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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.31 no.94 São Paulo 2014
ARTIGO ORIGINAL
Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde
Expectations of nursing students first stage in front of the health institutions
Emerson Piantino DiasI; Beatriz Lemos StutzII; Tatiana Carneiro de ResendeIII; Natália Borges BatistaIV; Suéllen Siqueira de SeneIV
IEnfermeiro, Mestre em Promoção de Saúde, Universidade Federal de Uberlândia, Escola Técnica de Saúde, Uberlândia, MG, Brasil
IIPsicóloga, Doutora em Educação, Universidade Federal de Uberlândia, Escola Técnica de Saúde, Uberlândia, MG, Brasil
IIIMestre em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Uberlândia, Escola Técnica de Saúde, Uberlândia, MG, Brasil
IVEnfermeira, Graduada, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil
RESUMO
Neste estudo de abordagem qualitativa, objetivou-se investigar as expectativas de alunos do primeiro período de um curso técnico em enfermagem de uma universidade pública, acerca do seu primeiro estágio em unidades de saúde. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, gravada e transcrita, de acordo com a Resolução 196/96 que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Os resultados obtidos demonstram que o início do estágio é permeado por sentimentos de medo, insegurança e ansiedade dos estudantes. Pode-se concluir que esse é um momento em que devem contar com a compreensão e o conhecimento dos docentes para que se sintam mais confortáveis e preparados para elaborar questionamentos e sanar dúvidas em relação ao exercício profissional.
Unitermos: Escolas de Enfermagem. Estudantes de Enfermagem. Estágio Clínico. Instituições de Saúde.
SUMMARY
This qualitative study aimed to investigate the expectations of students in the first period of a nursing technical school in a public university, about the first internship in health units. Data were collected through semi-structured interviews, recorded and transcribed, in accordance with the Resolution 196/96 which regulates research with humans. The results demonstrate that early internship is permeated by feelings of fear, insecurity and anxiety of students. It can be concluded that this is a moment that they must have understanding and knowledge of teachers, so that they can feel more comfortable and prepared to draw questions and clear doubts in relation to professional practice.
Keywords: Schools, Nursing. Students, Nursing. Clinical Clerkship. Health Facilities.
INTRODUÇÃO
O Código de Ética de Enfermagem1 conceitua essa profissão como um conjunto de práticas sociais, éticas e políticas, circunscritas no âmbito do ensino, pesquisa e assistência. Tem como função a prestação de serviços à pessoa, à família e à coletividade no ambiente em que vivem, considerando as variáveis que permeiam sua realidade cotidiana. A atuação do profissional de enfermagem envolve intervenções de caráter multiprofissional e interdisciplinar, cuja dinâmica de trabalho exige, frequentemente, a habilidade em lidar com situações e conflitos presentes em seus relacionamentos com a equipe, com os pacientes e familiares, tornando-os vulneráveis ao desenvolvimento de problemas que afetam sua saúde física e mental.
Nesse sentido, o tema formação dos profissionais de enfermagem é bastante atual, tendo sido alvo de debates e questionamentos pelas diversas entidades estudantis, acarretando constantes mudanças, principalmente, nos currículos de graduação e pós-graduação. Frente a tais mudanças, nota-se a necessidade de aumentar os estudos científicos que abordem essa temática e que discutam novas propostas pedagógicas com o intuito básico de melhorar a formação dos estagiários ao qualificá-los profissionalmente2.
O estágio supervisionado é entendido como um importante instrumento para formação dos profissionais de enfermagem, no qual se desenvolvem habilidades profissionais e se aperfeiçoam técnicas e procedimentos realizados diariamente no exercício da profissão. Esse período de aprendizagem em campo tem a função de consolidar o aprendizado teórico para formar profissionais mais capacitados e prepará-los para enfrentar o mercado de trabalho, que se encontra cada vez mais competitivo3.
Dessa forma, as atividades de estágio não se limitam apenas ao aperfeiçoamento das técnicas e procedimentos, mas tem, como intuito, desenvolver no aluno a capacidade de entendimento pessoal, auxiliando-o a reconhecer e manifestar a sua própria identidade profissional. Portanto, esse campo de estudo possibilita aos alunos desenvolverem uma opinião crítica e uma reflexão das formas de atuação profissional, contribuindo para posteriores tomadas de decisões mais conscientes e adequadas à realidade de cada instituição4.
As escolas de educação profissional têm como característica comum proporcionar a seu corpo discente a aprendizagem prática da profissão, por meio da realização de estágio obrigatório, integrante da matriz curricular, havendo, contudo, instituições escolares que oferecem estágio não obrigatório, remunerado, desenvolvido como projeto de extensão. Tais formas de aprendizado têm sido apontadas, tanto por professores, quanto por estudantes, como meios significativos de aprendizagem e, paralelamente, também fonte de conflitos5.
Ao comunicarem-se pela primeira vez com seu ambiente de estágio, os estudantes vivenciam diversos sentimentos em suas relações com o cliente, com o professor e com os próprios colegas da área de saúde, mobilizando diferentes expectativas. Assim, podem surgir perguntas e possíveis reações emocionais, que se manifestam, muitas vezes, por meio de problemáticas, prejudicando a própria saúde dos estagiários e influenciando também sua formação.
Diante dessa temática, faz-se necessário evidenciar o significado da palavra "expectativa" para maior embasamento teórico ao estudo. Conceitualmente, ela é definida como sendo a esperança fundada em supostos direitos, probabilidades ou promessas. Levando em consideração que expectativa se relaciona com os projetos pessoais e profissionais, pode-se descrevê-la como um sentimento gerado quando o indivíduo aguarda uma atitude ou fato, seja ele de qual natureza for, impondo algum nível de esperança6.
As dificuldades encontradas por estudantes de um curso técnico de nível médio na área de enfermagem, durante a realização do estágio curricular, estão diretamente ligadas à grande influência das relações interpessoais em seu processo de formação, vivenciadas durante a realização das atividades práticas. Dentre os resultados apresentados em sua investigação, os problemas, frequentemente enfrentados pelos aprendizes referem-se aos processos de comunicação e relacionamento com a equipe de trabalho, docentes e usuários do sistema de saúde, como também ao medo e à ansiedade diante de situações imprevisíveis7.
Diante das considerações aqui elencadas, o estudo das expectativas de estudantes do ensino técnico de nível médio, no momento que antecede o início de suas experiências práticas, vem ao encontro da necessidade de produção de conhecimentos relativos à formação de profissionais para esse importante segmento da área da saúde.
A formação profissional se tornou um motivo de grandes questionamentos diante da complexidade do tema e da diversidade das variáveis envolvidas.
Desde o primeiro contato entre os professores e os estudantes estagiários no laboratório, seja ele em ambiente hospitalar ou não, tem-se a possibilidade de verificar falhas na formação profissional. Elas podem manifestar-se por meio da expressão de sentimentos, da falta de preparo, de relatos dos próprios estudantes, como também na forma como eles se relacionam com o campo teórico-prático. Daí a importância de discutir a temática de forma aprofundada para conseguir, por fim, produzir conhecimento que transforme a concepção dos professores e dos alunos, frente à formação dos profissionais de enfermagem.
Dessa forma, a relevância da presente pesquisa reside na contribuição que o conhecimento acerca das expectativas de estudantes de cursos técnicos em enfermagem, em relação à sua inserção no estágio, pode oferecer ao aprimoramento de estratégias de ensino, que resultem em melhor preparo durante o processo de sua formação profissional. Em consequência disso, este trabalho pode contribuir, também, para o desenvolvimento profissional e pessoal dos pesquisadores, atualizando seus conhecimentos e balizando suas ações na área da saúde.
O objetivo geral desta investigação foi analisar as expectativas dos alunos de um curso técnico em enfermagem, relacionadas à sua inserção nas unidades de atendimento em saúde, para o início das atividades práticas inerentes ao estágio curricular obrigatório. Os objetivos específicos centraram-se na análise das influências das expectativas dos alunos frente ao primeiro contato com as unidades de atendimento em saúde sobre seu desenvolvimento psicoafetivo, bem como no que se refere à interação com os pacientes, com a equipe de trabalho e com o professor responsável por seu acompanhamento, durante a realização das atividades práticas de aprendizagem.
MÉTODO
Esta é uma pesquisa qualitativa, realizada no ano de 2012, em uma instituição federal de ensino básico técnico e tecnológico da área da saúde, no município de Uberlândia-MG.
Para a obtenção dos dados, foi elaborada uma entrevista semiestruturada, aplicada por alunas do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, evitando-se dessa forma o contato dos docentes com os alunos entrevistados.
Participaram deste estudo alunos do primeiro período de um curso Técnico em Enfermagem, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformidade com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Para realização das entrevistas, foi obtida a assinatura do Termo de Autorização da Instituição pela direção da unidade de ensino pesquisada, onde foram realizadas as entrevistas e posterior análise. O projeto deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Uberlândia, com parecer positivo de número 129.194.
A amostra foi constituída por 16 estudantes do primeiro período do curso Técnico em Enfermagem, pautada pelo critério de saturação nas respostas, o que possibilitou a interrupção das entrevistas no momento em que esse fato começou a ocorrer.
A pesquisa foi realizada a partir da análise de livros, artigos, teses e dissertações sobre o tema em questão, ampliando as publicações aqui citadas e subsidiando a análise das entrevistas.
Com base na Análise de Conteúdo, utilizou-se a "análise temática", enquanto um conjunto de técnicas para estudo da comunicação, visando à obtenção, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos, a descrição do conteúdo das mensagens8.
A análise do material obtido foi realizada em três etapas, sendo elas: 1. ordenação de dados com a transcrição das gravações, releitura do material e organização dos relatos; 2. classificação ou exploração dos dados para a elaboração dos núcleos de sentido; 3. análise final ou tratamento dos resultados obtidos, quando são estabelecidas as articulações entre os dados e as teorias.
Foram eleborados dois núcleos de sentido, sendo eles "O Preparo", e "Expectativas". Esta última tem como foco o estudante frente ao estágio e frente às relações aluno-professor, aluno-paciente e aluno-equipe.
Para identificação das falas dos entrevistados, foi utilizada a seguinte estratégia de classificação: A1 - para o primeiro aluno entrevistado; A2 - para o segundo aluno entrevistado; A3 - para o terceiro aluno, e assim sucessivamente até o último aluno entrevistado, A16.
Em nenhum momento houve identificação dos entrevistados, tampouco riscos em decorrência da coleta de dados. Após a transcrição das gravações as entrevistas foram desgravadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A apresentação e discussão dos resultados realizada a seguir dizem respeito a entrevistas com 16 alunos, na faixa etária entre 18 e 50 anos, sendo 4 do sexo masculino e 12 do sexo feminino. Verificou-se que 5 deles tiveram algum tipo de experiência na área de saúde. O presente estudo foi construído mediante análise dos núcleos de sentido apresentados a seguir.
O preparo
O processo de formação do aluno para o exercício profissional requer que ele adquira um preparo para lidar com as diversas situações com as quais terá que enfrentar, além da aquisição e domínio de conhecimentos específicos, para prestar os cuidados na área de enfermagem. Tal preparo inclui estudos teóricos e realização de atividades práticas, desenvolvidas em laboratório e no ambiente hospitalar, mediante ações supervisionadas por professores, que os acompanham durante o período em que se desenvolve essa aprendizagem.
Faz parte desse processo não apenas o treino de habilidades específicas para realizar as tarefas diárias que lhes são solicitadas, mas, fundamentalmente, desenvolver a compreensão dos conflitos causados por eventos internos ou intrapsíquicos, que combinados com acontecimentos externos ou interpessoais, são muitas vezes geradores de ansiedade, como consequência de um desequilíbrio adaptativo da pessoa diante do modo como os percebe9.
Observa-se, com frequência, que o contexto no qual se desenvolve a aprendizagem prática de futuros profissionais da área de enfermagem é gerador de ansiedade e exige a aproximação entre professor e aluno, mediada por uma escuta do primeiro em relação ao segundo, que lhe sirva como suporte para superação das dificuldades encontradas, transformando aquilo que, inicialmente, apresenta-se como expectativas, em um exercício constante de superação do desconforto psíquico e dos desafios inerentes ao confronto com a doença, a dor, as perdas e demandas inerentes às relações interpessoais, circunscritas ao contato com pacientes, familiares e equipe de trabalho.
Através de uma reflexão sobre aspectos que envolvem a formação acadêmica de alunos do curso de Medicina e a relação professor-aluno, evidenciou-se uma questão que sem dúvida se estende também à área da saúde como um todo: o professor que não escuta o aluno falha no método e oferece um modelo de não comunicação. Explicitando, podemos dizer que no encontro entre duas pessoas, no caso professor-aluno, o que é feito, a conduta que o professor demonstra, tem muito mais impacto no outro do que o que é dito. Coerência entre atos e discurso no ensino é essencial10.
Ao tratarmos, neste texto, das expectativas de alunos de um curso técnico em enfermagem frente ao primeiro contato com unidades de atendimento em saúde para realização de atividades práticas, buscamos uma aproximação dos sentimentos que a espera mobiliza, bem como de suas influências sobre eles, tornando possível a construção de conhecimentos que contribuam para uma comunicação e atuação docente em sintonia com as necessidades apresentadas e que resulte em um processo de aprendizagem menos doloroso, com diminuição das contingências geradoras de ansiedade.
Comumente, a ansiedade é provocada por um aumento esperado de tensão ou desprazer, podendo desenvolver-se quando a ameaça a alguma parte do corpo ou da psique é muito grande para ser ignorada, dominada ou descarregada11. Quando somos colocados frente a novas situações, sob as quais não temos domínio e com as quais temos que lidar, experimentamos esse sentimento.
Profissionais da área de enfermagem, frequentemente, enfrentam situações geradoras de ansiedade diante da tarefa de cuidar do outro, já que esse cuidado implica desenvolver habilidades para lidar com questões referentes à equipe de trabalho, aos aspectos físicos e emocionais dos usuários, aos processos de comunicação com familiares e às demandas do meio no qual atua. Da mesma forma, o aprendizado prático da profissão, via instituição escolar, é caracterizado por um processo de aprendizagem que, como se constata no estudo aqui apresentado, está permeado por uma insegurança diante do preparo exigido, tornando-se fonte de ansiedade claramente explicitada nas falas dos entrevistados:
"Ansiosa, muito preocupada com o que está me esperando lá. Eu tô sem saber o que vai acontecer, o que está me esperando, então eu fico ansiosa e muito preocupada se eu vou dar conta de fazer tudo o que me aguarda, se eu vou estar preparada." (A8)
Considerando tratar-se de discente da área de enfermagem, vale ressaltar o significado da expressão "tudo o que me aguarda", na fala acima mencionada. Os aspectos sócio-históricos inerentes à profissão acabam por influenciar as expectativas daqueles que estão em fase de formação, prestes a manter os primeiros contatos com o ambiente real no qual ela se desenvolve. Os estudantes aqui entrevistados trazem consigo as influências dos processos socioculturais que permeiam as representações sociais acerca das profissões nessa área, além dos conhecimentos que começam a adquirir sobre ela ao iniciar o curso. Dessa forma, pode-se dizer que a imagem que fazem sobre aquilo que irão encontrar nos primeiros contatos com o trabalho relacionado aos cuidados está ligada, em primeiro plano, ao sofrimento humano e à morte, explicitados pelos autores a seguir:
É conhecido que, nas profissões da área da saúde, a ansiedade tende a ser comum, visto que os profissionais lidam com o sofrimento humano, a morte, que são situações altamente ansiogênicas. A ansiedade da morte é a mais básica, mais universal e inexplicável para a pessoa12.
O contato e a troca de informações com professores e alunos que estão em período subsequente do curso também influenciam a visão sobre o significado da atuação nessa área e os atributos necessários para desempenhá-la adequadamente.
O processo de trabalho em saúde requer, além de uma articulação dos conhecimentos, em função de seu caráter multiprofissional, maior qualificação técnica, ético-política e de relacionamento interpessoal13. Esses autores enfatizam que, na visão dos discentes, é necessário que o profissional de enfermagem desenvolva controle emocional e tenha compreensão e paciência ao relacionar-se com o paciente. Assim, as expectativas geradas nos discentes aqui entrevistados quanto ao preparo exigido podem também estar atreladas a tais questões.
A ansiedade gerada pelo desafio do enfrentamento de situações reais, impostas pelo contato direto com os pacientes, no ambiente hospitalar, sem a segurança característica de uma situação vivenciada em laboratório, evidencia a necessidade de preparo do aluno para lidar com esse sentimento, contribuindo para que o processo de aprendizagem torne-se menos doloroso.
"Então no início eu sinto ansiedade pra estar próxima já ao paciente, porque assim [...] o conhecimento que a gente adquire e a prática que a gente tem no laboratório passa uma segurança, uma experiência de conhecimento maior, mas diante do paciente em si a ansiedade é um pouco maior." (A9)
Ao abordar formas de comunicação na área da saúde, surge a importância da reflexão em torno dos sentimentos e dos níveis latentes da mensagem que o outro nos envia. Nessa direção, a reflexão depende da atitude de aprendizagem presente quando sintonizamos com o outro e entendemos o que se passa em seu interior. Subjacente a essa questão, afloram os efeitos benéficos dessa atitude frente à tomada de consciência das situações obscuras, facilitando a autopercepção e contribuindo para o alívio de sentimentos dolorosos ou difíceis com os quais temos que lidar. Esse processo requer, entre outras questões, um treinamento da sensibilidade para percebermos as pistas não-verbais que o outro nos envia14.
Infelizmente, a maioria de nós, na maior parte do tempo, consegue apenas olhar e escutar e não verdadeiramente ver e ouvir. É claro que isso acontece no cotidiano da vida e não somente na área profissional: olhamos sem ver, escutamos sem ouvir. Esse não é um mero jogo de palavras: a diferença entre olhar e ver e entre escutar e ouvir depende da ampliação da sensibilidade que possibilita captar os matizes das entrelinhas da comunicação14.
Ao tratarmos da aprendizagem prática da profissão no contexto da educação técnica de nível médio na área da enfermagem e as expectativas de estudantes antes do início das atividades no interior de instituições de saúde, deve-se levar em conta o papel fundamental da relação professor-aluno e a dialética existente no movimento de ensinar e aprender.
A atividade assistencial, que exige o contato direto dos profissionais da saúde com o ser humano, é, ao mesmo tempo, fonte de gratificação e de estresse. Enumeram-se dentre os fatores gratificantes, aconselhar, educar, sentir-se competente e receber conhecimento. Por terem também que lidar frequentemente com a dor e o sofrimento, com as expectativas dos pacientes e familiares, alguns às vezes com comportamentos depressivos e hostis, além de limitações do conhecimento, veem-se diante da própria vida e, por conseguinte, de seus conflitos e frustrações15.
Diante desse quadro, a autora acima referida chama atenção para a importância dos cuidados com o ambiente de aprendizagem na área da saúde frisando que: "Do ponto de vista psicológico, portanto, é necessário criar condições para que o aluno possa ser ouvido e compreendido, ao falar de seus sentimentos em relação a si mesmo e em relação ao cliente; é importante que ele perceba seus erros técnicos, mas também seus acertos, já que estes últimos serão elemento fundamental na constituição da identidade profissional. Se o aluno percebe que há no ambiente de aprendizagem uma restrição, uma crítica à veiculação dos aspectos emocionais do aprendizado apresentará resistências para falar de seus problemas e sentimentos, principalmente para reconhecer em si alguns sentimentos não condizentes com os esperados de um profissional"15.
A preocupação com o ambiente de aprendizagem e com todos esses desafios diante dos quais será colocado é, sem sombra de dúvidas, foco de tensão e ansiedade, novamente explicitado pelos estudantes aqui entrevistados, cujo medo de errar é inerente àqueles que ainda não se sentem seguros e preparados para enfrentá-los. O medo de não conseguir realizar as tarefas que lhes serão exigidas, conforme lhes foi ensinado pelos professores, é frequente entre esses estudantes como se pode constatar a seguir:
"Bom, eu me sinto assim, ansiosa pra começar, mas ao mesmo tempo tenho medo de não fazer assim..., conforme os professores me ensinaram, e cometer erros lá na hora sabe. Eu quero, mas eu tô bem assim sabe." (A4)
Considerando que a aprendizagem e o preparo exigido dos profissionais da saúde diante das demandas cotidianas no exercício de suas funções é uma construção diária, requerendo ação e reflexão imbricadas dialeticamente no tempo e no espaço em que ocorrem, cabe aos educadores responsáveis pela formação desses profissionais uma apropriação, não apenas dos conhecimentos teórico-práticos necessários, mas também um reconhecimento do papel social que ocupam enquanto mediadores desse processo.
Pode-se dizer que a atividade pedagógica é coletiva por essência na medida em que a apropriação do conhecimento ocorre mediante uma interação dos sujeitos envolvidos. Uma interação na qual são aprendizes professores e alunos. Sob esse prisma, o produto do ensino, pode ser entendido como: "[...] a apropriação do conhecimento científico por meio de ações dos estudantes que lhes possibilitem fazer uso de tais conceitos nas diversas relações com a realidade objetiva, tanto na sua manifestação externa nas relações interpessoais, quanto na sua manifestação interna nas relações intrapessoais"16.
A importância do suporte e apoio do professor para minimizar a ansiedade do aluno, auxiliando-o a adquirir autoconfiança, reduzindo o sofrimento psíquico provocado pelo medo de errar e pela insegurança diante dos desafios que terá que enfrentar ao transferir para situações reais, no ambiente hospitalar, a aprendizagem ocorrida em aulas de laboratório, é explicitado por um dos entrevistados no discurso a seguir:
"Bom, eu tenho muita expectativa pra poder fazer o estágio, principalmente sendo acompanhado com um professor, pra eu poder exercer tudo aquilo que a gente aprendeu nas aulas de laboratório, e também pra poder ter contato já direto com o paciente." (A1)
Diante do aqui exposto, percebe-se que o desenvolvimento de habilidades necessárias para a formação dos estudantes que os tornarão aptos a atuarem futuramente como profissionais requer um preparo que acontece gradativamente, incluindo, além dos aspectos aqui abordados, um processo de adaptação ao ambiente no qual a aprendizagem ocorre. A fala de um dos entrevistados vem ao encontro dessa assertiva ao frisar que:
"É um pouco assustador, a gente fica assim com um pouco de receio, tensa, mas assim foi só a primeira vez, a partir da segunda a gente se sentia à vontade frente ao paciente pra desenvolver as técnicas que a gente aprendeu no primeiro período. Pra mim foi tranquilo; só no primeiro impacto mesmo, a primeira visita que eu achei mais difícil." (A2)
A experiência adquirida ao longo do processo de aprendizagem, mediante o contato gradativo com as unidades de saúde, promove a redução da ansiedade e melhor adaptação às situações novas e aos constantes desafios colocados para os estudantes. Aliado a isso, é necessário que haja um estreitamento da relação professor-aluno, com diálogo constante e fundamentalmente a percepção clara do docente de que o aprendiz está em processo de formação e por isto mesmo é passível de dificuldades que só serão superadas paulatinamente, com um ritmo próprio.
Expectativas
Frente ao estágio
O estágio curricular, por muitas vezes, é a última oportunidade de o aluno sanar suas dúvidas, aprimorar técnicas e até mesmo ter a chance de colocar em prática tudo o que foi aprendido no decorrer do curso. Os pontos levantados pelos alunos devem ser levados em consideração. As dúvidas e os medos, comumente, geram ansiedade, insegurança e desgaste emocional intenso, contudo, os alunos expressam a necessidade de passar um sentimento de segurança para o paciente.
Pesquisas voltadas para identificação e análise das percepções e sentimentos dos estudantes de enfermagem, com relação à sua formação como pessoa/ profissional, mostram que a formação acadêmica está mais centrada em conhecimentos técnico-científicos direcionados especialmente ao atendimento das necessidades daqueles que serão assistidos, sem considerar a pessoa que os assiste, além de sinalizar que a trajetória acadêmica é permeada por vários sentimentos, dentre eles a ansiedade, que aparecem em função das experiências ocorridas ao longo dela17.
A inserção do aluno em campo prático gera novos conflitos e mudanças no seu cotidiano, proporcionando novas experiências associadas a novos e distintos sentimentos18.
O estágio propicia ao aluno experimentar sentimentos ambivalentes, provocados pela angústia relatada por colegas que já tiveram a mesma experiência. Essas angústias são vivenciadas no relacionamento com o paciente, com o professor e com o ambiente, eliciando aspectos positivos e negativos diante de suas primeiras práticas que envolvem o cuidar. Em relatos registrados, presenciar a morte é um dos fatores negativos apontados e entre os positivos estão a realização de procedimentos complexos e a assistência integral aos pacientes, visando sua recuperação19.
"A única coisa assim que eu tenho na mente que eu não posso deixar transparecer é a minha ansiedade que sempre vai ter mesmo. Mas, que eu quero passar toda segurança pro paciente, que ele possa confiar em mim, que eu estou ali pra cuidar dele, pra ajudar no que ele precisar." (A14)
A entrada brusca dos alunos numa situação desconhecida no primeiro contato com a profissão é fator desencadeante de tensões e ansiedades que afetam de modo negativo o aprendizado, sendo imprescindível que o docente, em campo de estágio, esteja consciente disso e tenha atitudes de compreensão para com eles20.
"Eu estou muito ansiosa porque vai ser o primeiro contato com o paciente mesmo, eu estou muito ansiosa pra começar. Espero que tenha alguém lá pra receber a gente, pra instruir porque eu fico muito nervosa. Mas... Eu espero que seja legal. Vai ser uma experiência nova. Eu tenho certeza que vou gostar, porque eu sou apaixonada pela área." (A12)
Frente à relação professor-aluno
O início do estágio curricular de enfermagem no ambiente hospitalar é uma situação delicada, que gera muitas dúvidas, incertezas, insegurança e medo nos alunos iniciantes, uma vez que esse ambiente é um mundo desconhecido para muitos.
Esse universo de reações acontece, especialmente, no primeiro estágio curricular e gera ansiedade no aluno, além de uma situação desconfortável para o professor21.
O modo de agir de cada professor, seja em sala de aula, seja em campo de estágio, é de fundamental importância na formação do aluno. A relação entre professor-aluno, mesmo que seja de autoridade/subordinação, no sentido didático, requer do professor exercer uma boa comunicação e um ensino de qualidade que contribua com a formação desse futuro profissional. Ao iniciar uma caminhada junto aos alunos, o professor deve entender que se faz necessária a disponibilidade de espaços formais na instituição de ensino onde o estudante possa expressar seus conflitos, medos, questionamentos e desencontros22.
Podemos notar na fala de um entrevistado, uma situação negativa presente nessa relação:
"Eu tive uma experiência. Eu comecei a fazer o curso antes de passar aqui na UFU, na escola "X", e eu não gostava muito porque eu achava que o professor não dava muita atenção, então eu tinha expectativa de ter isso aqui, e eu encontrei em relação aos professores. Aqui tem assistência, tem atenção..." (A12)
Na experiência acima relatada observamos a sensatez do aluno em perceber que houve uma falha no relacionamento professor-aluno, em que a falta de comunicação acaba por gerar uma sensação de insegurança, prejudicando o processo de ensino-aprendizagem.
Quando existe um ambiente favorável ao ensino e uma boa relação interpessoal com o professor, o aluno se sente mais seguro e mais confiante. Notamos que a preocupação de um aluno com relação ao fato de poder cometer algum erro pode ser minimizada com a presença do professor.
"Ah, mesmo em sala de aula tá muito bom. O laboratório é muito bom e espero que lá no hospital continue do mesmo jeito o contato que a gente tem... essa abertura professor e aluno." (A16)
"A minha expectativa é que eles fiquem bem coladinhos em nós lá, assim que, estejam por dentro de tudo, não nos deixem só pra gente não cometer erros." (A4)
O professor experiente sabe que no início o aluno sente-se muito inseguro e precisa de mais apoio, mesmo para as tarefas aparentemente fáceis. Desde o momento da recepção do aluno até o final da sua avaliação, é importante que o professor, enquanto profissional de ensino, desenvolva uma postura de compromisso com a formação do estudante de enfermagem e com o conteúdo a ser ministrado, necessários a um desempenho de qualidade. Os alunos devem ser recepcionados, na hora certa e no local combinado, de forma motivadora e estimulante. Desta forma o aluno inicia seu estágio com uma boa impressão e aceitação do professor23.
Frente à relação aluno-paciente
Ao fazer uma reflexão sobre a experiência de um primeiro contato do aluno com o paciente, podemos perceber que essa relação é norteada por medo e insegurança. O medo do desconhecido, assim como a insegurança, são sensações que podemos vivenciar em diversas ocasiões. Na fala a seguir o aluno retrata os sentimentos que pode vir a experimentar nesse primeiro contato.
"Tem que mostrar segurança, a minha expectativa é o medo de não conseguir demonstrar essa segurança, tem que ser uma pessoa bem segura, bem tranquila, o máximo é passar tranquilidade pro paciente, porque dá medo (risos)." (A6)
Outro relato enfatiza que, se o paciente souber que ele é estagiário o seu conhecimento pode ser colocado em dúvida.
"É... a gente sabe que é meio complicado. Quando você fala que é estagiário, ou... eles ficam assim meio... Ai, será que sabe mesmo? Mas..., aí a gente vai ter que passar muita segurança mesmo, né?" (A14)
Nesses casos, a comunicação entre o aluno-paciente e aluno-professor deve ser aberta e, se o paciente vier a recusar sua assistência, isto deve ser trabalhado de modo a minimizar possíveis sentimentos de frustração.
O professor não deve esquecer-se de oferecer a oportunidade ao paciente de poder optar por ser ou não atendido pelo estudante, sem sofrer qualquer tipo de pressão. Ainda que o docente proponha a maior liberdade para o paciente optar, com pleno conhecimento sobre seus direitos, quem são as pessoas que o assistem e com todas as garantias necessárias de uma recusa em aceitar o estudante, não sofrerão qualquer consequência na qualidade dos seus cuidados23.
Frente à relação aluno-equipe
As expectativas e dilemas enfrentados por estudantes de cursos técnicos em enfermagem, destacam que a visão daqueles que estão iniciando seu processo de formação é, via de regra, cercada de idealizações e demonstram uma preocupação com a hierarquização na área da saúde, influenciando suas perspectivas em relação ao futuro profissional. A importância de estudos nessa modalidade de ensino referentes à sua concepção teórica e prática, vivenciada em sala de aula, estabelecendo-se um debate que inclua os estudantes24.
A preocupação com o ensino nos faz pensar em requisitos, tais como responsabilidade, empatia, preocupação com os pacientes e colegas de trabalho. Assim, é possível desenvolver uma reflexão sobre o cuidado com os pacientes, não só na perspectiva do paciente, mas também de todos os envolvidos no processo saúde/doença.
A seguir observamos duas falas em que os entrevistados expõem suas preocupações com relação ao primeiro contato com a equipe de trabalho.
"Eu tô com um pouquinho de medo, assim..., porque a gente escuta muita coisa, falando que... quem já está lá já recebem a gente assim... com um pouco de desprezo, que a gente não sabe nada e tal, então eu to com um pouco de medo, encanação, mas é só isso." (A4)
"Assim..., eu tenho que ter uma relação boa né, meio que... meio que... forçada porque têm algumas pessoas que trabalham no hospital que acham que não deveria ter aluno trabalhando, eles acham que a gente pode fazer muita coisa errada e meio que eles irritam, ou então põem a gente pra trabalhar demais né?" (A6)
Por mais que a escola busque oferecer elementos teóricos e conceituais sobre a atividade profissional, o cotidiano pouco amistoso e nada acolhedor dos hospitais e ambulatórios, onde acontecem os estágios, acaba produzindo efeitos negativos, gerando frustração quanto às expectativas futuras em relação à atividade laboral. É necessário rever e criticar a forma e o conteúdo dos cursos, e, sobretudo, apontar as fragilidades estruturais quanto ao processo formativo pelo qual os alunos aprendem a ser "técnicos em enfermagem"24.
Por outro lado, percebemos que alguns alunos pensam de forma diferente com relação a esse encontro com a equipe que já trabalha no local onde irão estagiar.
"Eu espero que também sejam boas, com dedicação, com respeito ao colega. Eu espero que eles também tenham para conosco o diálogo, empatia, respeito e ajuda também, porque nós vamos precisar dos profissionais que já estão há mais tempo na área, pra passar pra gente a experiência." (A3)
"A equipe também tem que ser unida, né? Tanto nós alunos que estamos chegando lá, quanto a do hospital, porque a gente tá entrando lá sem experiência nenhuma, né? Espero que a equipe nos receba bem,... tire as nossas dúvidas." (A16)
As experiências no processo comunicacional entre aluno e professor, aluno e paciente, aluno e aluno, aluno e enfermeiro e aluno e grupos de pacientes e suas famílias, colegas ou profissionais são as mais frequentes durante a formação do futuro profissional. Mas este também é exposto a situações que envolvem a comunicação organizacional e de massa e precisa tomar consciência da existência delas e de qual é seu papel nesses contextos25.
Refletindo sobre o relacionamento e a comunicação dos alunos com a equipe de saúde, no campo de estágio, o professor é uma peça fundamental no preparo desses futuros profissionais. Os alunos de enfermagem devem ser preparados para a vida em equipe, uma vez que nunca atuarão sozinhos.
CONCLUSÕES
Percebemos que os sentimentos de medo e ansiedade dos alunos, ao passar pelo estágio, são ocasionados, principalmente, pela sensação de insegurança e despreparo diante das demandas cotidianas inerentes ao exercício profissional. Acresce que tais fatores estão, ainda, associados à necessidade de fazer com que os pacientes sintam-se seguros mediante os seus cuidados.
Trata-se de um momento em que os alunos estagiários precisam contar com a compreensão e o conhecimento do docente para que agreguem ao conhecimento obtido aos valores da autoconfiança e se vejam claramente mais preparados e confortáveis para lidar com as práticas relacionadas ao processo de formação.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Nathália dos Reis Montesino e Mariana Tomás Marçal, às alunas do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, que colaboraram com esta pesquisa na realização da coleta das entrevistas.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Emerson Piantino Dias
Av. Rondon Pacheco, 5620 Apt. 22 Tibery
Uberlândia, MG, Brasil
CEP 38405-142
E-mail: emerson@estes.ufu.br
Artigo recebido: 4/1/2014
Aprovado: 11/2/2014
Trabalho realizado na Universidade Federal de Uberlândia, Escola Técnica de Saúde, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, Brasil.