberdade e seus familiares, além de serem porta de entrada para alimentos e outros bens (Granja, 2015). As visitas prisionais são, assim, associadas à manutenção de relacionamentos e trocas afetivas, não obstante poderem também suscitar consequências adversas, já que reproduzem ciclos de desigualdades sociais, tendo em vista que nem todos os reclusos possuem redes sociais providas de recursos econômicos, temporais e/ou sociais que possibilitem frequentes visitas prisionais (Codd, 2008; Granja, 2015).
Partindo do pressuposto de que "as visitas visam manter e promover laços familiares, afetivos e profissionais do recluso" (Lei nº 115/2009, p. 7437), o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais estipula que os reclusos e reclusas podem se beneficiar de dois períodos de visita por semana, com duração até uma hora cada (Decreto Lei nº 51/2011), porém tais visitas são pautadas pela falta de privacidade e pela existência de procedimentos que equiparam, mesmo que temporariamente e de forma mais ou menos dissimulada, o estatuto dos visitantes aos dos/as reclusos/as (Cunha, 1994; Granja, 2015). A este nível destacam-se, em particular, os procedimentos de caráter compulsivo da revista e a verificação detalhada da identidade dos visitantes (Decreto Lei nº 51/2011).
O Contato entre Pessoas Privadas de Liberdade e seus Familiares no Brasil
No Brasil, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/2010), na Seção II, artigo 41, garante à pessoa privada de liberdade o direito "à visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados", todavia a manutenção dos laços sociais é desafiada pelas constantes transferências entre estabelecimentos prisionais, o que dificulta o comparecimento dos familiares às visitas, especialmente nos casos das mulheres encarceradas, tendo em vista que as penitenciárias fermininas se localizam majoritariamente em capitais, distantes de muitas cidades interioranas (Gonçalves et al., 2017).
A visita social deveria ser realizada em um ambiente diverso do ambiente pátio de sol ou celas das pessoas privadas de liberdade, mas a privacidade nem sempre é garantida, pois as visitas geralmente são realizadas nos próprios pavilhões ou celas. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres, 2016), uma em cada duas unidades femininas não conta com esse espaço e nas unidades mistas, apenas três a cada dez estabelecimentos contam com infraestrutura adequada para a visita social.
Cada unidade da federação conta com seu próprio regulamento. O estado de Minas Gerais foi escolhido para análise mais detalhada no presente estudo2. Mesmo existindo um regulamento que visa padronizar os procedimentos de todo esse estado, o poder facultado aos diretores das unidades prisionais possibilita-os modificar muitos deles, sendo observadas diferenças em cada unidade prisional. As deficiências nas estruturas físicas das unidades prisionais também impedem e/ou são utilizadas como justificativa para o não cumprimento das normas. Desse modo, as descrições que serão realizadas não são unânimes.
Contatos telefônicos não são permitidos nas prisões brasileiras e comumente são inexistentes telefones públicos nos estabelecimentos prisionais. Em Minas Gerais, segundo os Regulamentos e Normas de Procedimento do Sistema Prisional (ReNP) (ReNP, 2016, p. 217), no art. 642, é citada como falta disciplinar grave, passível de punição: "IX - ter consigo, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo". Embora o texto indique que a proibição se refere aos aparelhos móveis, a inexistência dos telefones públicos nos presídios implica em incomunicabilidade por esse meio de comunicação. A proibição dos contatos telefônicos tem acarretado problemas, como o contrabando de aparelhos telefônicos para dentro das prisões. Mesmo proibidos, eles persistem, e sua apreensão pela equipe de segurança acarreta punições. Entre elas, podem-se citar as perdas dos direitos de visitação e da troca de correspondências, passíveis de serem suspensos mediante falta grave, o que implica em total falta de contato com o mundo externo. Muitas vezes, os aparelhos telefônicos apreendidos são assumidos por pessoas inocentes mediante circunstâncias como o pagamento de dívidas ou ameaças.
No que diz respeito às correspondências enviadas e recebidas, segundo o ReNP (2016), p. 187), no art. 491: "A comunicação com o mundo exterior será permitida, todavia, sempre que houver quaisquer suspeitas, as correspondências, sejam as recebidas ou as que serão expedidas, deverão ser vistoriadas". Tal norma acaba por possibilitar a leitura detalhada de cada correspondência e sua censura, o que viola a privacidade de cada pessoa privada de liberdade e demonstra a perspectiva de controle ainda exercida nas prisões mineiras.
Desafios para a Manutenção dos Laços Familiares em Prisões Brasileiras e Portuguesas
Em ambos os países, os contatos externos acabam sendo geridos como se fossem privilégios (Granja, 2015; Wacquant, 2002) e não como direitos da pessoa privada de liberdade. Discursos de segurança amplamente difundidos justificam revistas pessoais meticulosas aos familiares visitantes, embora os procedimentos muitas vezes extrapolem os princípios que os legitimam, culminando na inferiorização dos familiares (Cunha, 1994; Gonçalves et al., 2017; Granja, 2015). São impostas regras aos visitantes, como a proibição de decotes, transparências ou roupas que exponham o corpo da mulher, o que revela o caráter moralizador das instituições prisionais, conduzindo a situações humilhantes.
No contexto prisional brasileiro, os desafios são ainda maiores, pois muitas unidades prisionais possuem estruturas físicas extremamente precárias. Transferências constantes para diferentes unidades prisionais dificultam a realização de visitas pelos familiares, o que é agravado no caso das mulheres aprisionadas. Contatos telefônicos são proibidos e correspondências monitoradas, o que não acontece em Portugal. O grande poder conferido aos diretores também enseja em decisões arbitrárias e não cumprimento da legislação.
Em ambos os países, nota-se a necessidade de questionamento de perspectivas moralizadoras e a primazia da vigilância e controle, tendo em vista que as limitações para a manutenção dos laços familiares têm intensificado ainda mais o sofrimento vivenciado em situações de aprisionamento. Ressalta-se que, apesar das dificuldades impostas, as pessoas aprisionadas investem na criação de maneiras de sustentação da comunicação.
Os Laços Afetivos e Sexuais no Contexto Prisional
Embora seja reconhecida a importância da manutenção de vínculos afetivos durante o cumprimento da pena (Granja, 2015; Granja, Cunha, & Machado, 2014), a primazia do controle e vigilância no contexto prisional (Foucault, 1987) leva à imposição de limitações aos contatos íntimos e às expressões de afetividade e sexualidade nas prisões (Comfort, Grinstead, McCartney, Bourgois, & Knight, 2005). No contexto prisional, a intimidade é transposta do domínio privado para o público e penal (Lima, 2006), sendo a vida afetiva e sexual monitorada e institucionalizada (Granja et al., 2014).
A sexualidade da mulher encarcerada tem permanecido numa situação de invisibilidade (Cunha, 1994; Figueiredo, 2019; Gonçalves et al., 2017). Nota-se uma ênfase na gestação e maternidade durante o aprisionamento, o que acaba suprimindo a relevância de outros relacionamentos das mulheres privadas de liberdade (Granja, 2015). Tal fato relaciona-se às normativas tradicionais de gênero, que levam à consideração da mulher como mãe (Cunha & Granja, 2014; Cunha, 2018) e à desconsideração de outros aspectos de sua identidade, como a sexualidade (Constant, 2013; Ricordeau, 2009). Assim, os direitos referentes à manutenção de vínculo afetivo e sexual são comumente ignorados no cotidiano prisional (Figueiredo, 2019; Gonçalves et al., 2017).
Estudos apontam como os obstáculos impostos ao contato íntimo podem favorecer a dissolução de relacionamentos que existiam anteriormente ao aprisionamento (Matos & Machado, 2007; Moreira, 1994; Paz, 2009). Nos casos específicos em que apenas as mulheres são aprisionadas, são comuns as situações em que os companheiros deixam de contatá-las e não prestam nenhum tipo de apoio (Matos & Machado, 2007; Paz, 2009). Tais situações evidenciam a presença de questões de poder, normativas tradicionais de gênero e a naturalização do exercício do cuidado por parte da mulher (Cunha, 1994, 2018).
Não obstante, vínculos afetivos podem surgir ou serem revitalizados ao longo do encarceramento, revelando os efeitos integradores e desintegradores da prisão (Comfort, 2002, 2007, 2008a, 2008b). Estes são paradoxais; não se resumem a rupturas, mas também a reaproximações e fortalecimento de sentimentos amorosos através de esforços para a manutenção da afetividade (Granja, 2015; Touraut, 2012). Em alguns casos verifica-se nos casais um retorno à "fase do enamoramento e paixão" (Granja, 2015, p. 201), que volta a enfatizar elementos que se encontravam obscurecidos pela rotina cotidiana. Tais reaproximações são comumente influenciadas pela interrupção, ainda que circunstancial, de trajetórias de vida marcadas pelo uso abusivo de substâncias psicoativas, violência e/ou atividades criminais (Comfort, 2008a). Ademais, quando ambos os parceiros se encontram reclusos, é possível que se ajudem mutuamente (Figueiredo, 2019; Granja, 2015).
Durante o aprisionamento, também é possível a constituição de novos relacionamentos que gerem gratificação emocional através de correspondências, muitas vezes, com parceiros/as também aprisionados. Baseados primordialmente na esfera emocional, em casos específicos, esses relacionamentos podem culminar no casamento legal (Granja, 2015).
Historicamente, a sexualidade na prisão - assente em princípios de proibição e repressão formal - foi encarada como um problema a ser gerido pelos sistemas penais por tradicionalmente remeter para questões relacionadas com a propagação de infecções sexualmente transmissíveis, a formação de relacionamentos homossexuais e a existência de relações não consensuais, pautadas pela agressão e pela violência (Cardon, 2002; Miotto, 1984). Contudo, com a paulatina entrada em cena do princípio de normalização das penas de prisão, os debates sobre a sexualidade na prisão ampliaram-se e começou-se a discutir o acesso à sexualidade enquanto direito (Cardon, 2002; Miotto, 1984).
Existe um amplo leque de motivos que podem ser elencados para justificar a implementação das visitas íntimas nos estabelecimentos prisionais e que tendem a variar consoante o país e de acordo com os períodos em que esses programas são promovidos. Em particular, destacam-se três abordagens que, não sendo mutuamente exclusivas, se podem conjugar entre si. A primeira surgiu nos debates iniciais sobre o tema e defende que as visitas íntimas, atendendo às necessidades sexuais dos reclusos, têm o potencial de reduzir alguns dos problemas que afetam as prisões, como a tensão, a hostilidade e a violência entre os detidos, presumivelmente derivadas da longa acumulação de energia sexual frustrada (D'Alessio, Flexon, & Stolzenberg, 2012; Goetting, 1982; Hensley, 2002). A segunda perspectiva argumenta que o acesso a visitas íntimas, possibilitando os contatos entre casais heterossexuais, pode reduzir a formação de relações entre pessoas do mesmo sexo (Miotto, 1984; Padovani, 2011). Essas duas abordagens deram maioritariamente lugar a programas que visavam, de forma quase exclusiva, a questão sexual, possibilitando assim que os reclusos mantivessem visitas com profissionais do sexo, companheiras e esposas (Hensley, 2002). Contudo essas tendências foram sendo atenuadas à medida que o terceiro argumento para legitimar as visitas íntimas foi ganhando força e legitimidade nem políticas penais. Este defende que as visitas íntimas se afiguram como instrumentos essenciais para preservar as relações pré-prisionais, promovendo a estabilidade conjugal e prevenindo separações comumente causadas pelo aprisionamento (Goetting, 1982; Vacheret, 2005). Tendo por base essa ideia, então se acoplou à questão sexual a manutenção de laços e as profissionais do sexo deixaram de ser permitidas nas visitas íntimas, que passaram a ser exclusivamente reservadas a pessoas com as quais os reclusos mantinham vínculos afetivos (Hensley, 2002).
A esfera afetiva é destacada, inclusive, pelas mulheres aprisionadas no que diz respeito às visitas íntimas que, para elas, vão além do contato sexual. Trata-se de um momento de refúgio em um contexto em que há primazia do controle (Figueiredo, 2019; França, 2014; Granja, 2015). A proximidade emocional e sua função na manutenção da estabilidade conjugal são destacadas (Granja, 2015).
A maior valorização das conexões emocionais em detrimento das sexuais, realizada através dos argumentos que defendem a realização de visitas íntimas nas prisões e internalizadas pelas mulheres aprisionadas, reflete, assim, expectativas sociais de gênero em vigor que exigem das mulheres o recato e o pudor (Cunha, 1994, 2018). Ao enfatizarem a dimensão romântica dos encontros sexuais, elas possivelmente buscam a validação moral da sexualidade.
As Visitas Íntimas em Portugal
Em Portugal, as visitas foram concedidas a casais heterossexuais a partir de 1999 e a casais do mesmo sexo desde 2009. No entanto, até 2010 não existiam instalações disponíveis nos estabelecimentos prisionais femininos portugueses que permitissem ter acesso às visitas íntimas. Até esse ano, as mulheres reclusas apenas podiam aceder ao regime de visitas íntimas se os seus parceiros também se encontrassem presos. Essas assimetrias de gênero conectam-se com questões mais amplas (Cunha, 2018). De acordo com o artigo 120 do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, são impostos os seguintes requisitos para a autorização dessa modalidade de visita: casamento legal, manutenção de relacionamento análogo a de cônjuges ou uma relação afetiva estável com o parceiro. É necessário que o recluso seja visitado ou mantenha com o parceiro correspondência regularmente, a fim de comprovar a estabilidade do vínculo. Pode também ser autorizada a receber visitas íntimas a pessoa aprisionada que celebre casamento ou, não sendo casado, inicie relação afetiva com o visitante, de quem deve receber visitas ou correspondências regulares ao longo de um ano. Sendo cumpridas tais exigências, será permitida uma visita íntima mensal, porém nem todos os estabelecimentos prisionais têm condições para assegurar visitas íntimas. De acordo com os dados do relatório da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais [DGSP] de 2018, dos 49 estabelecimentos prisionais portugueses, 18 possuíam quartos para visitas íntimas. No ano de 2018, realizaram-se 6.536 visitas íntimas (DGSP, 2018).
As visitas íntimas são caracterizadas pela redução do controle presente no cotidiano prisional português, sendo realizadas num quarto claramente diferenciado das celas em que as reclusas permanecem diariamente, o que permite a recriação de "uma atmosfera familiar" (Granja, 2015, p. 214), mesmo que de forma limitada e circunstancial. O estudo de Granja (2015, p. 212) mostra que as narrativas das reclusas evidenciam atribuições de sentido e experiências contraditórias e justapostas sobre visitas conjugais, revelando uma "intimidade ambivalente". Por um lado, as visitas íntimas implicam a vigilância penal mais intrusiva do aprisionamento, destinada a controlar os corpos, minando a intimidade, sigilo e privacidade que se associa às interações íntimas. Por outro lado, aqueles momentos promovem sentimentos de "liberdade" devido ao seu acentuado contraste com outras formas de envolvimento com familiares em contexto prisional.
As Visitas Íntimas no Brasil
As visitas íntimas são previstas legalmente para ambos os sexos, destacando-se as seguintes regulamentações: Resolução CNPCP nº 01, de 30 de março de 1999, que trata da visita íntima; Portaria MJ nº 718, 28 de agosto de 2017, que regulamenta a visita íntima no interior das penitenciárias federais; e a Resolução CNPCP nº 04, de 29 de junho de 2011, que recomenda aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres que seja assegurado o direito à visita íntima à pessoa presa, recolhida nos estabelecimentos prisionais.
Ao se analisar os casos de mulheres privadas de liberdade, é comum que tenham seus parceiros também reclusos. Quando ambas as pessoas estão privadas de liberdade, no estado de Minas Gerais, de acordo com o ReNP (2016, p. 199), no art. 553, "será permitida visitação social ou íntima entre os presos da mesma Unidade Prisional, desde que autorizado pela Comissão Técnica de Classificação - CTC", sendo esta composta pela direção da unidade prisional, profissionais das áreas de segurança, saúde, atendimento psicossocial, ensino e profissionalização. Assim, é possível que tenham visita social ou íntima, conforme a avalição.
No que se refere à visita íntima, o ReNP (2016), no art. 544, assegura essa modalidade de visitação em Minas Gerais, inclusive para casais homoafetivos, mas a veda aos namorados(as): "Terão direito à visita íntima apenas os casados ou os que tenham escritura pública registrada em cartório ou sentença judicial declaratória de reconhecimento de união estável, vedado o acesso de namorados(as) a essa modalidade de visitação" (ReNP, 2016, p. 198). Essa exigência acaba impedindo a maioria das visitas íntimas nas prisões brasileiras, o que é intensificado ao falarmos a respeito de mulheres encarceradas. Os companheiros que permanecem em liberdade raramente providenciam a documentação imposta ou arcam com os gastos financeiros necessários. A pessoa encarcerada ainda depende do agendamento de escoltas ou realização de consulta médica na própria unidade prisional, que pode não ocorrer.
São poucas mulheres que usufruem o direito das visitas íntimas, que chegam a ser vedadas em algumas unidades prisionais (Gonçalves et al., 2017). Segundo o "Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil", elaborado pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional [CEJIL] e colaboradores (CEJIL et al., 2007, p. 44), quando existentes, as visitas íntimas estão condicionadas a requisitos como: "comprovação de vínculo de parentesco, uso obrigatório de contraceptivos; ou são concedidas em condições inadequadas sem a privacidade devida". Assim, barreiras são impostas pela infraestrutura dos estabelecimentos penais e, de acordo com o Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres, 2016), no caso dos estabelecimentos mistos, apenas 34% oferecem esse espaço, suas condições são comumente precárias e nem sempre possibilitam total privacidade ao casal. Quanto às unidades prisionais femininas, 41% contam com local específico para realização da visita íntima, que acaba não acontecendo a partir da justificativa de falta de espaço adequado (Gonçalves et al., 2017).
Em diversas regiões brasileiras, práticas sexuais femininas são reprimidas. As relações sexuais são monitoradas a partir de critérios instituídos pela administração, regidas pela heteronormatividade e tentativa de se adequar as mulheres ao código moral que rege as relações heterossexuais legitimadas (Colares & Chies, 2010). Relatos de mulheres encarceradas denunciam a perspectiva heteronormativa e a proibição não apenas da visita íntima, assim como de qualquer outro tipo de proximidade entre mulheres e homens que se conheçam na prisão, conforme estudo realizado em um presídio misto no Rio Grande do Sul por Paz (2009). As práticas de namoro ocorriam de maneira velada, através de bilhetes, cartas e olhares pelas janelas e grades da prisão. Em Minas Gerais, expressões de afetividade e/ou sexualidade, como beijos, são proibidas e passíveis de punição em algumas unidades prisionais, conforme demonstrado por Figueiredo (2019). Carvalho (2014) também encontrou a imposição de castigo, sob a alegação de falta de respeito, à prática de sexo entre mulheres em uma penitenciária feminina mineira, o que a revela como uma instituição infantilizante e moralista. No Rio de Janeiro, também se identificou moralismo e repressão incididos especialmente sobre o comportamento de mulheres nos relacionamentos heteroafetivos e homoafetivos (Lemgruber, 2010).
Desafios para a Manutenção dos Laços Afetivos e Sexuais nas Prisões Brasileiras e Portuguesas
A privação da liberdade e as privações subsequentes, inclusive a sexual, expressam a manifestação do poder em estado puro, justificando-o como poder moral (Foucault, 1979). Ainda são muitas as restrições enfrentadas pelas pessoas privadas de liberdade para o exercício da sexualidade nas prisões, mesmo que este seja discutido enquanto direito atualmente (Cardon, 2002). Heranças históricas marcadas pelos princípios de proibição e repressão ainda exercem influência nos modos de gerir a sexualidade nas prisões, o que acaba sendo intensificado quando mulheres estão aprisionadas. Seus comportamentos sexuais podem ser ainda mais controlados, tendo em vista os objetivos moralizadores depositados sobre elas (Espinoza, 2004).
Ainda há grande dificuldade para se reconhecer o direito das mulheres sobre os próprios corpos, seus direitos sexuais e reprodutivos, o que é ainda mais complicado para aquelas aprisionadas, que têm suas vidas privadas invadidas pela intervenção estatal e seus corpos incididos por tecnologias da prisão e opressão (Carvalho, 2014; Carvalho & Mayorga, 2017). A negação do desejo sexual das mulheres revela a presença de imperativos moralistas e prescrições de gênero nas prisões brasileiras e portuguesas. Mesmo prevista legalmente, a visita íntima muitas vezes não é sequer pleiteada pelas mulheres, que sabem das dificuldades e obstáculos impostos em um contexto no qual desejos são condenáveis e silenciados.
Evidencia-se a invisibilidade da importância da intimidade, troca afetiva e exercício da sexualidade das mulheres presas em ambos os países, o que sugere a necessidade de discussões a respeito dessa temática para que a garantia dos direitos sexuais das mulheres aprisionadas ocorra efetivamente. Normativas tradicionais de gênero que têm contribuído para que os corpos de mulheres aprisionadas sejam alvos de perspectivas moralizadoras precisam ser questionadas, propulsionando mudanças e levando à garantia de direitos nesse âmbito ao longo do aprisionamento.
Considerações Finais
A partir de uma análise comparativa entre as realidades prisionais de Brasil e Portugal, foram notadas algumas diferenças. Uma delas é que as correspondências não são monitoradas em Portugal, diferindo-se do Brasil, onde a privacidade das pessoas privadas de liberdade e daquelas para as quais escreve pode ser violada (Figueiredo, 2019; Granja, 2015; ReNP, 2016). A expressão de sentimentos e pensamentos torna-se limitada, o que sugere a necessidade de questionamento desse procedimento.
Enquanto é possível realizar chamadas telefônicas nas instituições prisionais portuguesas, estas não são permitidas no Brasil (Figueiredo, 2019; Granja, 2015; ReNP, 2016). Embora o contato telefônico possa ser uma fonte de apoio essencial durante o cumprimento da pena em prisões (Comfort, 2008a), o Brasil permanece aquém de Portugal no que se refere à garantia desse direito.
Nos estabelecimentos prisionais brasileiros, é urgente a melhoria das condições das visitas, o que é agravado ao se refletir a respeito das visitas íntimas. O modo como elas ocorrem no Brasil difere muito das condições asseguradas no contexto português, que prevê a disponibilização de quartos próprios para o efeito (Granja, 2015). No Brasil, são escassos os locais próprios para sua realização, sendo comum a presença das grades, simplesmente cobertas por lençóis (Figueiredo, 2019; Gonçalves et al., 2017).
Em ambas as nações, ainda são muitos os obstáculos impostos para a manutenção dos laços afetivos na prisão, sendo que há primazia dos discursos de controle e vigilância. A despeito disso, as pessoas aprisionadas buscam manter os relacionamentos e tornar as barreiras físicas da prisão permeáveis por meio de negociações criativas (Figueiredo, 2019; Granja, 2015).
Enfatiza-se a importância dos laços familiares ao longo do aprisionamento, mas com o cuidado de que não seja depositado nenhum tipo de responsabilidade ou corresponsabilidade de ressocialização sobre a família (Codd, 2007; Touraut, 2012). Sugere-se a criação de mecanismos adicionais que facilitem a preservação de laços sociais na interface entre o mundo prisional e o exterior, seja no contexto prisional português, seja no brasileiro.
É relevante que a revista seja questionada em ambos os países, criando-se mecanismos que impeçam a prática de constrangimentos e violações de direitos de pessoas presas e seus familiares, zelando pela dignidade e intimidade de cada cidadão (Cunha, 1994; Figueiredo, 2019; Gonçalves et al., 2017; Granja, 2015). Recomenda-se também que a pessoa privada de liberdade possa cumprir a pena em um estabelecimento prisional próximo de sua residência, especialmente no que se refere às mulheres, que têm sido transferidas para locais extremamente distantes de seus familiares e sofrido maior abandono (Figueiredo, 2019; Gonçalves et al., 2017).
Valores discriminatórios e hierárquicos são reproduzidos nas prisões, o que traz profundos impactos na vivência de mulheres privadas de liberdade, especialmente em seus relacionamentos afetivo-sexuais. Mesmo quando estabelecimentos prisionais afirmam terem adotado uma política que visa permitir a atividade sexual, continuam exercendo extrema monitorização, proibição e repressão do exercício da sexualidade de mulheres, revelando a preponderância de normativas relacionadas aos papéis de gênero (Carvalho, 2014; Carvalho & Mayorga, 2017; Espinoza, 2004; Figueiredo, 2019; Gonçalves et al., 2017; Lemgruber, 2010; Paz, 2009; Pimentel, 2016).
Em ambos os países, foi perceptível que as mulheres são objeto de incidência de objetivos moralizadores (Espinoza, 2004) e uma intervenção estatal em suas vidas privadas, limitando a livre expressão da sexualidade. Sobre o corpo da mulher aprisionada incidem as tecnologias da prisão, que impedem até mesmo o desejar e o ser nesse contexto (Carvalho, 2014). O valor social que ainda é atribuído à instituição do casamento e/ou aos laços de conjugalidade (Lima, 2006) tem levado ao não reconhecimento de outras formas de se relacionar, que ainda sofrem julgamento moral pelas administrações penitenciárias.
A repressão sexual que marcou as sociedades burguesas do século XVII (Foucault, 1977) ainda influencia processos de subjetivação na atualidade. O modelo de família produzido no ambiente carcerário é sustentado pelo modelo hegemônico tradicional, herdado da família nuclear burguesa. Além de imposta pelas administrações prisionais, tais ideais de família são reproduzidos pelas próprias pessoas aprisionadas (Cúnico, Strey, & Costa, 2019). Concepções dominantes que têm ditado modos de se viver a sexualidade na prisão precisam ser desconstruídas e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres devem ser garantidos, com respeito à diversidade de orientações sexuais.
Toda a dinâmica de funcionamento do sistema penal deve ser questionada, tendo em vista que se trata de um sistema falido, imbricado por relações de poder que visam excluir aqueles que sempre sofreram segregação na vida em sociedade (Cappellari, 2018; Dores, 2018; Foucault, 1987; Frois, 2017). Todavia, no domínio mundial, enquanto as prisões existirem deve ser garantida a possibilidade de manutenção de vínculos familiares, afetivos e sexuais, essenciais para a vida humana.
Espera-se que o presente artigo propulsione o desenvolvimento de políticas públicas e ações que visem à proteção dos direitos das mulheres aprisionadas, em diferentes partes do mundo. Tendo em vista as limitações do estudo teórico, sugere-se a realização de novos trabalhos e pesquisas de campo que promovam a internacionalização dessa temática, suscitando a produção de conhecimento transformativo na área.
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Endereço para correspondência:
Ana Cristina Costa Figueiredo
E-mail: psianacristina@hotmail.com
Rafaela Patrícia Gonçalves Granja
E-mail: r.granja@ics.uminho.pt
Recebido em: 19/12/2019
Revisado em: 30/06/2020
Aceito em: 17/08/2020
Publicado online: 23/12/2020
1 Tradicionalmente, o Estabelecimento Prisional de Tires destinou-se a mulheres. O Estabelecimento Prisional possui um setor masculino que se encontra temporariamente desativado. Mais informações aqui: Link
2 Devido à extensão territorial brasileira e às diferenças existentes entre as unidades federativas, o estado de Minas Gerais foi escolhido para uma descrição mais detalhada das relações familiares e afetivas de mulheres aprisionadas, tendo em vista a experiência profissional de uma das pesquisadoras, que atuou como psicóloga em presídios mistos deste estado e pôde observar as dinâmicas na manutenção de contato afetivo entre as pessoas aprisionadas e as que se encontram fora dos muros prisionais.