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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.88 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A eficácia das oficinas de estimulação em um modelo de resposta à intervenção

 

The effectiveness of the workshop stimulation in a model of response to intervention

 

 

Bartira SilvaI; Thamires LuzI; Renata MousinhoII

IFonoaudióloga, graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIFonoaudióloga; Pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora e mestre em Linguística pela UFRJ; professora da Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ; Coordenadora do projeto ELO: escrita, leitura e oralidade UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS: Este trabalho comparou a velocidade de leitura e compreensão das crianças e adolescentes avaliados, em dois momentos: antes e depois das oficinas, por meio da proposta de Resposta à Intervenção fonológica, considerando-se também tipo de intervenção e diferentes diagnósticos.
METODOLOGIA: Foram coletados resultados de avaliação e reavaliação da velocidade de leitura oral e compreensão textual em 19 crianças, do 3º ao 7º ano escolar, que ficaram em oficina de fonoaudiologia e pedagogia no período 2010-2 a 2011-1. Foram realizados dois experimentos. Experimento 1: a eficácia das oficinas foi estabelecida pela comparação pré e pós-teste. Realizou-se o refinamento do experimento 1 pela análise da eficácia das oficinas por diagnósticos. Experimento 2: dividiu as crianças em dois grupos: intervenção individual (G1) e em grupo (G2).
RESULTADOS: No experimento 1 houve diferença estatisticamente significante na comparação pré e pós-teste nos parâmetros velocidade e compreensão de leitura. Ao refinar a pesquisa, não se observou diferença estatística por diagnóstico. Já no experimento 2 não foi verificada diferença estatisticamente significante entre G1 e G2.
DISCUSSÃO: Ao considerar a velocidade de leitura oral e a compreensão, a eficácia das oficinas corrobora outros estudos. Várias pesquisas ressaltam a importância dos diferentes tipos de intervenção e a relevância deste para a identificação diagnóstica.
CONCLUSÃO: Independente do diagnóstico e proposta de intervenção, todas as crianças apresentaram melhora relevante no pré e pós-teste em relação a velocidade e compreensão de leitura. A eficácia similar na intervenção em grupo e individual demonstrou que a primeira proposta pode ajudar a suprir a alta demanda do SUS na área.

Unitermos: Dislexia. Leitura. Aprendizagem.


SUMMARY

INTRODUCTION AND OBJECTIVES: This study compared the speed of reading and reading comprehension in students evaluated in two periods: before and after the workshops, through the Response to Intervention - Phonological Program, considering also the kind of intervention and different diagnoses.
METHODS: We collected the results of assessments and reassessments of the speed of oral reading and reading comprehension in 19 children, from the 3rd to 7th grade, who were in speech therapy and teaching workshops in the period 2010-2 to 2011-1. Two experiments were conducted. Experiment 1: the effectiveness of the workshops was observed when comparing pre and post-test. We carried out the refinement of an experiment analyzing the effectiveness of workshops as diagnostics. Experiment 2: it divided the children into two groups: individual intervention (G1) and group intervention (G2).
RESULTS: In experiment 1, there were significant differences when comparing pre-and post-test in reading speed and comprehension. By refining the search, there was no statistical difference by diagnosis. All students had increased speed reading and reading comprehension. In the second experiment was not achieved difference statistical significant between G1 and G2.
DISCUSSION: When considering the speed of oral reading and comprehension, the effectiveness of workshops corroborates other studies. Several studies highlight the importance of different types of intervention and the relevance of this for the diagnostic identification.
CONCLUSION: Independent of diagnosis and intervention proposal, all students showed significant improvement in pre and post-test in relation to speed and reading comprehension. The similar efficacy in the group and individual intervention shows that the first proposal may help to answer the high demand in the Unified Health System (SUS).

Keywords: Dyslexia. Reading. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

A escola é uma construção da sociedade, tem por objetivo trabalhar com a educação de forma sistematizada e organizada nos padrões da cultura erudita1. Ainda predomina a visão de que na escola encontra-se um lugar harmônico onde o aluno encontrará condições ideais para desenvolver o seu potencial2.

É considerado sucesso escolar quando o aluno adquire o conhecimento científico e consegue aplicá-lo, de forma que este contribua para sua vida, trazendo mais qualidade para si e para os de seu entorno, tornando-se assim um indivíduo com condições de refletir e atuar criticamente na sociedade1.

Fracassar é definido pelo dicionário como despedaçar com estrépito; falhar. Fracasso é estrondo de coisa que se parte ou cai; mau êxito; malogro3. Como o dicionário aponta, o fracasso escolar não é um simples mau êxito, é uma estrondosa falha que poderá trazer consequências desastrosas como reprovação, aprovação com índice insuficiente de aprendizado e até evasão escolar1.

A essência para o sucesso escolar está na aquisição da leitura e da escrita4. Diversos fatores são responsáveis pela dificuldade no aprendizado da leitura e da escrita, entre eles problemas emocionais, auditivos, visuais, linguísticos, sociais, dificuldade na fala, ambiente familiar e escolar pouco estimulante, dentre outros. A literatura relata que crianças com dificuldade de leitura-escrita não necessariamente têm alguma dessas comorbidades relacionadas. A dislexia e o distúrbio de aprendizado destacam-se por serem dificuldades no aprendizado da leitura-escrita4.

A dislexia é um distúrbio específico de leitura e de escrita de ordem neurológica devido a má formações corticais e subcorticais, envolvendo as áreas de Werneck, Broca e adjacentes5. A questão principal da dislexia está no componente fonológico5, nas habilidades do processamento temporal.

Já no distúrbio de aprendizagem há uma alteração neurológica que influencia na capacidade cerebral de recepção e processamento de informações, dificultando um aprendizado eficaz. Essa alteração pode comprometer os níveis linguísticos, causando falhas nas habilidades fonológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas. Essas "dificuldades são significativas na aquisição e uso da capacidade de atenção, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas"6.

Ambos os diagnósticos afetam o processamento temporal que contribui para o aprendizado de leitura e escrita7, entretanto, outros aspectos interferem na aquisição desse processo, como, por exemplo, o sistema visual, o desenvolvimento psicomotor e cognitivo, as práticas educativas, dentre outros.

O processamento temporal é uma habilidade cortical responsável por discriminar e decodificar os sons8. Este é composto por uma tríade de habilidades fonológicas: acesso lexical, memória de trabalho fonológica e consciência fonológica. O acesso lexical envolve uma busca rápida e precisa às informações fonológicas existentes no léxico mental9. Já a memória de trabalho fonológica é o armazenamento temporário de uma informação fonêmica9. A consciência fonológica é a capacidade de segmentar e manipular estruturas que abrangem o nível silábico e o nível fonêmico10.

Vários autores têm argumentado que é benéfico para as crianças serem treinadas em habilidades de consciência fonológica antes de aprenderem a ler11-14. Alguns estudos tiveram êxito na habilidade de leitura por meio do treinamento de habilidades fonológicas, tais como o ritmo e a consciência fonêmica13.

A Resposta à Intervenção (Response To Intervention), abreviada como RTI, é uma proposta de intervenção usada nos Estados Unidos que consiste em fornecer assistência às crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem15.

Esse método de Resposta à Intervenção busca identificar precocemente dificuldades no aprendizado através de várias etapas. É constituído inicialmente por uma triagem universal em que todas as crianças participam e seguem para as outras etapas do programa, aquelas crianças que não apresentam uma resposta satisfatória. Essas crianças ficam em estimulação intensiva num curto prazo de tempo, em que é feito o monitoramento da resposta. Através disso, pode-se verificar se o mau desempenho está relacionado a não adequação à metodologia de ensino, questões comportamentais ou dificuldades específícas de aprendizado16.

Os programas de Resposta à Intervenção fonológica surgiram no Brasil na década de 801, por meio desse programa são realizadas avaliações que buscam comparar a aprendizagem da leitura pré e pós-treinamento. Esse programa tem por objetivo o treinamento de habilidades cognitivo-linguísticas17.

Este trabalho objetiva comparar o nível de leitura das crianças e adolescentes avaliados, utilizando como parâmetros a velocidade e compreensão de leitura, em dois momentos: antes e depois das oficinas. Também visa comparar a eficácia dos atendimentos individuais com a dos participantes das oficinas e entre os diferentes tipos de diagnósticos, além disso, contribui para o campo de pesquisas nacionais, já que muitos artigos alegam escassez de publicações nacionais nessa área18,19.

 

MÉTODO

O centro de referência de distúrbio de aprendizado e dislexia ELO-UFRJ tem por objetivos, identificar e diagnosticar crianças com transtorno de aprendizagem. Trata-se de uma proposta interdisciplinar, envolvendo as áreas de fonoaudiologia, neurologia, neuropsicologia, psicopedagogia, e do processamento auditivo central. Após a primeira avaliação interdisciplinar, quando se constata que o indivíduo tem perfil para o atendimento, é convidado a participar de oficinas de fonoaudiologia e psicopedagogia, no qual permanece por um semestre letivo.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do INDC, sob o número 009/10. Foram coletados os resultados de avaliação e reavaliação de 19 crianças e adolescentes, de ambos os sexos, que ficaram em oficinas no período 2010-2 e que fizeram reavaliação em 2011-1. A idade variou de 9 a 14 anos, com média de 10,6 anos (DP 2,09), e a escolaridade abrangeu do 3º ao 7º ano.

No experimento 1, foram feitas avaliações e reavaliações das 19 crianças e adolescentes nas quais se comparou a velocidade de leitura oral e a compreensão textual. A partir do princípio de Resposta à Intervenção, lançou-se mão de métodos de intervenção na qual se propôs traçar um comparativo do antes e depois.

Neste experimento, a proposta das oficinas visou estimular a consciência fonológica e narrativa por meio da leitura-escrita durante um período de um semestre letivo, com objetivo não só de alavancar o desenvolvimento, mas também de confirmar o diagnóstico. Por meio de uma reavaliação e do progresso apresentado, a equipe interdisciplinar poderia levantar o diagnóstico de dislexia, distúrbio de aprendizagem, disortografia ou algum outro fator que também comprometesse o aprendizado, ou descartar a hipótese diagnóstica e levantar uma série de questões como: não adequação à proposta pedagógica escolar, problemas psiquiátricos, questões emocionais, entre outros.

Numa análise mais refinada do experimento 1, buscou-se comparar a velocidade de leitura oral e de compreensão, considerando-se a distinção entre os diagnósticos. Ressalta-se que a conclusão diagnóstica foi dada por uma equipe interdisciplinar composta por neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, neuropsicólogos e psicopedagogos. Das 19 crianças, 10 apresentaram diagnóstico de dislexia, 6 de distúrbio de aprendizagem e 3 foram classificadas como outros diagnósticos. Cabe destacar que ambos os diagnósticos são considerados transtornos do aprendizado, mas que a dislexia refere-se a uma dificuldade específica de leitura, relacionada ao processamento fonológico, enquanto o distúrbio de aprendizagem é uma dificuldade que não está limitada à leitura e que abrange também outros níveis linguísticos20. Fazem parte do quadro de outros diagnósticos: disfunção executiva, déficit cognitivo e transtorno de linguagem oral que interfere secundariamente no aprendizado.

No experimento 2, os 19 indivíduos foram divididos em dois grupos, de acordo com o tipo de intervenção. Seis indivíduos participaram somente do atendimento fonoaudiológico individual, 50 minutos, uma vez por semana (G1). Esses indivíduos não participaram das oficinas de grupo, sendo submetidos ao RTI individualmente. Os outros treze escolares participaram das oficinas em grupos pequenos (máximo de 4 participantes), de fonoaudiologia e outra de pedagogia, de 40 minutos cada uma (G2). Comparando-se os resultados das reavaliações e avaliações, quantificou-se, através da diferença entre elas, a evolução na leitura oral e na compreensão.

Foi utilizada, dentre as avaliações fonoaudiológicas, a avaliação da leitura oral considerando tempo de leitura e nível de compreensão. Para tal, lançou-se mão de um texto narrativo proposto por Capellini e Cavalheiro21, composto por 732 palavras, cujo parâmetro de análise foi a média de palavras lidas por minuto (PPM). Para a compreensão oral, foram realizadas cinco perguntas eliciadoras relativas ao mesmo texto, no qual cada uma valia 20% de acerto.

 

RESULTADOS

O experimento 1 buscou comparar o desempenho de leitura das 19 crianças antes e depois das oficinas de estimulação, considerando as variáveis: velocidade de leitura oral (palavras lidas por minuto - PPM) e a compreensão textual (resposta a 5 perguntas eliciadoras).

Como se pode observar na Tabela 1, por meio do teste t de Student para amostras pareadas, foi observada significativa melhora na velocidade de leitura oral. A compreensão também apresentou significância estatística após as oficinas. Tais resultados revelam eficácia das intervenções propostas.

Foi proposto um estudo mais detalhado do experimento 1, por meio de análise comparativa entre os diagnósticos. Compararam-se a variável velocidade de leitura oral e compreensão em relação ao diagnóstico de dislexia, distúrbio de aprendizagem e outros diagnósticos, que englobaram disfunção executiva, déficit cognitivo e transtornos de linguagem oral.

Embora todos os grupos apresentassem melhora após oficinas, por meio do teste t de Student para amostras independentes (Tabela 2), a velocidade de leitura oral não apresentou significância estatística (p=0,368) ao se comparar dislexia com o distúrbio de aprendizado, tendo o grupo de dislexia apresentado maiores ganhos. Quando se comparou dislexia com outros diagnósticos, a velocidade de leitura oral apresentou significância estatística (p=0,046) e isso se deve aos resultados bastante positivos em ambos os grupos, apesar de superiores neste último grupo. Já comparando distúrbio de aprendizado com outros diagnósticos não houve significância estatística (p=0,467), uma vez que este último grupo evidenciou um crescimento bastante superior ao se comparar a média de antes e depois das oficinas, obtendo um ganho duas vezes maior do que antes da estimulação.

Na Tabela 3, verificou-se que todos os grupos se beneficiaram do RTI ao observar-se a variável compreensão, pontuada de 1 a 5, sendo este último o melhor resultado possível. A melhora na compreensão não apresentou significância estatística quando se comparou dislexia com distúrbio de aprendizado (p=0,091), dislexia com outros diagnósticos (p=0,940) e distúrbio de aprendizado com outros diagnósticos (p=0,260). Apesar de não ter apresentado diferença estatisticamente significante, o nível de compreensão textual, bastante diverso na primeira avaliação, demonstrou-se similar nos três grupos investigados.

No experimento 2, procurou-se comparar a eficácia das duas propostas de intervenção, na intervenção individual (G1) e nas intervenções em grupo em fonoaudiologia e pedagogia (G2), considerando-se como parâmetros a velocidade de leitura oral (PPM) e compreensão.

A fim de mensurar os ganhos, utilizou-se como referencial os valores resultantes da diferença entre as médias anteriores e posteriores à intervenção (Tabela 4). Quando G1 e G2 foram comparados, o teste Mann Whitney demonstrou que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos. Apesar de não ter sido estatisticamente significativa a diferença entre G1 e G2 no que tange ao ganho na compreensão de textos lidos, este último grupo apresentou qualitativa melhora que pode se refletir na clínica.

Sintetizando-se os resultados dos três experimentos, verificou-se que, no experimento 1, houve diferença estatisticamente significante quando se comparou a velocidade de leitura oral antes e após a intervenção, o que também foi visto ao se comparar a compreensão. Ao refinar a pesquisa, comparando-se os diferentes diagnósticos, não houve diferença estatisticamente significante entre eles, demonstrando que todos se beneficiaram com a intervenção. No experimento 2, quando se comparou o tipo de intervenção, só fonoaudiologia individual ou oficinas de grupo nas áreas de fonoaudiologia e pedagogia, também não foi observada diferença estatisticamente significante, demonstrando ganhos similares com ambos os estilos de intervenção.

 

DISCUSSÃO

Este trabalho visou fazer um comparativo da variável velocidade de leitura (palavras por minuto - PPM) e da compreensão textual pré e pós-oficinas de estimulação, entre os diferentes tipos de diagnósticos, bem como em intervenções individualizadas e de grupo. A população desse estudo esteve durante um semestre em estimulação fundamentada em um método de resposta à intervenção em que ao final do semestre foram feitas reavaliações e análise dos ganhos. O RTI é um meio de intervenção precoce para resolver os problemas acadêmicos, mais especificadamente os problemas de leitura22.

Descreve-se na literatura que o RTI é um modelo de intervenção valioso para as escolas, porque além de auxiliar na identificação precoce dos alunos com Dificuldades de Aprendizado, previne o insucesso escolar. Identificar alunos que não estão conseguindo acompanhar o nível da turma, proporcionando intervenções apropriadas, são características que os defensores do RTI enfatizam. Propõe-se que o RTI pode ter um papel importante na determinação de qualquer dificuldade de aprendizagem por assegurar uma instrução de qualidade e monitorar esse processo. Pondera-se também que indivíduos que possuem Transtornos do Aprendizado, mesmo exposto às mesmas oportunidades de educação e com idades semelhantes de indivíduos que não as possuem, apesar da melhora, as dificuldades mantêm-se persistentes23.

No presente estudo, as oficinas de estimulação demonstraram grande eficácia, refletindo em melhora na vida escolar, quando se comparou a velocidade de leitura oral em PPM antes e depois da intervenção fonoaudiológica, o que corrobora com uma pesquisa em que estudaram a quantidade de palavras lidas corretamente por minuto, pré e pós-treinamento24. Esses resultados são similares a pesquisas realizadas com estudantes com e sem dificuldades de aprendizagem, os quais após o programa de treinamento de consciência fonológica e leitura apresentaram desempenho superior nessas habilidades25.

Ao comparar a compreensão do texto lido mediante a intervenção, também se observou diferença estatisticamente significativa. Leffa26 afirma que a compreensão do texto depende de conhecimentos prévios de mundo e da capacidade de relacioná-los com o texto. Porém, assim como defendem alguns autores, nem todos os estudos descritos possuem o componente de compreensão27. O ensino de leitura eficaz incorpora dentre as habilidades de base, a fluência na decodificação de palavras para a compreensão do significado destas28. Um estudo com escolares do primeiro seguimento do Ensino Fundamental sugere a correlação positiva entre fluência de leitura e compreensão29. Outra pesquisa realizada com alunos da 8ª série de uma escola estadual em Minas Gerais demonstra, também, que mudanças no ensino de leitura, por meio de oficinas de estimulação, comparando pré e pós-treinamento, promovem significativa melhora na compreensão leitora dos alunos30. Estudos concluíram que déficits na consciência fonológica estão relacionados com as dificuldades de identificação de palavras, que geralmente vão resultar em dificuldades na compreensão de leitura de palavras e texto. Portanto, é possível que a melhora na consciência fonológica tenha se refletido secundariamente na compreensão31.

No presente estudo, ao se comparar a intervenção entre os indivíduos que possuíam diagnósticos diferentes, tendo como parâmetro velocidade oral, houve diferença estatisticamente significativa ao confrontar a variável dislexia com outros diagnósticos. É provável que isto se justifique pelo fato que outros diagnósticos englobem o déficit cognitivo, que apresenta desenvolvimento que se assemelha a uma criança típica, porém com o desenvolvimento mais lentificado32. Engloba, igualmente, o transtorno de linguagem oral, que é uma alteração que se manifesta por imaturidade de linguagem, incluindo a fonológica, que pode afetar o aprendizado da leitura e escrita, existindo estudos que já apontam o desempenho desses indivíduos em leitura abaixo do esperado para a idade33. Também inclui a disfunção executiva, que se caracteriza por apresentar falhas na atenção e na memória, além de desordem nas ações34, enquanto a dislexia é uma alteração própria de leitura e não secundária35. Isso mostra porque ambos tiveram ganhos, porém outros diagnósticos obtiveram superior ao de dislexia. Mais persistência na evolução após intervenção de base fonológica em crianças com dislexia também foi encontrada em outra pesquisa brasileira, na proposta de resposta à intervenção36.

Numa análise comparativa de dislexia e distúrbio de aprendizagem, distúrbio de aprendizagem e outros diagnósticos em relação à velocidade de leitura oral, não se observou diferença estatisticamente significativa, o que pode demonstrar que distúrbio de aprendizagem também apresentou ganho estatístico, porém não obteve a mesma proporção que dislexia e outros diagnósticos. O distúrbio de aprendizagem afeta a percepção e a compreensão da informação, podendo comprometer todos os níveis linguísticos6,37, tem por característica a necessidade de uma intervenção com uma abordagem mais diversificada, fatores que podem ser levantados em hipótese para o seu ganho proporcionalmente menor comparado aos demais em velocidade de leitura oral6. Considerando-se a compreensão, ao correlacionar os dados encontrados dos diferentes tipos de diagnósticos, não foi observada diferença estatisticamente significativa, o que significa que nenhum grupo se destacou, porém todos obtiveram ganhos.

Quando se comparou velocidade de leitura oral e compreensão textual entre as crianças atendidas individualmente em fonoaudiologia e as que participaram em oficinas em pequenos grupos, tanto na área da fonoaudiologia, quanto da pedagogia, não houve diferença estatisticamente significativa. Esse resultado pode ser de especial interesse, pois demonstra que com uma parceria entre profissionais da saúde e da educação, numa abordagem em grupo, é possível obter sucesso similar às intervenções individuais isoladas, suprindo, assim, parte da demanda de usuários do sistema de saúde público. Alguns autores defendem a importância dos educadores abraçarem o trabalho da Resposta à Intervenção e avançarem na sua implementação, por considerarem que as práticas serão positivas para as crianças e jovens38. Estudos com crianças da educação infantil do 1º grau, em que os alunos com instrução sistemática divididos em pequenos grupos de consciência fonêmica, decodificação e leitura fluente, também indicaram um crescimento na compreensão ou vocabulário39,40. É necessário que as crianças percebam a sua importância individual em um grupo, como também a do grupo para o seu desenvolvimento41.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo comparar o nível de leitura das crianças e adolescentes avaliados, utilizando como parâmetros a velocidade e compreensão de leitura, em dois momentos: antes e depois das oficinas. Também buscou comparar a eficácia dos atendimentos individuais com a dos participantes das oficinas.

A proposta de abordagem usado nesse projeto é conhecida como RTI, Resposta à Intervenção. Propõe-se que a RTI pode ter um papel importante na determinação das dificuldades de aprendizado, por assegurar instrução de qualidade e monitorar esse processo. Identificar alunos que não estão conseguindo acompanhar o nível da turma, proporcionando intervenções apropriadas, são características que os defensores do RTI enfatizam.

A partir da pesquisa, foi possível verificar que as oficinas de estimulação usando o modelo de Resposta à Intervenção foram eficazes, pois, ao se comparar as avaliações antes e depois da intervenção fonoaudiológica, verificou-se melhora nos parâmetros de velocidade de leitura em PPM (Palavra Por Minuto) e compreensão textual. Em um detalhamento do experimento 1, em que se comparou dislexia, distúrbio do aprendizado e outros diagnósticos, não se obteve diferença estatisticamente significativa, já que todos os grupos tiveram ganhos.

No segundo momento do estudo, quando se comparou a intervenção fonoaudiológica individualizada (G1) com a oficina em grupo de fonoaudiologia e pedagogia (G2), verificou-se que não houve diferença significativa entre eles. Tal resultado pode ser de especial interesse, pois demonstra que uma parceria entre profissionais da saúde e da educação, numa abordagem em grupo, possibilita a obtenção de sucesso similar às intervenções individuais, suprindo, assim, parte da demanda de usuários do sistema público de saúde.

Em decorrência da escassez de artigos publicados nessas áreas, e da relevância haja vista os ganhos nesta população, destaca-se a importância de ampliar o número de pesquisas nacionais sobre o assunto.

 

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Endereço para correspondência:
Renata Mousinho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Neurologia Deolindo Couto
Avenida Venceslau Brás, 95 - sala 18 - Botafogo
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22290-140
E-mail: renatamousinho@ufrj.br

Artigo recebido: 2/12/2011
Aprovado: 11/3/2012

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.