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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.31 no.94 São Paulo 2014
ARTIGO ORIGINAL
Moralidade e concepção de amor em crianças de 6 e 9anos
Morality and conception of love in 6 and 9 years old children
Ariadne Dettmann AlvesI; Heloisa Moulin de AlencarII; Antonio Carlos OrtegaIII
IDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil
IIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES, Vitória, ES, Brasil
IIIProfessor Doutor Colaborador e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES, Vitória, ES, Brasil
RESUMO
Refletindo sobre a importância das virtudes no desenvolvimento moral, nosso objetivo foi investigar as concepções das crianças sobre o amor. Entrevistamos, individualmente, 40 crianças, de 6 e 9 anos, em uma escola particular de Vila Velha-ES, de acordo com o método clínico proposto por Piaget. Solicitamos que cada criança mencionasse exemplos de experiência de amor e, posteriormente, justificasse suas respostas. Os exemplos mais citados foram 'ações de amor para outrem' (como ajudar e cuidar) e 'amor por determinada(s) pessoa(s)' (pessoas da família e amigos, entre outros), que aumentaram com a idade; e 'ações com amor' (como brincar e beijar), que apresentaram um decréscimo. As justificativas ressaltaram, principalmente, a consequência positiva que o exemplo de amor propiciaria, especialmente, a si próprio, ou seja, um interesse próprio que aumentou com a idade. Salientamos que o sentimento foi mencionado tanto como exemplo de amor, como justificativa. Verificamos que a concepção que as crianças têm do amor é ampla, sendo importante, portanto, darmos ênfase no processo de formação dessa virtude, uma vez que o amor auxilia na formação moral. Assim, esperamos incentivar outros trabalhos e discussões sobre o amor, contribuindo para propostas de educação e auxiliando na formação moral das crianças.
Unitermos: desenvolvimento moral; juízo moral; virtudes; amor.
SUMMARY
Reflecting on the importance of virtues in moral development, our aim was to investigate children's concepts about love. We individually interviewed 40 children, 6 and 9 years old, in a private school in Vila Velha-ES, according to the clinical method proposed by Piaget. We asked each child to mention examples of experiences of love, and then later, to justify their answers. The examples cited were 'giving love to others' (such as helping and caring) and 'love for (a) particular person/ people' (family members and friends, among others), which increased with age, and 'actions with love' (like playing and kissing), which showed a decrease. The reasons pointed out, especially, the positive result that an example of love would provide, especially to them, that is, an interest in oneself that increased with age. We underline that the feeling was mentioned both as an example of love and as a justification. It was verified that the concept children have of love is wide, so it is important, therefore, to give emphasis on the process of formation of this virtue, since love helps in the moral formation. Thus, hopefully we encourage other works and discussions about love, contributing to proposals for education and assisting in the moral formation of children.
Keywords: moral development; moral judgments; virtues; love.
INTRODUÇÃO
O pioneiro das pesquisas psicológicas sobre o juízo moral na criança foi Piaget1. Ele iniciou seus estudos sobre o desenvolvimento moral analisando a prática e a consciência das regras. Sobre a prática das regras, o autor definiu o primeiro estágio (até aproximadamente 2 anos) como sendo motor e individual, no qual a criança permanece no jogo individual, puramente motor; nesse sentido não podemos falar em regras propriamente ditas. No segundo estágio, chamado egocêntrico, a criança (cerca de 2 a 5 anos) joga sozinha, sem se importar com os parceiros. Mesmo quando estão juntas, elas jogam cada uma para si, sem se preocupar com a codificação das regras. Piaget1 afirma que o egocentrismo seria uma conduta intermediária entre o individual e o social, e que para ser possível a cooperação é necessário estar consciente de seu eu para situá-lo em relação ao pensamento comum.
Por volta dos 7 ou 8 anos, segundo o referido autor, se desenvolve o terceiro estágio: cooperação nascente1. No jogo, a criança passa a objetivar vencer seu adversário, desenvolvendo-se a necessidade de um entendimento mútuo do jogo. Entretanto, as crianças desse estágio não conhecem as regras em seus pormenores, e cada uma tem uma opinião pessoal a respeito delas. Aos 11 ou 12 anos inicia-se o quarto estágio, a codificação das regras. As crianças tratam as regras em todos os detalhes e as discutem, os jogos passam a ser regulamentados e seus códigos são conhecidos por todos.
Sobre a consciência das regras, Piaget1 afirma que a criança até por volta dos 4 anos estaria em uma fase de anomia (pré-moral), pois não tem o conhecimento da regra como sendo coercitiva. Ao entender que há ações que devem ou não devem ser realizadas, desenvolve-se o pensamento heterônomo. Essa fase compreenderia, em relação à prática das regras, ao auge do egocentrismo até aproximadamente a metade do estágio da cooperação nascente. A criança aceita que toda regra imposta por uma figura de autoridade é correta, não precisando ser elaborada nem compreendida, apenas obedecida. Considera as regras como imutáveis, tendendo a interpretá-las ao pé da letra. Além disso, ela privilegia as consequências da ação, e não leva em conta a intenção que a motivou. Nessa fase, a criança respeita os pais por medo e amor: medo das punições e de perder o amor e proteção dos pais, e devido ao apego e admiração que tem por eles. Portanto, há o predomínio do respeito unilateral. Dessa forma, a entrada no mundo da moral se dá por coação, desenvolvendo o sentimento de obrigatoriedade1.
Interagindo com outras crianças, as relações de coação podem ser substituídas pelas relações de cooperação e de respeito mútuo. Por conseguinte, a criança pode, por volta dos 10 anos, apresentar algumas características de autonomia, possibilitando-a agir por princípios de reciprocidade e igualdade. Passa a compreender e interpretar as regras, permitindo-a fazer suas próprias avaliações morais. Leva em conta a intenção do ato, e não sua consequência. É importante destacarmos que nenhuma criança é totalmente heterônoma ou autônoma, Piaget1 ressalta que é uma tendência na qual a criança pensa a moral.
Para ser possível o pensamento autônomo, é necessária a diminuição do egocentrismo característico do período pré-operatório. Apesar de não ser nosso objetivo analisar o desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget, devemos esclarecer que, em cada um dos quatro estágios, o egocentrismo se manifesta de uma forma particular. Assim, no estágio sensório motor (0 a 2 anos, aproximadamente), o egocentrismo relaciona-se à indiferenciação entre o sujeito e os objetos. Assim, a criança não tem uma consciência pessoal, que é desenvolvida durante esse estágio. Por sua vez, no pré-operatório (por volta de 2 a 7 anos), há confusão entre o ponto de vista próprio com o de outra pessoa, assim a criança não diferencia seus pensamentos dos pensamentos de outrem, dificultando colocar-se na perspectiva do outro, agindo como se tudo acontecesse devido à própria vontade. Desenvolvendo as operações concretas (acerca de 7 a 11 anos), o egocentrismo se manifesta na dificuldade de diferenciar os produtos mentais dos dados perceptuais, com isso, o pensamento da criança é dependente das suas percepções. No estágio operatório formal (a partir dos 12 anos, aproximadamente), o adolescente não diferencia seu mundo do mundo real, assim acredita que é capaz de modificar o mundo, uma vez que este deve se submeter às regras lógicas2-4.
Podemos concluir que o pensamento egocêntrico se faz presente em todo o desenvolvimento, entretanto, a dificuldade de diferenciar seus pensamentos dos pensamentos dos outros, e assim não perceber as intenções alheias, são características do período pré-operatório. Com o desenvolvimento, tende a diminuir, permitindo à criança reconhecer o ponto de vista do outro, e, juntamente com outros aspectos já discutidos, construir a autonomia. Retornando a discussão a respeito da moralidade, a heteronomia está relacionada à moral da obediência, do respeito unilateral e da coação, e a autonomia à moral da justiça, do respeito mútuo e da cooperação. La Taille5 afirma que o sujeito heterônomo obedece à moral devido ao sentimento de obrigatoriedade. O sujeito autônomo, por sua vez, além desse sentimento, elege, entre outros, a equidade e a reciprocidade em suas concepções. Esse autor amplia a discussão no campo da moralidade, primeiramente, refletindo sobre os conceitos de moral e ética. Vejamos suas definições.
La Taille5 discute que a moral refere-se às regras obrigatórias, com a finalidade de garantir a harmonia do convívio social. Relaciona-se a deveres, respondendo a pergunta 'como devo agir?'. Há, portanto, o sentimento de obrigatoriedade. Por sua vez, a ética remete à busca de "uma vida que 'vale a pena ser vivida'", elegendo outra pergunta 'que vida quero viver?'. Assim, temos na ética a 'expansão de si próprio' como motivação psicológica. O plano ético engloba o moral, pois saber 'como devo agir' depende de 'que vida quero viver', ou seja, a dimensão afetiva da ação moral tem suas origens nas opções éticas dos indivíduos. Dessa forma, é a moral que confere legitimidade às opções de 'vida boa', assim "confere-lhes as condições necessárias para que mereçam o nome de ética".
La Taille5 discorre, baseando-se em Aristóteles (384-322 a.C.), que a ética se relaciona ao cultivo das virtudes, uma vez que para o homem atingir a elevação é necessário esse cultivo. Destaca que as virtudes são fundamentais para "a alimentação da gênese da moral na criança"6, desempenhando papel na construção da moralidade. Para ele, todas as virtudes morais são merecedoras de estudos psicológicos.
Apesar dessa importância das virtudes morais, La Taille7 relata que hoje o foco está nos vícios (contrário da virtude), nos problemas a serem superados, e não nas virtudes. Agora, assuntos como desrespeito, assédio sexual, violência, bullying, indisciplina e falta de limites estão sendo discutidos na sociedade. No entanto, o tema das virtudes morais está reaparecendo. La Taille5 ressalta que - apesar de as necessidades de outrem muitas vezes não serem percebidas, demonstrando uma atitude autocentrada das pessoas - há a preocupação na defesa dos direitos humanos, sensibilidade frente aos que sofreram alguma deficiência e organizações que procuram dar apoio e visibilidade aos que sofrem miséria e exclusão. Podemos citar, também, diversos temas estudados na área da Psicologia da Moralidade, como justiça, generosidade, solidariedade, gratidão, polidez, fidelidade, vergonha, humilhação, entre outros. Mencionaremos mais detalhadamente alguns trabalhos sobre a generosidade devido a sua proximidade com a virtude do amor.
La Taille8 analisou, a partir de dois estudos com crianças de 6 e 9 anos, o lugar da generosidade no universo moral da criança. Ele destaca três aspectos principais dessa virtude: o altruísmo (o beneficiário da ação generosa é outrem), na generosidade há um sacrifício por quem pratica a virtude, e, por último, não se dá a outrem o que é de direito, mas o que é de necessidade. Por sua vez, Vale & Alencar9 investigaram a presença da generosidade em contraposição à satisfação de um interesse próprio. Relatam que a maioria dos participantes de 7, 10 e 13 anos optou pela virtude. Assim, pode-se afirmar que a generosidade faz parte do universo moral infantil e adolescente.
Gostaríamos de nos referir, ainda, ao estudo de Miranda10 sobre projetos de vida dos adolescentes, e qual o lugar do outro nesses projetos. Os 24 participantes, com idades entre 15 a 20 anos, declararam ter projetos de vida relacionados a bens materiais, relacionamentos afetivos, atividade profissional, formação acadêmica e outros. Para análise das justificativas, a autora as categorizou como conectadas (quando incluíam outra pessoa em lugar central) ou desconectadas (quando não consideraram a existência de outro, ou este era incluído em lugar secundário). Assim, 52% das justificativas foram conectadas e 48% desconectadas. Conclui discutindo que a existência dos dois tipos de justificativas pode significar que valores morais e éticos permeiam parte dos projetos de vida dos adolescentes, mas não sua totalidade.
Diante dessas reflexões e da relação entre a moral e as virtudes, escolhemos estudar sobre a virtude do amor. Segundo Comte-Sponville11, necessitamos de moral porque nos falta amor. Assim, se tivéssemos amor, não precisaríamos de moral. Por sua vez, só desenvolvemos a moral devido ao pouco de amor que temos. Comte-Sponville11 discorre sobre três tipos de amor: eros, philia e ágape. Eros é a paixão amorosa, caracterizado pelo desejo do que falta, ou seja, de se unir à sua outra metade. Sendo essa fusão absoluta impossível, eros é sofrimento e carência. Por outro lado, philia é o amor da amizade. É vontade de fazer o bem um ao outro; é desejar o bem aos amigos por amor a eles. Philia é "o amor que fazemos ou damos, é ação"11. Entretanto, nunca é totalmente desinteressada e gratuita, uma vez que o interesse de nossos amigos também é nosso interesse. Godbout12 afirma que a amizade, philia, repousa sobre a capacidade de dar e retribuir, sobre a reciprocidade. Exige generosidade e espontaneidade.
Para Comte-Sponville11, há ainda o amor que não é paixão nem amizade, é ágape. Este é a caridade, amor divino, universal, desinteressado e gratuito, é amar até seus inimigos. Consiste na renúncia de seu prazer, de seu bem-estar ou de seus interesses pelo amor ao outro. Betto & Cortella13 também discorrem sobre a caridade, salientando que o amor deve ser direcionado até aos inimigos. Além disso, cada pessoa teria certa capacidade de praticar o amor, assim "há quem chegue, nesta vida, a quase esgotá-la, como Francisco de Assis, madre Tereza de Calcutá ou mesmo Gandhi". Entretanto, de acordo com esses autores, temos dificuldade em desenvolver essa capacidade por conta do nosso egoísmo e da nossa cultura, que nos incentiva a tornarmos insensíveis às preocupações dos outros.
Sobre isso, devemos nos referir a Bauman14. Para ele, se investimos numa relação, contamos com o lucro da segurança, ou seja, o apoio quando se precisa, o socorro na aflição, a companhia, o consolo, o aplauso, enfim, esperamos que o relacionamento nos dê uma consequência positiva. Pensando dessa forma, o relacionamento seria um investimento como qualquer outro, podendo ser comparado ao mercado de ações. Os acionistas têm que estar sempre atentos para saber quando é momento de permanecer com as ações ou se desfazer delas. Ele considera, portanto, a existência da fragilidade dos vínculos humanos.
Apesar dessa ideia, podemos citar Godbout12, que discorre sobre a existência de amor nos vínculos de relacionamento. Reflete sobre o conceito de dádiva, definindo-a como o ato de dar espontaneamente algo sem garantia de retorno, mas a retribuição pode existir mesmo não sendo desejada. Para esse autor, a família seria o lugar básico para a dádiva, onde ela pode ser vivida com mais intensidade. Por sua vez, na relação com amigos, as estruturas da amizade são mais livres, pois nós que os escolhemos. Apesar de existir a reciprocidade, não é imediata, se estende no tempo. Discute, ainda, sobre a dádiva a desconhecidos, afirmando que religiões encorajam esse tipo de dádiva, o 'amar ao próximo', mas ressalta que o próximo deve se referir à humanidade inteira.
Por sua vez, Keleman15 considera que o amor inclui a paixão, a vitalidade do desejo e os padrões de intimidade. Salienta que é na família que aprendemos ou não o que é o amor, entretanto o modo como amamos não é mera repetição do modo como fomos amados ou como fomos ensinados a amar. Esse autor descreve que as crianças passam por quatro estágios do amor no processo de se tornarem adultas. São eles: cuidar, importar-se com alguém, compartilhar e cooperar. Essas atividades geram sentimentos que são associados a cada fase, por meio das relações dos pais com a criança pode resultar em distorções de amor quando adulto. Macedo16 também discute sobre esses estágios de amor descritos por Keleman15, afirmando que essas ações (cuidar, importar-se, compartilhar e cooperar) são necessárias para o amor florescer. Mas questiona se ao realizarmos, estaríamos fazendo pelo outro ou por nós mesmos. Além disso, declara que o amor já está em nós, mas só o descobrimos na relação com o outro.
Alves et al.17 perguntaram a sete pessoas de 5 a 70 anos sobre a concepção de amor que possuíam. Os participantes de até 20 anos destacaram o amor direcionado a outrem por meio de ações como cuidar, compartilhar ou admirar, mas não definiram quem seria o recebedor da ação. Por sua vez, os mais velhos citaram o amor especialmente a família, amigos e companheiros. Os argumentos para as escolhas dos exemplos de amor ressaltaram, principalmente, a experiência pessoal ou exemplos de outras pessoas e a consequência positiva que esse amor traria.
Souza & Ramires18 também investigaram a concepção de amor em pesquisa sobre casamento, relacionamentos familiares e divórcio, para 85 crianças e adolescentes de 5 a 15 anos. Primeiramente, as autoras indagaram, individualmente, 25 participantes sobre o que entendiam por amor. Os demais foram entrevistados em grupos, com o uso de figuras que abordavam vários tipos de vínculos afetivos, para estimular as discussões. Com esse estudo, Souza & Ramires18 constataram que o amor abrange vários sentidos, como o amor romântico, o amor à família, à amizade e a animais de estimação. A concepção que as crianças de 5 a 8 anos têm é do amor como ação (abraçar, beijar, ficar junto), não havendo referências às características do outro. Elas fazem uso de símbolos na tentativa de explicar o amor, como, por exemplo, o uso de alianças para demonstrar o amor. A partir dos 8 anos definem o amor como sentimento, e essa conceituação torna-se mais frequente e mais detalhada com a idade. Evidenciam o namoro, entre 10 e 12 anos, ressaltando a necessidade de maturidade e preparação para essa relação. Por sua vez, para os adolescentes de 14 e 15 anos, o amor é um sentimento que remete a valorização e o reconhecimento da pessoa amada. Em todas as idades, o relacionamento entre pais e filhos foi considerado o vínculo mais forte, caracterizado pela irreversibilidade, evidenciando a importância da relação de apego e cuidado. Os participantes destacaram também a relevância do vínculo da amizade.
Partindo da reflexão desses autores, o objetivo do presente trabalho foi investigar e comparar, em um contexto psicogenético, os juízos de crianças de 6 e 9 anos, sobre a concepção de amor.
MÉTODO
Participaram do nosso estudo 40 crianças de classe média de uma escola particular do município de Vila Velha - ES: 20 crianças de 6 anos e 20 de 9 anos, igualmente divididos quanto ao sexo. Os participantes foram selecionados por sorteio, levando em consideração a idade e o sexo. Realizamos entrevista individual, solicitando que os participantes citassem exemplos de experiências de amor, e, em seguida, que justificassem cada exemplo mencionado. Utilizamos o método clínico proposto por Piaget1,19, que nos possibilitou a intervenção sistemática do pesquisador diante da atuação dos sujeitos, na ação de esclarecer as respostas e as justificativas dos participantes. Salientamos que as entrevistas foram gravadas na íntegra, para fins, exclusivamente, de pesquisa.
Destacamos que a pesquisa segue os padrões éticos da Resolução Nº 196/1996 do Ministério da Saúde20. Dessa forma, para realização das entrevistas, obtivemos a permissão da direção da escola e dos pais, ambos por meio de assinatura dos termos de consentimentos. Os alunos foram esclarecidos verbalmente sobre os objetivos, procedimentos da pesquisa e sigilo das informações, e foi respeitada a vontade de participar. Além disso, os participantes de 9 anos assinaram um termo de assentimento.
Priorizamos a análise qualitativa dos dados e utilizamos referências quantitativas em número e percentuais, para o auxílio na apresentação e discussão dos resultados. Assim, os dados foram analisados com base na teoria piagetiana e na sistematização proposta por Delval21.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os participantes mencionaram variados exemplos de amor, sendo que as crianças de 9 anos mencionaram mais exemplos do que as de 6 (Tabela 1).
Verificamos que os exemplos mais citados foram 'ações de amor para outrem', 'amor por determinada(s) pessoa(s)' e 'ações com amor'; com número aproximado de respostas. 'Ações de amor para outrem' se refere a ações que beneficiem outra pessoa, como: ajudar, doar, cuidar, respeitar, partilhar. Aqui, o outro é o fim da ação, ou seja, o objetivo da ação de amor é direcionado ao outro. Portanto, essa concepção é uma prática virtuosa, conforme assinala Ariele (6 anos): "Cuidar das crianças pobres".
Essa concepção de experiência de amor como uma ação de amor para outrem é semelhante a philia, definida por Comte-Sponville11 como vontade de fazer o bem um ao outro, é "o amor que fazemos ou damos, é ação". Godbout12 também afirma que a philia relaciona-se com a capacidade de dar e retribuir, ou seja, ações. Podemos relacionar esses exemplos de ações de amor à generosidade. La Taille8 ressalta que na ação generosa há sacrifício por parte da pessoa que pratica a virtude, sendo que outrem é o beneficiário da ação. Dessa forma, o amor estaria representado por ações generosas? Para responder a essa questão devemos analisar as justificativas, uma vez que na generosidade nada se reivindica, ou seja, favorece quem é por ela contemplado, não quem age de forma generosa. Por ora, continuemos a apresentação e discussão dos resultados em relação às respostas.
Nossos dados estão de acordo com a pesquisa de Alves et al.17. Eles relatam que ações de amor também foram as mais mencionadas, no entanto, somente os participantes de até 20 anos fizeram menção a elas. Vale ressaltar que esses autores entrevistaram apenas uma pessoa de cada idade. Sendo assim, sugerimos que outras pesquisas possam ser realizadas, com outras faixas etárias e com maior número de entrevistados, investigando se essa concepção se faz presente em outras idades.
Constatamos que a frequência de 'ações de amor para outrem' aumentou com a idade. É importante refletirmos que, como afirmou Piaget1 no que diz respeito à prática das regras, por volta dos 7 ou 8 anos, a criança começa a desenvolver o estágio cooperação nascente, diminuindo o egocentrismo. Passa a se situar em relação ao pensamento comum e, assim, pode cooperar, o que a permite sugerir uma ação de amor para outrem. Além disso, com a diminuição do tipo de pensamento egocêntrico característico do período pré-operatório, a criança pode, no que diz a consciência das regras, desenvolver traços de autonomia, facilitando se colocar no lugar do outro, e, portanto, desejar uma ação para o bem de outrem. Entretanto, destacamos, novamente, a necessidade de outros estudos para verificar se essa concepção de amor se faz presente em outras faixas etárias.
Por sua vez, 'ações com amor' se refere a ações realizadas com amor, como, por exemplo, brincar, abraçar ou beijar. O foco não está no outro, mas na ação em si, ou seja, o outro é o meio para realização do ato, como na explanação de Adriana (6 anos): "Um colega ir à casa do outro para brincar. [...] Ir à casa do outro às vezes para brincar, comer um lanchinho... [...] Ou ele pode dormir". Esse foi o exemplo mais citado pelas crianças de 6 anos. Pode estar relacionado ao egocentrismo, mais intenso nos mais novos, uma vez que a ação com amor está centrada na própria pessoa; o outro é apenas o meio para realizar essa atividade, mas diminui com a idade.
Se somarmos as duas respostas, 'ações de amor para outrem' (22,7%) e 'ações com amor' (21,3%), verificamos que 44% dos exemplos se referem a ações, salientando sua importância na concepção das crianças. Fazendo esse cálculo por idade, encontramos essa menção em 53,5% das respostas dos escolares de 6 anos e 36% das respostas dos de 9, ou seja, houve um decréscimo com a idade. Keleman15 e Macedo16 também se reportam a ações nas reflexões sobre o amor. O primeiro autor discorre sobre estágios de amor (cuidar, importar-se, compartilhar e cooperar), afirmando que a criança ao nascer receberia essas ações e, posteriormente, também demonstraria o amor por meio de atos. Por sua vez, Macedo16 assinala que essas atitudes são necessárias para o amor florescer.
Os dados da pesquisa de Souza & Ramires18 demonstram, de forma semelhante, que as crianças de 5 a 8 anos relacionam o amor a uma ação, como abraçar, beijar, ficar junto, dar uma flor. As autoras não analisaram se as ações seriam de amor ou com amor, como fizemos em nosso trabalho. Todavia podemos verificar que as crianças definem o amor por meio da representação de ações.
Outro exemplo citado por nossos participantes foi 'amor por determinada(s) pessoa(s)', que se refere ao amor por alguma pessoa, podendo esta ser da família, amigo, professor, crianças, ou alguém que acha bonito. Ressaltamos que essa categoria foi a mais mencionada pelos escolares de 9 anos. Gostaríamos de descrever que das 47 respostas, 22 foram para a família e 18 para amigos, as demais se referiram à professora (n=3), às crianças (n=2), a alguém que ache bonita (n=1) e ao próximo, que na concepção do escolar seria a família e os amigos (n=1). Apesar de não ter sido nosso objetivo investigar quem da família seria o recebedor desse amor, dos 22 exemplos, alguns especificavam o amor aos pais (n=6), às avós (n=2), aos tios (n=2) e aos irmãos (n=2), e os demais citavam a família em geral (n=10). Nossos dados estão de acordo com os de Souza & Ramires18, uma vez que seus participantes (5 a 15 anos) elegeram os pais como vínculo mais forte, evidenciando a influência da relação de apego e cuidado, e consideraram a relação com os amigos sendo muito importante.
Esses vínculos (família e amigos) contribuem para o desenvolvimento da dádiva, segundo Godbout12. Ele ressalta que a família serve de base para a dádiva, na qual é vivida com mais intensidade. Na relação com os amigos, existe uma reciprocidade e a estrutura é mais livre, pois nós os escolhemos. Além disso, Piaget1 evidencia a importância dos pais e dos amigos ao discorrer sobre heteronomia e autonomia. Com o desenvolvimento da relação de coação (relação com a autoridade), a criança inicia a fase de heteronomia. Assim, ela respeita os pais por medo e amor, desenvolvendo o sentimento de obrigatoriedade e respeito às regras. Por sua vez, as interações com outras crianças favorecem o desenvolvimento da cooperação e respeito mútuo, necessários à autonomia. Dessa forma, a interação com os pais e amigos, no decorrer do seu desenvolvimento, pode estar relacionada ao aumento do número de exemplos sobre 'amor por determinada(s) pessoa(s)' com a idade. Além disso, como discutimos nas 'ações de amor para outrem', a diminuição do pensamento egocêntrico, característico do período pré-operatório, permite a criança se colocar no lugar do outro, e, assim, desejar o amor para outrem.
Nossos participantes mencionaram, ainda, exemplo de amor relacionado ao 'sentimento'. Foram respostas que remetem, principalmente, ao gostar. Eis a explanação de Floriano (9 anos): "Provavelmente é quando duas pessoas se gostam muito". Souza & Ramires18 também constataram essas afirmações na concepção de amor em crianças e adolescentes. As autoras evidenciaram que o desenvolvimento influencia no aumento do número dessas respostas com a idade, estando de acordo com nossos dados, uma vez que a frequência dessa categoria é maior no grupo de 9 anos, também devido ao aumento da facilidade para refletir sobre temas mais abstratos.
Poucos escolares citaram 'relacionamento amoroso'. Esta categoria diz respeito, principalmente, ao namorar ou casar; como afirma Adriano (6 anos): "Amor é querer casar". Por sua vez, 'ausência de ação de desamor' relaciona o amor à ausência de uma ação realizada com desamor, não chegando a ser uma ação para o bem de outrem. Assim, para Adilson (6 anos), um exemplo de amor é "não machucar o amigo", ou seja, não se trata de uma ação de amor, mas uma ausência de uma ação de desamor (não machucar). Essa resposta foi mais assinalada pelo grupo de 6 anos. Dessa forma, a criança não conseguindo definir o que seria amor, ela descreveria o que não é. Essas afirmações demonstram a dificuldade da construção do conceito, e, portanto, com o aumento da idade, desenvolvendo a facilidade de articular os conceitos, as crianças tenderiam a mencionar menos esse tipo de resposta.
Alguns participantes ainda fizeram alusão ao 'amor a natureza e a animal'. Apesar de terem como objetivo a concepção de amor visando aos vínculos humanos, Souza & Ramires18 também descrevem que o amor a animal de estimação está presente na concepção das crianças e adolescentes.
Além disso, podemos verificar que a categoria menos citada foi 'amor a Deus'. No estudo de Alves et al.17 com participantes de 5 a 70 anos, essa resposta só foi citada por um dos sete participantes, cuja idade era 30 anos. Sendo assim, conforme discorremos anteriormente, consideramos relevante que outras pesquisas possam ser realizadas, investigando a existência dessa concepção, com maior número de participantes e em diversas faixas etárias.
Em 'outros' agrupamos as respostas que não poderiam ser incluídas nas categorias anteriores e foram mencionadas com pouca frequência. Tivemos, por exemplo, o amor a um lugar (n=4), principalmente a escola, ou seja, uma referência ao lugar que passam grande parte do dia, salientando sua importância. As crianças também citaram coração (n=2), que podemos considerá-lo como um símbolo do amor. Esse exemplo corrobora a ideia de Souza & Ramires18, sobre a utilização, por parte das crianças, de símbolos na tentativa de explicar o amor, quando não dispõem de conceitos e modelos representacionais de amor romântico. Mencionam ainda paz (n=2); harmonia; esperança; justiça; fé; história de amor na televisão; respeitar o mundo (para a criança, respeitar o mundo estaria relacionado a respeitar as regras do sinal de trânsito); amor pela arte; amor pela alimentação saudável e amor por roupas, que também foram agrupados em 'outros'.
Após as crianças terem citado todos os exemplos, pedimos que justificassem a escolha de cada um, sendo que poderiam dar mais de um argumento para cada exemplo. Vejamos, agora, as explicações dadas pela escolha do exemplo de experiência de amor (Tabela 2).
Da mesma forma que os exemplos, os participantes de 9 anos mencionaram mais justificativas do que os de 6 anos. A maior parte dos argumentos diz respeito à 'consequência positiva para si próprio' que o exemplo de amor proporcionaria. A explicação de Ângela (6 anos) sobre a escolha dos amigos como exemplo de experiência de amor ilustra esse motivo: "Os amigos porque eles só ficam do meu lado, quando estou com problemas, eles me ajudam. [...] Sempre estão do meu lado. [...] Sempre quando alguém me bate, eles me ajudam, eles me defendem, eles brincam comigo".
Esse raciocínio está de acordo com Bauman14, pois, segundo esse autor, quando investimos em uma relação esperamos um retorno: o apoio quando necessitamos, o socorro na aflição, a companhia, entre outros. Desse modo, desejamos uma consequência positiva desse relacionamento. Por sua vez, Comte-Sponville11 discute que o amor egoísta é eros, a paixão amorosa, ou seja, amar o outro para nosso próprio bem. O autor afirma, também, que o amor philia, apesar de ser amar o outro para o bem dele, não é totalmente gratuito. O amor completamente desinteressado seria ágape, o amor universal de amar até mesmo inimigos e desconhecidos. Dessa forma, constatamos que, em algumas concepções das crianças, há espera de um retorno, não sendo um amor desinteressado, ou seja, não é ágape. Além disso, esses argumentos sobre 'consequência positiva para si próprio' foram os mais citados pelos dois grupos de escolares, apresentando, ainda, um aumento relevante na frequência com o aumento da idade.
Assim, verificamos em nosso estudo, o interesse próprio. Vale & Alencar9 investigaram a generosidade em contraposição à satisfação do próprio interesse, e relatam que a maioria (80%) de seus participantes (7, 10 e 13 anos) escolheu a virtude. Entretanto, 26,7% dos entrevistados que optaram pela generosidade, tentaram inicialmente conciliar a ação generosa com a satisfação do interesse próprio. Após a contra-argumentação da pesquisadora demonstrando a impossibilidade de satisfazer o próprio interesse e ser generoso, esses participantes decidiram pela virtude. Dessa mesma forma, não podemos afirmar que por existirem argumentos sobre o interesse próprio não há virtude, uma vez que encontramos variadas explicações, sendo que algumas demonstram a preocupação com o outro, e ainda não tínhamos o objetivo de fazer uma contraposição entre o interesse próprio e a virtude. Podemos apenas considerar que o interesse próprio se faz presente na concepção de amor das crianças e aumenta com a idade. Entretanto, nos indagamos: com a diminuição do egocentrismo característico do período pré-operatório e, assim, a possibilidade de se colocar no ponto de vista do outro, o interesse próprio não deveria decrescer? Quais seriam os motivos para o aumento desses argumentos? Uma possibilidade pode estar de acordo com Betto & Cortella13 que afirmam que somos influenciados por nossa cultura egoísta, que nos incentiva a defender primeiramente nossos próprios interesses. Além disso, La Taille5 ressalta que muitas vezes em nossa sociedade o outro é invisível, uma vez que suas necessidades não são percebidas, demonstrando uma atitude autocentrada das pessoas. Dessa forma, o acréscimo desses argumentos com a idade estaria relacionado à cultura? Para responder a essas questões, sugerimos que outras pesquisas possam ser realizadas, compreendendo as faixas etárias posteriores do nosso estudo e com o objetivo de contrapor a virtude do amor e o interesse próprio.
Em seguida, verificamos motivos sobre o 'sentimento' e a 'característica positiva' do exemplo citado, com número aproximado de respostas. Vejamos a justificativa de Fabiana (9 anos), que corresponde a explicação sobre 'sentimento': "Ah, porque a gente sente amor por eles [pessoas da família]". Assim, o amor se justifica pelo sentimento que a entrevistada sente pela família. Ressaltamos que essa categoria também foi citada como exemplo de experiência de amor, demonstrando sua importância na concepção das crianças, e, da mesma forma que na questão anterior, aumentou com a idade, devido ao seu desenvolvimento, passando a compreender melhor os sentimentos. Os dados da pesquisa de Alves et al.17 também demonstram uma frequência maior desse tipo de argumento, principalmente pelos participantes maiores de 30 anos. Diante da frequência das respostas e justificativas sobre o 'sentimento', consideramos relevante que novas pesquisas sejam realizadas, para compreender seu papel na concepção de amor de crianças, e verificar se permanece o aumento no decorrer do desenvolvimento.
Por sua vez, 'característica positiva' estabelece que o exemplo citado é amor devido a seus próprios atributos, e estes são positivos. Um exemplo: "Porque os amigos são muito bons. [...] Eles são legais" (Flávio, 9 anos), assim, amaríamos os amigos devido a suas características. Refletimos que esses atributos de outrem podem resultar em uma consequência positiva para si próprio, e, portanto, estar relacionado a um interesse próprio. Souza & Ramires18 afirmam que as crianças de 5 a 8 anos não se referem a atributos do outro em suas concepções de amor. Entretanto, no presente trabalho, encontramos essa justificativa nos dois grupos pesquisados (6 e 9 anos).
Dada essa importância às características positivas do outro, como ficaria o amor aos inimigos (que possivelmente não é possuidor de atributos positivos) e aos desconhecidos (que não sabemos suas qualidades)? Não estaria presente o amor ágape descrito por Comte-Sponville11 e defendido por Godbout12 e Betto & Cortella13? Apesar de grande referência a qualidades de outrem, podemos analisar outros argumentos (veremos no decorrer do texto) que demonstram ao menos um indício desse tipo de amor nas concepções das crianças.
Em 'observação de experiência vivenciada' consideramos tanto as explicações que relatavam a experiência própria quanto à vivida por outras pessoas. Constatamos, portanto, a influência das experiências na formulação de suas concepções. Outro motivo para a escolha do exemplo de amor foi pela 'consequência positiva para outrem', ou seja, é amor devido a uma consequência positiva, mas o que a diferencia de 'consequência positiva para si próprio' é o fato de quem se beneficia do objeto de amor: neste último, quem se beneficia é a própria pessoa; já no primeiro, o beneficiado do amor é a outra pessoa. Eis o depoimento de Fabrícia (9 anos), que justifica o exemplo de ajudar a senhora a atravessar a rua: "Porque foi bom para aquela senhora, já que ela não estava sabendo atravessar direito". Podemos relacionar esse argumento com o amor ágape, pois como afirmou Comte-Sponville11 não exige reciprocidade, não espera nada em troca. Entretanto, não podemos afirmar que se trata desse tipo de amor, pois ágape é amar até nossos inimigos, consiste na renúncia de nosso bem-estar pelo amor ao outro, características que não são possíveis de ser verificadas nessas justificativas.
Temos, ainda, 'consequência positiva recíproca', na qual ambos são beneficiadores do exemplo. Analisemos a explanação de Alana (6 anos) para o exemplo de duas pessoas se beijarem: "Porque as duas pessoas se sentem bem". Dessa forma, beijar é amor, pois remete a uma consequência positiva para as duas pessoas que se beijam. Essa explicação não se refere só a si próprio (como na 'consequência positiva para si próprio') e nem somente ao outro, (como na 'consequência positiva para outrem'), o que nos faz refletir se seria uma transição entre as duas. Além disso, fazendo uma comparação com os dois grupos, 'consequência positiva recíproca' apresentou um decréscimo com a idade, podendo evidenciar que a reciprocidade tornou-se menos necessária aos escolares de 9 anos.
Somando os argumentos sobre a 'consequência positiva para si próprio' (24,5%), 'consequência positiva para outrem' (7,4%) e 'consequência positiva recíproca' (7,1%) chegamos a um total de 39%. Assim, a escolha do exemplo de amor está pautada no retorno que esse pode trazer, principalmente para si próprio. Analisando essa relação do amor e o interesse próprio, gostaríamos de citar o estudo de Miranda10. Essa autora analisou o lugar do outro nos projetos de vida de adolescentes, e concluiu que 52% das justificativas para escolha desses projetos eram conectadas (incluíam outra pessoa, grupo ou instituição) e 48% eram desconectadas (não se referiam a outro, ou este apresentava papel secundário). Apesar de não ter sido nosso objetivo verificar o lugar do outro na concepção de amor, podemos constatar que as justificativas sobre a consequência positiva do exemplo se referem mais a si próprio do que ao outro. Fazendo a correspondência com a categorização realizada por essa autora, poderiam ser argumentos desconectados. Ressaltamos, portanto, a necessidade de trabalhos que discutam essa relação entre o outro e a satisfação de um interesse próprio.
Outra justificativa mencionada evidencia a 'ausência de consequência negativa', dessa forma, o exemplo é amor não por uma consequência positiva, mas pelo fato de não ter ocorrido uma consequência negativa. Antonio (6 anos) afirma que brincar é experiência de amor "Porque a gente não pode deixar o colega triste no parquinho". Demonstram a dificuldade em explicar a escolha do exemplo de amor, sendo referidas principalmente pelos escolares mais novos, sendo assim, desenvolvendo a capacidade de articular conceitos, as crianças tenderiam a assinalar menos argumentos como esse. Foram citados, também, motivos que remetem a uma obrigação, ao 'dever'. Por exemplo, a Felícia (9 anos) explica que respeitar as pessoas é amor "porque tem que ter o respeito [...]. Tem que ter respeito pelas pessoas", ou seja, é amor devido ao que deve ser feito.
Tivemos um número considerável de 'argumento circular', destacando a dificuldade de algumas crianças em explicar suas respostas. Piaget1 atribui esse fato à heteronomia, uma vez que nessa fase as regras são impostas à criança (são dadas por outro, superior a ela), ela as aceita cegamente e não desenvolve sua própria concepção, tendo dificuldades em argumentar seus pensamentos. Ressaltamos que a frequência desse tipo de justificativa apresentou um decréscimo com a idade, uma vez que os escolares de 9 anos possivelmente estão desenvolvendo o pensamento autônomo e seus próprios conceitos, assim como justificando suas escolhas.
A categoria menos citada foi sobre a 'convivência'. Vejamos a justificativa de Fabiana (9 anos) para a escolha do exemplo amor pelos animais: "Porque os animais ficam com a gente, convivem com a gente". É importante destacar que 'convivência' foi mencionada somente pelos mais velhos. Vemos a importância atribuída aos relacionamentos e aos vínculos por essas crianças.
Em 'outros' agrupamos as justificativas sobre consequência positiva indefinida (n=8), necessidade (n=5), não soube responder (n=4). Ainda, fizeram parte dessa categoria os argumentos sobre o fato de desejar um relacionamento amoroso; mostrar que aprendeu o que foi ensinado; saber que a outra pessoa merece; se não respeitar a pessoa, não a amaria; não saber até quando poderá ver a pessoa, por isso deveria fazer tudo de bom para ela; e nunca esquecer o exemplo de amor. Por sua vez, apesar de termos solicitado, dois exemplos não foram justificados, constituindo-se como 'dado perdido'.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo pudemos verificar que a concepção que as crianças têm do amor é ampla: incluem ações de amor para outrem, amor à família e aos amigos, ações em que não há referência ao outro, sentimento, relacionamento amoroso, entre outros. Constatamos que os exemplos diretamente relacionados para o bem de outrem (ações de amor para outrem e amor por determinada pessoa) e sobre o sentimento aumentaram com a idade, enquanto que os exemplos nos quais as ações que não têm o outro como foco, diminuíram. Os participantes justificaram principalmente pela consequência positiva para si próprio, que aumentou com a idade. O sentimento, além de ser citado como exemplo, também foi mencionado como argumento.
Diante desses dados, apesar do interesse próprio estar contido principalmente nas justificativas da consequência positiva para si que o exemplo de amor proporcionaria, podemos ressaltar que o amor para o bem do outro já está presente nas respostas das crianças, especialmente nos exemplos de ações de amor e amor por determinada pessoa, nos quais o amor é direcionado a outrem. Assim, sugerimos que outras pesquisas possam ser realizadas sobre esse tema, investigando, principalmente, um maior número de faixas etárias, inclusive com adolescentes, adultos e idosos, para que se verifique essa evolução no decorrer do desenvolvimento.
Além disso, devemos refletir sobre a influência da família e da escola nesse processo de construção, e verificar o papel da educação no desenvolvimento das virtudes. Uma vez que o amor auxilia na formação moral, é importante darmos ênfase no processo de construção dessa virtude. Sendo assim, apesar de esse artigo ter sido uma abordagem inicial ao tema do amor na área da moralidade, esperamos que possa incentivar outros trabalhos e discussões sobre essa virtude, gerando resultados para propostas de educação, auxiliando na formação moral das crianças.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Antonio Carlos Ortega
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa de Pós-graduação em Psicologia
Av. Fernando Ferrari, 514
Vitória, ES, Brasil
CEP 29075-910
Artigo recebido: 5/12/2013
Aprovado: 2/2/2014
Trabalho realizado na Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Vitória, ES, Brasil.