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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.31 no.94 São Paulo 2014
ARTIGO DE REVISÃO
Perfil de pesquisas relacionadas à dislexia: revisão de literatura
Profile of research related to dyslexia: literature review
Amábile Bianca Nogueira
Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Graduação em Letras e Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa pela mesma instituição. Experiência na área de Letras (Ensino Fundamental, Médio, Curso e Superior), com ênfase em Sociolingüística do Português, atuando principalmente nas seguintes áreas: Linguística Histórica, Sociolinguística e Dialetologia
RESUMO
INTRODUÇÃO: A dislexia é um dos distúrbios da escrita mais frequentes com os quais trabalham os psicopedagogos. Conhecer o perfil das pesquisas relacionadas ao tema pode auxiliá-los no atendimento desse distúrbio.
OBJETIVO: O objetivo deste estudo é realizar um levantamento do perfil das pesquisas relacionadas à dislexia entre 2009 e 2013, na base de dados SciELO Brasil.
MÉTODO: Revisão sistemática de literatura relacionada aos descritores dislexia e transtorno da leitura entre 2009 e 2013, na base de dados SciELO Brasil.
RESULTADOS: Foram ldos 27 artigos que se enquadram nos parâmetros dessa revisão de literatura. Predominam artigos baseados em pesquisas de campo (96,3%), realizadas principalmente por fonoaudiólogos (45%), cujo número de participantes varia entre 21 a 40 (40,7%). Em 95,2% das pesquisas que especificam a escolarização dos indivíduos, estes cursam o Ensino Fundamental. Entre os escolares já diagnosticados como disléxicos, 71% são do sexo masculino.
CONCLUSÃO: apesar da relevância do tema dislexia ainda há poucos estudos relacionados a adolescentes e a adultos. Além disso, nenhum dos pesquisadores identificou-se como psicopedagogo.
Unitermos: Dislexia. Transtorno da leitura. Revisão.
SUMMARY
BACKGROUD: Dyslexia is a disorder of writing frequently they work with the psychologists. Knowing the profile of research related to the topic can assist them in meeting this disorder.
PURPOSE: The purpose of this study is to survey the profile of research related to dyslexia between 2009 and 2013 in the SciELO Brazil database.
METHODS: A systematic review of the literature related to the descriptors dyslexia and reading disorders between 2009 and 2013 in the SciELO Brazil database.
RESULTS: 27 articles were found that fit the parameters of this literature review. Predominate articles based on field surveys (96.3%), mainly performed by audiologists (45%), the number of participants varies from 21 to 40 (40.7%). In 95.2% of searches that specify the education of individuals, they attend elementary school. Among students already diagnosed as dyslexic, 71% are male.
CONCLUSION: Despite the relevance of the topic dyslexia, there are few studies related to adolescents and adults. Furthermore, none of the researchers identified as educational psychologist.
Keywords: Dyslexia. Reading disorder. Review.
INTRODUÇÃO
A leitura e a escrita são fenômenos linguísticos complexos. O homem, em seu processo de aquisição de linguagem, passa, geralmente, por três fases: logográfica, alfabética e ortográfica1. Na fase logográfica, há o reconhecimento de palavras por meio de processos idiossincráticos. Na fase alfabética, há a análise dos grafemas e dos componentes fonológicos. Na fase ortográfica, há a análise de morfemas e do léxico. Essas fases não são excludentes e coexistem no leitor e escritor competentes1. Além desse complexo processo de aquisição, a escrita e a leitura envolvem atenção, organização, vários tipos de memória, etc2.
Inúmeros problemas podem interferir no processo de aquisição da leitura e da escrita, como questões emocionais, dificuldades de aprendizagem e transtornos de aprendizagem3. Entre os transtornos de aprendizagem que afetam a escrita e a leitura, destaca-se a dislexia. Não há uma única definição de dislexia ou de suas causas, o que gera certa confusão tanto no meio clínico quanto no meio acadêmico2,4,5.
Para este estudo, considerar-se-á a dislexia como um distúrbio de aprendizagem de origem neurológica, que se apresenta na dificuldade de decodificar e soletrar palavras6. Esse distúrbio pode ser originado do comprometimento da rota fonológica de leitura ou do comprometimento da rota lexical. Em alguns casos, há o comprometimento de ambas as rotas1,2,5. Diagnosticada em indivíduos com capacidade cognitiva normal, ela também não é fruto de distúrbios sensoriais, de distúrbios de desenvolvimento em geral ou de escolarização inadequada7,8.
Vários estudos relacionam o desenvolvimento fonológico ao domínio da leitura e da escrita1-12. Estudantes com dislexia apresentam dificuldades na fluência da leitura por inabilidade na decodificação e na discriminação dos grafemas/fonemas3. Ademais, podem apresentar problemas de memória de curto ou longo prazo3,11, nas funções executivas13 e na atenção seletiva14,15.
Desde 1996, os disléxicos têm seus direitos reconhecidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional16. Isso aumentou a necessidade de estudos voltados à intervenção e à inserção de escolares disléxicos na escola e nas clínicas psicopedagógicas, uma vez que cabe ao psicopedagogo auxiliar no diagnóstico e no processo de intervenção desses indivíduos.
Com base no exposto, o objetivo deste estudo é realizar um levantamento do perfil de pesquisas relacionadas à dislexia entre os anos de 2009 e 2013 publicadas na SciELO Brasil.
MÉTODO
Este estudo de revisão de literatura foi realizado a partir de uma revisão sistemática de artigos relacionados ao tema dislexia publicados entre o primeiro semestre de 2009 e o primeiro semestre de 2013, em língua portuguesa, na base de dados SciELO Brasil.
A pesquisa na base de dados foi realizada no primeiro semestre de 2013 com os descritores dislexia e transtorno da leitura. Foram encontrados 57 artigos relacionados à dislexia e 26 ao transtorno da leitura. Primeiramente, a partir da análise dos resumos, foram descartados os artigos anteriores ao primeiro semestre de 2009, publicados em língua estrangeira, de revisão de literatura e não relacionados ao tema dislexia - a presença de comorbidades não foi um critério de exclusão. A seguir, esses artigos foram comparados entre si para evitar superposição. Dos 83 artigos levantados inicialmente (57 relacionados à dislexia e 26 ao transtorno da leitura), foram selecionados 27 por se enquadrarem nos parâmetros dessa revisão de literatura (32,5%).
Esses artigos foram numerados aleatoriamente e analisados a partir dos seguintes pontos: a) caracterização da pesquisa: tipo de pesquisa, ano de publicação e área de atuação autores (Tabela 1); b) aspectos específicos da pesquisa: número, gênero, idade e grau de escolaridade dos participantes (Tabela 2).
RESULTADOS
Foram considerados, para a análise dos resultados, 27 artigos relacionados ao tema dislexia entre o primeiro semestre de 2009 e o primeiro semestre de 2013, provenientes da base de dados SciELO Brasil. Desses 27 artigos, apenas um (3,7%) é estudo de caso13. Todos os outros artigos são pesquisas de campo (96,3%), isto é, há mais de um participante na pesquisa.
A Figura 1 apresenta a distribuição dos 27 artigos segundo o ano de publicação.
É possível observar um aumento progressivo entre 2009 e 2011 no número de publicações relacionadas ao tema dislexia. Entretanto, houve uma queda significativa a partir de 2012. Ao todo, são 89 autores - alguns se repetem e foram contabilizados a cada publicação. Desses, há 40 (45%) fonoaudiólogos, 7 (7,9%) neurologistas, 6 (6,7%) neuropsicólogos, 4 (4,5%) psicólogos, 3 (3,4%) terapeutas ocupacionais, 1 (1,1%) engenheiro, 2 (2,2%) autores ligados à área da educação, 9 (10,1%) relacionados a mais de uma área de conhecimento e 17 (19,1%) identificados apenas pela instituição.
Os 27 artigos envolvem ao todo 1131 participantes. Desse grupo, apenas 306 (27%) são disléxicos. O maior número de participantes compõe o grupo de controle - formado por escolares com bom desempenho acadêmico ou sem dificuldades de leitura ou escrita - 388 (34,3%). Entre os outros escolares, 121 (10,7%) estão em grupos para a identificação de indivíduos de risco para dislexia e 103 (9,1%) já são escolares considerados de risco para dislexia. Há, também, 5 (0,4%) escolares com distúrbios associados, 9 (0,8%) com diagnóstico inconclusivo, 20 (1,8%) com transtorno do processamento auditivo central, 49 (4,3%) com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, 53 (4,7%) com dificuldades de aprendizagem e 77 com transtornos de aprendizagem.
A maioria das pesquisas é realizada com até 60 indivíduos (85,1%). Apenas uma pesquisa39 apresentou mais de 100 participantes.
A Tabela 3 apresenta a frequência dos artigos de acordo com o número de participantes.
Em relação ao gênero, 16 (59,2%) artigos fazem distinção numérica do sexo dos participantes. Dentro do grupo de escolares disléxicos, em 14 pesquisas, das 16 que fazem essa distinção, predomina o sexo masculino (71%). Os autores utilizam dois métodos para fornecer a idade dos participantes: a idade média (33,3%) ou a faixa etária (63%). Apenas o estudo de caso13 forneceu a idade exata do participante: 10 anos e 7 meses (3,7%).
A escolarização dos participantes é especificada em 21 (77,8%) artigos. Desses, 20 (95,2%) foram realizados com alunos exclusivamente do Ensino Fundamental. Apenas um (4,8%) artigo apresenta uma pesquisa que inclui, entre os participantes, escolares do Ensino Médio28.
DISCUSSÃO
O estudo de campo, tipo mais frequente de pesquisa que compõe os artigos publicados pela SciELO Brasil relacionados à dislexia, favorece o estudo comparativo entre corpora diferentes, geralmente o cotejo entre grupos de disléxicos com de controle (63%). Além disso, favorece a identificação de escolares disléxicos ou de risco para a dislexia (22,2%).
Apesar dos direitos dos escolares disléxicos estarem previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional16, o número de publicações encontrado no banco de estados escolhido para este estudo sofreu uma queda significativa em 2012. Em 2011, foram publicados 8 artigos relacionados à dislexia; em 2012, esse número caiu pela metade (4); no primeiro semestre de 2013, apenas 2. Essa queda é bastante significativa, uma vez que ainda há poucos trabalhos relacionados a esse tema se comparado à relevância dele.
É possível afirmar que esse tema desperta a atenção de múltiplas áreas de conhecimento, principalmente relacionadas à saúde e à educação. Entretanto, o baixo número de artigos cujos autores são provenientes da área educacional (2,2%) demonstra a necessidade de ampliar essa discussão na escola - local em que, geralmente, manifesta-se a dislexia. Ademais, nenhum desses autores identificou-se como psicopedagogo.
Em relação ao número de participantes, a maioria das pesquisas é realizada com até 60 indivíduos (85,1%). Dentro desse grupo, predominam as pesquisas cujo número varia entre 21 a 40 indivíduos (40,7%). Um número significativo de participantes proporciona, assim como visto em relação ao tipo de pesquisa realizada, a possibilidade de comparar dados e encontrar perfis recorrentes nos grupos que compõem a corpora. Ademais, possibilita a identificação de escolares de risco para dislexia, a funcionalidade de determinado método de diagnóstico ou intervenção, entre outros procedimentos.
Outros aspectos específicos das pesquisas, como gênero, escolaridade e idade dos participantes, são dispostos nos artigos de forma bastante variável, principalmente o quesito idade. Este pode se apresentar de três formas: faixa etária (63%), idade média (33,3%) ou a idade exata do participante (3,7%). Essa variação impede, por exemplo, que se calcule a idade média dos escolares que participam de estudos relacionados à dislexia.
Um pouco mais da metade dos artigos (59,2%) distingue numericamente o gênero dos participantes. Uma parte significativa (29,6%) apenas assinala que participaram indivíduos de ambos os sexos. Todavia, são poucos os trabalhos que não mencionam essa questão (11,2%). Predomina entre os disléxicos o sexo masculino (71%).
Especificar a escolaridade dos participantes é mais recorrente que diferenciá-los pelo gênero, pois 77,8% fazem essa especificação. A maioria dessas pesquisas (95,2%) foi realizada com alunos do Ensino Fundamental. Somente em uma (4,8%) pesquisa houve a participação de escolares do Ensino Médio. Não foram encontrados artigos relacionados a participantes de Ensino Superior. Esses dados são bastante significativos, uma vez que evidencia a falta de pesquisas relacionadas a esses grupos.
CONCLUSÃO
Apesar do perfil dos artigos publicados na SciELO Brasil relacionados à dislexia ser bastante variável, é possível reconhecer alguns pontos recorrentes na caracterização das pesquisas.
O número de publicações cresceu entre 2009 e 2011, mais houve uma queda significativa a partir de 2012. Predominam artigos baseados em pesquisas de campo (96,3%), realizadas principalmente por fonoaudiólogos (45%), cujo número de participantes varia entre 21 a 40 (40,7%). Nenhum dos autores identificou-se como psicopedagogo, o que pode indicar falta de produção científica da área.
Entre os escolares já diagnosticados como disléxicos, 71% são do sexo masculino. Em 95,2% das pesquisas que especificam a escolarização dos indivíduos, estes cursam o Ensino Fundamental. Apenas um (4,8%) artigo apresenta, entre os participantes, alunos do Ensino Médio. Não foram encontrados estudos relacionados a estudantes de Ensino superior. Isso pode indicar um problema para o psicopedagogo, uma vez que o atendimento clínico não se restringe à fase de alfabetização.
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Endereço para correspondência:
Amábile Bianca Nogueira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Rua da Consolação, 930 - Consolação
São Paulo, SP, Brasil
CEP 01302-907
Artigo recebido: 14/12/2013
Aprovado: 1/2/2014
Trabalho desenvolvido na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.