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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.31 no.95 São Paulo 2014
ARTIGO DE REVISÃO
Possibilidades na intervenção psicopedagógica: as habilidades sociais como alternativa ao estresse
Possibilities psychoeducational intervention: the social skills as an alternative to stress
Bruna Machado SamoraI; Marjorie Cristina Rocha da SilvaII
IFaculdades de Atibaia (FAAT), Atibaia, SP, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação Strictu Sensu em Psicologia Educacional/UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil
RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir sobre a importância da atuação do psicopedagogo na área empresarial, mais especificamente tendo em vista a intervenção psicopedagógica com o uso de vivências para a promoção de habilidades sociais como alternativa ao estresse. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em artigos científicos dos últimos 10 anos, utilizando como palavras-chave os termos estresse, psicopedagogia e habilidades sociais, bem como foram pesquisados livros, dissertações e teses. Em geral, as pesquisas relatam que os sujeitos com déficits em habilidades sociais dispõem de maior propensão ao estresse, dentro e fora do local de trabalho. E que a atuação do psicopedagogo numa empresa seria de avaliar, obter o conhecimento do problema e intervir, ajudando o sujeito a reelaborar sua vida e readquirindo a sua aprendizagem ao estado normal. Os estudos encontrados apontam que de 25% a 30% dos indivíduos com deficiências em habilidades sociais têm sido vinculados ao estresse. Porém, conclui-se que existe uma escassez de trabalhos interligando a atuação do psicopedagogo na melhoria do estresse por meio do estudo das habilidades sociais, revelando assim a necessidade de futuros estudos, bem como pesquisas que apresentem propostas de intervenção ou prevenção no meio empresarial com exibição de resultados nas aprendizagens.
Unitermos: Psicopedagogia empresarial. Psicologia Organizacional. Saúde do trabalhador.
SUMMARY
The purpose of this article is to discuss the importance of the work of Educational Psychologist in the business area, more specifically considering Educational Intervention with the use of life experiences to promote social skills as an alternative to stress. Therefore, a bibliographic review was performed papers covering the last 10 years, using keywords such as stress, psychological education and social skills. Books, essay and theses were searched for content, samples and guidelines. In general, studies report that subjects with social skills deficits have a higher predisposition to stress within and outside the workplace. The Educational Psychologist's work in corporate businesses should aim to obtain the knowledge of the problems and to intervene by helping the individuals to revise their lives and recover their learning to normal standards. Research and studies have concluded that 25% to 30% of individuals' deficits in social skills are linked to stress. However, it was observed a lack of studies relating the actions of the Educational Psychologist in reducing the stress through the study of social skills, thus revealing the need for future studies as well as research to develop proposals for intervention or prevention in the business environment.
Key words: corporate educational psychology. organizational psychology. occupational health.
INTRODUÇÃO
As empresas vêm sofrendo transformações e acelerações de forma a despertar diversas mudanças, como, por exemplo, adotar a tecnologia como um facilitador, causando grande impacto na sociedade, e exigindo dos indivíduos grande benevolência para enfrentar esse momento denominado como globalização. Para Bauman1, a globalização é um processo não reversível e com um fado inevitável, a qual afeta a todos nós. Tendo em vista essa realidade e as mudanças que ocorrem diariamente, sabe-se que os sujeitos estão expostos às situações preocupantes, que acabam por acarretar, por exemplo, o estresse. A primeira reação do estresse existe para que o impacto não seja tão grande ao organismo, porém, se a reação for intensa e longa, o organismo enfraquece e baixa a resistência do indivíduo, aparecendo sintomas e doenças, tanto físicas quanto psicológicas2.
Tem-se por conhecimento que um ambiente harmonioso no local de trabalho é de extrema importância, para tanto é necessário investimento na capacitação do funcionário, no elo entre funcionários x empresa, e maior ênfase no trabalho em equipe. Segundo Osório3, nos dias de hoje, o mundo empresarial deve mudar seus paradigmas e dar-se conta de que estamos saindo da era individualista para entrarmos na era da grupalidade, pois assim se conquistará bom desempenho e sucesso, tanto para os indivíduos como para a empresa. Nesse sentido, compreende-se que os funcionários sentem motivação e satisfação quando entendem que há uma razão para trabalhar e qual é a sua verdadeira importância dentro da empresa.
Nessa perspectiva, compreende-se que a Psicopedagogia não se refere somente ao âmbito escolar, mas também ao meio hospitalar, em consultórios, ONGs e empresas. E, portanto, o foco do presente trabalho está nas demandas do campo empresarial. De acordo com Silva4, frente aos acontecimentos e às circunstâncias as quais podem ser observadas em uma organização, a atuação do psicopedagogo numa empresa, unida ao profissional da área de Recursos Humanos, pode contribuir para o avanço do conhecimento dos funcionários e na melhoria do talento dos mesmos, não se esquecendo de dispor o perfil de cada empresa, e alcançando assim um resultado positivo para ambas as partes.
A Psicopedagogia é considerada multidisciplinar, pois busca conhecimentos em outros campos5. A aprendizagem é o centro de estudo da Psicopedagogia e, dentre as formas de aprendizagem, podem ser citadas as Habilidades Sociais. Estas se referem aos diferentes comportamentos sociais adquiridos durante a vida para lidarmos de forma mais adequada às situações interpessoais, porém alguns indivíduos têm deficiência nesses comportamentos6. Nessa perspectiva, numa atuação profissional, essas habilidades sociais (tais como, elogiar, fazer e responder perguntas, manifestar opinião, coordenar grupo, dentre outras) são muito exigidas e variadas numa relação interpessoal.
Acredita-se que o intento do psicopedagogo em suas atuações é de somar, podendo dessa forma alcançar um bom resultado final. Diante dessas postulações, nesse artigo objetivou-se refletir sobre a importância da atuação do psicopedagogo na área empresarial, mais especificamente tendo em vista a intervenção psicopedagógica com o uso de vivências para a promoção de habilidades sociais como alternativa ao estresse.
METODO
Foi realizada uma revisão bibliográfica que é o estudo que reúne um corpo de doutrinas feitas com o apoio de publicações, tais como revistas, livros, artigos e outros, permitindo ao pesquisador obter conhecimentos de uma sucessão de fenômenos, principalmente quando as informações estão dispersas. De forma geral, a revisão bibliográfica busca conhecimento e investigação das contribuições científicas e culturais para a definição de um assunto, tema ou problema. Também conforme apontado por alguns autores é importante ressaltar que:
"A revisão de literatura refere-se à fundamentação teórica que você irá adotar para tratar o tema e o problema de pesquisa. Por meio da análise da literatura publicada você irá traçar um quadro teórico e fará a estruturação conceitual que dará sustentação ao desenvolvimento da pesquisa. [...]
Para elaborar uma revisão de literatura é recomendável que você adote a metodologia de pesquisa bibliográfica. Pesquisa Bibliográfica é aquela baseada na análise da literatura já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas, imprensa escrita e até eletronicamente, disponibilizada na Internet"7.
Portanto, o artigo foi organizado a partir de uma pesquisa bibliográfica utilizando os seguintes descritores: Psicopedagogia, Psicopedagogia empresarial, estresse, habilidades sociais, e treino em habilidades sociais. As pesquisas foram realizadas através de livros, artigos científicos, dissertações, teses, entre outros. Várias pesquisas tratavam a respeito de treino de habilidades sociais em professores, pais e crianças e, por esse motivo, foram eliminados, porque se optou em focar de maneira mais refinada no estudo das habilidades sociais em empresas como uma alternativa de intervenção ao estresse ocupacional. Com base na revisão realizada, primeiramente, será apresentado um breve histórico da Psicopedagogia no Brasil e a importância da atuação do psicopedagogo nas empresas. Posteriormente, conceituações sobre estresse e suas consequências para qualidade de vida no trabalho. Para finalizar, aponta-se a importância de avaliar e intervir nas habilidades sociais como uma ação psicopedagógica para a intervenção ao estresse.
RESULTADOS
Psicopedagogia: breve histórico e a função do psicopedagogo nas empresas
Conforme destaque de Bossa8, a Psicopedagogia nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo de aprendizagem, destacando-se o seu caráter interdisciplinar. Deve-se pensá-la como nova área que, além de solicitar conhecimentos da Psicologia e Pedagogia, busca construir e organizar o seu próprio corpo teórico.
O objeto central de estudo da Psicopedagogia estrutura-se de acordo com o processo de aprendizagem humana que está relacionado com a sua patologia e padrões evolutivos normais9. Para Fernández10, o psicopedagogo precisa fazer a autoanálise das suas próprias dificuldades e capacidades de aprender, pois o seu trabalho requer além de conhecimento e teoria, necessita de uma edificação de um olhar e uma escuta psicopedagógicos começando pela investigação de seu próprio aprender.
Semelhantemente, Sáenz & Plazaola11 afirmam que, apesar das diferentes funções e intervenções que o psicopedagogo pode exercer, o seu trabalho visa à promoção de modificações de forma a ajudar no desenvolvimento do indivíduo. É uma área nova e que tem despertado curiosidade nos profissionais de áreas multidisciplinares que trabalham com indivíduos que possuem dificuldades de aprendizagem ou que lidam com o processo de ensino-aprendizagem12.
A atuação psicopedagógica se dá de maneira preventiva e terapêutica, tanto no âmbito escolar, quanto na saúde, social, clínica ou no meio empresarial. Alguns autores13 salientam que o psicopedagogo pode contribuir de maneira eficiente na administração da aprendizagem individual e organizacional, diagnosticando e propondo soluções para problemas relacionados à aprendizagem na empresa.
No meio empresarial, segundo Silva4, a função do psicopedagogo é analisar, avaliar, incentivar e intervir nos acontecimentos que prejudiquem o desenvolvimento individual e grupal, estimulando a harmonia e a aprendizagem. Pode atuar com os profissionais da área de Recursos Humanos e auxiliá-los em treinamentos, seleção e organização pessoal. Como também colher elementos do diagnóstico organizacional, determinando e inspecionando a aprendizagem de forma didática.
O papel do psicopedagogo em uma empresa é de promover a qualidade social e humana. Esse profissional trabalha diretamente com a educação, no sentido de adaptar o indivíduo em seu lado pessoal e profissional. A autora destaca o trabalho em três fases diferentes e integradas: formação profissional, desenvolvimento profissional e treinamento para um cargo específico. O psicopedagogo empresarial deve interpretar, tomar conhecimento do problema de aprendizagem e intervir entre o sujeito e a sua história que causaram a dificuldade de aprender14.
A psicopedagogia empresarial é considerada habilitada para suceder na desordem da relação de empregado e de empregador. Como afirma Carvalho15, a Psicopedagogia "posiciona-se como a disciplina melhor preparada para intervir nos conflitos socioculturais de caráter danoso possíveis nas relações horizontais e verticais entre empregados e empregadores". Assim sendo, salienta-se que:
"Psicopedagogia empresarial, ampliando formas de treinamento, resgatando a visão do todo, as múltiplas inteligências, trabalhando a criatividade e os diferentes caminhos para buscar saídas, desenvolvendo o imaginário, a função humanística e dos fundamentos na empresa, ao construir projetos e dialogar sobre eles"8.
Silva4 destaca que o psicopedagogo deve ter visão diagnóstica da empresa no que se refere à queixa e à deficiência estabelecida no grupo, bem como averiguar uma prévia do histórico, dos objetivos, da missão e dos valores da empresa. Deve, também, informar aos funcionários sobre a importância e realização do trabalho, assim como a demonstração de ações, de conduta e de postura, com vistas à qualidade de vida.
Também, encontrou-se um artigo de pesquisa bibliográfica13 referindo-se a psicopedagogia empresarial no desenvolvimento de prevenção de doenças ocupacionais. Este teve como objetivo incluir as funções do psicopedagogo no processo de ensino aprendizagem com o apoio à gestão na área dos Recursos Humanos. Segundo a autora, nesse contexto, o psicopedagogo deverá atuar em habilidades específicas, tais como planejamento estratégico, seleção de pessoas, plano de carreira, avaliação do desempenho, comunicação, formação, cultura organizativa e prevenção de acidente.
Portanto, a partir dos textos levantados, verifica-se que a Psicopedagogia atua principalmente nos problemas ligados às dificuldades de aprendizagem em diversos campos de conhecimento. Entende-se que a Psicopedagogia está ligada à instituição escolar, hospitalar e empresarial, reconhecendo que a educação e o mercado estão passando por grandes mudanças e, então, se faz necessário readaptar-se às novas aptidões dessa fase. Somando-se a isso, os textos pesquisados apontam para a emergência das empresas olharem mais apuradamente aos seus funcionários no que diz respeito às questões emocionais, condições de trabalho, dificuldades de aprendizagem e, principalmente, qualidade de vida. Dentre as demandas, cita-se o estresse, agravante contemporâneo que afeta a parte física e psicológica do indivíduo, sendo esse discorrido de forma mais pormenorizada a seguir.
Estresse: o mal do século
O estresse é uma palavra que provém do latim "stringere", e é considerado como uma epidemia do século XXI ou o mal do século. O estresse leva a uma baixa resistência do organismo, podendo assim o indivíduo ficar vulnerável a diversas doenças. Ressalta-se, ainda, que a reação do estresse no organismo pode ocorrer quando a pessoa sofre uma situação que a deixa nervosa, desestabilize, deixe-a com medo, ou até faça-a completamente feliz16.
Com base nos conceitos de Selye, estresse é definido como uma reação do organismo, com componentes físicos e/ou psicológicos, causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que, de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz. A resposta do estresse deve ser entendida como sendo um processo e não uma reação estanque independente, pois no momento em que ela se inicia, um longo processo bioquímico se instala. Independentemente da causa da tensão, o início se manifesta de modo bastante semelhante em todas as pessoas, com o aparecimento de taquicardia, sudorese excessiva, tensão muscular, boca seca e a sensação de estar em alerta16.
Segundo Rossi17, um mínimo de estresse é bom e saudável, pois dá força para a busca de sonhos e objetivos, porém o excesso de estresse e a sobrecarga devem ser observados, pois pode tornar-se prejudicial. De acordo com Lipp & Malagris16, o estresse pode ser dividido em três fases: alerta, resistência e exaustão. A primeira refere-se ao momento em que o indivíduo inicialmente defronta-se com um estressor (mudança de residência, férias, entre outros), despertando uma reação de alerta de "luta ou fuga" que pode durar algumas horas até a estabilização da adrenalina e da homeostase. Não causa consequentemente nenhum dano e se a pessoa souber administrar seu estresse nesse período, pode desenvolver uma ótima produtividade, motivação, satisfação e energia. O segundo trata-se do estressor (discussões familiares, mudança de responsabilidade no trabalho, entre outros) que permanece a uma intensidade excessiva, mas não letal, de maneira que o organismo tenta lutar e reestabelecer o equilíbrio interno. Porém, se os sintomas persistirem por um longo tempo, as doenças começam a aparecer, como: sensação de desgaste e dificuldades com a memória, e, nessa situação, o estresse está a caminho de entrar em sua fase mais crítica, chamada exaustão. Essa terceira fase perdura por mais tempo juntamente com outros estressores que possam ocorrer (morte de familiar, problemas financeiros, entre outros). A exaustão psicológica começa a ser afetada mais rapidamente causando ao indivíduo depressão, ansiedade, vontade de fugir da realidade; e na parte física, doenças como úlceras gástricas, hipertensão, ataque cardíaco, psoríase, diabetes, dentre outras.
Uma classe de estressores destacada reporta-se ao relacionamento interpessoal no trabalho, quando as interações entre níveis hierárquicos, autoridades ou subordinados são remetidas a um conflito18. E, então é importante procurar técnicas para controlá-lo, o que é chamado de coping, estratégias de enfrentamento desenvolvidas para dominar e se adaptar às situações de estresse. São utilizados para tanto recursos que incluem saúde e energia, habilidades de solução de problemas, habilidades sociais, entre outros19.
Alguns programas para controlar e tornar o estresse mais moderado também envolvem a combinação de relaxamento e técnicas cognitivo-comportamentais20. Conforme Baratella21, a musicoterapia atinge também, com enorme eficácia, objetivos psicoprofiláticos, sendo indicada no gerenciamento da ansiedade e do estresse.
O estresse é um assunto pesquisado e investigado de forma muito ampla, e existem vários profissionais especializados na área. A seguir podem-se conferir alguns estudos de caso que abarcam a pesquisa e intervenção em diferentes fases do estresse.
Cabussú19 realizou um artigo de revisão bibliográfica com o objetivo de estabelecer relação entre a dislexia, o estresse, as complicações neuropsicológicas e psicopedagógicas que interferem no tratamento e processos acadêmicos. Considerou que os disléxicos, ao conviverem com os sintomas, passam também por circunstâncias estressantes que influenciam e interferem suas vidas. E apontou-se que o psicopedagogo e os outros profissionais devem atuar visando às questões educacionais e também as da saúde no que se diz respeito aos estressores e o processo de ensino aprendizagem.
Valle et al.22 relacionaram a psicopedagogia, o estresse e os distúrbios do sono do professor, a fim de investigar os tipos de sintomas de estresse e distúrbios do sono em professores da rede pública de ensino. O método da pesquisa foi exploratório descritivo e foi empregado o Questionário de Fatores de Estresse dos Professores com 165 professores do interior de Minas Gerais, verificando que 59% possuíam estresse e 46,7% não dormiam bem. Os sintomas mais estressantes foram: dupla jornada de trabalho, baixo salário, barulho em sala de aula e dificuldade nas relações família-escola. Os autores discutiram que os professores estão expostos a diversas situações estressantes e são exigidos a ajustar-se. E, que, a Psicopedagogia pode auxiliar a fim de conscientizar, por meio de recursos de integração social, organismos públicos e instituições educacionais a abordar a importância de combater o estresse.
Ao longo da literatura, percebe-se que embora seja difícil alterar as condições que proporcionam o estresse às pessoas, a realização de programas comportamentais apropriados e treinos podem ajudar os indivíduos a lidar com as dificuldades presentes em sua vida, sendo uma destas dificuldades a deficiência em Habilidades Sociais. Nesse sentido, entende-se que os indivíduos com deficiências nas habilidades sociais podem ter maior desenvolvimento do estresse, tanto dentro quanto fora do local de trabalho.
Habilidades sociais
O Treinamento de Habilidades Sociais (THS) iniciou-se na Inglaterra em 1970 e recebeu ajuda da área de Treinamento Assertivo (TA), mas o primeiro é considerado hoje a área mais abrangente e original, unida à Psicologia Clínica e do Trabalho, e mais atualmente à Psicologia Social, Educacional, Desenvolvimento, Evolutiva, entre outras. Considera-se o THS nos dias de hoje uma área de pesquisa empírica e teórica6. O THS tem grandes estudiosos para o seu método de intervenção23.
Para Del Prette & Del Prette6, o termo habilidades sociais diferencia-se de desempenho social e de competência social. O desempenho social é o conjunto de comportamentos emitidos em uma ocasião social qualquer. As habilidades sociais pressupõem a existência de diferentes categorias de comportamentos sociais na coletânea do indivíduo para lidar com as demandas das situações interpessoais, enquanto, a competência social está atrelada aos efeitos do desempenho social e às situações vividas pelo indivíduo. Caballo24 aprecia que o comportamento hábil é uma união de comportamentos em um determinado contexto interpessoal, podendo manifestar suas qualidades morais, postura, modo de pensar ou de ver, de acordo com a situação posta e frequentemente resolvendo problemas para diminuir as chances de um futuro duvidoso.
Apesar de não ter uma idade definida para aprender sobre o desenvolvimento das habilidades sociais, esta se estabelece de forma mais proveitosa na infância25. Outros autores6 destacam que a aprendizagem das habilidades sociais começa no ambiente familiar e escolar, sendo que no familiar os pais fazem a mediação para a aprendizagem das mesmas. Nesse sentido, ressalta-se que:
"A habilidade social educativa parental (HSE-P) manter conversação ou dialogar com os filhos é indispensável no contexto educativo, pois pode ser considerada como o repertório inicial para o desenvolvimento de outras habilidades, tais como: fazer perguntas, expressar sentimentos e opiniões"26.
Existem pesquisas no campo da THS que apresentam que as pessoas socialmente competentes têm vocação para exibir relações pessoais e profissionais mais proveitosas, aceitáveis e por longo período, além de serem associadas a melhor saúde física, mental e bom funcionamento psicológico6. Por outro lado, as deficiências em habilidades sociais atingem próximo de 25% a 30% dos pacientes com transtornos emocionais27.
Os indivíduos com deficiências em habilidades sociais têm indícios de características comportamentais, tais como autoafirmação, insegurança, desamparo, busca de poder e baixa competência. E, nota-se que o déficit em habilidades sociais contribui e relaciona-se ao desenvolvimento do estresse6,28. Torna-se notável que as deficiências em habilidades sociais, como a falta de assertividade e a dificuldade de expressar sentimentos, têm sido vinculadas ao estresse, sendo estes um estressor interno, que possuem ligação ao modo de pensar e de se comportar do indivíduo27.
Por conta desses déficits em habilidades sociais, os indivíduos acabam transparecendo suas dificuldades nas relações interpessoais, mesmo não querendo demonstrar. Segundo Burnier29, os trabalhadores ainda tendem a enfrentar a competitividade, especializarem-se às transformações da tecnologia no trabalho, o complexo das relações sociais e os diferentes grupos com as suas utopias, proporcionando, além do início da subdivisão do trabalho, o aumento de estresse.
Em outro estudo23 se destaca que os atuais padrões organizacionais que determinam a reorganização lucrativa têm urgência nos processos de trabalho se ligam diretamente à natureza e qualidade das relações interpessoais. Por esse motivo, percebe-se que "os déficits em habilidades sociais estão geralmente associados a dificuldades e conflitos com outras pessoas, à pior qualidade de vida e a diversos tipos de transtornos psicológicos"6.
As contribuições das habilidades sociais como forma de intervenção para o enfrentamento do estresse permitem analisar os ângulos observáveis ou não observáveis do comportamento. Segundo Del Prette et al.30,
"os ângulos observáveis referem-se às classes comportamentais amplas ou molares como fazer e responder (a) cumprimentos elogios, expressar opiniões e discordâncias, iniciar, manter e encerrar conversações, fazer críticas e responder a elas etc. e, também, a seus componentes moleculares verbais e não-verbais, como de tom de voz, contato visual, gestos, postura etc".
Enquanto, os ângulos não observáveis de comportamento, ainda conforme os autores incluem pensamentos, percepções e representações que precedem, acompanham ou seguem o desempenho social. Os autores descrevem, ainda, a importância das habilidades sociais com outros indivíduos, pois o fato de conviver com pessoas com culturas e subculturas diferentes contribui para que o desempenho social seja competente, em relação às pessoas que não têm esse convívio. Também para Pellegrini et al.31, o aumento das habilidades sociais propicia o acréscimo da percepção do sujeito sobre sua competência, determinando a sua autoafirmação em resolver seus problemas de maneira adequada e controlando o estresse.
Uma das pesquisas que cooperam para buscar formas de enfrentamento do estresse com as contribuições das habilidades sociais é a de Del Prette et al.30, na qual é retratado um estudo multicêntrico sobre o Treino de Habilidades Sociais. Teve por objetivo qualificar esse repertório com 564 estudantes do início ao término do curso de Psicologia, de ambos os sexos, sendo que 83% eram mulheres, com idade média de 21 anos, sendo os estudantes de Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Os estudantes responderam a um inventário sobre autorelato IHS de Del-Prette & Del Prette23, formado por cinco fatores: enfrentamento e autoafirmação (F1); expressão de afeto positivo (F2); conversação e desenvoltura social (F3); autoexposição a desconhecidos e situações novas (F4); e autocontrole da agressividade (F5). Os resultados apontaram que os estudantes de Psicologia, de ambos os sexos, apresentaram resultados muito superiores nos fatores F1, F3 e F4, e escores inferiores nos fatores F2 e F5. A idade apresentou uma diferença significativa só no fator F4 para o estado de São Paulo e no F5 para os estados da Bahia e Rio de Janeiro, nos quais os estudantes mais novos tiveram resultados mais altos do que os mais velhos. Houve perfis afins nos estados de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo para os fatores F3 e F4. Contudo, o Rio de Janeiro apresentou o escore mais alto nas habilidades de assertividade em relação ao restante do grupo. Supõe-se que em grandes metrópoles e, principalmente, no Rio de Janeiro, o nível do estresse é maior e gera mais inquietação com a completude e a segurança dos indivíduos, podendo prejudicar na expressividade de sentimentos positivos, porém essas informações devem ser investigadas. Nos estados de São Paulo e Minas Gerais destacaram-se nos fatores F2 e F5.
Outros autores27 fizeram um estudo sobre estresse e habilidades sociais em estudantes de medicina na Universidade do Rio de Janeiro com o objetivo de investigar o nível de estresse e as habilidades sociais de estudantes do primeiro ao sexto ano de medicina. Ao total foram 178 estudantes, dos quais 105 eram mulheres e as suas idades variavam entre 17 e 41 anos. Foi utilizado o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp e Inventário de Habilidades Sociais de Del Prette e Del Prette. As sete fontes de estresses mais apontadas pelos estudantes foram: professores injustos, a exagerada quantia de matéria para estudo, excesso de provas, provas orais, falta de tempo para diversão, às probabilidades como futuro médico e o medo de mau êxito nos estudos. O grupo feminino apresentou média mais elevada e instiga-se que as mulheres têm mais propensão e intensificação às fontes de estresse.
Em relação ao nível de estresse, o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp apresentou que 65,2% dos alunos têm estresse, sendo que 60,7% estão na fase de exaustão, 3,9% na fase de quase exaustão e 0,6% na fase de alerta. Quanto às habilidades sociais avaliadas, se enfatizou aquelas ligadas à assertividade. Houve uma relação expressiva no grupo dos homens com um repertório elaborado das habilidades sociais de 73,9%, e 26,1% estavam na fase de resistência. Todavia, a minoria dos homens que tiveram 32,5% em déficit em habilidades sociais e apresentaram 62,5% estresse, na fase de resistência. No que diz respeito ao grupo das mulheres com baixas habilidades sociais, 31,6% não apresentaram estresse e 68,4% estavam em fase de resistência. Neste estudo, as deficiências em habilidades sociais vinculadas ao estresse desempenharam uma incidência tanto para homens quanto para mulheres.
Outro estudo32 considerou o manejo do estresse ocupacional em 74 funcionários administrativos de uma faculdade privada. Foram feitas 12 sessões psicoeducativas e aplicada a Intervenção Multimodal de Manejo de Estresse, Treino em Habilidades Sociais e Escala de Coping Ocupacional. Intentava-se executar o programa com os funcionários e averiguar se os resultados no pré e pós-teste diferenciavam-se em imunidade, pressão arterial, respostas orais sobre o estresse, as habilidades sociais e coping de problemas no trabalho. A média do pré-teste na Intervenção do Manejo do Estresse foi de 2,46 e, do pós-teste, 1,72, enquanto nas habilidades sociais foi de 0,44, no pré-teste, e o pós-teste de 0,49. Uma suposição feita pelos pesquisados foi que a intervenção do manejo do estresse seria muito mais expressiva do que as de habilidades sociais, porém a atenuação do número de participantes com estresse chegou perto das outras intervenções e os resultados alcançados não acharam a supremacia de um modelo de intervenção sobre outro. Nesse sentido, se especulou que as habilidades sociais afetariam reações de estresse por uma via cognitiva, e outra comportamental.
Pellegrini et al.31 prepararam um estudo para investigar sobre as habilidades sociais e a administração do tempo como diversificáveis do controle do estresse. A pesquisa incluiu 83 universitários dos cursos de Biologia, de Engenharia Civil e de Psicologia, que responderam aos inventários de Estresse, de Habilidades Sociais e de Administração de Tempo. De acordo com os achados, subentende-se que os indivíduos administram mal e/ou de maneira mediana o seu tempo, e o nível de estresse do mesmo é mais elevado. Os déficits em habilidades sociais não agregaram a presença de estresse, ou seja, não houve ligação entre déficit em habilidades sociais e o estresse. O curso de Engenharia Civil teve o menor quadro de estresse e maiores dificuldades no fator de enfrentamento e de autoafirmação com risco, o que leva à hipótese de que as pessoas que atuam na área de exatas sejam menos sensíveis à auto-observação física e psicológica, se comparadas aos estudantes das áreas de humanas e biológicas. Foi observado que, tanto as mulheres que tiveram baixas habilidades como as que tiveram altas habilidades sociais, apresentaram em sua maioria, estresse. Em contrapartida, os homens que tiveram baixas habilidades, como os que tiveram altas habilidades sociais, não apresentaram estresse. Porém, a maioria dos estudantes, tanto com estresse como sem estresse exibiram baixas habilidades sociais.
Conclui-se que as deficiências em habilidades sociais podem causar ao indivíduo uma qualidade de vida escassa, podendo afetar sua saúde física e mental, as quais estão relacionadas ao surgimento do estresse. Destaca-se que, na maioria das vezes, as pessoas possuem as habilidades sociais, mas não as utilizam por causa das dificuldades de leitura do ambiente, ansiedade e crenças confusas6.
Tais achados podem servir de incentivo para futuras pesquisas no que diz respeito à Psicopedagogia, ao estresse e às habilidades sociais dentro do ambiente de trabalho, pois existe uma escassez de estudos nessa área. Salienta-se a relevância no uso de vivências para promover as habilidades sociais, pois assim os indivíduos com maiores níveis de estresse poderiam desenvolver mais as habilidades necessárias para o enfrentamento desses estressores. E, com a ajuda de um profissional especializado, como o psicopedagogo, cooperar para o desenvolvimento pessoal, profissional e sadio dos mesmos e, consequentemente, implicar em melhores resultados para a empresa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da revisão da literatura se verificou a importância da atuação do psicopedagogo na área empresarial, sendo que essa é de investigar, olhar atentamente o clima organizacional, analisar o problema em particular, e intervir de acordo com a realidade da organização. No que se refere às habilidades sociais, a literatura aponta a importância de avaliar e intervir com os treinos de habilidades sociais dentro e fora das empresas para amenizar o estresse do dia-a-dia.
Foi necessário considerar também sobre o estresse, pois causa às pessoas cansaço físico e mental e, se não amenizado, pode trazer sérias complicações. Sabe-se que, especialmente no ambiente de trabalho, os indivíduos precisam comportar-se adequadamente, mesmo estando em fase de quase exaustão. Pela literatura, verificou-se que as dificuldades nas habilidades sociais podem causar grandes transtornos emocionais e comportamentais, inclusive desencadear o estresse. E, que se aponta que os déficits em habilidades sociais, como a ausência da assertividade e contratempo de expressar sentimentos estão vinculados ao estresse. Além de que as deficiências em habilidades sociais têm sido ligadas ao estresse por esses serem considerados estressores internos.
Durante a revisão bibliográfica, não foram encontradas literaturas especificamente vinculadas às habilidades sociais, Psicopedagogia e o estresse no contexto empresarial, revelando que os mesmos conjuntamente são assuntos ainda pouco estudados, dificultando a busca de discussões. De forma mais próxima ao objetivo proposto, encontrou-se apenas um artigo em que se comenta sobre a Psicopedagogia, o estresse e os distúrbios de sono no professor. O mesmo pôde auxiliar na reflexão sobre a atuação do psicopedagogo, juntamente com profissionais da área da educação, assim podendo intervir na aprendizagem do indivíduo. Houve maiores possibilidades de artigos relacionados a habilidades sociais e estresse, em crianças, adolescentes e adultos.
Sugere-se que novos estudos, inclusive empíricos, sejam feitos para melhor aprimoramento dos déficits em habilidades sociais e a melhoria do acúmulo de estresse. Nesse sentido, podem-se desenvolver pesquisas e serviços de assessoria psicopedagógica que visem não somente prevenir e tratar o estresse excessivo no sujeito, mas, também, criar programas para a ampliação das habilidades sociais para auxiliar na prevenção de estressores internos e externos. Esses programas podem sinalizar uma forma de planejamento para os indivíduos identificarem e planejarem uma resolução do problema, quando estes reconhecerem os fatores de risco do estresse e os déficits nas habilidades sociais.
Portanto, as lacunas na intersecção entre esses temas e para essa população precisam ser mais estudadas e aperfeiçoadas, pois a necessidade manifestada dos indivíduos em relação aos déficits das habilidades sociais é grande, e ainda somam-se ao estresse. O trabalho psicopedagógico pode contribuir para a realização de programas na área dos Recursos Humanos de uma empresa, melhorar a aptidão dos serviços prestados e a qualidade de vida dos seus colaboradores, e ainda ser de grande relevância e utilidade para os indivíduos que se interessarem pelo assunto aqui exposto.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Marjorie Cristina Rocha da Silva
Caixa Postal 1599
Itatiba, SP, Brasil
CEP 13256-971
E-mail: silvamarjorie@yahoo.com.br
Artigo recebido: 11/3/2014
Aprovado: 3/5/2014
Trabalho realizado nas Faculdades de Atibaia (FAAT), Atibaia, SP, Brasil.