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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.34 no.105 São Paulo  2017

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Jovens em jogo no espaço psicopedagógico

 

Young people gaming in the psycho-pedagogical space

 

 

Maria Apparecida C Mamede-Neves

Doutora em Psicologia, Psicopedagoga, Professora Emérita da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo emerge dos dados coletados e analisados criticamente pela investigação apoiada pelo CNPq, realizada pelo Diretório de Pesquisa Jovens em Rede, do Departamento de Educação da PUC-Rio, no período entre 2014 e 2016, e que teve como questão central verificar se o ato de jogar jogos eletrônicos acompanhado de um trabalho psicopedagógico específico permite a construção de um conhecimento que vai além da habilidade em jogá-los. Tem por objetivo aprofundar dois pontos específicos da pesquisa, quais sejam: a construção de uma taxionomia de jogos como referencial para a escolha dos usados nas oficinas; a descrição processual do uso da matriz de ação psicopedagógica com jogos eletrônicos. Com relação à taxionomia proposta, apresenta a classificação desses jogos por tipo de atividade principal, por grau de dificuldade apresentado, pela classificação de Piaget segundo o desenvolvimento humano e pela classificação de Macedo quanto às competências cognitivas. Com relação à matriz psicopedagógica para uso em oficinas de jogos digitais, faz sua descrição e aponta sua base conceitual de que a aprendizagem é, antes de tudo, um processo dinâmico, realizado pelo aprendente que, através da narrativa de como processou sua ação, toma consciência dos caminhos que seu pensamento percorreu. Como conclusão, descreve um kit psicopedagógico específico para oficinas com jogos digitais que já está construído e que contém todas as informações necessárias para a sua utilização pelos educadores, de modo a poder ser aplicada em outros cenários com características pedagógicas semelhantes.

Unitermos: Jogo Eletrônico Digital. Juventude. Fracasso Escolar. Atendimento Psicopedagógico.


ABSTRACT

This article emerges from the data collected and critically analyzed by the research, supported by CNPq, conducted by the Youth Research Network Directory of the Education Department of PUC-Rio, between 2014 and 2016. The research had as its central issue to verify if the act of playing electronic games accompanied by specific psych-pedagogical work allows the construction of a knowledge that goes beyond the ability to play them. It has as objective to deepen two specific points of the research, which are: the construction of a taxonomy of games as a reference for the choice of those used in the workshops; the procedural description of the use of the psych-pedagogic action matrix with electronic games. With respect to the proposed taxonomy, it presents the classification of these games by the type of their main activity, their degree of difficulty presented, by Piaget 's classification according to human development and by Macedo' s classification of cognitive competences. Regarding the psycho-pedagogical matrix for use in digital games workshops, it makes its description and points out its conceptual basis that learning is, first and foremost, a dynamic process carried out by the learner who, through the narrative of how he processed his action, becomes aware of the ways his thoughts have traveled. As a conclusion, this article describes a specific psycho-pedagogical kit for workshops with digital games that is already built and contains all the information necessary for its use by educators, so that it can be applied in other scenarios with similar pedagogical characteristics.

Keywords: Digital Electronic Game. Youth. School Failure. Psycho-Pedagogical Care.


 

 

INTRODUÇÃO

É no mínimo com estranhamento pensar-se que a construção do conhecimento se faz sempre e apenas se sabemos, na ponta da língua, o que os "outros" disseram, falaram, escreveram ou "pontificaram", prescindindo-se a aplicação prática do que foi teorizado, ou seja, desdenhando a importância de se estar mergulhado no campo empírico. A vida vivida em suas sucessivas etapas nos vai mostrando, porém, que a experiência acumulada da observação direta do mundo empírico, quando articulada aos aportes teóricos que a elas se referem, nos oferece uma expertise ímpar e muito mais sólida de atuação no campo em que estamos envoltos.

Foi exatamente por defender essa permanente articulação entre teoria e prática da qual emerge a praxis que, em mais de 40 anos, me dediquei, dentro do campo da Psicopedagogia, ao trabalho clínico e escolar e, concomitantemente, à pesquisa teórico/empírica: o primeiro, desenvolvido no CEPERJ-RJ e no NOAP/PUC-Rio; a segunda, coordenando um diretório de pesquisa do Departamento de Educação da PUC-Rio que existe até os dias de hoje.

Criado a partir de 1998, esse diretório passou a ter como objetivo central o estudo do jovem da era eletrônica, vindo a se chamar, em 2000, Jovens em Rede (JER), porque passou a ter como foco estudar as relações da juventude com o universo cultural das mídias. Da pesquisa sobre Juventude e Mídias que abriu os trabalhos investigativos concernentes ao tema, desenvolveu sucessivamente o estudo da relação dos Jovens com as Redes Sociais, dos Jovens e Mestres na WEB e dos Jovens e seus Pais no que diz respeito ao uso da Internet.

Articulando as pesquisas ao trabalho psicopedagógico realizado no curso dessas minhas andanças no campo das práticas psicopedagógicas, acabei por construir, principalmente com adolescentes de comunidades de baixa renda com fracasso escolar sucessivo, uma metodologia de trabalho com projetos1, visando o desenvolvimento de estruturas operatórias fundamentais às ações cognitivas de maior complexidade, apoiando-me principalmente nos aportes teóricos de Paes de Barros2, Paín3,4, Pólya5, Piaget6,7, e Vergnaud8,9.

Paes de Barros2 parte do pressuposto que o pensamento é uma rede associativa que, para tal, pressupõe um suporte de organização - no caso a organização psíquica - um sistema de representações dos impulsos internos, dos objetos e vínculos percebidos no mundo real, dos momentos vivenciais e das ações do próprio indivíduo, tudo isso recebido como informações pelo psiquismo, nele registrado e por ele significado.

Para haver essa construção, considera que é preciso que o sistema psíquico aja como um sistema fechado, mas não isolado, nos termos propostos por von Bertalanffy10. Esse tipo de sistema comporta trocas com o meio circundante que se transformam em representações internas, fruto da percepção dos objetos e vínculos positivos ou negativos havidos no mundo real, dos momentos vivenciais e das ações do próprio indivíduo na realidade externa. Junto com os registros dos impulsos internos, todas essas entradas captadas pelo sistema psíquico (através do sistema de percepção externa) se transformam em informações, nele registradas e significadas, de forma positiva ou negativa, o que gera um jogo de forças opostas, um conflito intrapsíquico cuja decisão é o cerne do comportamento que o sujeito vai ter.

Considerando que a situação de conflito intrapsíquico é homóloga ao que Pólya5 chamou de situação problema, a matriz didática usando jogos que construí adota as linhas de ação (problem solving) que esse autor propõe, quais sejam: entender a situação, ver quais são os itens que estão conectados, como o desafio está relacionado aos dados apresentados, a fim de se obter uma ideia da solução, construir um plano de ação e, finalmente, pôr em execução este plano.

Piaget7 é outro autor que ofereceu um grande suporte teórico a essa matriz didática, porque mostra que, numa atividade nova, é necessário primeiro fazer para compreender, para depois compreender para fazer.

No grupo de jovens com quem trabalhamos na oficinas com jogos, a maioria, quer pelo estágio de desenvolvimento de suas estruturas operatórias em que se encontravam, quer por hábitos adquiridos, iniciava o ato de jogar de forma imediata, sem se preocupar em saber das regras, para depois iniciar o jogo, ou seja, usando sempre o ensaio-erro.

Na verdade, mesmo estando numa etapa da construção do conhecimento que estava abaixo do esperado pelo padrão de idade - caso específico de nossos jovens -, consideramos que, se usamos o método clínico/crítico de Piaget6, pelo qual se incentiva os jovens a dizer o que pensam e como pensam, aos poucos eles conseguem ir melhorando a construção da narrativa, embora se saiba que o ato de fala nos situa como sujeitos e carrega as marcas dos significados que indicam nossa classe social, etnia, crenças, ideologias e papéis sexuais. A construção dessas marcas ocorre justamente nas relações entre sujeitos, localizada cultural e institucionalmente11.

Insistimos nessa ação porque a empiria que, como pesquisadora, acumulamos ao longo dos anos mostrou que progressivamente os aprendentes vão desenvolvendo as competências cognitivas mais complexas, deixando, segundo Piaget6, o pensamento predominantemente imaginativo para dar lugar ao pensamento hipotético - dedutivo,

Vergnaud8, da tradição neopiagetiana, destaca que "é preciso dar toda atenção aos aspectos conceituais dos esquemas e à análise conceitual das situações nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola ou na vida real" (p. 58). O autor, portanto, enfatiza a necessidade de, quando acompanhamos o desenvolvimento cognitivo de alguém, atentarmos para o que ele chamou de "esquemas em ação", situações provisórias do pensamento reflexivo. Para ele, conceitos e símbolos são duas faces da mesma moeda. E, assim, a habilidade em resolver situações em linguagem natural seria o melhor critério para a aquisição de conceitos.

Exatamente por mais essas considerações conceituais de Vergnaud8, a matriz didática que construí enfatiza a importância do jovem narrar o que fez, para que, em se ouvindo, ter mais um fator de desenvolvimento das competências cognitivas superiores. Percebemos e comprovamos que, com essa melhora no ato de se expressar, vai-se despreendendo dessa necessidade imediata de realização de ações, começando a buscar primeiro a compreensão do desafio, para, depois, se debruçar na resolução do problema.

Foi com esses dados em mãos que propus, como coordenadora do JER, desenvolver, entre 2014 e 2017, a avaliação sistemática e análise crítica dos resultados da aplicação de uma adaptação que realizei dessa metodologia de projetos, agora tendo como elemento central das oficinas os jogos eletrônicos digitais.

Tendo em vista que a investigação constatou dados muito positivos do uso da metodologia experimentada, no presente artigo me detenho em dois pontos específicos do relatório que a pesquisa produziu, quais sejam: alguns estudos prévios no campo dos jogos que deram possibilidade de se esquematizar uma taxionomia dos jogos como referencial para a escolha dos que seriam usados e a descrição processual de como trabalhei com a matriz de ação psicopedagógica com jogos.

Mergulhando no universo do jogo- em busca de uma taxionomia

O interesse do jovem pelo conhecimento não morreu. Permanece vivo desde que ele se sinta dentro do campo novo, desde que se produza um interesse genuíno pelo saber e que este lhe seja significativo. Se deixarmos de lado essa motivação que é essencial a qualquer aprendizagem, o interesse morre e o pensamento procura novas vias, sai do ar. Mas, se por acaso esse mesmo jovem está jogando, por exemplo, um jogo que ele gosta, ele não quer parar, ele se engaja, ele faz tudo para se superar na habilidade de jogador. Por quê? O jogo é fascinante? O jogo o atrai? Estamos aí defronte do primeiro fundamento de nossa proposta metodológica.

O jogo é um momento mágico, lúdico, cuja essência se liga ao sentimento de liberdade da vida vivida, ao fato de se isolar e se limitar no tempo e à imaginação, "uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro dos limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão ou alegria e de uma consciência de ser diferente da 'vida cotidiana" (p. 11)12.

As situações que encontramos no jogo, embora estejam fora do cotidiano, apresentam-se com um toque de realidade, relacionadas a motivações intrínsecas, ou seja, é uma atividade em que a satisfação se dá pelo domínio da própria ação. Executá-la já é por si mesmo o ganho, ficando em segundo plano o resultado dessa ação13.

Exatamente por considerarmos essas características do jogo é que fizemos dele o apoio de nossa matriz de atendimento psicopedagógico usando jogos. E dizemos mais: optamos pelos jogos digitais porque, sem dúvida nenhuma, hoje são muito mais atraentes para os adolescentes que vivem mergulhados nesse universo da Internet por experiência própria ou, infelizmente, por um desejo de vir a estar, o que é o caso de grande parte dos adolescentes marginalizados de nossas comunidades.

Porém, que jogos escolher, dentro dos milhares de opções que a Internet propõe? Primeiro, fomos à classificação de Caillois14, que propõe quatro modalidades:

Agôn - jogos que tentam criar situações ideais e iguais para todos os competidores de modo a que o vencedor seja considerado o mais preparado;

Alea - jogos em oposição ao Agôn, porque não dependem da maestria do jogador, mas apenas da sorte. Essa categoria coloca o jogador com ação restrita;

Mimicry - jogos de representação de papéis, ou seja, protagonizados, em que os participantes adotam para si o papel de determinadas personagens; apropriam-se de outra realidade que não é sua. O prazer é ser o outro ou se passar pelo outro.

Ilinx - jogos que buscam vertigem, com o intuito de afastamento súbito da realidade.

Escolhemos usar os jogos do tipo Agôn, embora não incentivando a competição entre os jovens, mas sim a autocompetição, a busca pela superação de si próprio, a colaboração entre eles no intuito de se olhar para a pontuação do grupo como um todo e a trajetória do desempenho global.

Mas, somente isso não garantia uma boa escolha; sentimos necessidade de ter em mãos uma taxionomia mais complexa, ainda que singela, dos jogos a serem usados. Por isso, adotamos quatro critérios de classificação dentro do seguinte encadeamento: ação principal do jogo, critério básico em torno do qual giraram as três demais; grau de dificuldade apresentado pelo jogo; tipos de jogo propostos por Piaget6, dentro do desenvolvimento infantil; habilidades e competências cognitivas desenvolvidas pelo jogo.

Adotando a classificação dos jogos digitais pela sua ação principal, a opção que fizemos foi apresentá-la dentro de um polígono heptágono, a saber: Simulação, Ação, Aventura, Ação-aventura, Estratégia, RPG e Estratégia1.

Essa foi a nossa classificação principal, sobre a qual trabalhamos as demais.

Com ela em mãos, levamos em conta o grau de dificuldade de cada tipo de jogo, ou seja, analisamos os jogos numa escala de 0 a 3, sendo 3, difícil; 2, meio difícil; 1, menos fácil e 0, fácil (Figura 1).

 

 

Também levamos em conta a classificação de Piaget que relaciona os jogos aos níveis de desenvolvimento das estruturas operatórias da criança: sensório-motor, simbólico, de regras (Figura 2).

 

 

Se integramos a classificação dos jogos por ação com a proposta por Piaget6 e os diferentes níveis de dificuldade, obtemos um infográfico que nos ajuda a dimensionar cada tipo de jogo (Figura 3).

 

 

Finalmente, consideramos, na nossa análise dos jogos digitais para uso na metodologia que passava a ter como elemento central das oficinas os jogos eletrônicos digitais, quais habilidades e competências cognitivas seriam necessárias para jogá-los ou, com o trabalho psicopedagógico desenvolvido, quais competências poderiam ser construídas, partindo do pressuposto que as competências sempre articulam habilidades, conhecimento, procedimentos, atitudes e valores, sendo uma expressão desses espaços articulados.

Adotando os pressupostos de Lino de Macedo15, consideramos que a competência se faz construída pelo conjunto de certas habilidades, e, por outro lado, uma competência de um nível do desenvolvimento pode-se tornar um elemento (uma habilidade) essencial numa competência superior.

Lino de Macedo15, apoiado em estudos piagetianos, conceitua competências cognitivas como modalidades estruturais da inteligência e as classifica em três grupos: observar; realizar e compreender (Figura 4).

 

 

Grupo I - observar

As habilidades que correspondem a esse grupo possibilitam verificar o quanto e o como o aluno pôde considerar, antes de decidir por uma melhor resposta, as informações propostas no jogo.

Grupo II - realizar

As habilidades que correspondem a esse grupo implicam traduzir essas ações em procedimentos relativos à jogada e ao contexto de cada uma em sua singularidade.

Grupo III - compreender

As habilidades que correspondem a esse grupo possibilitam planejamento e escolha de estratégias para resolver aquele nível de desafio proposto no jogo que, em muitos casos, é impossível de solução nos níveis anteriores.

Segundo Piaget7, certamente as crianças, mas também os jovens que não tiveram o desenvolvimento do raciocínio adequado vão precisar de primeiro realizar a ação para poder compreendê-la. Só quando essa construção do conhecimento está sedimentada é que eles, frente a um problema, primeiro compreenderão a situação em todos os seus caminhos possíveis, para depois, mediante um plano de ação, vir a realizá-la.

Logicamente, essa é a maior dificuldade que os jovens com fracassos sucessivos no cotidiano escolar enfrentam, já que, à medida que eles vão crescendo em idade cronológica, a escola pressupõe que eles também desenvolveram, como consequência, a capacidade de pensar de forma reflexiva, o que infelizmente nesses casos não acontece.

Desenvolver o pensamento reflexivo deveria ser, portanto, a grande tarefa da escola, sempre partindo da realidade objetiva para chegar ao pensamento conceitual, baseada, é claro, no mundo do conhecimento que, se compreendido pelo aluno, certamente se tornará altamente interessante. Mas isso não acontece em muitíssimos casos. O que comprovamos é que, como uma forma de tornar isso possível, o jogo jogado dentro de um modus operandi psicopedagógico se mostrou ser instrumento essencial para o desenvolvimento dessas competências. De forma lúdica, o professor tem em mãos um poderoso elemento para o desenvolvimento cognitivo necessário.

Como o condicionamento mecânico não produz a construção de conceitos não espontâneos16, estes somente serão aprendidos se houver uma significativa contribuição daquelas pessoas que tiverem em condições de passar suas experiências e de ajudar os aprendentes a desenvolver atividades mentais cada vez mais reflexivas; assim, progressivamente, esses aprendentes se tornarão protagonistas de seu aprendizado.

Uma visão abrangente do cruzamento entre as classes de jogos (ação, aventura, etc) com as competências necessárias exigidas em cada jogo e com o grau de dificuldade apresentado permite que um tipo de jogo possa ser avaliado (Figura 5).

 

 

Com esse quadro em mãos, podemos verificar, por exemplo, que o jogo Mechanics é um jogo do tipo Quebra-cabeça, considerado, no caso da pesquisa pelo corpo de juízes constituído por professor, pesquisadores, psicopedagogo e jovens, como difícil (***) e que desenvolve as seguintes habilidades:

Observar: identificar (1), localizar (3), discriminar (4) e constatar (5);

Realizar: compor e decompor (4), fazer antecipações (5) e calcular por estimativa (6);

Compreender: transpor (1), causa e efeito (3), concluir (4) e supor (5).

Ora, sabemos que, normalmente na escola, as coisas geralmente não acontecem assim; os conteúdos são quase sempre apenas apresentados e repassados, o que vai à contramão do que temos proposto no exercício da ação psicopedagógica. Para nós, antes de tudo, temos que dar condições para que o desenvolvimento das atividades mentais superiores aconteça. Para se ensinar, é preciso se ir além do simples "dar aula"; o conteúdo não é mais o fim em si mesmo, como era nas escolas tradicionais.

Na verdade, como já se tornou um lugar comum, o aprendente precisa de quem ombreie com ele, no exercício de aprendizagem ativa, na qual quem aprende é o protagonista da ação; o professor é aquele adulto que age na zona de desenvolvimento proximal16. Por outro lado, como defende Piaget7, no curso do desenvolvimento, o ser humano primeiro precisa fazer para poder compreender, para depois chegar a compreender para fazer.

Foi com essa base teórica que adaptei a matriz de atendimento psicopedagógico aplicada no campo da psicopedagogia clínica ou escolar1 para uso nas oficinas de jogos digitais17.

A matriz psicopedagógica para uma oficina de jogos digitais

A oficina como um todo apresenta o arcabouço de um grupo operativo, nos termos propostos por Pichón-Rivière18, que propõe que sua dinâmica percorra três momentos: pré-tarefa, tarefa, mudança, ou seja, após o momento inicial da oficina, nomeado por Pichón-Rivière de pré-tarefa, apresentam-se as possibilidades do jogo a ser jogado, negociam-se os compromissos e as regras a serem obedecidas e realiza-se a ação de jogar, não necessariamente em uma ordem fixa, se constituindo na tarefa; desses atos, emergem as mudanças na maneira de pensar, ou seja, ocorre a mudança (aprendizagem).

Está assentada, à semelhança daquela que lhe deu origem1, na premissa de que a aprendizagem é, antes de tudo, um processo dinâmico, realizado pelo aprendente que, através da narrativa de como processou sua ação, toma consciência dos caminhos que seu pensamento percorreu.

Devemos distinguir tanto os itens da matriz que se traduzem em momentos da oficina como um todo quanto os passos específicos no ato de jogar (Figura 6).

 

 

Por outro lado, quando o jogo começa a rolar, acontecem três etapas sucessivas que se repetem várias vezes num mesmo jogo e, certamente, no encerramento de cada oficina: jogar, narrar suas jogadas e discutir o porquê de tê-las adotado e, como consequência, concluir (ou fixar) se o que foi pensado e executado deve ou não ser reestruturado.

O esquema abaixo sintetiza a dinâmica de uma oficina, seja ela constituída de um jogo jogado várias vezes ou de momentos de mais de um jogo (Figura 7).

 

 

É possível e cremos que a conscientização do que foi produzido vai se dar com grande frequência, permitindo ao próprio pensamento antecipar as possibilidades, usando o processo de construção das competências.

Primeiro, eles talvez cumpram a seguinte ordem:

Observar Realizar Compreender,

Aos poucos, porém, eles passarão a:

Observar para Compreender Compreender para Realizar.

Isso significa que o jogador está caminhando para a entrada no processo de pensamento formal, ou seja, reflexivo, porque a aprendizagem é, antes de tudo, um processo dinâmico, realizado pelo aprendente que, através da narrativa de como processou sua ação, toma consciência dos caminhos que seu pensamento percorreu. E os integra ao que já é conhecido.

O procedimento de agregar ao momento do jogo um momento de reflexão sobre como jogou e porque adotou essa jogada descrita, desenhada, relatada oralmente ou por escrito tem mostrado ser uma técnica que muito contribui para o desenvolvimento de competências relacionadas à construção de narrativas, de matrizes (usando gráficos, produzindo pequenos mapas mentais, etc), o que permite absorver a possibilidade de autocomparação de desempenho e o desempenho do grupo como um todo, o que reforça o sentimento grupal (Figura 8).

 

 

O uso desses procedimentos psicopedagógicos tem demonstrado que, com essa matriz, é dado mais um sentido ao ato de jogar um jogo digital, sentido esse que vai muito além do prazer apenas de jogar.

Estou convicta que, com a adoção dessa matriz psicopedagógica para uma oficina de jogos digitais, sempre haverá uma evolução ainda que por menor que seja de seus participantes de forma individual e do grupo como um todo. Constatamos que, ao usá-la, os jovens não perdem o interesse, nem abandonam o jogo. Ao contrário, vão se esforçando cada vez mais, mantendo-se atentos e interessados, diminuindo sensivelmente a paralisação frente a algum obstáculo, e aumentando a resiliência em busca de soluções perante alguma dificuldade ou evidência de erro. E, além disso, percebendo como é gratificante e mais profícuo trabalhar-se em equipe.

Impacto da investigação: construção de um kit didático com uso da matriz psicopedagógica para oficina de jogos digitais

A análise crítica dos resultados da pesquisa mostrou que a harmonia do grupo foi melhorada e a amplitude de atenção de cada adolescente se tornou maior quando comparada às suas outras tarefas escolares normais, o que levanta a hipótese de que isso é consequência do interesse gerado pelo jogo e de que o ato de jogar desenvolveu, ainda que de forma incipiente, algumas competências cognitivas.

Assim sendo, esse bons resultados levaram-me à produção e validação de um kit psicopedagógico específico para oficinas com jogos digitais, kit esse contendo todas as informações necessárias para a sua utilização pelos educadores, de modo a poder ser aplicado em outros cenários com características pedagógicas semelhantes, quais sejam, com adolescentes pertencentes a comunidades de baixa renda, fracasso escolar sucessivo e pouca familiaridade com o mundo digital.

Esse kit contém: a descrição detalhada da taxonomia dos jogos considerados interessantes pelos (e para os) jovens e fundamentais para esse trabalho psicopedagógico; um texto de suporte teórico da proposta e um guia de orientação pedagógica, além de todo o material de apoio para seu uso. Ele se acha em fase final de produção e a nossa pretensão é de que esse material possa vir a ser publicado em versão concreta e digital, disponibilizado na Internet, sempre para uso em locais nos quais a inserção no mundo digital ainda se faça precária e cujos jovens precisem ter um acompanhamento psicopedagógico para melhor desenvolvimento de suas estruturas de aprendizagem.

 

Agradecimentos

À equipe do JER e em particular à Professora Dr. Stella Maria de Azevedo Pedrosa pelo trabalho desenvolvido como Coordenadora Adjunta.

A Alexandre Martins, aluno de graduação do Departamento de Arte & Design da PUC-Rio, bolsista de Iniciação Científica do Diretório JER, cujo trabalho gráfico desenvolvido para a construção do Kit é mérito seu, graças à dedicação e à disponibilidade técnica impar.

Ao CNPq pelo apoio à pesquisa Jovens em Jogo, desenvolvida pelo Diretório de Pesquisa Jovens em Rede do Departamento de Educação da PUC-Rio, sem o qual não teria sido possível sua realização.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Maria Apparecida C Mamede-Neves
Praça Adv Heleno Claudio Fragoso, 04/504 - Barra da Tijuca
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22793-078
E-mail: apmamede@gmail.com

Artigo recebido: 11/9/2017
Aprovado: 21/9/2017

 

 

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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