Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.30 no.92 São Paulo 2013
ARTIGO ORIGINAL
Mães de crianças com dificuldades de aprendizagem: análise compreensiva do processo de intervenção
Mothers of children with learning difficulties: analysis of the intervention process
Carolina Ferreira Barros KlumppI; Márcia Siqueira de AndradeII
IMestre em Psicologia Educacional pelo UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil
IICoordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia Educacional do UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Esta pesquisa teve como objetivo principal realizar uma análise compreensiva do processo de ressignificação da aprendizagem de mães de filhos que apresentavam dificuldades de aprendizagem por ocasião da pesquisa e que aguardavam atendimento em clínica-escola.
MÉTODO: Participaram da pesquisa duas mães selecionadas aleatoriamente entre os inscritos para atendimento na referida clínica. Os dados foram coletados durante 15 sessões de intervenção e foram analisados pela técnica de análise de conteúdo.
RESULTADOS: Os resultados foram agrupados nas seguintes categorias temáticas definidas a priori: família e infância. Os resultados sugerem a modificação de determinadas condutas que as mães possuíam, a fim de ajudarem não só aos seus filhos em suas dificuldades, mas primeira e, principalmente, ajudarem a si próprias, por meio do resgate de suas histórias de vida, ressignificando não só vivências sofridas, mas também as relações de ensino-aprendizagem.
CONCLUSÃO: Há necessidade de realização de estudos longitudinais para estudar a problemática.
Unitermos: Família. Aprendizagem. Transtornos de aprendizagem.
ABSTRACT
OBJECTIVE: This research had like principal goal realize a comprehensive analysis of learning ressignification's process from child's mothers that introduces learning difficulties because of the research and wait their attendance at school-clinical.
METHODS: There were three mothers that were chosen randomly and previously between the enrolled to participate of this research. The data were collected during fifteen sections of intervention and they were analyzed for the content analyses technical.
RESULTS: The results were grouped on these few thematic categories define by priori: family, childhood, self-knowledge and future. The results suggests the modification of certain conducts that the mother's possessed, with the aim of help not just their kids in their difficulties, but firstly and, principally, help to themselves, through of their life's histories rescue, giving the value not just the experiences lived, but also their teaching-learning relation.
CONCLUSIONS: There is need for longitudinal studies to study the problem.
Key words: Family. Learning. Learning disorders.
INTRODUÇÃO
Intervenções com a família são apontadas na literatura como tendo melhores resultados do que intervenções exclusivamente focadas nas crianças. Estudos realizados no Brasil, que avaliaram programas de intervenção para pais, apontaram benefícios, tais como ampliação do repertório de habilidades sociais educativas e maior uso de reforçamento positivo dos pais1,2, diminuição dos problemas de comportamento3 e melhora no desempenho acadêmico das crianças1.
Existem preditores para o sucesso ou fracasso das intervenções com as famílias, dentre eles estão as experiências de vida, desvantagem socioeconômica e falta de suporte social das famílias. As famílias intactas têm mais sucesso e conseguem melhor manutenção dos efeitos do tratamento do que as famílias de pais separados4. Autores acrescentam que o sofrimento conjugal, abuso do cônjuge, falta de suporte conjugal, depressão materna e alto nível de estresse também interferem nos ganhos do tratamento5,6. Assim, para um efetivo sucesso dos programas, é preciso incluir estratégias favorecedoras de suporte social, enfrentamento de dificuldades financeiras e experiências de vida negativas.
Duch7 analisou os benefícios para ambos os pais e seus filhos, em diferentes programas de intervenção. Esses programas tinham por objetivo aumentar o envolvimento dos pais e mães no processo educacional e no desenvolvimento dos filhos e oferecer oportunidades para ambos os pais darem seguimento aos estudos e conquistarem um emprego, visando ao empoderamento da família. De modo geral, a participação no programa veio a contribuir com diminuição do estresse parental, melhoria no bem-estar emocional da criança e de seus familiares, melhoria nas atitudes parentais e aumento na conscientização de ambos os pais quanto aos seus direitos. No entanto, o autor aponta que a redução efetiva nos riscos para o desenvolvimento infantil e para o fracasso escolar depende do engajamento dos pais e das mães no programa, bem como de características familiares.
Proposta de intervenção psicopedagógica dirigida a pais e familiares responsáveis por crianças com dificuldades de aprendizagem, incluídas nas primeiras séries do ensino fundamental de escola pública regular, permitiu identificar demandas, expectativas e, ainda, reconhecer os valores de pais e responsáveis por crianças com baixo rendimento escolar. Ao longo da proposta, foi possível perceber alterações de comportamento dos pais no sentido de buscar formas de ajudar a criança. Os resultados demonstraram que o programa mostrou-se satisfatório quanto a forma e conteúdo, ajudando assim as crianças em seus processos de aprendizagem8.
Resultados de intervenção com grupo de pais de alunos com insucesso escolar indicaram que o envolvimento desses com o cotidiano escolar do filho pode ser o responsável por aumento nas possibilidades de sucesso acadêmico da criança9.
A participação da família no processo de aprendizagem é importante e a necessidade de se esclarecer e instrumentalizar os pais quanto às suas possibilidades em ajudar seus filhos com problemas de aprendizagem é evidenciada ao manifestarem suas dúvidas, inseguranças e falta de conhecimento em como fazê-lo. Essa problemática gera nos pais sentimentos de angústia e ansiedade, por se sentirem impossibilitados de lidar de maneira acertada com a situação10.
É nesse contexto que a pesquisa sobre esse tema se justifica, na medida em que pode ampliar a compreensão sobre como a intervenção junto às mães de crianças com dificuldades de aprendizagem pode favorecer a aprendizagem de seus filhos.
Esta pesquisa teve como objetivo principal realizar uma análise compreensiva do processo de ressignificação da aprendizagem de mães de filhos que apresentavam dificuldades de aprendizagem na ocasião e que aguardavam atendimento em clínica-escola.
MÉTODO
Participantes
Participaram desta pesquisa 2 mães de crianças que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idades entre 8 e 11 anos de idade, frequentando o Ensino Fundamental; não apresentar diagnóstico de síndromes que afetam a aprendizagem; apresentar problemas de aprendizagem; estar inscrito (na fila de espera) para atendimento na clínica-escola de Psicopedagogia do UNIFIEO.
As mães, cujas idades variavam de 32 a 60 anos, não completaram o Ensino Fundamental, trabalhavam no setor comercial, eram casadas e viviam com seus maridos.
Instrumentos
Foram utilizados três tipos de instrumentos para coleta de dados: questionário para a coleta dos dados sociodemográficos; entrevista semi-estruturada com as mães. Foram realizadas 15 sessões de intervenção com as mães participantes.
Procedimentos
Este estudo caracterizou-se por ser de risco mínimo às participantes e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição promotora11, tendo seguido os preceitos éticos que regem a realização de pesquisas com seres humanos.
Inicialmente, foi solicitado às participantes que preenchessem um questionário fechado com os dados sociodemográficos. Em segundo lugar, foi realizada uma entrevista, visando ao levantamento de história pessoal e familiar.
Em terceiro lugar, foram realizadas 15 sessões de intervenção junto às mães na clínica-escola de Psicopedagogia do UNIFIEO, com duração média de 60 minutos cada sessão. Um plano de intervenção psicopedagógica foi elaborado para aplicação nas 15 sessões realizadas com as mães participantes.
A coleta de dados nas sessões de intervenção constou de técnicas lúdicas, de atividades artísticas e da condução das dinâmicas espontâneas, com o propósito das participantes entrarem em contato consigo mesmas, externalizando seus sentimentos e emoções sem constrangimento. Respeitaram-se os mecanismos de livre expressão, assegurando a autonomia criativa de cada participante.
Análise de dados
Para analisar o material pertinente a esta pesquisa, foram descritos e relacionados dados demográficos e categorias temáticas abordadas nas entrevistas e nas sessões de intervenção, além de aspectos referentes à linguagem gráfica e às imagens que emergissem ao longo do processo de intervenção, analisados segundo o referencial psicodinâmico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste capítulo são apresentados, em sequência cronológica, algumas produções e fragmentos das falas das participantes para ilustrar o processo de intervenção, detalhando o processo terapêutico de cada mãe, para compreensão de seu percurso.
O contexto de cada mãe
Rosângela
Rosângela é mãe de Geovana, que estava com 8 anos por ocasião da pesquisa e encontrava-se no 4º ano do Ensino Fundamental da escola da Rede Municipal Pública de Carapicuíba, cidade onde moravam. Geovana não estava alfabetizada e encontrava dificuldades generalizadas na escola, problemas na fala e inibição. Por esses motivos, foi encaminhada, pela escola, à Clínica de Psicopedagogia do UNIFIEO, onde aguardava vaga para atendimento. A professora acreditava que Geovana era muito imatura para a sua idade, mas a mãe dizia que não sabia como a filha tinha essa postura se ela mesma não tinha tempo para mimá-la. A mãe também demonstrou não aprovar as atitudes da professora, na época, dizendo que suas cobranças eram o motivo para a filha estar cada dia mais retraída.
Rosângela, por ocasião da pesquisa, era operadora de caixa e dizia que era difícil ter que cuidar de três filhos e trabalhar. Rosângela não sabia ler e escrever e apresentava dificuldades de aprendizagem nas atividades realizadas. Demonstrava insegurança, quase sempre com as mãos trêmulas e, logo na primeira sessão, demonstrou medo de enfrentar as sessões de intervenção, dizendo que não sabia se daria continuidade ao processo.
Itamar
Itamar é mãe de Lívia. Que estava com 11 anos por ocasião da pesquisa e encontrava-se no 5º ano do Ensino Fundamental da escola da Rede Municipal Pública de Osasco, onde moravam. Lívia encontrava-se alfabetizada, porém teve uma alfabetização tardia, que, segundo a mãe, aconteceu quando cursava o 4º ano do Ensino Fundamental. A professora de Lívia pediu para que os pais procurassem ajuda para a filha porque ela "comia" letras, apresentava dificuldades para interpretar e generalizadas em seu aprendizado, dificuldades essas que já acompanhavam Lívia desde a pré-escola. Por esses motivos, Lívia foi encaminhada, pela escola, à Clínica de Psicopedagogia do UNIFIEO, onde aguardava vaga para atendimento. A mãe acreditava que grande parte dos problemas da filha era decorrente de seu cunhado, tio de Lívia, que tinha problemas mentais (doença não especificada pela mãe por não ter o laudo médico).
Lívia tem uma irmã mais velha, que não foi planejada. Itamar teve que ficar de repouso total durante toda a gestação, que foi muito difícil, sofrida, não tinha forças para fazer nada e não conseguia se alimentar. A mãe descreve que "quase morreu" por conta da gestação. É importante ressaltar que Itamar é uma mãe idosa, tendo na ocasião da pesquisa 60 anos e o pai, 66 anos. Ambos os pais encontravam-se aposentados.
Ao ser questionada sobre o desenvolvimento de sua filha, Itamar relatou que Lívia caia muito quando pequena e, em exames neurológicos, nunca foi constatado nada de anormal. Desde pequena Lívia apresentava problemas visuais.
Itamar descrevia Lívia como uma criança preguiçosa, que não conseguia fazer nada sozinha (vestir-se, escovar os dentes). A maior queixa de Itamar era a de estar muito cansada e de não saber mais o que fazer para ajudar a filha.
Categorias temáticas
As categorias temáticas identificadas durante o processo e análise dos resultados foram: família, infância.
Família
Essa categoria temática levou em consideração os conteúdos trazidos pelas participantes nos testes projetivos: Desenho da Família e Desenho da Família Cinética e nos relatos de experiência (recordações, lembranças) compartilhados entre elas em momentos de conversa e em demais produções. Essa categoria procurou abordar as mães em relação às suas famílias de origem.
Na primeira sessão de intervenção, foi solicitado ao grupo que desenhasse uma família e, na segunda sessão, que desenhasse uma família fazendo alguma coisa.
O Desenho da Família tem sido referido por muitos autores como instrumento de análise dos aspectos psicológicos12-17.
Apesar das diferentes abordagens na aplicação e análise, todos os autores concordam que o Desenho da Família é uma técnica projetiva gráfica onde o sujeito projeta suas atitudes e sentimentos em relação a sua família. Desde o início da sua utilização, tem sido considerado um bom instrumento para a análise dos conflitos familiares em crianças, adolescentes e adultos.
Já em relação ao Desenho da Família Cinética, buscou-se, nessa oportunidade, compreender como essas mães representavam os vínculos estabelecidos na família de origem para analisar as posições subjetivas ensinante/aprendente, a partir da identificação dos tipos de vínculos reeditados e que demandam modalidades de aprendizagem específicas16.
Rosângela
Rosângela demonstrava no início dos atendimentos muito medo, receio e timidez, afirmando constantemente que não sabia se daria continuidade às sessões. Em sua primeira produção, demonstrou insegurança e nervosismo ao desenhar. Descreveu o desenho realizado (Desenho da família cinética): "(Eu desenhei) As meninas brincando, o meu filho mais novo com os carros dele, eu na faxina, como sempre, e o pai no computador".
Na análise de sua produção, nota-se separação entre os membros da família, cada um deles se envolvendo com atividades diferenciadas (mãe fazendo faxina, pai no computador, filhas brincando, filho com o carrinho). O pai aparece como figura central no desenho de Rosângela, enquanto a mãe é colocada distante de todos, principalmente de suas filhas meninas, desenhando-se apenas mais próxima do seu filho homem. Rosângela representa o vínculo familiar fragilizado e comprometido, com pouca ou nenhuma interação entre os membros.
A reflexão de Rosângela sobre seus relacionamentos familiares a fez entrar em contato com sentimentos profundos, remetendo-a a sua família de origem. Ficou emocionada e, chorando, quis conversar com a pesquisadora, em particular, no final da sessão.
Rosângela: (...) o pior é que eu não consigo me aproximar dos meus filhos. Eu tento, mas eu não consigo. Eu sou muito cobrada, não tanto pela Geovana, para ela tanto faz, mas a minha filha mais velha e o pai dela fala assim "é, sua mãe nunca teve infância filha", mas na verdade eu nunca tive mesmo. Meus pais se separaram quando eu era muito pequena, aí eu fui pra cidade com o meu pai, fui morar na casa da minha madrasta, e, quando eu tinha 15 anos meu pai faleceu, aí eu fui morar com a minha madrinha, aí eu tinha que ter responsabilidade. Eu separei da minha mãe com oito anos e quando fui ver ela de novo eu tava com vinte. Eu não conhecia mais ela, tanto que a gente não tem afeto, afinidade. Eu ligo pra ela de vez em quando, mas não tem afeto. Meu marido às vezes fala "você não vai ligar pra sua mãe?", mas eu digo "pra que ligar pra ela, se ela quisesse ela ligaria para mim", se ela não liga pra mim é porque ela não quer falar comigo.
Inicialmente, Rosângela reportou-se à situação da família atual. Logo após, rememorou situações dolorosas vivenciadas por ela na família de origem, em especial, o afastamento da própria mãe, justificando sua dificuldade em aproximar-se afetivamente dos filhos.
Rosângela deixava claro, no decorrer das sessões, que não conseguia perdoar a mãe pelo abandono sofrido, o que lhe causava muito sofrimento, e também afirmava que a mãe havia sido muito ruim para ela: "Ela só batia na gente. Só de chamar o nome dela ela já descia a mão, sem dó e sem piedade".
Winnicott18 coloca que, para o desenvolvimento emocional saudável do indivíduo, é necessário que o mesmo tenha uma pessoa que cuide e se dedique a ele nos primeiros anos de sua vida; assim como é necessário que haja um ambiente confiável e facilitador para que se dê esse desenvolvimento. Assim, a pessoa mais propensa a cuidar da criança e a suprir suas necessidades é a mãe e o ambiente é aquele propiciado pela mãe. Porém, nem todas as mães têm a devoção para cuidarem de seus filhos. Caso a mãe não cumpra seu papel ou abdique dele, a criança necessitará de uma figura materna (podendo ser outra pessoa, não necessariamente a mãe biológica) que cumpra o papel da mãe, atendendo e adaptando-se às necessidades da criança em seu desenvolvimento.
Embora tenha havido na vida de Rosângela algumas figuras que poderiam assumir o papel de mãe suficientemente boa, mãe, madrasta e madrinha, parece que não teve essa mãe, ou outra pessoa que assumisse efetivamente esse papel. Assim, Rosângela também pode ter sofrido a falta do ambiente holding, em prejuízo ao suporte egoico necessário ao seu desenvolvimento.
Rosângela não recebeu os cuidados necessários para seu desenvolvimento emocional, explicando que, após a partida da mãe, na sua infância e adolescência, não passava de uma empregada na casa da madrasta e/ou da madrinha.
Rosângela: [...] aí eu conheci minha madrinha, fui morar na casa dela. Ela me chamou pra trabalhar lá, eu tinha 12 anos. Eu era piniqueira, pra limpa banheiro e cozinha. De lá eu ia pra escola, acabei ficando e morando com ela, daí ela me batizou, mas continuei sendo piniqueira do mesmo jeito. Aí um dia deu cinco minutos, aquele estralo e eu disse "eu vou embora", aí meu padrinho perguntou por que eu tava indo embora e eu falei "pra que tutor? Tutor é quando a gente cuida, eu aqui não passava de uma empregada". Aí eu chutei o balde e saí. Não tive paradeiro, não tinha um lugar para voltar (começou a chorar).
A criança precisa perceber, desde o ventre materno, o quanto ela é amada e aceita pelos pais. A criança que não recebe cuidados maternais apropriados nos primeiros anos de vida pode tornar-se insegura, ansiosa, apática, depressiva e apresentar definhamento progressivo, sem aparente causa física17. Depois da mãe, é a família que possibilita o suporte egoico para a criança. A família da criança é a única entidade que pode dar continuidade à tarefa da mãe no sentido de atender às necessidades do indivíduo18.
Rosângela parece não ter recebido um ambiente estável e/ou uma família para que pudesse ser nutrida de afeto e cuidados necessários a qualquer ser humano. Ela associa, nessa primeira atividade do processo, as dificuldades vinculares da sua família atual com as dificuldades vinculares da sua família de origem, percebendo o quanto repetir a história com os filhos poderia ser prejudicial para o desenvolvimento deles.
Itamar
Itamar mostrou-se muito comunicativa e ativa. Apesar da vivacidade, reclamava constantemente de cansaço e esgotamento, não só físico, mas principalmente emocional. Itamar queixava-se muito de seu cunhado, por ser doente e de ter que cuidar dele. Afirmava que seu cansaço era por ter que cuidar de todos e prestar socorro a todos que lhe pediam ajuda. Ao desenhar uma família, descreve a produção:
Itamar: Aqui sou eu, e eu sou a maior. Você sabe por que eu sou a maior? Porque eu sozinha tenho que cuidar de todos eles (risadas). Não tô me elogiando não, mas é que ali eu sou a coluna, minha filha. Então, do lado tá meu esposo, né, depois meu cunhado, eu que cuido dele, ele não tem pai nem mãe, então, como os outros irmão não tão nem aí pra ele. Se eu não cuidar, por mais que seja difícil e eu cheia de problema de saúde, quem vai cuidar? Querendo ou não, eu tenho que cuidar. Depois a minha filha mais velha vai fazer 18 anos agora. Essa aí não me deu um pingo de trabalho. Ela terminou o estudo dela o ano passado e graças a Deus não me deu problema nenhum. Já Lívia começou a me dar trabalho desde a gravidez. Não é que ela dá trabalho, mas é que eu fiquei grávida dela e eu não queria ter mais filho, sofri muito na primeira gestação. Eu falava "eu não quero ter mais filho", e fiquei tomando remédio, mas foi permissão de Deus, né, que veio a Lívia. Eu tive muito enjoo, fiquei pele e osso, despelada que nem lagartixa. Eu sofri muito mesmo na gestação, eu deixava louça da pia quatro dia sem lavar, não penteava o cabelo, não queria tomar banho, era todo final de semana no hospital. E o problema maior é esse meu cunhado. Ele quebrava tudo, botava fogo nas coisas. E ela ia em cima dele. Foi muito difícil.
A produção de Itamar sobre a família sugere distanciamento entre ela e as filhas, principalmente de Lívia, a filha que apresenta dificuldades de aprendizagem.
O relato de Itamar sugere um quadro de depressão durante a gestação. Nesse sentido, pela importância das trocas precoces entre a mãe e o seu bebê, trocas que servirão como reguladores da atividade psíquica da criança, Winnicott chama a atenção para todas as particularidades do cuidado materno que antecedem o nascimento do bebê. Winnicott19 considera que, nesse período, a mulher entra num estado especial, denominado de "preocupação materna primária", em que ocorre um estado de sensibilidade aumentada, cujo objetivo é capacitar a mulher a se preocupar com seu bebê.
Assim, nesse momento, a mãe precisa desenvolver uma identificação com seu bebê, para que possa imaginar o que ele precisa e daí colocar-se em seu lugar. A mãe precisa sobreviver aos ataques de cólera de seu bebê, à sua indiferença, à sua recusa ou extrema voracidade de se alimentar, à falta de sono que ele lhe impõe; em suma, precisa renunciar aos seus próprios interesses para poder cuidar de seu bebê. Mas ela consegue fazer tudo isso por causa desse estado especial em que se encontra20.
Um quadro depressivo da mãe pode ser prejudicial ao bebê, na medida em que não estará em condições de prover ao filho um ambiente acolhedor, facilitador e preparado para atender às suas necessidades, transmitindo confiabilidade e segurança tão necessárias ao desenvolvimento emocional da criança. Soma-se a isso o fato que o nascimento de um filho pode reativar uma problemática antiga, que não tenha sido suficientemente elaborada pela mãe21.
Itamar falou sobre sua infância e sobe as lembranças de sua família de origem, com 21 irmãos. Eram pobres e moravam na roça, no interior da Bahia. Além do sofrimento para sobreviver (conseguir alimentos, roupas), Itamar sofria pelo fato de seu pai bater em sua mãe.
Itamar: Meu pai, eu vi ele dar uns tapa na minha mãe uma vez, eu era pequena, eu tinha uns 4 anos. Mas a minha irmã mais velha viu ele bater muito, da minha mãe ficar jogada no chão. Meu pai não deixava meus irmãos se aproximarem da minha mãe. Ele discutia com a minha mãe, jogava as coisas dentro da casa. Às vezes eu saia lá pra debaixo dos pés de árvore e ficava conversando com Deus: "O meu Deus do céu, tu pode fazer alguma coisa, pra papai não ficar batendo na minha mãe". Eu ficava chorando. A gente sofreu muito.
Itamar também sofria por ter que cuidar de seus sobrinhos, ainda criança, cozinhando e ajudando-os quando necessário.
Itamar: Sofri muito com a minha irmã. Ela ganhava muito nenê e eu, com 8 anos, já cuidava dos filhos dela. Cortava cabeça de frango, punha no fogão à lenha. [...] No meio disso tudo, não era a minha mãe que estava lá, era eu. Ia na casa de um, de outro, rezar, resolver as coisas. Desde pequena com muita luta e com muito sofrimento. Quando o pessoal ganhava bebê eu tava lá para ajudar, e não era só da minha família, dos outros também, é um dom que a gente já nasce, e com isso a gente vai sofrendo muito. O que eu tenho passado desde pequena. Tudo era só eu, sempre foi só eu, eu não tive ninguém que me ajudasse (começou a chorar). Quando precisei ninguém me ajudou. Quando eu tive as minha filha, eu cansei de pedir ajuda, mas ninguém me acolheu. Isso fica dentro da gente. Hoje eu falo pra mim mesma "Chega, chega".
É na família que a criança terá suas primeiras experiências de aprendizado e é na família que as primeiras relações e vínculos serão estabelecidos. É na família que os filhos atingirão expectativas de papel, de valores e de atitudes sociais e educacionais, por meio das relações interpessoais com os pais9. Nesse sentido, percebe-se que Itamar aprendeu, por meio dos papéis e valores estabelecidos na família, a cumprir um papel de cuidadora, transferindo esse modelo relacional de sua família de origem para a família e situação atual.
Categoria temática: Infância
Ao rememorar situações passadas, o tema infância foi introduzido e trabalhado com as mães participantes. Essa categoria procurou, portanto, abordar a percepção das mães em relação às suas infâncias.
As produções cujo conteúdo referiam-se à infância foram as seguintes:
a) Contos de Fada: na 5ª e 6ª sessões, as atividades dadas referiam-se aos Contos de Fada. O conto escolhido pelo grupo foi "Branca de Neve e os Sete Anões". Na 5ª sessão, houve a leitura do conto e as mães participantes relataram a parte da história que mais chamou a atenção e, na 6ª sessão, houve a retomada do conto, na qual as mães escutaram a história narrada no rádio (em um CD de histórias infantis) e depois, ao recordar a sessão passada sobre a parte que já haviam comentado da história, começaram a relatar as suas próprias histórias, trazendo principalmente conteúdos de quando eram crianças;
b) Pintura a dedo: na 7ª sessão, foi colocada música instrumental para a realização de exercícios de alongamento e relaxamento com o grupo. Depois do relaxamento, foi solicitado às participantes que se sentassem, fechassem os olhos e deixassem a imaginação fluir. Ainda de olhos fechados, foi solicitado que imaginassem um lugar lindo onde gostariam de estar naquele momento, observassem os detalhes, as cores, os cheiros e as pessoas presentes nesse local e que pensassem em momentos especiais, felizes ou tristes. Após alguns minutos, pediu-se que, ainda de olhos fechados, imaginassem uma bexiga colorida e fossem enchendo com ar e murchando a bexiga de acordo com o controle da respiração. Por fim, que entregassem essa bexiga para alguém e que quando se sentissem preparadas, abrissem os olhos. Terminada essa etapa, abriu-se espaço para comentários e foi solicitado às mães que pintassem livremente no papel, utilizando as tintas e seus dedos;
c) Argila: a 9ª sessão teve como proposta trabalhar o contato das participantes com o objeto de conhecimento por meio do manuseio da argila. Para a realização dessa atividade, foi colocada uma música instrumental para relaxamento e solicitado que as mães fizessem o que sentissem vontade com o material dado. Elas foram conversando e contando fatos atuais e passados de suas vidas, enquanto produziam na argila. Terminada a produção, foi pedido que cada participante mostrasse o que havia feito e relatasse o porquê da escolha de cada objeto.
A infância de Rosângela
Rosângela lembrava-se de sua infância com tristeza. Ela relatou que quando seu pai e mãe ainda moravam juntos, ela e sua família tinham uma condição financeira boa. Porém, quando sua mãe tornou-se alcoólatra, sua infância foi marcada pelas brigas e separação dos pais. O ambiente familiar instável, incontrolável ou caótico tem sido reconhecido como prejudicial ao desenvolvimento infantil22.
Rosângela: Meu pai era marceneiro e ela pegava os móveis e o caminhão e ia vender. A gente tinha até que uma vida razoável lá. Até quando ela começou a beber, aí danou-se. Minha mãe virou alcoólatra, valente que brigava com Deus e o mundo. Ela saia na porrada com o homem que deixava ele moído. Meu pai e ela brigavam feito gato e cachorro. Os vizinhos ia tudo ver a briga, a casa ficava rodeada de gente. Ela esquentava a água, e eu sentada na janela olhando o cacete comer dentro de casa. Aí ela jogava a panela d'água quente no povo. Aí acabaram se separando, ela batia na gente.
Ao realizar a pintura a dedo, Rosângela lembrou-se novamente da infância difícil que teve e ficou emocionada ao recordar-se do falecimento do pai. Rosângela culpava a mãe pelo sofrimento do pai. Demonstrava amargura e raiva ao falar da mãe. O pai não era lembrado da mesma forma, referia-se ao pai com carinho e saudades.
Nas sessões em que foram trabalhadas atividades relacionadas ao Conto de Fada intitulado Branca de Neve e os Sete Anões, Rosângela comentou que o que mais chamou a atenção foi a participação do caçador.
O caçador pode ser visto como a representação inconsciente da figura do pai. O personagem do caçador, por representar o pai, deveria ser forte e protetor, entretanto, não cumpre o dever para com a rainha, nem a obrigação moral para com Branca de Neve, de lhe dar proteção e segurança, pelo contrário, abandona-a na floresta cheia de animais ferozes, esperando que seja morta. O caçador busca, na história, aplacar tanto a mãe, ao fingir que executa sua ordem, quanto à menina, ao simplesmente não matá-la. Esse tipo de pai é o que cria dificuldades insuperáveis para a criança ou que não consegue ajudá-la a resolvê-las23.
A rainha/madrasta, que simboliza a figura da mãe de Branca de Neve é ruim e má, e o caçador/pai é fraco, portanto a menina é obrigada a arranjar-se por conta própria quando é abandonada na floresta. Rosângela na sua infância foi abandonada pela mãe e foi, com seu pai, morar com outra mulher (madrasta).
Rosângela: [...] eu comi o pão que o diabo amassou mesmo, porque eles não me aceitavam (a família da madrasta). A minha madrasta tinha que me engolir seco, mas os meus irmãos por parte de pai e a os netos dele não me aceitava de jeito nenhum.
O pai de Rosângela, após alguns anos, morre e Rosângela se vê sozinha no mundo e sem um lar. Na atividade com argila, Rosângela também revelou experiências traumáticas em sua infância nesse sentido. Ela produziu uma mesa com quatro banquinhos, os quais dispôs em torno da mesa.
Quando foi questionada sobre o porquê da confecção daqueles objetos, ela não soube explicar e demonstrou muita emoção. A pesquisadora então a questionou se os objetos construídos a faziam lembrar de algum lugar. Rosângela, ainda mais emocionada, afirmou com a cabeça e iniciou seu relato, dizendo que a mesa e as cadeiras traziam em seus pensamentos cenas tristes de vivências que ocorreram em sua infância.
Rosângela: eu e meu irmão do meio, teve uma época que a gente morou na casa do tio da minha mãe, a gente ficava sendo jogado pra lá e pra cá. Então ela pegava uma bacia e fazia sopa, parecia lavagem, e dava pra mim e pro meu irmão come. E a gente tinha que sentar no chão. Tinha mesa, mas fazia a gente sentá no chão.
Rosângela vivenciou os conflitos enfrentados por Branca de Neve em sua infância, não tendo de forma presente a figura do pai que a protegesse dos perigos do mundo e a figura da mãe que a acolhesse. Lembrou do pai na atividade de pintura a dedo e pintou um arco-íris, que simbolizava um recomeço, enxergar possibilidades diferentes para a sua família e ressignificar o sofrimento vivenciado em sua infância.
Rosângela: Eu fiz um arco-íris, porque ele traz paz, né, esperança. Quando a gente olha para o arco-íris, a gente fica admirado. Esperança, vou falar assim, de um renovo, né, que eu não venha repetir, eu não vou repetir o que eu vivi, eu quero que minhas filhas tenham um futuro melhor (ficou muito emocionada).
A infância de Itamar
Itamar lembrou de sua infância com uma mistura de sentimentos bons e ruins. As coisas boas eram as brincadeiras com seus irmãos, o contato com a natureza e o fato de morar na roça. Já as coisas ruins eram as brigas do pai com a mãe, a violência no ambiente familiar e o fato de Itamar ter que trabalhar na roça ao invés de ir para a escola estudar.
Na atividade de pintura a dedo, Itamar lembrou de detalhes de quando era criança. Ao mesmo tempo em que se lembrava desses fatos passados, Itamar foi associando a sua infância com a de sua filha Lívia (filha que apresentava dificuldades de aprendizagem), percebendo que esta enfrentava uma realidade diferente da sua. Quando criança, Itamar morava no interior da Bahia, na roça, precisava trabalhar para ajudar a família e não frequentou a escola regularmente. Sua família era grande, com 21 irmãos, e muito pobre. Já Lívia, sua filha, morava em São Paulo, estudava regularmente no Ensino Fundamental. Apenas brincava e estudava nas horas vagas e tinha uma família pequena (pai, mãe, tio e irmã), que era estruturada financeiramente.
Itamar afirmava que não sabia como ajudar a filha em suas dificuldades na escola.
Itamar: Tinha umas flor e umas árvore onde eu morava na minha infância. As flor era toda vermelha, comprida. Ela abria só um pedacinho. Eu usava um vestido de chita vermelho e ele enchia de terra, e eu pulava em cima da cerca. Eu tinha tanto medo do meu pai brigar. Eu pensei num balão vermelho, bonito, e eu o daria para a Lívia, porque ela, pra ela cair na real, porque ela tá com uma dificuldade muito grande, que só Deus mesmo pra ajuda. Parece que quanto mais eu converso, aconselho, não adianta. Tá difícil, tá muito difícil. Pra mim é triste, muito triste, mas na minha infância vejo alegria, porque a gente brincava muito, muito e muito. É uma mistura (chorou). Eu só quero ajudar minha filha. To vendo que a coisa tá pior do que eu imaginava. Eu to tão preocupada menina, eu tenho vontade de nem por ela na escola ano que vem, mas tem que por, pro bem dela.
Na pintura livre trazida por Itamar na mesma sessão, fez os irmãos e ela pulando a cerca, em uma brincadeira que faziam na roça quando eram crianças. Sobre sua produção relatou: "Minha infância aqui. Eu e meus irmãos pulando cerca. Essa aqui que tá mais perto da cerca sou eu. Meu pai me chamava de cabrita, porque eu pulava a cerca".
Itamar queixava-se, nas sessões, de cansaço por ter que resolver problemas alheios e por ter que dar suporte para os parentes e pessoas que a solicitavam. Talvez esse "pular a cerca" de Itamar possa significar, analisando o contexto, o desejo de se libertar de alguma forma do peso dessas responsabilidades que lhe pesavam.
Nas sessões nas quais foram trabalhados os contos de fada (Branca de Neve e os Sete Anões), Itamar disse que a parte da história que mais chamou a atenção foi quando Branca de Neve encontra a casa dos Sete Anões, associando esta parte do conto às chances que surgem na vida e também às pessoas más, que não se importam com a bondade alheia.
Itamar: Pra mim também, a parte que mais me tocou foi essa, na hora que ela encontra a casa dos sete anões. Ela já tinha sido salva pelo outro que não matou ela, e ela encontrou quem acolhesse ela. E depois apareceu a terceira chance dela, que foi ela se salvar da maçã envenenada. Ela batalhou e venceu pela bondade dela, porque às vezes com amor, com humildade a gente vence. A história dela é muito parecida com a nossa. Ao nosso redor tem muita gente querendo fazer coisas pro nosso mal. Às vezes a gente faz pelos outros e os outros só fazem o mal.
Ao ser questionada sobre as chances que já surgiram em sua vida ou as chances que precisariam surgir, Itamar respondeu que precisava cuidar de si e dividir a carga de responsabilidades com os membros da família.
Itamar: É o que eu já falei. Hoje eu tô me sentindo melhor. Eu tô dando uma chance pra mim. Meu marido tá me ajudando, minha filha mais velha também. Cada um tem que ajudar, eu não do conta, e eu falo que eu não vou fazer tudo sozinha não. Porque as minhas força já acabou. O meu marido queria parar de me trazer aqui mas eu não deixei não, porque eu falei que tá me ajudando muito.
Os anões em Branca de Neve são do tipo prestativo e têm como essência de suas vidas o trabalho, nada sabendo de descanso ou recreação. Eles simbolizam uma existência fálica representando a infância antes da puberdade, período no qual todas as formas de sexualidade encontram-se relativamente adormecidas. Branca de Neve encontra na casa dos Sete Anões um período tranquilo que corresponde à fase da pré-adolescência, período esse necessário para passar à adolescência. A passagem para a adolescência é representada pelo momento em que a rainha volta a perturbá-la e desperta nela seus desejos sexuais que estavam adormecidos e recalcados no período de latência23.
Os conflitos vivenciados na adolescência são simbolizados pelo fato de Branca de Neve ser tentada duas vezes, posta em perigo e salva por um retorno à sua vida de latência. A sua última experiência, com a maçã envenenada, põe fim aos seus esforços para voltar à imaturidade23.
Associando a vida de Itamar à parte do conto escolhida, é possível imaginar que Itamar não encontrou o acolhimento e o tempo necessários para que amadurecesse emocionalmente. Itamar, como comentava durante as sessões, teve que amadurecer rápido e desde criança tinha que ajudar a família, prestando assistência quando necessário. A figura dos anões também foi citada como algo que chamou a atenção, pois eram prestativos e simbolizavam o trabalho duro. Por fim, Itamar demonstrou, na atividade com a argila, que para ela a fase de ser bebê e criança pequena está relacionada à alegria e ao amor. Itamar também salientou a importância dos pais para a educação dos filhos em seus desenvolvimentos. Porém, ao pensar em seu relato, Itamar pensou nas próprias filhas e no desenvolvimento delas, afirmando que falhou enquanto mãe, não cuidando delas para cuidar dos outros.
Itamar também produziu na argila uma fruteira cheia de frutas, remetendo-se à roça, revelando o desejo de voltar a morar algum dia em um lugar parecido, em busca de sossego. Itamar fez por último uma cadeira, explicando que era para completar a produção da participante Rosângela, demonstrando novamente a necessidade que sente de ajudar os outros.
Itamar: Eu não sei porque saiu esse bebê na minha cabeça. Acho que bebê é alegria. Tá pequenininho é muito amor. Você sabendo levar a criança, ela é muito boa, mas pra isso, você tem que estar ali, ó, todo dia, porque se a gente der moleza, os bicho passa a perna na gente. As minha, eu sei que eu falhei muito, não tive tempo de cuidar das minha, cuidando de raça de família de meu marido. Deus que me perdoe, porque a gente é carne, a gente erra, a ferida fica dentro da gente. Eu peço para Deus perdoar porque pra gente é difícil.
A fruteira eu fiz porque eu tenho um desejo muito grande de morar onde tem frutas e muitas árvores. Eu fui criada na roça e no mato, e é outra coisa. Eu quero sossego. E a cadeira eu fiz para a Rosângela colocar na mesa dela.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo principal realizar uma análise compreensiva do processo de ressignificação da aprendizagem de mães cujos filhos apresentavam dificuldades para aprender. Nesse sentido, o trabalho realizado com essas mães mostrou-se importante e significativo, pois:
a. Na medida em que essas mães iam realizando as atividades propostas, entrando em contato com o objeto de conhecimento e compreendendo como ocorriam os seus processos de aprendizagem, elas passavam a compreender também como ocorriam os processos de aprendizagem de seus filhos. A conscientização trazida através dessa compreensão estimulou essas mães a perceberem a importância de modificarem determinadas condutas em relação às atitudes que tinham com os filhos e de fortalecerem os seus vínculos familiares;
b. As sessões de intervenção contribuíram positivamente para uma modificação nas relações de ensino-aprendizagem entre mães e filhos, já que, uma vez trabalhado o processo de aprendizagem das mães, as suas modalidades de ensino também foram trabalhadas e modificadas. Modificando seus moldes de ensino, as mães passaram a modificar também o modo como elas consideravam os seus filhos enquanto aprendentes;
c. Conforme as mães entravam em contato com as suas histórias de vida e recordavam momentos de suas infâncias com as suas famílias de origem, iam percebendo o quanto era importante para o desenvolvimento emocional dos filhos que eles crescessem em um ambiente familiar tranquilo e acolhedor, já que, as mães, em muitas de suas vivências, sofreram em suas famílias conflitos/carências que elas significaram nas sessões como sendo prejudiciais. Dessa forma, as mães perceberam a importância de não reproduzirem com os filhos aquilo que tinham sofrido no passado e, ainda, a importância delas serem para eles mães mais acolhedoras, compreensivas e próximas, lhes proporcionado um ambiente familiar favorável aos seus desenvolvimentos.
Este trabalho, de um modo geral, permitiu a conscientização da modificação de determinadas condutas que as mães possuíam, a fim de ajudarem não só os seus filhos em suas dificuldades, mas primeira e, principalmente, a si próprias, por meio do resgate de suas histórias de vida, ressignificando as relações de ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
1. Barros SKSN, Del Prette A. Um treinamento de habilidades sociais para pais pode beneficiar os filhos na escola? Rev Soc Psicol Triângulo Mineiro. 2007;11(1):107-23. [ Links ]
2. Bolsoni-Silva AT, Salina-Brandão A, Rosin-Pinola AR, Versuti-Stoque FM. Avaliação de um programa de intervenção de habilidades sociais educativas parentais: um estudo-piloto. Psicologia: Ciência e Profissão. 2008; 28(1):18-33. [ Links ]
3. Bolsoni-Silva AT, Silveira FF, Marturano EM. Promovendo habilidades sociais educativas parentais na prevenção de problemas de comportamento. Rev Bras Ter Comport Cogn. 2008;5(2):125-42. [ Links ]
4. Webster-Stratton C. Case studies and clinical replication series: predictors of treatment outcome in parent training for conduct disordered children. Behavior Therapy. 1985; 16:223-43. [ Links ]
5. Webster-Stratton C. Advancing videotape parent training: a comparison study. J Consult Clin Psychol. 1994;62(3):583-93. [ Links ]
6. Cousins LS, Weiss G. Parent training and social skills training for children with attention-deficit hyperactivity disorder: how can they be combined for greater effectiveness? Can J Psychiatry. 1993;38(6):449-57. [ Links ]
7. Duch H. Redefining parental involvement in Head Start: a two-generation approach. Early Child Dev Care. 2005;175(1):23-35. [ Links ]
8. Rolfsen AB, Martinez CMS. Programa de intervenção para pais de crianças com dificuldades de aprendizagem: um estudo preliminar. Paidéia (Ribeirão Preto). 2008;18(39): 175-88. [ Links ]
9. Chechia VA. Intervenção com grupo de pais de alunos com insucesso escolar [Tese de Doutorado]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2009. [ Links ]
10. Martins NAR. Análise de um trabalho de orientação a famílias de crianças com queixa de dificuldade escolar [Dissertação de Mestrado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2001. [ Links ]
11. Brasil. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Conselho Nacional de Saúde. 1996. Disponível em: conselho.saude.gov.br/docs/Reso196.doc [ Links ]
12. Wagner A, Bandeira D. O desenho da família: um estudo sobre adolescentes de famílias originais e reconstituídas. Coletânea da ANPEPP - Família e comunidade. São Paulo: Press Grafic; 1996. [ Links ]
13. Wagner A, Féres-Carneiro T. La família en Brasil: estructura y aspectos peculiares en família de nível medio. Cuadernos de Terapia Familiar. 1998;12(38):107-14. [ Links ]
14. Fury G, Carlson EA, Sroufe LA. Children's representations of attachment relationships in family drawings. Child Development. 1997; 68(6):1154-64. [ Links ]
15. Cecconello AM, Koller SH. Avaliação da representação mental da relação de apego na criança através do desenho da família. Arq Bras Psicol. 1999;51(4):39-51. [ Links ]
16. Andrade MS. Ensinante e aprendente: a construção da autoria de pensamento. Constr Psicopedag. 2006;14(11). Disponível no URL: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-69542006000100005&lng=pt&nrm=iso [ Links ]
17. Rodrigues A, Barbosa MC. Família e a autorização para aprender. In: Munhoz MLP, ed. Questões familiares em temas de psicopedagogia. São Paulo: Memnon; 2003. [ Links ]
18. Winnicott D. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes; 2005. [ Links ]
19. Winnicott D. Preocupação materna primária. In: Textos selecionados da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; 1978. p.339-405. [ Links ]
20. Granato TMM, Aiello-Vaisberg TMJ. Ser e fazer na maternidade contemporânea. Estud Psicol. 2003;20(2):71-6. [ Links ]
21. De Felice EM. A psicodinâmica do puerpério. São Paulo: Vetor; 2000. [ Links ]
22. Ferriolli SHT, Marturano EM, Puntel LP. Contexto familiar e problemas de saúde mental infantil no Programa Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2007;41(2):251-9. [ Links ]
23. Bettelheim B. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra; 2007. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Márcia Siqueira de Andrade
Av. Franz Voegeli, 300 - Vila Yara
Osasco, SP, Brasil - CEP 06020-190
E-mail: mandrade@unifieo.br
Artigo recebido: 13/5/2013
Aprovado: 18/6/2013
Trabalho vinculado à Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, do Centro Universitário FIEO, para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Educacional, Osasco, SP, Brasil.