SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 número102Relação entre autoconceito e autocontrole comparados ao desempenho escolar de crianças do ensino fundamentalInvestigação da atenção de adolescentes que apresentam mau desempenho escolar índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.33 no.102 São Paulo  2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Caracterização do bullying em estudantes que gaguejam

 

Characterization of bullying in students with stuttering

 

 

Leila NagibI; Renata MousinhoII; Gil Fernando da Costa Mendes de SallesIII

IProfessora Auxiliar do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Especialista em Linguística Aplicada UFRJ e em Tecnologia em Educação e Saúde NUTES-UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIProfessora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Mestre e Doutora em Linguística da UFRJ; Pós-Doutora em Psicologia pela UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIProfessor Titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ; Mestre e Doutor em Clínica Médica da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Descrever o bullying em pacientes/estudantes com gagueira, suas variáveis sociodemográficas, relações familiares, caracterização e sentimentos da violência na escola e características por local, praticantes e alvo.
MÉTODO: Foram analisados 23 participantes, com idades de 10 a 17 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico de gagueira acompanhados pelo Ambulatório especializado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram excluídos pacientes com alterações de comportamento ou transtornos de compreensão e cognição, ou sem frequência regular aos atendimentos.
RESULTADOS: Cerca de 40% dos pacientes afirmaram serem bem tratados por colegas; 34,8% relataram se sentirem rejeitados; 29,16% sofrem na escola. Mais de 80% têm bom relacionamento com os pais e mais de 70% residem com eles. 34,8% foram reprovados. 13% dos estudantes presenciaram agressão no lar, e 8,7% presenciaram colegas com estilete na escola e 4,3% com arma de fogo. 40% sofreram ameaça de violência física fora da sala; quase 80% se vingaram dos agressores. 78,3% estão descrentes com resolução da violência. Pouco mais de 1/4 se revelou vítima de bullying; 1/5 refere não ter qualquer amigo especial e 13% sentem-se bem com 2 ou 3, enquanto 4,3% não têm amigos. 13% sofreram agressão verbal na escola e 4,3% física, enquanto quase 9% ambas. Quase 80% negam provocar, entretanto 1/4 provocam.
CONCLUSÕES: Os resultados voltam-se ao desenvolvimento de estratégias defensivas aos ataques, motivando a autoestima e sentimento de igualdade aos demais.

Unitermos: Bullying. Adolescente. Gagueira. Instituições acadêmicas.


ABSTRACT

PURPOSE: To describe bullying in stuttering patients/students, their socio-demographic variables, family relationships, characterization and feelings of violence at school and characteristics by local, practitioners and target.
METHODS: 23 participants, aged 10-17, male and female, with stuttering diagnosis, followed by specialized clinic at the Universidade Federal do Rio de Janeiro were analyzed. Patients with behavior alterations or understanding and cognition disorders or without regular attendance were excluded.
RESULTS: Around 40% of the patients informed that they are well treated by the colleagues; 34.8% reported feel rejected and 29.16% suffer at school. More than 80% have good relationship with parents and more than 70% live with them. 34.8% failed. 13% witnessed aggression at home, 8.7% saw colleagues with stylet at school and 4.3% firearm. 40% suffered threat of physical violence outside the classroom, nearly 80% avenged the aggressors. 78.3% are skeptical of violence resolution. Just over a quarter proved bullied. A fifth reported having no special friend and 13% feel well with 2 or 3, while 4.3% don't have friends. 13% suffered verbal aggression in school and 4.3% physical, almost 9% both. Almost 80% deny having teased others, while a fourth tease.
CONCLUSIONS: The results turn to the development of defensive strategies to attacks, encouraging self-esteem and sense of equality to others.

Keywords: Bullying. Adolescent. Stuttering. Schools.


 

 

INTRODUÇÃO

Bullying é um termo do inglês de difícil tradução para a língua portuguesa. Ele pode englobar todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que acontecem sem motivação aparente, realizadas por um ou mais sujeitos contra outro(s) e executadas com a desigualdade de poder, causando sofrimento1,2. Assim, atos repetidos entre iguais e o desequilíbrio de poder são essenciais em relação à fluência para tornarem possível a intimidação da vítima e conceituar o bullying.

Ao se importar o termo bullying da língua inglesa para traduzi-lo no Brasil, corre-se o risco de associá-lo às demais áreas em que se estuda a violência no país, vulgarizando-o, entendendo-o como rotineiro e banalizando pesquisas relevantes. Por isso a proposta de aplicação do termo em inglês, a fim de delimitar melhor o conceito que deseja exprimir3.

O bullying, que pode ser verbal, físico e material, psicológico e moral, sexual e virtual4, constitui-se de comportamentos agressivos, diretos ou indiretos, resultando em isolamento social e exclusão de um determinado grupo e de modo intencional. Da prática direta, sabe-se que ocorre por meio de agressões físicas, e da forma indireta, acontece por meio das agressões verbais. Contudo, quaisquer das ações devem estar associadas necessariamente ao comportamento agressivo e intenção de dano, além de ser ato repetido durante um tempo ou muito tempo para caracterizar a prática de bullying. Além disso, deve também estar presente o desequilíbrio de forças entre o agressor e o provocado5.

A escola é considerada um local em que o bullying ocorre com muita frequência. Um estudante é considerado como vítima de bullying quando é exposto, repetidamente e durante um tempo prolongado, a ações negativas de um ou mais estudantes. A prática é caracterizada pela repetitividade de ação e pela assimetria de forças. Apesar de todos os alunos serem suscetíveis ao assédio moral, o aluno com dificuldades é mais suscetível5-8.

Há exemplos na literatura de comportamentos de bullying descritos quando os grupos minoritários são mais propensos ou vulneráveis à intimidação9. Assim, desses grupos considerados de maior vulnerabilidade à incidência do bullying, estão os de crianças e adolescentes com transtornos de linguagem10. Crianças que apresentam comprometimentos de linguagem na infância tendem a ter mais problemas comportamentais e, também, comprometimentos sociais, podendo ser alvo de bullying ou ser socialmente excluídas11.

Estudantes com gagueira costumam ser alvo comum de bullying. A gagueira é um transtorno de fluência de início na infância, que se traduz por desordem na fluência e no padrão temporal da fala. Caracteriza-se por sinais frequentes de repetição de sons ou sílabas, prolongamentos consonantais e/ou vocálicos, interrupções de palavras, bloqueios audíveis ou silenciosos, repetição de palavras monossilábicas, circunlocuções e tensão mental e/ou física excessiva ao se pronunciar uma palavra, assim como longas pausas12.

Adolescentes que gaguejam sofrem impacto até a idade adulta, tanto no aspecto físico, emocional e da personalidade13. Considera-se que o bullying promova efeito cascata sobre a gagueira, o que pode agravá-la em todos os níveis, inclusive no das emoções negativas e ser impedimento dos avanços terapêuticos. Em pesquisa que comparou dois grupos, um com gagueira e outro sem, com fins de investigar a autoestima, orientação para a vida, satisfação com a própria vida, e intimidação, por meio de auto-relato, a vitimização foi mais de quatro vezes maior do que no grupo controle. Significativos, também, foram os achados de baixa autoestima e pouco otimismo muito superiores aos dos colegas que não gaguejam14.

Tendo em vista a escassez de literatura nacional sobre o assunto, bem como a existência de raras pesquisas e poucos dados sobre a relação entre bullying e os Transtornos da Fluência, este estudo mostra-se relevante, na medida em que se propõe a conhecer como tais fenômenos se dão na cultura brasileira, em busca de possíveis caminhos para amenizar as más consequências.

Este artigo tem por objetivo descrever o bullying em pacientes com gagueira e suas variáveis, a saber, a descrição sociodemográfica dos estudantes avaliados, as relações familiares, a caracterização da violência na escola, dos sentimentos em relação à violência na escola, e as características do bullying por local, praticantes e alvo.

 

MÉTODO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Neurologia Deolindo Couto/Universidade Federal do Rio de Janeiro (parecer 829.710/2014), de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Todos os responsáveis pelos participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido concordando com as normas do estudo.

População de estudo

Participaram deste estudo 23 pacientes com gagueira e com idades entre 10 e 17 anos, de ambos os sexos. As crianças e adolescentes foram incluídos nesta amostra por estarem dentro da faixa etária, terem sido diagnosticados com gagueira pelo Ambulatório especializado na área da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e continuarem frequentando-o na época da coleta de dados. Todos eram atendidos uma vez por semana há pelo menos três meses, em atendimento individual ou de grupo e a família era orientada mensalmente. Foram excluídos deste estudo pacientes com alterações significativas de comportamento ou pacientes com transtornos de compreensão e cognição e que não tivessem frequência regular aos atendimentos.

Instrumento de coleta de dados

O instrumento selecionado, disposto na íntegra logo após o presente parágrafo, é a versão em português brasileiro15 do questionário que se origina do "Modelo TMR (Training and Mobility of Researchers)", criado como uma ferramenta a partir do questionário original de Olweus6, adaptado para pesquisa sobre bullying em ambiente escolar16. O instrumento é composto por 40 questões fechadas, com várias opções de resposta cada uma (múltipla escolha), em função do tipo de pergunta. Para este estudo todas foram selecionadas. Elas envolvem o bullying e as variáveis como a descrição sociodemográfica dos estudantes avaliados, as relações familiares, a caracterização da violência na escola, dos sentimentos em relação a violência na escola, e as características do bullying por local, praticantes e alvo (Quadro 1).

Coleta e análise de dados

A coleta de dados foi realizada por uma equipe de fonoaudiólogos previamente treinada pela autora principal. Os questionários foram aplicados individualmente, no ambiente do Ambulatório de Fluência, em salas fechadas, com horários agendados. A leitura foi realizada pelo profissional que aplicava, a fim de que esta variável não interferisse nos resultados.

Com base nos dados obtidos por meio de questionários, foi efetuada uma análise descritiva das características sociodemográficas e de manifestações do bullying na população de estudo, por meio de distribuição de frequências para as variáveis categóricas e de tendência central e dispersão para as variáveis contínuas. O programa estatístico utilizado foi SPSS versão 2.1.

 

RESULTADOS

Foram avaliados 23 adolescentes com gagueira. No que diz respeito à pergunta 28 do questionário: "Você se sente rejeitado, excluído ou não aceito por seus colegas de classe?", quase 35% afirmaram terem se sentido rejeitado às vezes e 65,2% relataram nunca terem se sentido rejeitado.

Em relação à questão de número 13: "Você já sofreu alguma agressão dentro da escola por parte de colegas?", os resultados foram: 13% para a opção agressão verbal, 4,3% para a física, 8,7% para ambas e 73,9% para a negativa de ter sofrido agressão dentro da escola. Assim, 26% dos estudantes que gaguejam passam por algum tipo de sofrimento no ambiente escolar.

Os demais resultados serão expostos em quatro tabelas, divididas por categorias, para melhor compreensão. A Tabela 1 sumariza aspectos sociodemográficos da população do estudo.

A Tabela 2 expõe os resultados dos adolescentes com gagueira nas relações familiares e redondezas, considerando distribuição por cada opção de resposta.

A Tabela 3 busca caracterizar a violência na escola, considerando uso de armas, drogas, possíveis ameaças, vinganças e punições.

Tal qual expõe a Tabela 4, mais da metade dos estudantes referiram sentirem-se muito bem na escola, mas parte referiu medo de ir à escola.

Observa-se que as provocações são sofridas na sala de aula e os alunos conversam sobre o assunto com amigos. Outra particularidade é que a intervenção a favor da vítima é feita, em sua maioria, por um colega. A Tabela 5 expõe esses e outros dados que buscam caracterizar o bullying.

 

DISCUSSÃO

Esta seção visa discutir os resultados à luz dos trabalhos nacionais e internacionais sobre gagueira, sobre bullying, bem como a relação entre ambos.

Descrição sociodemográfica dos estudantes avaliados

No referido programa, os familiares participam de reuniões mensais com a coordenação e trimestrais com os estagiários que atendem diretamente aos seus filhos. O alto percentual encontrado (mais de 80%) diz respeito ao bom relacionamento com os pais e, pode, também, relacionar-se com os esclarecimentos sobre fluência, disfluência, gagueira, comportamento, bullying, dentre outros, que vêm à luz nos encontros com as famílias. A terapia fonoaudiológica não traz, isoladamente, atenção amorosa que familiares necessitam ter com crianças e adolescentes que gaguejam, mas é por meio da ciência que as informações são acrescidas ao trabalho e a compreensão, ao dia-a-dia das famílias atendidas.

Os dados de pesquisas anteriores são unânimes em relação ao fator sexo e gagueira: o masculino, quando comparado ao feminino, possui maior probabilidade de apresentar gagueira17 e varia em até 5:1 em adolescentes e adultos, resultados que sugerem nas mulheres haver uma tendência à voluntária recuperação da fluência, talvez pelo acesso e uso à linguagem com maior facilidade, maturação cerebral mais ágil, exigências sociais relacionadas à fala menos acirradas18,19. A gagueira é considerada um transtorno multifatorial poligênico, ou seja, determinado por mais de um gene atuando em conjunto de fatores ambientais17 e com limiar diferenciado para o sexo. Três hipóteses foram levantadas para explicar o porquê das mulheres serem menos afetadas pela disfluência: (1) ligação da gagueira com o cromossomo X; (2) mulheres necessitariam de um maior número de genes para gagueira; (3) as mulheres demonstram menor sofrimento que pode estar ligado a menor pressão social20.

Pediu-se, igualmente aos jovens, que respondessem sobre a renda familiar, com o intuito de verificar se havia alguma correlação entre classe social e intimidação, já que trabalhos revelam que vítimas de intimidação tendem a ter um baixo nível socioeconômico, bem como um baixo status na escola21. A maioria da amostra tem renda familiar que corresponde a 2 até 3 salários mínimos. Apesar de o Ambulatório de Fluência atender à população do Sistema Único de Saúde, foi alto o índice encontrado nesta faixa salarial do questionário, provavelmente por esta população ter mais acesso à informação.

Em relação a morar com a família, mais de 70% residem com o pai e a mãe e provavelmente reflete a escolha quanto à faixa etária dos pacientes (10 a 17 anos), ainda dependente dos pais e morando com eles. Sendo que essa mesma faixa percentual indicou pais morando juntos. Ao analisar o índice de pais separados na população da amostra, foram observados valores discrepantes. Entre 2000 e 2010, os casados passaram de 54,8% para 55,4% e os divorciados e separados judicialmente foram de 4,6% para 5%22.

De acordo com o Relatório de Monitoramento da Educação para Todos23, o índice de reprovação no Ensino Fundamental no Brasil é de 18,7%, o maior de todo o mundo. Ainda assim é menor do que o das crianças e adolescentes do Ambulatório de Fluência da UFRJ, quase o dobro, mostrando que os transtornos de fluência impactam o aprendizado formal.

Relações familiares

Orientações fazem da família o agente multiplicador das informações e orientações recebidas24. Tal hipótese parece ter sido corroborada na presente pesquisa. Os resultados apontam que a inserção da orientação familiar em encontros sistemáticos no planejamento terapêutico de fluência, se possível, associado à terapia fonoaudiológica, influenciam diretamente a atitude dos pais com relação à fala da criança. Indicam, ainda, que os pais devem ser participantes do processo terapêutico fonoaudiológico, pois não se pode fragmentar a participação familiar do trabalho terapêutico, visto que ambos convivem com os eventos ambientais alimentadores da disfluência, e podem auxiliar junto à transferência e manutenção da fluência em outros ambientes extra-ambulatório.

Conforme o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas25, esse percentual no país é de 11,7% milhões de pessoas como dependentes de álcool. Mundialmente, a dependência ao álcool é estimada entre 10% a 15% da população. Tal resultado é de extrema relevância, se comparado a esta pesquisa, revelando cerca de um terço dos membros da família das crianças e adolescentes que gaguejam usam álcool regularmente. O estudo relatou, ainda, que o bullying é um dos fatores mais comuns associados aos transtornos de conduta, assim como o sexo, o nível socioeconômico, o uso de bebida alcoólica, uso/abuso de drogas ilícitas e a depressão. Observou-se nesta amostra o índice de 13% de agressão no lar, mais do que o dobro dos brasileiros que responderam ter sido vítima de violência doméstica em 2012 (6%). Em 3% destes casos, o parceiro que cometeu a agressão havia bebido.

Características da violência na escola

A seguir, foram descritos os dados da vivência dos participantes da pesquisa com relação à violência na escola. Foram criadas duas tabelas para as descrições encontradas, a primeira (Tabela 3) caracteriza a violência, enquanto a segunda (Tabela 4) trata dos sentimentos em relação à violência escolar.

Na Tabela 3, tem-se que 8,7% presenciaram a entrada de estilete na escola por meio de colegas. Comparando-se a pesquisa com adolescentes brasileiros em risco social15, com outra, com adolescentes brasileiros sem risco aparente26, encontrou-se na primeira que 63,6% presenciaram o fato, enquanto na segunda apenas 35% dos alunos que viram algum tipo de arma, mas em sua maioria as mais vistas foram o canivete e a faca, que têm características de fácil acesso, semelhantes ao estilete. Quanto à arma de fogo exclusivamente, 4,3% dos estudantes que gaguejam da atual pesquisa já presenciaram, número bem inferior àquele do trabalho com adolescentes de risco na Bahia, contra 84,2%15.

O estilete e sua semelhança com a função "extra-arma", bem como a faca e o canivete, dá-se por pressupor ter um alto percentual por conta de aquisição mais facilitada, de valor mais barato, por poder ser disfarçado com maior facilidade, bem como pela possibilidade de passar como um utensílio para demais usos26.

Colocar-se em lugar do diretor foi uma das questões sugeridas no questionário. Do grupo avaliado, cerca de um terço sinalizou como recurso para evitar a violência o uso de câmeras, vigilância na escola, revista de alunos e ronda escolar, enquanto em outra pesquisa nacional com adolescentes socialmente vulneráveis foi encontrado um percentual maior, de 41,7%15. Em relação à suspensão e à expulsão como formas de solucionar o bullying, os valores dos adolescentes com gagueira foram similares ao encontrado na pesquisa com os jovens de áreas de risco. Assim sendo, ao se colocar no lugar do diretor, a suspensão foi a última escolha que o aluno que gagueja deseja que aconteça. No entanto, quando estabelecida a agressão a um colega, essa é a opção de pouco mais da metade dos jovens.

Houve respostas que se mostraram conflitantes entre si. Entre os entrevistados, quase 40% dos adolescentes referem a experiência de terem sofrido ameaça de violência física fora da sala de aula; contudo, nesse mesmo universo, quase o dobro dos jovens revelou ter se vingado dos agressores. Pode ter havido um constrangimento na resposta de se colocar vítima, o que é uma limitação do instrumento e, consequentemente, do estudo. Mas se quase 80% dos entrevistados reagiram, é porque em algum momento sofreram violência.

No que diz respeito à identificação da percepção dos alunos sobre as possíveis soluções para o problema do bullying, os dados revelam que 78,3% estão descrentes que tenham resoluções às práticas de violência na escola, somente 21,7% acreditam ter uma maneira de solucionar a questão. Esses valores parecem estar em desarmonia com um estudo realizado com jovens socialmente vulneráveis, que encontrou 71,5% para o sim à crença da solução, enquanto 28,5% estavam descrentes15. O sentimento de impotência, retratado por e encontrado nos percentuais do questionário de bullying na pesquisa com estudantes que gaguejam, parece remeter à banalização da violência na escola, com o alto grau nos níveis de descrença27.

Caracterização dos sentimentos em relação à violência na escola

No presente trabalho, pouco mais de um quarto da amostra de adolescentes com gagueira revelou ser vítima de bullying. Considerando as intimidações realizadas de forma contínua, na população de escolares como um todo, tal índice é proporcional a 5,4%22. Diversas pesquisas apontam um aumento no percentual de bullying em crianças que gaguejam quando estas são comparadas com seus pares fluentes. Há pesquisas que revelam que de 49% a 58% dos estudantes do ensino fundamental sofrem bullying. Essa incidência para crianças que gaguejam aumenta e chega a 81%28. Baseado em dados de auto-relato com 28 crianças que gaguejam, constatou-se que 57% foram intimidadas sobre a gagueira, e 81% ficaram chateadas com as intimidações28. Em análise comparativa realizada com crianças que gaguejam e seus pares fluentes, foi observado que as crianças com gagueira tinham três vezes mais chances de sofrer bullying e foram identificadas por seus pares como pessoas com baixo status social29.

Foi baixo o percentual dos que revelaram ter medo, neste estudo, seja de colegas ou de professores. Nem sempre é possível a identificação de um padrão da relação dos alunos e professores como sendo tensa ou tranquila. Em uma pesquisa com 38 entrevistados em escolas em áreas com altos índices de violência em SP, 21 consideraram que o relacionamento entre professores e alunos é bom, enquanto 17 afirmaram que os professores são desrespeitados30.

Índices alarmantes no presente trabalho foram vistos em relação ao sentimento junto aos colegas. Apesar de mais da metade responder que tem amigos íntimos, somente cerca de 40% relataram que são muito bem tratados por seus colegas, um terço da amostra se sentia rejeitada, excluída ou não aceita pelos mesmos. Um quinto dos adolescentes com gagueira entrevistados relatou não ter nenhum amigo em especial e 13% sentia-se bem com 2 ou 3 amigos somente, enquanto 4,3% assumiram praticamente não ter amigos.

O bullying indireto (xingar, colocar apelidos), que se distingue do direto (bater e ameaçar), parece ser o mais encontrado e, ao se levantar estudos em vários países, os índices desse tipo de ocorrência variam entre 34% e 61%31. O presente trabalho apresentou percentuais menores. Tal fato pode ter sucedido por estarem todos os 23 estudantes em atendimento clínico fonoaudiológico, há, no mínimo, três meses. Considerando que, para haver bullying é indispensável que haja tanto aquele que o pratica, quanto o que sofre e assimila a provocação por um período prolongado, pode-se supor que o fato de estarem em acompanhamento lhes fortaleça, deixando-os menos atingidos por provocações.

Características do bullying por local, praticantes e alvo

A agressão verbal dentro da escola foi sofrida por 13% e somente a física por 4,3%, enquanto quase 9% sofreram ambas as agressões, verbal e física. Autores alertam que comportamentos sem adequação que configuram menor gravidade, tais como mentir, faltar nas aulas sem justificativas, enganar, furtar objetos de pouco valor, precedem comportamentos mais graves, como brigas com uso de armas e assaltos, dentre outros32.

Para saber a razão do estudante que gagueja intimidar ou maltratar algum de seus colegas, a pergunta foi realizada com respostas de quase 80% negando que provoquem alguém, mas quase um quarto da amostra relata repetir o ato que sofre, sendo que menos de 5% justificam dizendo que a razão é a do colega se apresentar mais fraco e diferente dele mesmo. O agredido se tornar agressor foi um fenômeno relatado em pesquisas anteriores33, e em algumas, chegou-se à proporção de 10% a 20% das pessoas que são maltratadas também são provocadores de bullying34.

Com relação ao local da escola em que são provocados, verificou-se que a violência ocorre em espaços diversificados da escola, enquanto no Brasil foi encontrada a percentagem de 60,2% afirmando que é frequente que ocorra dentro da sala de aula35.

Na questão respondida quanto à comunicação das violências sofridas, poucos relataram falar com seus pais e um pouco mais com os colegas. De qualquer forma, o número é incipiente. Parece haver dificuldade dos alunos que sofrem bullying na escola em contar aos pais a respeito do seu sofrimento, fazendo assim crescer o fantasma no entorno ao fenômeno. Em pesquisa realizada com escolares sem queixa no sul do Brasil, dos que disseram ser alvo de bullying, 41,6% relataram que não solicitaram auxílio de nenhum colega, professor ou membro da família, mas a maioria recorreu a alguém35. Tais números são bem superiores àqueles encontrados na presente amostra, que demonstra maior vulnerabilidade e menos reação pela dificuldade de comunicação apresentada.

Fonoaudiólogos precisam estar atentos ao fato da intimidação que a criança pode estar sofrendo, porque muitas vezes ele é o adulto para quem o estudante com gagueira poderá contar o que está acontecendo na escola. Em resumo, sublinha-se que a cooperação, no caso de compartilhar o sentimento de intimidação, de toda forma, está mais presente do que a inércia e a indiferença36. A escola tem um papel fundamental e já há programas que apontam na direção de intervenções de sucesso com esse público37-40.

 

CONCLUSÕES

O fenômeno do bullying é atualmente divulgado na mídia, mas não parece ser ainda compreendido por todos, mesmo os que sofrem, levando à conclusão de que a percepção dos estudantes acerca da ocorrência do bullying parece ser algo distinto do seu sofrimento diário, incompatível com a queixa trazida para o Ambulatório de Fluência ainda na anamnese.

Algumas inconsistências foram encontradas nas respostas do questionário. Apesar de muitos adolescentes relatarem não serem provocados, talvez para se protegerem, os próprios apresentam um alto percentual de "vingança", justamente pelo fato de terem sido agredidos. Outro ponto relevante é o fato de todos os participantes da amostra serem atendidos na clínica, diferente das demais pesquisas com esse tipo de população.

Para que seja considerado bullying, é necessária a presença tanto do que provoca, quanto do que se deixa provocar. Mesmo que a intimidação seja constante, se o sujeito se encontra fortalecido, ele se deixa atingir menos.

Para o conhecimento do motivo pelo qual o estudante que gagueja intimida ou maltrata algum de seus colegas e apesar da grande maioria negar a provocação, o fato de repetir o ato do sofrimento foi achado em percentual elevado e o de ser mais fraco e diferente dele mesmo também foi marcado.

A necessidade de ampliação de pesquisa de maior abrangência de faixa etária, bem como mais orientações às escolas sobre gagueira e bullying devem ser postos em prática.

Considerando o enorme impacto das agressões sobre a vida de uma criança em formação, o conhecimento mais aprofundado do tema poderá servir como ferramenta de enfrentamento.

Os resultados esperados a partir deste estudo voltam-se ao desenvolvimento de estratégias de defesa face aos ataques de bullying, possibilitando lançar luzes sobre o embate das dificuldades, motivando a ascensão da autoestima para melhor lidar com a exposição constante que a vida em sociedade exige e, por fim, possibilitar que o indivíduo se sinta em relação de igualdade com as outras crianças.

 

REFERÊNCIAS

1. Klein J, Cornell D, Konold T. Relationships between bullying, school climate, and student risk behaviors. Sch Psychol Q. 2012; 27(3):154-69.         [ Links ]

2. Soares AF, Varella LHB. Responsabilidade civil pelo bullying. Rev Perquirere. 2013; 10(1):63-76.         [ Links ]

3. Medeiros AVM. O fenômeno bullying: (in) definições do termo e suas possibilidades [Dissertação de Mestrado]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais; 2012. 112p.         [ Links ]

4. Espelage DL, Polanin JR, Low SK. Teacher and staff perceptions of school environment as predictors of student aggression, victimization, and willingness to intervene in bullying situations. Sch Psychol Q. 2014;29(3):287-305.         [ Links ]

5. O'Brennan LM, Waasdorp TE, Pas ET, Bradshaw CP. Peer victimization and social-emotional functioning: a longitudinal comparison of students in general and special education. Remedial and Special Education. 2015;36:275-85.         [ Links ]

6. Kokinnos CM, Antoniadou N. Bullying and victimization experiences in elementary school students nominated by their teachers for specific learning disabilities. School Psychol Int. 2013;34:674-90.         [ Links ]

7. Blood GW, Blood IM. Psychological health and coping strategies of adolescents with chronic stuttering. J Child Adolesc Behav. 2015;3:194.         [ Links ]

8. Wimmer S. Views on gender differences in bullying in relation to language and gender role socialization. Griffith Working Papers in Pragmatics and Intercultural Communication. 2009;2(1):18-26.         [ Links ]

9. Dell CA, Kilty JM. The creation of the expected Aboriginal woman drug offender in Canada: exploring relations between victimization, punishment, and cultural identity. Int Rev Vict. 2012;19(1):1-18.         [ Links ]

10. Taylor J. The bully questions. New Times for Division for Learning Disabilities. 2012; 30(1):1-2, 5.         [ Links ]

11. Beitchman J, Brownlie E. Language development and its impact on children's psychosocial and emotional development. In: Rvachew S, ed. Language development and literacy. 2010.         [ Links ]

12. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4th ed. Washington: American Psychiatric Association; 2013,         [ Links ]

13. Erickson S, Block S. The social and communication impact of stuttering on adolescents and their families. J Fluency Disorders. 2013;38(4);311-24.         [ Links ]

14. Blood GW, Blood IM, Tramontana GM, Sylvia AJ, Boyle MP, Motzko GR. Self reported experience of bullying of students who stutter: relations with life satisfaction, life orientation, and self esteem. Percept Mot Skills. 2011;113(2):353-64.         [ Links ]

15. De Aquino CRB. Acosso escolar, violência entre iguais, alunos versus alunos em 4 escolas municipais de Salvador, Bahia, Brasil [Tese de Doutorado]. Salamanca: Universidade de Salamanca, Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e História da Educação; 2010. 330p.         [ Links ]

16. Ortega R, Mora-Merchan J, Ortega R, Mora-Merchán JA, Singer M, Smith PK, et al. The general survey questionnaires and nomination methods concerning bullying. Final report presented at IV Meeting of TMR project: Nature and Prevention of Bullying and Social Exclusion. Munich; 1999.         [ Links ]

17. Nogueira PR, Oliveira CMC, Giacheti CM, Moretti-Ferreira D. Familial persistent developmental stuttering: disfluencies and prevalence. Rev CEFAC. 2015;17(5):1441-8.         [ Links ]

18. Chang SE, Kenney MK, Loucks TM, Ludlow CL. Brain activation abnormalities during speech and non-speech in stuttering speakers. Neuroimage. 2009;46(1):201-12.         [ Links ]

19. McAllister J, Collier J, Shepstone L. The impact of adolescent stuttering on educational and employment outcomes: evidence from a birth cohort study. J Fluency Disord. 2012;37(2):106-21.         [ Links ]

20. Merlo S. Hesitações na fala semi-espontânea: análise por séries temporais. [Dissertação de Mestrado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; 2006.         [ Links ]

21. Ybarra ML, Espelage DL, Mitchell KJ. Differentiating youth who are bullied from other victims of peer-aggression: the importance of differential power and repetition. J Adolesc Health. 2014;55(2):293-300.         [ Links ]

22. Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, et al. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(supl. 2): 3065-76.         [ Links ]

23. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Relatório de Monitoramento da Educação para Todos pela ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura. Sector for External Relations and Public Information of UNESCO, 2011.         [ Links ]

24. Oliveira CMC, Yasunaga CN, Sebastião LT, Nascimento EN. Orientação familiar e seus efeitos na gagueira infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(1):115-24.         [ Links ]

25. Cruzeiro ALS, Silva RA, Horta BL, Souza LDM, Faria AD, Pinheiro RT, et al. Prevalência e fatores associados ao transtorno da conduta entre adolescentes: um estudo de base populacional. Cad Saúde Pública. 2008;24(9): 2013-20.         [ Links ]

26. Abramovay M, Castro MG. Juventude, Juventudes: o que une e o que separa. Brasília: UNESCO; 2006.         [ Links ]

27. Hazler RJ. Breaking the cycle of violence: interventions for bullying and victimization. Washington: Accelerated Development; 1996.         [ Links ]

28. Langevin M, Prasad NG. A stuttering education and bullying awareness and prevention resource: a feasibility study. Lang Speech Hear Serv Sch. 2012;43(3):344-58.         [ Links ]

29. Davis S, Howell P, Cooke F. Sociodynamic relationships between children who stutter and their non-stuttering classmates. J Child Psychol Psychiatry. 2002;43(7):939-47.         [ Links ]

30. Ruotti C, Alves R, Cubas V. Violência na escola: um guia para pais e professores. São Paulo: ANDHEP: imprensa oficial do Estado de São Paulo; 2006.         [ Links ]

31. Blood GW, Boyle MP, Blood IM, Nalesnik GR. Bullying in children who stutter: speech-language pathologists' perceptions and intervention strategies. J Fluency Disord. 2010;35(2):92-109.         [ Links ]

32. Bordin IAS. Fatores de risco para comportamento anti-social na adolescência e início da vida adulta [Tese de Doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 1996 Apud Cruzeiro ALS,         [ Links ] Silva RA, Horta BL, Souza LDM, Faria AD, Pinheiro RT, et al. Prevalência e fatores associados ao transtorno da conduta entre adolescentes: um estudo de base populacional. Cad Saúde Pública. 2008;24(9):2013-20.         [ Links ]

33. Centro de Estudos Judiciários. O bullying e as novas formas de violência entre os jovens: indisciplina e delitos em ambiente escolar. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários; 2013.         [ Links ]

34. Olweus D. Peer harassment: a critical analysis and some important issues. In: Juvonen J, Graham S, eds. Peer harassment in school: the plight of the vulnerable and victimized. New York: Guilford Press; 2001. p.3-20.         [ Links ]

35. Lopes Neto AA. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. J Pediatr. 2005; 81(5):S164-72.         [ Links ]

36. Blood GW, Blood IM. Bullying in adolescents who stutter: communicative competence and self-esteem. Contem Issues Commun Science Disord. 2004;31:69-79.         [ Links ]

37. Nippold MA, Packman A. Managing stuttering beyond the preschool years. Lang Speech Hear Serv Sch. 2012;43(3):338-43.         [ Links ]

38. Hughes S. Bullying: what speech-language pathologists should know. Lang Speech Hear Serv Sch. 2014;45(1):3-13.         [ Links ]

39. Plexico L, Plumb A, Beacham J. Teacher knowledge and perceptions of stuttering and bullying in school-age children. Perspectives Fluency and Fluency Disord. 2013;23(2):39-53.         [ Links ]

40. Cook S, Howell P. Bullying in children and teenagers who stutter and the relation to self-esteem, social acceptance, and anxiety. Perspectives Fluency and Fluency Disord. 2014;24(2):46-57.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Leila Coelho Nagib
Rua Muiatuca, 94 - Ilha do Governador
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 21921-680
E-mail: leilanagib.ufrj@gmail.com

Artigo recebido: 12/8/2016
Aprovado: 17/10/2016

 

 

Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons