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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.32 no.97 São Paulo 2015
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação da evolução do perfil motor de pré-escolares com necessidades educativas especiais após intervenção psicomotora breve
Motor profile developments in pre-school children with special educational needs after brief psychomotor intervention
Giuseppina Antonia Sandroni; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues
Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O objetivo desse estudo foi avaliar e comparar o perfil psicomotor de crianças do ensino infantil (EI) com necessidades educativas especiais (NEE), antes e após intervenção psicomotora breve. Participaram do estudo 5 crianças do nível II, participantes de uma Sala de Recursos Multifuncional de Escola Publica. Duas crianças tinham transtorno do espectro do autismo (TEA), duas não tinham diagnóstico definido e uma tinha deficiência intelectual. Para avaliação foram utilizados: 1) Inventário Portage Operacionalizado, para obtenção de dados relativos a socialização, cognição, linguagem e autocuidados; 2) Escala de Desenvolvimento Motor, para avaliação do perfil psicomotor. Em seguida, foi elaborado um programa de intervenção psicomotora individual, com duas sessões/semana, totalizando 24 sessões, com a finalidade de estimular as funções psicomotoras defasadas. Finalizado o programa interventivo, as crianças foram reavaliadas com os mesmos instrumentos mencionados. Os dados obtidos foram analisados de forma qualitativa e quantitativa (Programa SAS System for Windows, versão 16.0). Todas as crianças apresentaram perfil motor inferior à idade cronológica no momento da avaliação inicial, bem como nos aspectos relativos à cognição, linguagem e autocuidados; defasagem em socialização também foi observado nas duas crianças com TEA. Após o processo interventivo, não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os dados obtidos antes e após a intervenção. Entretanto, qualitativamente constatou-se evolução de 4 crianças em todos os aspectos analisados. Considera-se, então, que a abordagem psicomotora rotineira junto a crianças do ensino infantil, com NEE pode maximizar o desempenho global da criança e, como consequência, o seu aprendizado.
Unitermos: Desempenho psicomotor. Avaliação. Educação especial. Desenvolvimento infantil.
SUMMARY
The aim of this study was to evaluate and compare the psychomotor profile of kindergarten children with special educational needs (SEN), before and after brief psychomotor intervention. The study included five children from level II, participants from the Multifunction Resource Classroom of a Public School. Two children had Autism Spectrum Disorder (ASD), two had no defined diagnosis, and one had intellectual disability. We used for evaluation: 1) Operational Portage Inventory, in order to obtain relative data, socialization, cognition, language, and self-care; 2) Motor Development Scale to evaluate the psychomotor profile. Subsequently, we designed a psychomotor intervention program for each individual, with two sessions per week, totaling twenty-four sessions, in order to stimulate the lagged psychomotor functions. Afterwards, with the end of the interventional program, the children were reassessed with the mentioned instruments. The data was analyzed qualitatively and quantitatively (SAS System program for Windows, version 16.0). At the time of evaluation, all children had motor profile lower than the chronological age, either in aspects of cognition, language, as self-care; lag in socialization was also observed in both children with ASD. After the intervention process, no significant statistically difference between the data obtained before and after the intervention was observed. However, there was evolution of 4/5 children in all analyzed aspects. One can conclude that the routine psychomotor approach on kindergarten children with SEN can maximize their overall performance and, consequently, their learning abilities.
Key words: Psychomotor performance. Evaluation. Education, special. Child development.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento motor é definido como um processo sequencial, contínuo, atrelado à idade cronológica e dependente da interação de diversos fatores, tais como biologia do indivíduo, requisitos das tarefas e condições ambientais, sociais, intelectuais e emocionais. A relação de todos esses fatores possibilita à criança adquirir gradualmente uma série de habilidades que vão de movimentos simples e desorganizados a movimentos organizados e complexos1,2.
É nos anos iniciais que a criança desenvolve sua motricidade básica e, para tanto, aspectos relacionados à consciência corporal, direcional e espacial, bem como sincronia, ritmo e sequência motora, que são essenciais para tal desenvolvimento3,4. Também é nesse período que se dá o processo inicial de escolarização.
Na perspectiva da psicomotricidade, corpo, cérebro e mente fazem parte de um todo que constitui o ser humano e, sendo assim, a motricidade não pode ser dissociada da aprendizagem infantil, inclusive, a acadêmica.
Para comprovar tal relação, diversos estudos têm sido realizados. Em um deles foi investigada a relação entre lateralidade e desempenho em leitura e escrita, em 166 crianças do 3o ano do ensino fundamental. Os dados obtidos demonstraram que as crianças com dominância lateral completa tiveram desempenho significativamente melhor nessas habilidades, quando comparado àquelas que tinham lateralidade cruzada5.
Nesse sentido, é importante que o planejamento pedagógico na escola inclua atividades estruturadas e sistematizadas, voltadas para o desenvolvimento psicomotor dos seus alunos. No entanto, esse planejamento requer capacidade dos profissionais em reconhecer e analisar as principais fases de desenvolvimento das funções psicomotoras elementares, ou seja, motricidade global e fina, equilíbrio, esquema corporal, lateralidade, praxias e organização espaço temporal. Com isso se pode monitorar e identificar possíveis atrasos e, quando for o caso, implementar intervenções precocemente. Como se sabe, quanto mais ações preventivas, maiores as chances de se evitar (ou minimizar) defasagem na aprendizagem infantil.
Se isso é verdade para crianças com evolução dentro dos padrões da normalidade, é ainda mais importante para aquelas que tem algum comprometimento estrutural e/ou funcional.
Especificamente no que diz respeito aos indivíduos com deficiência intelectual (DI), diversos autores relatam a relação entre deficiência intelectual e atraso no desenvolvimento motor6-10.
Mansur & Marcon6, ao traçarem o perfil motor de crianças e adolescentes com deficiência mental moderada, constataram, por meio da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM), que essa população possuía alteração da motricidade, resultando em padrão motor classificado como muito inferior.
No que se refere a indivíduos com TEA, há relatos de idade motora geral abaixo do esperado para a idade cronológica11, assim como dispraxia.
Em relação a este último aspecto, MacNeil & Mostofsky10 investigaram e compararam praxias, desenvolvimento motor e conhecimento postural em três grupos de crianças com TEA, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e desenvolvimento típico. Os dados demonstraram que os sujeitos dos grupos experimentais (TEA e TDAH) tiveram prejuízo significativamente inferior, porém somente as crianças com TEA tiveram desempenho compatível com dispraxia.
É importante ressaltar, no entanto, que a defasagem não significa que esses indivíduos não podem atingir grau satisfatório de desenvolvimento motor nos diferentes estágios do desenvolvimento12.
Em estudo de caso com uma criança com 6 anos de idade com diagnóstico de TEA associado à Síndrome do X- Frágil, constatou-se evolução positiva (psicomotora e comportamental), após intervenção psicomotora13.
Trabalhos como os mencionados anteriormente, em que se demonstra a eficácia da intervenção psicomotora em crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) junto a crianças do ensino infantil, são escassos. Quando existentes, estes têm como foco o contexto clínico.
As instruções do Ministério da Educação (MEC) e legislações vigentes que tratam sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE)14-17 destacam, dentre as atribuições do professor de AEE, a elaboração, execução e avaliação do plano de AEE do estudante. Porém o que se observa é que não há avaliações e intervenções sistematizadas no contexto escolar. Tal fato é que motivou a realização do presente estudo, que teve como objetivo principal avaliar e comparar o perfil psicomotor de crianças do ensino infantil (EI) com NEE, antes e após intervenção psicomotora breve. Também foi identificado se as habilidades de cognição, linguagem, socialização e autocuidados são alteradas após o referido processo interventivo.
MÉTODO
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (Processo 38108714.4.0000.5404).
Trata-se de pesquisa transversal, quantitativa com delineamento experimental com testagem pré e pós-intervenção.
Participaram do estudo cinco crianças de ambos os gêneros, com idade entre 5 e 6 anos, que não apresentavam comprometimento motor. Todas estavam matriculadas no ensino infantil (Nível II), em Escola Municipal do interior do Estado de São Paulo, e frequentavam Sala de Recursos duas vezes por semana, no contraturno do ensino regular, por indicação de profissionais e/ou instituições especializadas. Os pais foram informados sobre o teor da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para avaliação dos sujeitos foram utilizados os seguintes instrumentos:
1) Entrevista de anamnese, com os responsáveis legais;
2) Inventário Portage Operacionalizado (Williams & Aiello18), para obtenção de dados relativos à socialização, cognição, linguagem e autocuidados, segundo orientação do manual. Foi utilizado como base nesta avaliação a faixa etária de 5 a 6 anos de idade;
3) Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) de Rosa Neto et al.4, para avaliação do perfil motor, mais precisamente, da motricidade (fina e global), equilíbrio, lateralidade, esquema corporal e orientação espaço temporal. O Kit EDM e outros materiais indicados pelo Manual de Avaliação Motora4 foram utilizados na avaliação das crianças.
A partir dos resultados obtidos foi elaborado um Programa de Intervenção Psicomotora Individual, com duração de 45 a 50 minutos, realizado em duas sessões por semana (por 12 semanas), totalizando 24 sessões. A finalidade de tal programa foi estimular as funções psicomotoras defasadas. Todas as sessões foram realizadas na própria escola (na Sala de Recursos ou pátio). Antes de cada sessão, os objetivos foram traçados e, ao término da mesma, era feito registro do desempenho da criança em formulário elaborado para o seguimento.
Finalizado o programa interventivo, as crianças foram reavaliadas com os mesmos instrumentos mencionados.
Os dados obtidos foram analisados de forma qualitativa e quantitativa. O Programa SAS System for Windows (versão 16.0) foi utilizado para a avaliação estatística. Foi considerado como significativo valor de p igual ou inferior a 0,05.
Ao final, foi realizada devolutiva com os pais, onde foi entregue relatório individual e orientações gerais para o seguimento da criança. Uma cópia do referido relatório foi entregue e anexado ao prontuário da criança na escola.
RESULTADOS
Das cinco crianças com necessidade educativa especial que constituiu a presente casuística, duas tinham TEA e uma tinha deficiência intelectual (DI). As demais ainda não tinham diagnóstico definido e frequentavam a Sala de Recursos por indicação de seus professores, em função de apresentarem sinais indicativos de comprometimento cognitivo, como por exemplo: dificuldade para segurar lápis, pouca concentração para as atividades, dificuldade para memorizar rotinas simples escolares, irritabilidade, comportamento alterado, fala sem conexão com o contexto e falta de coordenação motora global. Na Tabela 1 estão especificados os dados desta casuística.
A avaliação motora inicial demonstrou que todas as cinco crianças tinham defasagem em todas as funções avaliadas e, assim, apresentaram idade motora inferior (negativa), em relação à idade cronológica (Figura 1).
Especificamente no que diz respeito à lateralidade, 3 sujeitos (1, 3 e 5) demonstraram homogeneidade (destro completo); os demais sujeitos (2 e 4), sem diagnóstico definido, apresentaram lateralizada cruzada e indefinida, respectivamente.
No que se refere às habilidades de socialização, cognição, linguagem e autocuidados, avaliados por meio do Inventário Portage Operacionalizado18, constatou-se que os sujeitos 1 e 5 (com diagnóstico de TEA) tiveram os piores desempenhos, ou seja, o sujeito 1 não pontuou nas habilidades de socialização e linguagem e o sujeito 5 não pontuou em cognição e linguagem. Os demais sujeitos (2, 3 e 4) tiveram pontuação máxima em socialização, mas não nas demais habilidades analisadas.
Na Tabela 2, apresenta-se a síntese das atividades realizadas durante o processo interventivo. Ressalta-se que tais atividades estimulavam, além das funções psicomotoras de base, outras funções cognitivas, tais como: linguagem atenção, memória, socialização, afetividade, dentre outros.
Após a intervenção psicomotora, as crianças foram submetidas à reavaliação com os mesmos instrumentos já descritos. No que se refere à Avaliação Motora4, constatou-se que apenas o sujeito 1, com quadro de TEA acentuado, não apresentou evolução nas funções psicomotoras avaliadas. Os demais sujeitos evoluíram após a intervenção, porém, a diferença não foi estatisticamente significativa (Teste de Mann-Whitney), conforme se observa a seguir:
a) Sujeito 1, com diagnóstico de TEA: não apresentou evolução em nenhuma função psicomotora. Como consequência, a idade negativa aumentou, já que se leva em consideração a idade cronológica (que era maior na reavaliação);
b) Sujeito 2, sem diagnóstico concluído: apresentou evolução na motricidade fina (p=0,317). motricidade global (p=0,317), equilíbrio (p=0,317) e orientação espacial (p=0,317);
c) Sujeito 3, com deficiência intelectual: apresentou evolução na motricidade fina (p=0,317), equilíbrio (p=0,317), e esquema corporal (p=0,317);
d) Sujeito 4, sem diagnóstico concluído: apresentou evolução na motricidade fina (p=0,317), equilíbrio (p=0,317) e organização temporal (p=0,317);
e) Sujeito 5, com diagnóstico de TEA: diferentemente do sujeito 1, este sujeito apresentou evolução na motricidade fina (p=0,317), equilíbrio (p=0,317) e esquema corporal (p=0,317).
Na Tabela 3, são apresentados os dados obtidos antes e após a intervenção psicomotora.
No que se refere às habilidades de linguagem, autocuidados, cognição e socialização, observa-se que, do ponto de vista quantitativo, houve pouca evolução após a intervenção psicomotora breve. Ainda, que essa evolução só foi observada nas crianças que ainda não tinham diagnóstico definido, ou seja, o sujeito 2 apresentou evolução em cognição e o sujeito 3 em cognição e linguagem (Tabela 4).
Entretanto, do ponto de vista qualitativo, nota-se a seguir que melhoras importantes foram observadas em quatro dos cinco sujeitos deste estudo.
a) Sujeito 1. Criança com diagnóstico de TEA e comprometimento acentuado. Não apresentou qualquer evolução nas funções psicomotoras e nem nas habilidades avaliadas pelo Inventário Portage18 nas áreas de socialização, cognição, linguagem e autocuidados. Não foi observado também qualquer alteração comportamental na Sala de Recursos, uma vez que continuou apresentando comportamentos estereotipados e pouca interação com a professora durante as atividades.
b) Sujeito 2: Criança sem diagnóstico definido. Apresentou evolução na motricidade fina, motricidade global, equilíbrio e orientação espacial. No Inventário Portage18, já havia atingido pontuação máxima na "socialização" antes da intervenção psicomotora breve e, na Reavaliação, houve avanço nos itens relativos à "cognição". Na Sala de Recursos, foi observado: melhora no aspecto atencional durante a execução e participação nas atividades. Especificamente, passou a cumprir os objetivos propostos até o final da atividade, com evidente determinação em cumprir os desafios propostos.
c) Sujeito 3: Criança com deficiência intelectual. Apresentou evolução na motricidade fina, equilíbrio e esquema corporal. No Inventário Portage18, manteve os mesmos escores obtidos antes da intervenção psicomotora breve, em todas as habilidades (socialização, cognição, linguagem e autocuidados). Na Sala de Recursos, observou-se melhora em atividades que exigiam coordenação motora fina, além de demonstrar mais desenvoltura na fala e na criatividade.
d) Sujeito 4: Criança sem laudo diagnóstico. Apresentou evolução na motricidade global, equilíbrio, esquema corporal e organização temporal. No Inventário Portage18, teve avanços em duas habilidades (cognição e linguagem) e manteve a pontuação máxima em Socialização. Na Sala de Recursos, demonstrou notável melhora na definição de dominância manual, passando a utilizar apenas a mão esquerda no uso do lápis. Houve, também, melhora na grafia de letras e números e tal fato interferiu positivamente na sua confiança e autoestima. Na sala de aula regular, a criança em questão se tornou mais comunicativa e participativa durante as atividades realizadas em conjunto com as demais crianças.
e) Sujeito 5: Criança com diagnóstico de TEA. Apresentou evolução na motricidade fina, equilíbrio e esquema corporal. Porém, no Inventário Portage18, manteve todos os escores obtidos antes da intervenção psicomotora breve em socialização, cognição, linguagem e autocuidados. Na Sala de Recursos, foi possível observar melhora nas atividades que envolvem o corpo e movimento, mas não nos aspectos relativos a linguagem, comunicação e socialização.
Por fim, a Figura 2 demonstra que houve evolução no perfil psicomotor de 4 das 5 crianças do estudo, após período breve de intervenção psicomotora (24 sessões).
DISCUSSÃO
Um dos aspectos essenciais para a saúde infantil é o conhecimento sobre a processo normal de maturação e de desenvolvimento motor da criança, pois desse modo se pode fazer o diagnóstico e tratamento precoce daquelas que tem atraso no desenvolvimento9. Tal fato é importante não apenas no tocante à área clínica (profissionais de saúde/educação), mas também no contexto escolar.
Em nosso país, uma série de leis regulatórias vêm sendo publicadas com a finalidade de se garantir e direcionar o atendimento das crianças com necessidades educativas especiais, mais especificamente com deficiências sensoriais ou intelectual, TEA e altas habilidades.
Entretanto, a abordagem e o tipo de atendimento é definido por cada escola, segundo as necessidades dos alunos. A partir da identificação destas é que se elabora a Proposta Político Pedagógica (PPP). Quando necessário, crianças com defasagem e baixo desempenho devem ser atendidas no contraturno das aulas regulares, na Sala de Recursos Multifuncionais17,19.
Especificamente no que se refere ao atendimento de crianças do ensino infantil, já está muito bem estabelecido a importância da motricidade nessa etapa do desenvolvimento, bem como a relação desta com a aprendizagem. Diante disso, seria importante que houvesse trabalhos sistematizados, que demonstrassem a eficácia da estimulação motora nessa população, pois a literatura sobre esse tema é escassa.
A esse respeito, vale mencionar o artigo de Silva20, que analisou a produção de trabalhos relacionados à temática corpo-educação no ensino infantil e, para tanto, baseou-se nos trabalhos apresentados em congressos organizados pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, além daqueles publicados pelos Encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), no período de 2004 a 2007. Constatou o autor que apenas 0,13% dos trabalhos se referiam à temática investigada.
Essa carência de dados sistematizados é que motivou a realização do presente estudo, que teve como objetivo principal avaliar a evolução do perfil psicomotor de pré-escolares com necessidades educativas especiais, antes e após intervenção psicomotora breve.
Os dados obtidos são interessantes, já que apontam para especificidades em função do tipo de comprometimento das crianças que fizeram parte deste estudo, cuja análise será discutida a seguir.
Analisando-se inicialmente as crianças com TEA, observou-se que o sujeito 1 não apresentou qualquer evolução no seu perfil psicomotor. Na verdade, pode-se dizer que houve piora, uma vez que a idade negativa aumentou no momento da reavaliação, em função do aumento da idade cronológica da criança. Destaca-se que essa criança tinha comprometimento acentuado na comunicação e interação social, além de padrão de comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos. O sujeito 5, por outro lado, com o mesmo diagnóstico e menor nível de comprometimento, apresentou evolução na motricidade fina, equilíbrio e esquema corporal, fato que se refletiu positivamente na Sala de Recursos, nas atividades que envolviam corpo e movimento, principalmente. Tais dados remetem às seguintes considerações:
Primeiramente, é preciso ter claro que, assim como em outros transtornos, há diferentes graduações de comprometimento no TEA e, desse modo, desempenhos diferentes podem ocorrer com a mesma metodologia de intervenção. Além disso, é essencial que tais sujeitos recebam intervenção multiprofissional, com médicos, fonoaudiólogos e psicopedagogos. Porém, esses profissionais devem estar em interação constante, de modo a maximizar a evolução global da criança. Nesse sentido, a intervenção isolada na escola não é indicada. No caso das duas crianças deste estudo, ambas eram atendidas por equipe multiprofissional em instituição especializada da cidade e a escola, semestralmente, realiza reuniões com a equipe para troca de informações.
O sujeito 3, com deficiência intelectual, também apresentou evolução na motricidade fina, equilíbrio e esquema corporal, fato que se refletiu no seu desempenho na Sala de Recursos (em atividades que exigiam coordenação mora fina e criatividade), bem como na desenvoltura da fala. Tal fato é importante, já que demonstra que os aspectos estimulados no processo interventivo surtiram efeitos positivos em outros aspectos da sua aprendizagem.
Por fim, os sujeitos sem diagnóstico definido também apresentaram evolução no perfil motor, mais especificamente, em motricidade (fina e global), equilíbrio e orientação espacial (sujeito 2) e em motricidade global, equilíbrio, esquema corporal e orientação temporal (sujeito 4). Esses sujeitos foram os únicos que apresentaram certa evolução também nas habilidades avaliadas pelo Inventário Portage Operacionalizado18, ou seja, cognição (sujeitos 2 e 4) e linguagem (sujeito 4).
O fato de tais sujeitos não terem diagnóstico definido nos leva a levantar duas hipóteses, ou seja, seu baixo desempenho seria decorrente de inteligência limítrofe ou seria secundário à defasagem no desenvolvimento psicomotor. Isso porque, conforme se verifica na avaliação, essas crianças também apresentaram perfil motor defasado (Tabela 3).
Crianças com inteligência limítrofe não apresentam traços físicos aparentes, mas têm defasagem entre a idade cronológica e a idade mental. Outras características são: falta de iniciativa; dificuldade para generalizar mecanismos racionais que lhes permitam desenvolver-se com autonomia em situações cotidianas; dificuldade na tomada de decisões e na resolução de conflitos; dificuldade para adaptar-se com êxito em situações difíceis; baixo desempenho escolar; dificuldade para estabelecer e manter relações interpessoais, bem como em organizar o tempo livre; baixa autoestima e baixa tolerância ao fracasso e à frustração. Entretanto, com apoio podem alcançar bom grau de autonomia21.
No caso de defasagem no desenvolvimento psicomotor, se sabe que este pode interferir na aprendizagem da criança. Isso porque, conforme já mencionado, corpo, cérebro e mente fazem parte de um todo que constitui o ser humano e, sendo assim, a motricidade não pode ser dissociada da aprendizagem infantil.
Em ambos os casos deste estudo, depreende-se que estes tem melhor aparato biológico e, como consequência, responderam melhor à intervenção psicomotora, que se refletiu em melhora dos aspectos cognitivos, avaliados pelo Inventário Portage18.
Chama-se, finalmente, a atenção para os resultados obtidos pelo grupo como um todo, independente do diagnóstico de base.
Apesar de a diferença estatística não ter sido significativa, observa-se na Figura 2 que quatro das cinco crianças tiveram evolução no perfil psicomotor, após período de intervenção breve (24 sessões em 3 meses). Depreende-se, então, que a abordagem psicomotora favoreceu o processo de maturação motora e, assim, possibilitou a estimulação de aspectos perceptivos, simbólicos e conceituais (Tabela 2). Com isso, depreende-se que um tempo maior de intervenção traria resultados mais efetivos para as crianças em questão.
Chama-se, então, a atenção para a necessidade de discussão no meio educacional sobre as diretrizes que devem ser dadas ao Projeto Pedagógico para o Ensino Infantil, envolvendo todas as crianças dessa etapa educacional. É certo que o contato com a linguagem escrita é fundamental, porém a alfabetização nessa etapa de ensino não deveria ser a única prioridade, como vem ocorrendo, infelizmente, em muitas instituições escolares. Conforme demonstrado neste estudo, a abordagem psicomotora pode favorecer outros aspectos do desenvolvimento infantil (tais como cognição e linguagem) e estes, por sua vez, são a base para a aprendizagem acadêmica.
Por fim, vale mencionar que o resultado positivo evidenciado neste estudo gerou interesse por parte dos demais profissionais da escola. Além disso, demonstrou aos mesmos que há possibilidade de se realizar intervenções sistematizadas no contexto escolar, com ganhos para todos os envolvidos no processo pedagógico, em especial para a personagem principal do processo educativo: a criança.
CONCLUSÃO
Este estudo demonstrou que houve alteração do perfil psicomotor da maioria das crianças (4/5) do ensino infantil, com necessidades educativas especiais, após período de intervenção psicomotora breve. Mostrou, ainda, que após a intervenção houve também alteração nas habilidades de cognição e linguagem em 2/5 crianças. Foi sugerida a continuidade da intervenção psicomotora na escola, de modo a maximizar as funções psicomotoras e demais habilidades defasadas (linguagem, cognição, socialização e autocuidados).
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Endereço para correspondência:
Sonia das Dores Rodrigues
E-mail: rodrigues.sdd@gmail.com
Artigo recebido: 20/2/2015
Aprovado: 13/4/2015
Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), São Paulo, SP, Brasil.