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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.30 no.91 São Paulo  2013

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Deficiência intelectual: doze anos de publicações na base SciELO

 

Intellectual disability: twelve years of publishing at SciELO base

 

 

Queila Guise MilianI; Rauni Jandé Roama AlvesII; Solange Muglia WechslerIII; Tatiana de Cássia NakanoIV

IPsicóloga, Mestranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), Campinas, SP, Brasil
IIPsicólogo, Mestrando em Psicologia pela PUCCAMP, Campinas, SP, Brasil
IIIPsicóloga, Professora Doutora do programa de pós-graduação em Psicologia da PUCCAMP, Campinas, SP, Brasil
IVPsicóloga, Professora Doutora do programa de pós-graduação em Psicologia da PUCCAMP, Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Realizar levantamento e caracterizar publicações periódicas nacionais sobre deficiência intelectual, nos últimos doze anos, da base de dados SciELO.
MÉTODO: Foram pesquisados alguns descritores que historicamente foram utilizados para referir-se à temática, como "deficiência mental", "retardo mental", entre outros, e o termo utilizado atualmente, "deficiência intelectual". Foram analisados 64 artigos.
RESULTADOS: De forma geral, verificou-se que: muitos estudos recentes ainda continuam utilizando termos retrógrados para referir-se à temática; houve aumento significativo na produção dos últimos cinco anos em relação ao início da década passada; o tema mais frequentemente pesquisado referiu-se a conceituação, inclusão e representação social; foram encontrados poucos estudos sobre avaliação, etiologia e epidemiologia da deficiência intelectual.
CONCLUSÃO: Ressalta-se que a pesquisa aqui realizada envolveu somente a base de dados SciELO que, apesar de sua representatividade nacional, ainda assim é apenas uma amostra do que vem sendo produzido sobre deficiência intelectual. Apesar de as publicações levantadas terem ido de encontro às necessidades mais comumente relacionadas ao quadro, constatou-se a necessidade de outros tipos investigações.

Unitermos: Deficiência intelectual. Artigo de revista. Base de dados.


ABSTRACT

OBJECTIVE: To survey and characterize national periodicals on intellectual disability in the last twelve years in SciELO base.
METHODS: We surveyed some descriptors that have been historically used to refer to the theme, such as "mental retardation," "mentally retarded", among others, and the term used today, "intellectual disability". Sixty-four articles were analyzed.
RESULTS: In general, it was found that: many recent studies are still using retrograde terms to refer to the subject; there was a significant increase in production over the last five years compared to the beginning of the last decade; the subject searched more frequently referred to conceptualization, social inclusion and representation; found few studies on the assessment, etiology and epidemiology of intellectual disability.
CONCLUSION: It is emphasized that the research conducted here involved only the SciELO database, which despite its national representation, yet is just a sample of what is being produced on the intellectual disability. Although publications have been raised against needs more commonly related to the frame, there was a need for other investigations.

Keywords: Intellectual disability. Journal article. Database.


 

 

INTRODUÇÃO

A compreensão sobre a deficiência intelectual vem se alterando nas últimas décadas, deixando para um passado remoto uma perspectiva mais atrelada ao senso-comum e assumindo gradativamente uma compreensão científica, comprometida com avaliações mais cuidadosas e sistemas de atendimentos mais eficazes1.

Atualmente, a American Association of Mental Retardation (Associação Americana de Retardo Mental, AAMR2) compreende a deficiência intelectual em uma perspectiva multidimensional, funcional e bioecológica, "caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, como expresso nas habilidades práticas, sociais e conceituais"3. Além dessa associação, outros sistemas também definem e classificam esse quadro, tais como a "Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde" (CID-10) (Organização Mundial da Saúde, OMS)4 e o "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais" (DSM-IV-TR) (American Psychiatric Association, APA)5, os quais, de modo geral, respeitam as definições propostas pela AAMR, ainda que dentro de uma abordagem mais organicista. De forma a contribuir, principalmente com a classificação proposta na CID-10, manual mais utilizado na área médica, a OMS propôs a "Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde" (CIF), que inclui, também, uma perspectiva ambiental e social, por meio de conceitos de funcionalidade6.

Além das concepções realizadas por grupos/associações e manuais diagnósticos, outras definições foram e ainda são formuladas, com um cunho mais sociopolítico ao compreender a deficiência como um problema social, gerado pela ausência de condições de igualdade para o exercício pleno do trabalho por parte dos deficientes. De acordo com Aranha7, tais visões costumam afirmar que o desenvolvimento de ações de adequação das condições práticas e instrumentais são determinantes na criação de um ambiente acessível a todos, sem que haja a necessidade da classificação "deficiência". Em última instância, ainda segundo a autora, a inclusão é vista como um conjunto de ações da sociedade e das organizações cujo objetivo seria oferecer condições de pleno exercício da cidadania e de desenvolvimento do potencial profissional das pessoas com deficiência, visando sua autonomia, acesso à informação, segurança, possibilidade de desenvolvimento, integração social, participação nas decisões e pertencimento organizacional.

Por outro lado, há aqueles que consideram a possibilidade da avaliação empírica desse quadro, baseando-se na premissa de que os padrões de normalidade definidos pelo saber médico funcionariam como meio de avaliar a deficiência, as capacidades e potencialidades das pessoas com deficiência8. No entanto, consideram que é preciso cuidado, já que muitas vezes esse pensamento predominantemente médico caracterizou a deficiência como um desvio da normalidade ou doença, situação que contribuiu e ainda contribui para a segregação dessas pessoas.

De acordo com Anache & Mitjáns9, ao se olhar para um lado mais prático da deficiência intelectual, verifica-se que tal quadro não tem sido tratado com expressividade no conjunto das produções científicas de diversas áreas, apesar de uma gama de profissionais que lidam com indivíduos deficientes em seus cotidianos reconhecerem a necessidade de melhores investimentos em tecnologias e pesquisas para melhor atender tal clientela. Dado esse quadro, ao ser salientada a necessidade de pesquisas na área, objetivou-se nesse estudo mapear a produção científica dos últimos doze anos de publicações periódicas nacionais no que diz respeito à deficiência intelectual. Optou-se por realizar esse levantamento na base SciELO, em razão de sua importância e relevância enquanto veículo de difusão do conhecimento científico nas áreas de Psicologia e da Educação em âmbito nacional.

A importância desse tipo de estudo baseia-se, de acordo com Santos10, na constatação de que uma caracterização da produção sobre determinada temática é de extrema utilidade para a comunidade científica e para a área aplicada, pois além de mostrar o que se tem pesquisado nos últimos tempos, bem como o que se tem de conhecimento, pode-se também apontar para um norte no campo das pesquisas científicas, sugerindo possíveis áreas e/ou assuntos dentro do grande tema que careçam de novas descobertas.

 

MÉTODO

Materiais

Artigos publicados sobre deficiência intelectual presentes na base de periódicos SciELO, dentro do período de 2000 a maio de 2012.

Procedimentos

Na base de dados da SciELO foram pesquisados, sob a limitação de tempo de 2000 a 2012, os seguintes descritores: deficientes, deficiente, deficiente mental, deficientes mentais, deficiente intelectual, deficiência, deficiência mental, deficiência intelectual, excepcional, atraso mental e retardo mental. O número total de artigos encontrados foi de 722. Todos foram lidos e, a priori, excluídos aqueles que não tratassem diretamente da temática da deficiência intelectual.

Com esse procedimento verificou-se que 297 artigos referiram-se a investigações diversas daquelas propostas nesse estudo, por exemplo, a deficiência de vitaminas ou de substâncias de plantas, presentes, em sua grande maioria, em periódicos das áreas de biológicas e de ciências da terra. Dessa forma, tais artigos foram excluídos da análise desse trabalho. Do mesmo modo foi possível notar que outros 361 artigos referiram-se a estudos nas áreas da fonoaudiologia e medicina, envolvendo, na maioria das vezes, trabalhos com/sobre deficiência auditiva, visual e de substâncias químicas, sendo também excluídos das análises do presente trabalho. Os 64 artigos restantes foram então selecionados, pois envolviam investigações sobre a deficiência intelectual, os quais foram analisados e classificados em relação às seguintes categorias: ano de publicação, temática, amostra, método e instrumento.

A categoria "ano de publicação" foi selecionada a fim de verificar a frequência de produções a cada ano e durante todo o período selecionado. A "temática" objetivava identificar os tipos de investigações que vêm sendo realizadas sobre a deficiência. No item "amostra", buscou-se levantar quais grupos de indivíduos vêm sendo investigados. A categoria "método" envolveu a identificação de quais métodos estão sendo utilizados na realização de pesquisas sobre a temática e, por fim, em "instrumentos" pretendeu-se levantar os materiais que foram utilizados para levantamento de dados nas pesquisas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A princípio uma discussão faz-se necessária: a utilização de diversos descritores no levantamento das publicações. Historicamente, verifica-se que foram utilizados inúmeros termos para referir-se à temática, dentre os mais frequentes encontram-se "deficiência mental", "atraso mental", "incapacidade mental", "criança excepcional", "retardo mental", sendo esse último ainda encontrado na CID-104 e no DSM-IV-TR5. Tal quadro somente começou a ser modificado na última década, mais especificamente no ano de 2004, quando a Organização Pan-Americana da Saúde e a OMS aprovaram a "Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual", que propôs o reconhecimento internacional do termo "deficiência intelectual". Nota-se que a Organização das Nações Unidas, em 1995, já havia proposto e utilizado esse termo, de maneira oficial, no simpósio Intellectual Disability: Programs, Policies, and Planning for the Future (Deficiência Intelectual: Programas, Políticas e Planejamento para o Futuro)11.

Dessa forma, ao selecionar o período de levantamento de artigos que abrangeu a presente pesquisa, o qual envolveu alguns anos antes do consenso realizado, e considerando-se o fato ainda comum nos dias atuais do uso de termos considerados retrógrados em pesquisas12, fez-se necessária a utilização dos vários descritores citados, de forma a se obter uma amostra mais fidedigna das produções sobre a temática.

Em relação aos resultados encontrados, pode-se observar na Figura 1 que houve aumento crescente de produções sobre o tema na última década. Especificamente, no que se refere a ano e frequência de publicação, é possível observar que, no período de 2000 a 2004, foi encontrada certa estabilidade de produções, sendo 2001 o ano que apresentou menor frequência, contabilizando apenas um artigo publicado. Tal dado contraria a análise dos trabalhos acadêmicos sobre a temática nos anos de 1990 a 2006, realizada por Anache & Mitjáns9, visto que, segundo as autoras, foi observado que, nesse mesmo período, ocorreu uma das maiores produções sobre a temática em teses e dissertações, sendo 2001 um dos anos com maior número de produções, com total de 10 teses e 5 dissertações.

 

 

Possivelmente essa diferença entre os tipos de produções pode ser explicada por três aspectos: (1) as produções acadêmicas não foram publicadas em periódicos científicos que se encontram indexados na base SciELO; (2) foram publicadas em anos subsequentes, ou, infelizmente, (3) não foram publicadas. Em relação a esse último aspecto, é provável que haja alguma relação com o que é relatado por Ramos et al.13: no final da última década, houve aumento relevante das exigências da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) frente às publicações em periódicos científicos dos programas de pós-graduação no Brasil. Tal fato poderia explicar tanto a discrepância pertencente entre ambos os tipos de produção (teses/dissertações versus artigos) do começo dos anos 2000 como o aumento da frequência de publicações no final da primeira e início da segunda década do século XXI, como encontrado na presente investigação.

Em 2005, observa-se aumento contínuo de publicações até o ano de 2009. Em 2010, verifica-se pequeno decréscimo e, em 2011, tem-se o maior número de produções dentro do período investigado na presente pesquisa, com 10 produções, correspondendo a 15,62% da produção total dos artigos analisados neste trabalho. É importante relatar que essa investigação foi realizada em maio de 2012, e, dessa maneira, os três artigos encontrados desse ano correspondem a apenas produções publicadas até o mês citado, não devendo tal resultado ser generalizável à produção total desse ano. De toda maneira, foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre a produção referente aos últimos cinco anos e a do começo da década (teste Mann-Whitney: U=5,00; p=0,02).

Foi também analisada as temáticas mais abordadas nos trabalhos consultados, cujos resultados encontram-se disponibilizados na Tabela 1. Nela é possível observar que a conceituação, a inclusão e a representação social, aspectos esses que envolvem a forma como a deficiência é compreendida científica e socialmente, foram os assuntos mais pesquisados, correspondendo a 29,68% das pesquisas. No que diz respeito aos assuntos educacionais, esses também foram amplamente abordados, sendo representado por 28,12% do total da amostra. Outro tema em destaque, que correspondeu a mais de 20% do total, foi a deficiência e sua relação com a família. Percepção corporal e sexualidade, comunicação, trabalho, habilidades sociais e aspectos comportamentais foram temas abordados com menor frequência.

 

 

Tais resultados confirmam as afirmativas de Belo et al.14, segundo as quais, ao longo dos anos, uma das maiores discussões presentes dentro do campo da deficiência intelectual é a questão da sua definição. Isso se justificaria pelo fato de que têm sido procurados critérios cada vez mais amplos, que possam contemplar toda gama de heterogeneidade e variabilidade interindividual que essa população apresenta. Essas autoras destacam a importância do desenvolvimento de estudos sobre a conceituação, que devem ser tomados como essenciais e serem contínuos, assim como aqueles sobre etiologia, características comportamentais, necessidades educativas, entre outros temas, já que todos esses campos apresentam-se constantemente como um problema teórico-prático complexo, multideterminado e multidimensional e, dessa forma, passíveis de mudanças no decorrer do tempo.

Na Tabela 2, são apresentadas as análises referentes somente às produções empíricas, em um total de 42, com a finalidade de investigação das amostras utilizadas nas pesquisas. Os resultados apontaram que a maioria deles utilizou como amostra o próprio deficiente (40,47%), seguido de estudos com os cuidadores e/ou funcionários, tais como professores, babás ou enfermeiros (28,57%). Na terceira colocação encontram-se aqueles estudos realizados com os familiares desses sujeitos (21,42%). As menores porcentagens pertencem às investigações realizadas com estudantes (por exemplo, opinião de estudantes sobre a temática) e sobre o levantamento de características da comunidade em que o deficiente encontra-se inserido.

 

 

Essa constatação evidencia um importante investimento que se faz necessário em relação à deficiência intelectual: a necessidade de se realizar estudos com o próprio indivíduo deficiente. Segundo Del Prette & Del Prette15, a deficiência pode ocasionar inúmeros problemas intra e interpessoais, que devem ser, cada vez mais, compreendidos para que se possam oferecer específicas e eficazes intervenções. Dentre esses problemas, encontram-se principalmente déficits em habilidades assertivas de lidar com críticas, de recusar e discordar e em habilidades relacionadas à emissão de comportamentos expressivos, verbais e não-verbais, autocontrole, cooperação entre os pares e autodefesa. Rosin-Pinola et al.1 complementam afirmando que uma das mais preocupantes condições que tais problemas favorecerem é a baixa autoestima, sentimentos de ameaça ou intimidação, problemas de comportamento externalizantes, entre outros tipos de sentimentos e condutas, que estão sendo cada vez mais pesquisados, e, consequentemente, melhores compreendidos em práticas profissionais16.

Outro achado também importante diz respeito ao número de estudos encontrados que envolvessem o cuidador/funcionário e a família. De acordo com Sigolo17, deve-se compreender o desenvolvimento da criança com deficiência intelectual dentro de um contexto que abranja variáveis da pessoa, do processo interacional e do contexto imediato e mediado do âmbito familiar. Estudos que investiguem essas relações são fundamentais, pois eles são a fonte de mecanismos protetores para lidar com as adversidades presentes na vida dos deficientes18, tendo sido esse tipo de estudo bastante enfatizado dentre os pesquisados.

Na Tabela 3 é possível observar que mais da metade dos artigos encontrados (51,56%) fez uso do método qualitativo de análise. Em seguida verificam-se estudos teóricos, quase atingindo um quarto da produção total, com 23,43%. Os artigos de estado da arte e de levantamento de produções representaram 10,94% da produção e cada um deles possuía uma temática única investigada, como, por exemplo, deficiência intelectual e família, deficiência intelectual e aprendizagem ou sexualidade. Não foi encontrada nenhuma pesquisa de levantamento de artigos científicos sobre a deficiência intelectual que apresentou o mesmo objetivo da presente investigação. As demais produções encontradas, que corresponde somente a 14,06% do total, dividiram-se em pesquisas que utilizaram método misto (que utilizam tanto o método quantitativo quanto qualitativo) e quantitativo.

 

 

A Tabela 4 descreve todos os instrumentos utilizados nos artigos, cuja análise tenha sido quantitativa ou mista. Foram encontrados dez diferentes instrumentos nos estudos, por essa razão a frequência e a porcentagem são semelhantes. Um mesmo estudo utilizou mais de um instrumento, por isso a soma dos instrumentos ultrapassa a soma dos estudos que os utilizaram (misto e quantitativo), que somam nove (Tabela 2).

Pode-se observar que apenas um estudo envolveu medidas de inteligência por meio da utilização do Teste de Raven - Matrizes Coloridas. Dois estudos abrangeram de forma geral a investigação do funcionamento adaptativo (Pictorial Scale of Perceived Physical Competence for Children with Mental Retardation e World Health Organization Quality of Life (WHOQOL)-BREF) e três habilidades sociais (Sistemas de Avaliação de Habilidades Sociais - SSRS-BR, Inventário de Concepções de Deficiência em Situações de Trabalho e Escala Sociométrica de Interação). Verifica-se que houve maior número de instrumentos utilizados na avaliação de aspectos gerais de interações familiares (Family Support Scale, Family Resource Scale, Parenting Support from Family and Friends e Formulário de Irmãos), sendo, dessa forma também, esses aspectos possuidores da maior frequência de investigação dentre os trabalhos mistos e quantitativos analisados.

Ao observar a Tabela 3 conclui-se, de forma geral, que todos os tipos de pesquisa tiveram sua relevância na investigação da temática, assim como proposto por Günther19, observou-se que cada método escolhido respeitou a questão que se pretendia responder, considerando-se os recursos materiais, temporais e pessoais disponíveis que permitiria em menos tempo chegar a conclusões que trouxessem benefícios ao bem-estar social.

Por outro lado, quando se pensa em pesquisa no meio acadêmico, comumente dois tipos são os mais lembrados: qualitativa e quantitativa19. Como observado na Tabela 3, em uma extremidade encontram-se aqueles estudos que apresentaram o método qualitativo de análise, com o maior número de produções. Dentro desse método, e especificamente dentro da presente pesquisa, estão aquelas investigações de estudos de caso, pesquisa de campo e o experimento qualitativo. Na outra extremidade encontram-se aqueles estudos de ordem quantitativa, em que estão presentes aquelas investigações que envolveram instrumentos de medida (Tabela 4), com o menor número de produções sobre a temática investigada.

Dessa maneira, algumas observações se fazem importantes. A primeira refere-se ao próprio processo diagnóstico da deficiência, que envolve medidas quantitativas psicológicas. Estudos constantes sobre tais medidas são fundamentais, já que há a necessidade de que sejam válidas e confiáveis de acordo com a população e o tempo em que estão sendo aplicadas20. Ou seja, todo o processo de avaliação envolve três critérios segundo a AAMR2, APA5 e a OMS4: (1) funcionamento intelectual significativamente inferior à média; (2) déficits ou prejuízos concomitantes no funcionamento adaptativo em pelo menos duas áreas (comunicação, cuidados pessoais, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, independência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança); (3) ter esses dois critérios iniciado antes dos 18 anos; entende-se que os testes psicológicos de avaliação intelectuais sejam os mais adequados para o levantamento do primeiro critério5 e está diretamente relacionado com estudos quantitativos. Dessa forma, foi encontrado apenas um estudo que envolveu a variável inteligência e a testagem desse constructo, o que revela, então, a necessidade de investigações dessa natureza com o grupo em questão.

Outra observação importante diz respeito ao levantamento do segundo critério diagnóstico. Nos dois trabalhos encontrados que citavam instrumentos que tinham esse objetivo, ambos os instrumentos que foram utilizados não apresentavam validação brasileira21. Segundo Carvalho & Maciel6, existem diversos instrumentos internacionais, principalmente nos Estados Unidos, que comumente são utilizados no Brasil (somente autorizados para o uso em pesquisas) e que necessitam de validação nacional, dentre eles os encontrados na presente pesquisa, e também a Vineland Adaptative Behavior Scales (VABS), AAMR Adaptative Behavior Scales (ABS), Scales of Independent Behavior (SIB-R), entre outros.

Uma última observação referente aos estudos quantitativos é a de que foram verificadas baixíssimas produções sobre etiologia e epidemiologia. Como tais pesquisas estão comumente relacionadas com a prática médica, é possível que venha enfrentando um problema recorrente no Brasil: baixas publicações da área da saúde em periódicos nacionais. De acordo com Victora & Moreira22, os autores devem ser muito cautelosos em relação aos locais onde publicar determinado artigo por meio da avaliação de alguns critérios, como "tipo de contribuição ao conhecimento", "capacidade de generalização", "acesso livre", entre outros, que venham a contribuir especificamente com o país de publicação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A princípio verificou-se que a nomenclatura utilizada para a temática vem assumindo constantes mudanças de acordo com o desenvolvimento de pesquisas e por meio de discussões políticas e sociais. No entanto, termos considerados retrógrados ainda continuam sendo utilizados em pesquisas atuais. A terminologia "deficiência intelectual" deve ser empregada não somente pelo consenso estabelecido, mas por compreender sua utilização. Ao contrário do que muitas das nomenclaturas anteriores podiam indicar, esse termo refere-se especificamente a prejuízos em funções cognitivas e intelectuais, e não a uma doença ou um transtorno psiquiátrico.

Outro achado importante refere-se ao aumento da produtividade sobre a temática no decorrer do tempo, que, de forma geral, ofereceu cada vez mais compreensões elaboradas sobre o quadro e consequentes melhores maneiras de realizar processos de inclusão social e intervenções. Ademais, as temáticas e as amostras que vêm sendo investigadas vão de encontro às necessidades mais comumente relacionadas à deficiência intelectual: conceituação, ambiente e, além da própria pessoa do deficiente, trabalhos com as pessoas e profissionais que mais frequentemente lidam com esses quadros.

Por outro lado, foram encontrados poucos estudos sobre avaliação, etiologia e epidemiologia da deficiência intelectual. Esse fato é preocupante, no sentido de que, como colocado por Carvalho & Maciel6, esses estudos apresentam finalidades diversas, dentre elas arguições de assistência previdenciária, proteção legal, acesso a cotas para emprego e estudos, além de alocação de recursos governamentais financeiros para programas de atendimento. Um exemplo de programa a ser citado e que poderia vir a ser mais frequentemente desenvolvido é o de "acordo de cooperação" realizado entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo (APAE), recém-criado no estado de São Paulo, especificamente em agosto de 2012, que objetivará, por cinco anos, desenvolver quatro projetos (temas: Genética e Biologia Molecular; Cognição e Desenvolvimento; Imagenologia Cerebral; e Neonatologia e Triagem Neonatal) no intuito de ampliar a base de conhecimentos sobre a Deficiência Intelectual no País23.

Compreender a deficiência intelectual como um campo multidimensional é compreender que se trata de um quadro complexo e que exige atenção. Resta lembrar que a pesquisa aqui realizada envolveu somente a base de dados SciELO, que, apesar de sua representatividade nacional, ainda assim é apenas uma amostra do que vem sendo produzido sobre a temática. Esse estudo permitiu verificar que muitas pesquisas de qualidade vêm sendo realizadas sobre a temática, mas ainda são necessárias outras que se fazem essenciais, principalmente aquelas voltadas para investigações etiológicas, epidemiológicas e de avaliação diagnóstica, e que, principalmente, sejam amplamente divulgadas no país.

 

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Endereço para correspondência:
Rauni Jandé Roama Alves
Rua Culto à Ciência, 369, Apto 25 - Jardim Botafogo
Campinas, SP, Brasil - CEP: 13020-060
E-mail: rauniroama@gmail.com

Artigo recebido: 21/12/2012
Aprovado: 5/2/2013

 

 

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), Campinas, SP, Brasil.