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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.28 no.87 São Paulo 2011
ARTIGO ORIGINAL
Burnout: a doença da alma na educação e sua prevenção
Burnout: soul's disease in education and its prevention
Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini
Psicopedagoga clínica do Instituto Paulista de Desenvolvimento Profissional (IPDP); Profª Mestre na Universidade Paulista (UNIP) - Curso de Pedagogia, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Esse artigo tem como intuito propor uma reflexão acerca dos novos caminhos da educação no século XXI. Consideramos relevante propor uma discussão sobre os novos paradigmas que redirecionam a vida humana e as implicações sobre a educação nesse processo. Vamos, portanto, eleger as implicações filosóficas que a física quântica traz como porta-voz na ativação dos novos princípios que regem o mundo e a ciência contemporânea, que inclui a espiritualidade como condição humana, dentro de uma abordagem transdisciplinar para a compreensão de uma síndrome - burnout, sintoma de uma educação adoecida que leva professores e alunos a um sofrimento psicofisicoespiritual.
Unitermos: Educação. Esgotamento profissional. Espiritualidade.
SUMMARY
This article has the intention to propose a reflection on the new paths of education in the 21st Century. Consider it important to propose a discussion about the new paradigms that redirect human life and the implications for education in this process. Let's therefore elect the philosophical implications that quantum physics plays in its role in the activation of new principles ruling the world and contemporary science, including spirituality as a human condition for a transdisciplinary approach to the understanding of a syndrome - burnout, symptom of a diseased education that leads teachers and students to a psychological physical and spiritual suffering.
Key words: Education. Burnout, professional. Spirituality.
INTRODUÇÃO
"O novo paradigma é abrangente; trata-se de uma ciência da espiritualidade, que inclui a materialidade. Ativismo quântico é a ideia de transformarmos a nós mesmos e nossas sociedades segundo as mensagens transformadoras da física quântica e do novo paradigma."
Goswami, 20101
Entramos no Terceiro Milênio, já não é mais possível conceber a vida de forma tão rasa, sob uma única perspectiva material. As ciências contemporâneas têm trazido suas contribuições para o avanço sobre a compreensão do humano.
Esse projeto nasce dentro de uma concepção psicopedagógica do atendimento clínico, a partir da formação de um grupo reflexivo para educadores, professores e psicopedagogos, cuja finalidade foi a de possibilitar a esses profissionais um questionamento sobre suas modalidades como ensinantes, suas ações, emoções, aflições e desejos ao exercer sua práxis educativa. O objetivo foi o de que colocassem em palavras suas emoções, a fim de nomeá-las e identificá-las, para, então, repensar os processos que os fazem adoecer e poder combatê-los por meio da reflexão, como fortalecimento psíquico e espiritual. Ainda, pensamos no grupo reflexivo enquanto prevenção, um canal para os educadores lidarem com a insatisfação, a frustração e o estresse cotidiano.
Nosso trabalho se desenvolveu em quatro encontros e, nesse espaço, pudemos perceber a angústia que tem comprometido a ação do professor, fundamentalmente, nesse início do século XXI, quando os valores delineiam-se de forma confusa e invertida frente à qualidade das relações interpessoais, cada vez mais desumanizadoras e displicentes com a vida. Moraes2 nos aponta que a Educação caminha para a Era das Relações - em que todos reflitam sobre as dimensões materiais e espirituais da sociedade, por uma educação que possibilite uma convivência harmônica entre os indivíduos:
"É essa capacidade de reflexão que leva o indivíduo a aprender, a conhecer, a pensar, a aprender, a aprender a fazer, a aprender a conviver e a aprender a amar, para que possa aprender a ser, e estar em condições de agir com consciência, autonomia e responsabilidade. Responsabilidade consigo mesmo, com a sociedade e com a natureza, o que implica o desenvolvimento de uma nova ética apoiada numa nova consciência individual, social e planetária, uma nova compaixão universal, centrada no equilíbrio da comunidade terrestre."2
Um dos primeiros aspectos levantados para a reflexão foi a doença que acomete o profissional da educação, tirando-o, muitas vezes, do eixo e, consequentemente, do campo de trabalho. A doença vem como um mecanismo de defesa, ao não suportar mais uma relação tão complexa no espaço escolar, uma violência àquele professor que vai se deixando exaurir e consumindo-se por completo, resta a doença, hoje, já nomeada: a síndrome de burnout.
SINDROME DE BURNOUT
Do inglês, to burn out - queimar por completo - síndrome de burnout é conhecida também por esgotamento profissional. Consideramos a síndrome como uma das consequências mais graves do estresse ou de desgaste profissional, o que é provocado por sentimentos de exaustão, de frustração, de incapacidade, bem como leva o profissional a sentir-se culpado por não realizar o trabalho de acordo com o desejado e carregar o estresse para casa. Esses são alguns dos aspectos que vão consumindo física e emocionalmente o professor, que pode passar a ficar irritadiço e depressivo. Como nos aponta Codo3:
"Burnout foi o nome escolhido; em português, algo como 'perder o fogo', 'perder a energia' ou 'queimar (para fora) completamente (numa tradução mais direta). É uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil. (...) Como clientela de risco são apontados os profissionais de educação e saúde, policiais e agentes penitenciários, entre outros."3
Para que essa patologia e outras, como depressão, estresse e doenças psicossomáticas, não aumentem significativamente entre esses profissionais, cremos que algumas intervenções precisam ser realizadas dentro ou fora do espaço escolar. Dentre as possibilidades, buscamos no grupo reflexivo um caminho para atenuar tais problemas. Por meio da troca entre os professores, elegemos a fala como caminho da reflexão para questionarem suas apreensões, angústias, etc. Esse trabalho tem permitido aos educadores conversar e enfrentar seus problemas para compreender e buscar uma solução, em que a mediação cabe ao próprio grupo, quando cada um tem oportunidade de externar suas queixas e dar vazão àquilo que o incomoda profundamente. Andersen4 tem nos ajudado a pensar no movimento dialógico do grupo:
"Consideramos as conversas como fonte importante para a troca de descrições e explicações adequadamente diferentes, de definições e de significados. Essas trocas podem dar um novo tom às antigas descrições e explicações, e até fazer surgir outras novas. Proporcionam, assim, uma base o mais ampla possível de escolha para que a pessoa possa tratar, de uma forma diferente, situações paralisadas, ou reagir a novos fatos, sejam eles previstos ou não."4
A reflexão tem nos proporcionado uma atitude, uma voz para que compreendamos essas questões, sob diferentes enfoques, como o reconhecimento da mudança de paradigma - o que tem gerado grandes conflitos na sociedade, essencialmente, nas diversas relações que estabelecemos.
Trabalhamos, hoje, na formação dos novos professores, com teorias de ponta que tratam do homem enquanto construtor de seu conhecimento e, acima de tudo, da importância da autoria, da autonomia de pensamento, do respeito à diversidade, da tolerância, da inclusão, do respeito às possibilidades, às diferentes inteligências, por meio de um olhar holístico e sistêmico. Autores como Piaget, Vygotsky, Wallon, Freud, Klein, Dolto, Winnicott, Morin, Perrenoud, Freire, Maturana, Golleman, Gardner, Rogers, Mantoan, Latouche, na psicologia Jung; Luhman, na sociologia; Prigogine, na química; Maturana, na biologia; Einstein, na física; Goswami, na física quântica e muitos outros ajudam-nos a ampliar o olhar sobre as novas relações que devem mediar a educação. Ainda, temos trabalhado com novas disciplinas, como Inclusão, Educação Ambiental, Ecopedagogia, Psicopedagogia, Psicanálise, Relações Interpessoais - esses estudos demonstram, com certeza, uma mudança de paradigma para uma nova compreensão das relações homem e mundo. Logicamente, essas novas contribuições têm alargado nossa concepção de homem e de mundo, o que nos permite articular outros conhecimentos para uma compreensão holística e sistêmica do homem. Pensamos, dessa forma, em um novo profissional e em uma nova educação que possa abrir espaços para o diálogo, para a reflexão.
Temos observado que a necessidade de pensar o mundo como nossa casa e as pessoas como pertencentes à comunidade humana partiu de um grande amadurecimento científico, dentre eles, a Física Quântica, que abriu novos caminhos para que pudéssemos dar um salto em nossas pesquisas. Tudo isso, ainda, é muito novo e difícil de ser colocado em prática, em nossas ações cotidianas e em uma nova concepção de educação.
No entanto, cremos que é chegado o momento de compartilhar as novas aprendizagens e colocá-las para novas reflexões, já não é mais possível ver toda uma sociedade sofrendo por falta de uma educação inadequada, ultrapassada, focada no "ter" e que não focaliza o humano enquanto sujeito holístico e sistêmico, em nenhum momento. Daí tantas doenças acometendo professores, alunos, pais e toda uma sociedade que se perde, em meio a relações tão conturbadas.
Dessa forma, vamos apresentar alguns aspectos dessa nova forma de entender o homem, para que possamos divulgar, de fato, uma nova maneira de compreender as relações humanas, dentro das escolas, a partir desse novo século, dentro de uma abordagem transdisciplinar.
Vamos trabalhar com a concepção de transdisciplinaridade de Nicolescu (1997) - professor da Universidade de Paris e diretor do Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares (CIRET)5. Assim, as ideias de Nicolescu estão fundamentadas na física quântica, e os seus três pilares são os níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade. O autor considera a transdisciplinaridade, como:
"(...) o prefixo trans indica, ao que está entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de cada disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo presente, da qual um dos imperativos é a unidade de conhecimento."5
Para o autor, a transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica, cultural, social e espiritual. O prefixo trans aponta para o que está simultaneamente entre as disciplinas, através das disciplinas e além de qualquer disciplina. O intuito dessa nova abordagem é nos levar para a compreensão do mundo presente e à unidade do conhecimento. Apresenta, então, uma abordagem holística, em que inclui uma inteligência espiritual - base científica para compreensão da dimensão espiritual.
O termo transdisciplinaridade, de acordo com Nicolescu5, foi apresentado pela primeira vez por Piaget, em Nice (1970) - na Universidade de Nice, durante o I Seminário Internacional sobre pluri e interdisciplinaridade:
"Enfim sucedendo a etapa das relações interdisciplinares, pode-se esperar uma etapa superior que será transdisciplinar, que não se contentará em atingir interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situará essas ligações no interior de um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas."5
Piaget já nos apontava a construção de um novo conceito para dar conta de uma nova compreensão mais ampla do homem. A transdisciplinaridade propõe a articulação dos mais diversos saberes, pondo em ênfase uma visão holística de homem que considera sua dimensão espiritual. Ainda queremos ressaltar que para a compreensão do homem, nesse milênio, não é mais possível vê-lo como um ser raso, preso ao mito da materialidade. Devemos considerar as diversas disciplinas de estudo para que nosso entendimento seja ampliado, e possamos desenvolver o autoconhecimento e o comprometimento com a vida em suas dimensões material e espiritual. O termo espiritual carrega um estigma, ranço do apogeu de uma ciência materialista reducionista. Sua utilização em vários campos de estudos provocou uma depreciação do termo. Queremos, portanto, justificar seu uso. De acordo com Souza Follmann6:
"Espiritualidade, aqui, é reconhecida como um elemento inato e essencial de todas as pessoas, que é refletido nas expressões de diferentes camadas de conectividade que espiralam de dentro para fora para se ligar com o Outro social, comunal e físico, mais ainda para dentro para encontrar o Eu interior e finalmente, o Outro Transcendente. Estas camadas de conexão podem transcender cenários e fronteiras religiosas, sociais, culturais e políticas, ainda que as expressões possam ser influenciadas por tais fatores. É a conectividade que os indivíduos experimentam que os leva a descobrir um sentido de eu e lugar dentro de suas comunidades e do mundo maior, e, em última instância, os ajuda a achar significado e objetivo em suas vidas."6
Buscamos nesse conceito uma nova maneira de compreender a base de todo um aprendizado mais significativo, que inclui o desenvolvimento espiritual, por meio de uma educação que priorize os princípios fundamentais das relações humanas: respeito, diálogo, ética e reflexão. Precisamos ativar uma educação que acolha o humano e mudar a percepção de nossa consciência e de nossa realidade. A escola e os professores precisam se reinventar nessa nova jornada, buscar uma estrutura que construa uma educação pautada no desenvolvimento da espiritualidade como condição humana, se quisermos ter uma vida melhor, menos superficial, banal, sem sentido, que valorize a ética em toda e qualquer relação.
Em 1994, no Convento de Arrábida, Portugal, foi realizado pela UNESCO o I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, daí nasceu o Manifesto da Transdisciplinaridade - um convite para repensarmos o novo paradigma, a busca por um saber comum:
Artigo 2 - O reconhecimento da existência de diferentes níveis de Realidade, regidos por lógicas diferentes, é inerente à atitude transdisciplinar. Toda tentativa de reduzir a Realidade a um único nível, regido por uma única lógica, não se situa no campo da transdisciplinaridade.
Dessa forma, faz-se emergencial reconhecer na ciência contemporânea o caminho para uma nova lógica que permite a reavaliação sobre Quem somos nós? E o que a educação pode fazer para evitar tantos problemas de relações interpessoais? Consideramos fundamental para nossos estudos rever a física quântica e as novas pesquisas que exploram as relações mente e cérebro.
AS IMPLICAÇÕES FILOSÓFICAS DA FÍSICA QUÂNTICA E A MUDANÇA DE PARADIGMA
"A ciência descobriu a espiritualidade. Hoje, há uma teoria científica logicamente consistente sobre Deus e a espiritualidade com base na física quântica e no primado da consciência (a ideia de que a consciência, e não a matéria, é a base de toda a existência). Noutras palavras, embora a mídia ainda não alardeie isso, temos agora uma ciência viável da espiritualidade ameaçando uma mudança de paradigma e passando da atual ciência com base na matéria que estimula exclusivamente a materialidade."(Goswami, 2010)1
Nosso propósito é o de divulgar o novo paradigma frente à Educação seja com quem for, onde for. Partimos do princípio de que somente por meio da educação e do conhecimento o homem poderá desenvolver-se como ser humanizador, um processo, ainda, em construção. Nesse sentido, vemos o ser humano como um ser de possibilidades para aprender a vida em todos seus aspectos. Para a compreensão dessa proposta, precisamos pensar primeiramente na questão do paradigma sob o qual vivemos. O paradigma é uma percepção geral da vida; é um consenso sobre a maneira de entender, de perceber, de agir a respeito do mundo; é uma visão de mundo, a que nos submetemos, de forma consciente ou não, para organizarmos nossas vidas.
Hoje, estamos vivendo um momento de transição de ideias, de valores, de relações, de paradigmas. Para compreendermos melhor a questão dos paradigmas, vejamos o antigo modelo que ainda está instalado em nosso modus vivendi - o paradigma da Modernidade, e o paradigma que estamos buscando viver urgentemente - o paradigma da Pós-Modernidade.
O paradigma da Modernidade ou paradigma mecanicista é interpretado segundo as ideias de René Descartes (século XVII). Para ele, o mundo natural deve ser visto como uma máquina. Descartes desenvolveu o Método Cartesiano, partindo de Galileu, acreditava que a chave para a compreensão do universo era a estrutura matemática; daí ter uma visão mecanicista de mundo. A certeza cartesiana é matemática, ou seja, se em uma máquina algo vai mal, é preciso descobrir o defeito da parte danificada e trocá-la, para que volte a funcionar.
Nesse sentido, o olhar é local, é para as partes e não para o todo. Vamos transpor essa ideia para a Educação. O ensino é compartimentado, ou seja, fragmentado, não passa para o aluno a visão do todo, mas a visão de cada conteúdo que precisa memorizar: História, Geografia, Ciências, Matemática, Línguas, Artes, tudo é visto de forma estanque, sem ligação, não há interdisciplinaridade, isto é, para se compreender as coisas, é preciso separá-las. Todo esse conteúdo fica descontextualizado e longe de sua relação com a vida do homem. Para complicar, toda nossa educação hoje visa o Vestibular, a competição e não o conhecimento de mundo e o autoconhecimento, fundamentais a esse processo. Entra em cena o acúmulo do conhecimento para ser descartado, quando não for mais necessário medi-lo.
A educação tornou-se, portanto, competitiva, desumana e o conhecimento cumulativo. O conhecimento não se transforma em saber, passa a ser mero produto para ser descartado, quando não servir mais para os testes que o nosso sistema econômico/educacional implantou no mundo. Para que serve uma educação que apenas mede o acúmulo de conhecimento? Como fica ação dos professores? Que seres humanos estão por trás de uma educação que des-humaniza? Quantas crianças e jovens, além de professores, estão doentes, hoje? São doenças psicossomáticas, autoimunes, doenças de relacionamento: bullying, depressão, estresse que acometem nossos alunos durante e pós o período escolar, marcas que ficam na pele, difíceis de tratar. Por que toda a sociedade age dessa forma? Queremos ter, cada vez mais, e educamos para o poder e o ter desmedido. Vivemos a inversão de todos os valores. Já passamos da fase do "mal estar da civilização" de Freud. Estamos voltando à barbárie? Numa sociedade que perde de vista o humano, sua sensibilidade resta o desumano. Para onde caminhamos? A resposta é clara: precisamos decrescer - urgentemente, como aponta Latouche7:
"A palavra de ordem 'decrescimento' tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro senão a busca do lucro por parte dos detentores do capital, com consequências desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade. Não só a sociedade fica condenada a não ser mais o instrumento ou o meio da mecânica produtiva, mas o próprio homem tende a se transformar no refugo de um sistema que visa a torná-lo inútil e a prescindir dele."7
Outro exemplo que podemos citar é referente à dificuldade de aprendizagem. A criança que apresenta alguma dificuldade é olhada como portadora única do problema, compete a ela resolvê-lo, caso contrário vira um aluno rotulado, aprisionado, sem capacidade de sair do lugar que lhe ditaram. Essa visão novamente é local e individual, perde-se de vista o sujeito como um todo, reduzindo-o a um aluno com dificuldades, estigmatizado, reduzido ao não-saber e ao sofrimento.
Já na medicina, a relação médico-paciente repete a relação de poder e saber do professor-aluno. Basta olharmos para as "n" especialidades médicas que existem. Os especialistas tornaram-se exímios em olhar para as partes. Se alguém está com algum problema nos rins, por exemplo, eles é que devem ser olhados, independentemente, do sujeito que os carrega. É tudo muito local, prático e pragmático, como se o ser humano fosse uma máquina, um ser lógico. Essa é a visão de mundo que impera: fragmentada, compartimentada, a valorização de cada parte, sem conexão com o todo, privilegiando a competição, a luta, a individualidade. Sob essa visão de mundo que opera com as leis da matemática, temos uma visão positivista da realidade, que permite a objetividade e o rigor nas ciências, uma visão de mundo mecanicista, uma visão ilusória sobre a neutralidade científica. Esse movimento tem nos levado a um mundo de crises individual, social, política, ambiental, uma crise global que ameaça a todos e ao planeta. De acordo com Latouche7, está mais do que na hora de mudarmos o foco:
"O altruísmo deveria prevalecer sobre o egoísmo, a cooperação sobre a competição desenfreada, o prazer do lazer e o éthos do jogo sobre a obsessão do trabalho, a importância da vida social sobre o consumo ilimitado, o local sobre o global, a autonomia sobre a heteronomia, o gosto pela obra sobre a eficiência produtivista, o sensato sobre o racional, o relacional sobre o material, etc. Preocupação com a verdade, senso de justiça, responsabilidade, respeito da democracia, elogio da diferença, dever de solidariedade, vida espiritual: eis os valores que devemos conquistar a qualquer preço, pois são a base de nosso florescimento e nossa salvaguarda para o futuro."7
Atualmente, estamos lutando por uma nova visão de mundo mais adequada às novas descobertas científicas e à vida que tem se desenvolvido. Estamos sob um novo paradigma ainda trabalhado de forma teórica, temos de divulgá-lo para que possamos vivenciá-lo no dia-a-dia de nossas vidas, seja na escola, na profissão que exercemos, no médico em que nos consultamos, em todas as relações que possamos estabelecer. A escola precisa se rever e abrir espaços para a humanização das relações. Será preciso ensinar a empatia, a inteligência emocional, a sensibilidade e a ética, urgentemente.
Em todos os campos das ciências contemporâneas, temos observado novas descobertas e uma adesão ao novo paradigma, pois as descobertas têm conexão e estão convergindo para o nosso conhecimento como seres humanos irmanados, como uma só pessoa, na comunidade humana.
Até mesmo na linguagem, em seu vocabulário, já percebemos as diferenças. Se antes falávamos em fragmentação, individualidade, em conhecimento das partes, em especialidades e especificidades, em objetividade, em rigor científico, agora, falamos em rede, conexão, interação, multiplicidade, interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, conhecimento transversal, co-responsabilidade, co-construção, possibilidades, diversidade, sistemas. Um vocabulário voltado para as relações que estabelecemos com a vida, de forma coletiva, cooperativa, complementar, ética, co-responsável.
Parece haver uma convergência ao que foi separado: ciência e religião. Penso que seria melhor falarmos em ciência e espiritualidade.
Assim, estivemos agindo e estamos frente à nossa casa, o nosso planeta - Terra - que sob o paradigma moderno, é visto como um planeta apenas, sem a menor ligação com nossas vidas. Estamos no planeta, quando deveríamos pensar que somos o planeta e que, por isso, requer cuidados. Temos de ser pela vida. Seja ela como for, de quem for, onde for, de forma ética. Somos seres de relações e de aprendizagem: a vida é construção, um processo de aprendizagem o tempo todo.
O novo paradigma, o da Pós-modernidade, nomeado por paradigma sistêmico ou holístico, rejeita essa velha visão de mundo, partindo, portanto, de novos pressupostos como interação e relações; uma visão sistêmica, cuja proposta é a inter-relação do homem com a natureza e sua saúde física, mental, emocional e espiritual.
CONEXÕES: A DOENÇA NASCE NA ALMA E VAI PARA O CORPO
Cada parte do universo está em nós, em cada um de nós, portanto, somos o universo, estamos todos conectados. E o que nos conecta? A energia, essência da vida.
Vivemos num mundo material e também somos matéria. A matéria é formada por átomos - qualquer matéria (animal, vegetal, mineral) - e um dos componentes essenciais à matéria é o átomo formado por prótons, nêutrons elétrons. Seu núcleo é formado por energia condensada. Logo tudo que existe no universo é feito de energia, desde a caneta com que escrevemos, às estrelas, os grãos de areia, até nossos ossos... O mundo material é constituído por um conjunto de moléculas, ou seja, de átomos - que é energia condensada.
O que significa, então, energia condensada? Energia significa força, potência, capacidade de realizar trabalho. Dessa forma, dentro de cada átomo (que nos forma) há energia e as partículas que o compõem vibram o tempo todo, estão em movimento. Se pudéssemos ver as coisas, as pessoas, em um nível macroscópico, veríamos pontos em vibração contínua, o que possibilita nossa materialidade.
Tudo é vibração - energia - nossos corpos, também, são feitos a partir da vibração de energia que emanamos constantemente. Somos pequenos pontos de moléculas em vibração coesa e contínua - o que nos dá a impressão da materialidade. Tudo no universo vibra, se movimenta em diferentes velocidades.
Hoje, a ciência contemporânea tem comprovado que a mente e o cérebro são independentes e que mesmo após a morte do cérebro, a mente continua a se manifestar. Compreendemos, também, que a mente tem a capacidade de alterar a matéria. Somos seres que pensam e os nossos pensamentos circulam por todo nosso corpo e fora dele. Logo, na teoria quântica que estuda o comportamento da matéria e da energia em nível subatômico, o pensamento é energia que pode transmitir para o cérebro físico vibrações de nossos impulsos, emoções e sentimentos positivos ou negativos.
Por meio de estudos, como os de IRMF - Imagens por Ressonância Magnética Funcional e EEGQ - Eletrencefalografia Quantitativa - que mede as correntes elétricas na superfície do escalpo - refletem os registros gráficos das ondas cerebrais, essas ondas podem ser estaticamente analisadas, traduzidas em números e depois reproduzidas como um mapa colorido. A partir desses estudos, já se sabe que muitas ondas de energia como a beta são típicas de forte atividade consciente e muitas ondas teta são típicas dos estados de meditação profunda. Ainda se sabe que o padrão de onda cerebral lenta (ondas teta) não é exclusivo da tradição cristã, foi encontrado em iogues hindus e monges budistas, portanto, parece ser uma característica de misticismo generalizada, ou seja, uma forma de conexão com o que nos transcende, com uma energia supramental. De acordo com Beauregard & O'Leary8:
"Como vimos, várias linhas de comprovação demonstram que os fenômenos mentais alteram significativamente a atividade cerebral. Essas linhas incluem nossos estudos de IRMF sobre observação emocional objetiva e o impacto da terapia comportamental cognitiva na fobia de aranha, além dos estudos de neuroimagens funcionais do efeito placebo. Os resultados dessa última série de estudos deixam bem claro que a atividade cerebral pode ser motivada pela crença e pela expectativa mental do paciente em relação a um tratamento médico proposto. Para interpretar os resultados desses estudos, precisamos de uma hipótese que explique a relação entre a atividade mental e a atividade cerebral. A hipótese de tradução psiconeural é uma delas. Postula que a mente (o mundo psicológico, a perspectiva da primeira pessoa) e o cérebro (que faz parte do chamado 'mundo material', a perspectiva da terceira pessoa) representam dois domínios diferentes em termos epistemológicos que podem interagir porque são aspectos complementares da mesma realidade transcendental. A hipótese da tradução psiconeural reconhece que os processos mentais (tais como vontades, metas, emoções, desejos e crenças) são neuralmente demonstrados por exemplos no cérebro, mas afirma que não são idênticos nem podem ser reduzidos a processos neuroelétricos e neuroquímicos. Na verdade, os processos mentais - que não são passíveis de localização no cérebro - não podem ser eliminados."8
Recentemente, cientistas conseguiram, também, uma forma de fotografar o percurso do pensamento em três dimensões, como um holograma - tomografia por emissão de pósitron - conhecida como PET. Na tela se vê que a imagem formada a cada pensamento, se modifica. Daí compreendermos que, na Teoria Quântica, pensamento é igual energia que tem vibração, o que cria e materializa nossos pensamentos, o que cria, portanto, o mundo material.
Portanto, se apresento um pensamento distorcido, posso criar uma molécula distorcida - aqui pode se dar o início de uma doença. A doença, então, não nasce no corpo, como muitos cientistas materialistas acreditam, vem d'alma, de nossas emoções, pensamentos e se aloja no corpo, por um desarranjo molecular. Pensamento é energia em alto grau de velocidade e o pensamento está dentro e fora de nós - ele vibra com o universo. Daí conclui-se que a matéria gera energia, que gera consciência.
Tudo dentro ou fora de nós, já que estamos todos conectados (somos um), depende do que valorizamos, cremos e pensamos. Somos seres de energia, portanto, podemos transformar, alterar a realidade - pois existe uma conexão entre pensamento e realidade. A cada dia, compreendemos mais e mais que nossos pensamentos criam o universo físico. Toda a ciência, tudo o que construímos nasce em nosso pensamento primeiro e daí concretizarmos no mundo físico. É fundamental que entendamos a importância e as implicações dessa energia em nossas vidas, ou seja, matéria = energia = consciência ou consciência = energia = matéria.
O pensamento atua e modifica todo o processo vibratório de energia dentro e fora daquele que pensa. Podemos dizer que o observador altera a coisa observada, sempre. Dessa forma, nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossas emoções - que são vibrações - criam um transtorno sobre a matéria em que são projetadas. Sendo assim, é necessário alinharmos pensamento/ sentimento/emoção, para acessarmos o equilíbrio de nossos corpos.
Não podemos esquecer que a matéria é movida pela energia e a energia por nossa consciência. Nossa observação, nossa atenção e nossa consciência sobre nós mesmos têm a capacidade de interferir em nosso processo de desenvolvimento. Por isso, devemos ter cuidado com o que pensamos e pensar de forma positiva, é preciso tornar nossos pensamentos alinhados com o que é positivo.
A atenção é a focalização da consciência que é a manifestação no mundo por meio da matéria; das situações, dos fatos - a consciência processa realidades - sob o foco da consciência, as coisas se concretizam. Nesse sentido, tudo o que determinamos por meio de nossos pensamentos, o universo conspira e realiza; pois a energia que usamos para isso obedece à informação do pensamento. Portanto, é preciso crer para ver, já que somos o que pensamos - temos não o que queremos, mas o que cremos. Assim, devemos cuidar, além de nossas ações, atitudes, de nossos pensamentos que geram a materialidade.
Hoje, já sabemos que a frequência energética mais alta é o Amor; pois ele impacta no ambiente de forma material - produz transformações no ambiente em que nos cerca e, até mesmo, em nosso DNA. Podemos compreender tudo isso do ponto de vista da ciência contemporânea, especialmente por meio da física quântica ou por meio das religiões (ocidentais e orientais) que o homem construiu ao longo dos séculos. Entretanto, uma coisa é certa, não é mais possível negar que temos uma dimensão que nos conecta a algo muito maior de onde emanamos. Com certeza, uma energia tão positiva que irradia Amor. Logo, essa é a frequência com que devemos nos conectar para evoluirmos como seres humanos.
Esse é o momento de articularmos os saberes, sejam eles científicos ou espirituais, porque tudo isso faz parte da condição humana, assim como ter um inconsciente. Dessa forma, Codo3 nos traz uma ampliação sobre a compreensão do burnout:
"Paradoxalmente, o que significou uma certa crise de identidade das ciências físicas e biológicas trouxe um alento vigoroso para as ciências humanas, afinal, esta foi a nossa dificuldade, sempre soubemos que os fenômenos que nos tiram o sono são multideterminados, agora temos modelos melhores de análise, e, o que é melhor, podemos conversar sem a presença incômoda do riso irônico de nossos colegas dedicados às ciências exatas. A nossa ciência continua não sendo exata, mas agora a deles também deixou de ser, ambos sabemos que a busca é a multideterminação, ambos deixamos de buscar a "A Relação", e passamos a investigar as múltiplas inter-relações."3
Esses saberes que nos compõem precisam ser divulgados e recuperados, para darmos conta de uma vida melhor, nesse planeta, nesse momento. Somos todos aprendizes de um novo paradigma em que a vida é muito maior do que pensamos: somos mais do que a matéria e navegamos pelos tempos trocando aprendizagens. Somos uma forma de energia que emana da Criação.
Podemos finalizar com Codo3 e deixarmos a seguinte reflexão "O caminho mais difícil e também o mais prazeroso é o de enfrentar o desafio, mudar as perguntas, encontrar novas respostas."3
DEPOIMENTOS
Consideramos relevante trazer as falas de uma professora e de uma psicopedagoga para a ilustração desse trabalho:
"Os nossos encontros me trouxeram como principal aquisição a ideia clara e cristalina de que a pesquisa, assiduidade em nossas leituras e, principalmente, a reflexão compartilhada, nos traz conhecimentos e recursos outros que, por vezes, no dia-a-dia, nos escapam. Também esclareceram que, na minha prática profissional, eu preciso estar sempre atualizada em relação aos recursos intelectuais que minha práxis exige, como também de troca com os outros, porém mantendo o meu equilíbrio emocional, portanto olhando sempre para dentro de mim. Às vezes em que falávamos de autores e de textos preocupados com nosso desempenho, na maioria delas ou quase sempre, estavam vinculados à visão do homem como um todo, suas ações de cordialidade e desprendimento para com o mundo, destacando o respeito às diversas categorias de problemas e situações psicossomáticas, num processo incessante de inclusão. (...) O leque de possibilidades de leitura e de pesquisas, o conhecimento de áreas pelas quais nunca havia caminhado e o empenho das pessoas que participaram dos encontros foram determinantes para o estímulo de minha vontade de estar junto, de sair na minha folga disciplinadamente para ir ao encontro de algo que me preenchia, me desafiava e me deixava inquieta em relação às coisas que ia aprendendo, socializando e descobrindo. A reflexão de situações como inclusão, respeito, autoconhecimento, ciência, religiosidade, responsabilidade, curas através do autoconhecimento com a ajuda da física quântica, percepção do outro, identidade, nos fizeram sabedores de que é necessário o exercício constante da reflexão, a fim de podermos agir o mais coerentemente possível, quer seja na nossa prática profissional, como em nossa vida pessoal.
Lucila F. - professora
"Fiquei muito feliz ao iniciar o trabalho com o grupo. Para mim, é um espaço para o desenvolvimento pessoal e profissional. O primeiro estudo foi muito pertinente ao que estamos vendo e vivenciando nas escolas enquanto profissionais. O texto que tratou da síndrome de burnout trouxe reflexões para identificar em nós e nos professores, de maneira geral, o empobrecimento de estímulos profissionais, o desgaste que é angariado com o passar do tempo de trabalho. (...) conversamos sobre os caminhos que o ser humano traça sua história, no que ele acredita ou não, do que é importante na vida ou não, valores, pensamos sobre o capitalismo, o consumismo, a correria do dia-a-dia, a falta de amor nas relações profissionais e para consigo próprio, no desgaste interior que conduz à doença. Doenças que se iniciam na alma e depois atingem o corpo físico. (...) Assim, concluo dizendo que os momentos que passamos nas discussões foram esclarecedores, principalmente, um ponto de encontro para trocarmos e dividirmos nossos anseios, dores e sonhos."
Mara L. R. - psicopedagoga
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estamos a todo tempo agindo, tomando decisões por termos um paradigma que nos rege e que nos faz caminhar. O homem é um ser de relações e, por isso, não vive sem o outro. Essa é a lei do humano: viver relações, cujo objetivo maior é a aprendizagem. Precisamos do outro para nos compreendermos e para aprendermos a vida.
Essas são questões que nos propõem um exercício de reflexão e que nos comprometem com a vida que temos em nossas mãos. Talvez o único sentido de estarmos aqui nesse mundo: compreender para nos aperfeiçoarmos, constantemente, enquanto seres humanizadores, seja quais forem as relações estabelecidas e iluminarmos os caminhos daqueles que por nós passam.
Estamos iniciando um novo século, uma nova era, um momento em que o homem busca seu autoconhecimento, bem como o movimento do ser com o cosmo, uma busca pela espiritualidade, por uma ética humanizadora. Começamos a pensar o planeta como nossa casa, casa do humano, da vida humana. Toda e qualquer atitude inadequada conjunta e/ou isolada frente à vida e ao planeta pode nos colocar em risco; pois somos parte intrínseca da natureza e qualquer dano a ela recairá sobre nossas vidas.
Precisamos transformar a educação como ponte para esses novos valores, e o professor é essencial nesse processo. Cabe a ele pôr em andamento a nova perspectiva, por isso é fundamental que sua saúde emocional, física e espiritual seja redimensionada por meio de espaços reflexivos, onde a troca reflexiva por meio da conversa possa transformar suas relações de forma equilibrada e apoiada. Ao final dessa primeira etapa, percebemos que o professor não pode caminhar sozinho, precisa do acolhimento emocional, por meio de espaços (dentro ou fora da escola) que propiciem a conversa, a troca, para enfrentar o dia-a-dia e usar da criatividade, da esperança, da possibilidade de transformar a escola num espaço mais humanizado.
REFERÊNCIAS
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Correspondência:
Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini
Av. Moema, 170 - cjto. 51
São Paulo, SP, Brasil - CEP: 04077-020
E-mail: rossana_angelini@hotmail.com
Artigo recebido: 8/6/2011
Aprovado: 3/9/2011
Trabalho realizado no Instituto Paulista de Desenvolvimento Profissional (IPDP), São Paulo, SP, Brasil.