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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.37 no.113 São Paulo maio/ago. 2020
https://doi.org/10.5935/0103-8486.20200022
EDITORIAL
Pela preservação da vida, pela preservação da ciência, pela preservação da saúde, pela preservação da educação
A organização de cada número da Revista Psicopedagogia nos exige pensar além da compatibilidade e intersecção de cada tema que será apresentado depois de aprovado, pois mister se faz compreender o contexto em que a edição será entregue ao público, dentro disso vai surgindo a Edição 113. Estamos vivendo um ano incomum, inédito para quase maioria absoluta (com exceção de pouquíssimas pessoas vivas desde a maior pandemia do século XX ocorrida há mais de cem anos).
Essa edição está intensa quanto às pesquisas, instrumentos, reflexões, experiências, revisões percorrendo outros enfoques na área da educação, local de atuação do profissional psicopedagogo.
Prosseguimos então à apresentação dos trabalhos aqui publicados:
- o primeiro texto, de Natália Martins Dias, André Luiz Monezi Andrade, Bárbara T. V. Mendonça, Daniela Maria Valério Coelho, Denise De Micheli e Fernanda Machado Lopes, tem título 'O que sabemos sobre neurociências? Conceitos e equívocos entre o público geral e entre educadores'. Os autores mostram desde as descobertas sobre o funcionamento do cérebro e como a sociedade, sobretudo educadores, vem apresentando grande interesse em compreender o funcionamento do sistema nervoso e suas aplicações nos processos de ensinar e de aprender, traz também conceitos e equívocos em neurociências e permite um entendimento mais amplo da complexidade do ser humano. Entende-se que a aplicação das pesquisas em neurociências para contextos educacionais aproxima-se da Psicopedagogia, possibilitando um diálogo promissor no contexto de ensino e de aprendizagem, mantendo cada qual sua característica;
- o segundo texto é de Renata Mousinho e Jane Correa, junto com Maria Clara Holanda. Desta vez, elas nos trazem o tema 'Compreensão oral e de leitura na dislexia e no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade'. Neste texto as autoras caracterizam o desempenho de dois grupos clínicos, sendo dislexia e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), analisando os protocolos de 29 escolares, 14 com dislexia e 15 com TDAH, com idade média de 8 anos e 4 meses, todos do 3º ano do ensino fundamental. O trabalho traz implicações clínicas e educativas, a fim de colaborar para o planejamento de intervenções e práticas escolares segundo as particularidades de cada diagnóstico. Primeiramente, apontam como base a linguagem como constituinte da comunicação e aprendizagem do ser humano, modo pelo qual a criança será capaz de estabelecer relações sociais, criar vínculos, reconhecer-se como sujeito e desenvolver habilidades cognitivas;
- o terceiro texto é de Alessandra Gotuzo Seabra, uma profissional e estudiosa a quem valorizamos e reconhecemos suas contribuições à aprendizagem; nessa edição vem acompanhada de Camila Barbosa Riccardi León, Damião Michael Rodrigues de Lima e Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira. Eles escrevem 'Competências de leitura e vocabulário em Libras em escolares surdos', tratam da importância do vocabulário em língua de sinais para a aquisição de linguagem escrita nos surdos, apresentando pesquisa com 15 alunos surdos, com idades entre 13 e 22 anos, cursando ensino fundamental II e ensino médio de escolas regulares municipais e estaduais de Iguatu/CE. Para os autores, o estudo evidenciou habilidades pouco desenvolvidas nessa amostra de estudantes surdos, porém revelou relação entre habilidades mais básicas de reconhecimento de palavras e de vocabulário com a habilidade complexa de compreensão de leitura;
- o quarto texto é uma deferência pelas autoras e suas contribuições à Psicopedagogia, é uma honra publicar estudos da Dra. Sylvia Maria Ciasca e da psicopedagoga Sonia das Dores Rodrigues. Elas trazem-nos 'Tradução e adaptação para o português (brasileiro) da bateria de aferição de competências matemáticas (BAC-MAT)', afirmando que no Brasil há carência de instrumentos psicopedagógicos formais e objetivos que avaliem habilidades cognitivas e acadêmicas de crianças e adolescentes, fato que tem estimulado a tradução e adaptação de instrumentos. Nesse sentido, fizeram estudo traduzindo e adaptando a Bateria de Aferição de Competências Matemáticas (BAC-MAT), e verificando sua aplicabilidade junto a estudantes brasileiros. As autoras evidenciam que, assim como a leitura e a escrita, a matemática é essencial para a sobrevivência na sociedade atual;
- o quinto texto, de Bruna Zorzan de Paula, Priscila Zorzan Ferreira e Tamara Cardoso André, aborda a 'Descrição do planejamento da secretaria municipal de educação de Foz do Iguaçu: uma análise da alfabetização no contexto de fronteira'. Neste texto encontra-se a organização do planejamento para o processo de aprendizagem da leitura e da escrita em Foz do Iguaçu, cidade que faz fronteira com Paraguai e Argentina, países de língua espanhola. As autoras descrevem o planejamento da disciplina de Língua Portuguesa, produzido pela Secretaria Municipal de Educação de Foz do Iguaçu para o primeiro e segundo anos do ensino fundamental, considerados anos de alfabetização, questionando o método proposto e seu encaminhamento curricular consideradas as diferenças linguísticas e contextos. Esse estudo conclui que o método fônico, adotado no currículo, não considera a diversidade linguística presente em Foz do Iguaçu;
- o sexto texto, de Renata Maria da Silva Franco e de Claudia Gomes, é 'Educação inclusiva para além da educação especial - uma revisão parcial das produções nacionais'. Neste texto temos a importância dos debates educacionais inclusivos para além do público-alvo da educação especial, cujo objetivo é analisar os indicadores de discussão das proposições educacionais inclusivas na perspectiva da democratização de oportunidades escolares para alunos com necessidades educacionais especiais, não atreladas a deficiências. Para isso, as autoras fazem uma revisão de literatura na qual foram encontrados 33 artigos versando o tema pesquisado. Constata-se que um dos parâmetros para o acompanhamento do avanço das proposições inclusivas é democratizar as condições de permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais, não atreladas a deficiências, é a aproximação dos debates políticos, sociais, pedagógicos defendidos pelos diferentes documentos e promulgações à realidade escolar, a partir de formatos relacionais que objetivem a constituição de ações educacionais e escolares promotoras de desenvolvimento aos alunos;
- o sétimo texto, de Fernando Cesar Capovilla, é outro destaque dessa edição. Intitulado 'Por um Plano Nacional de Alfabetização (PNA) capaz de respeitar diferenças de língua e constituição biológica', faz uma apreciação sobre aspectos importantes que um plano nacional de alfabetização precisa incluir. O texto propõe o conceito de plano nacional de alfabetização a partir das duas políticas em sua aplicação a surdos, cegos e surdocegos, e a partir também de literatura recente sobre estrutura e processamento linguístico em Libras e português. A abordagem se dá numa perspectiva de neurociência cognitiva da linguagem oral e escrita e de sinais, num modelo de processamento de informação;
- o oitavo texto, de Leda Maria Codeço Barone, destaca-se por ser algo promotor de cidadania desde a mais tenra idade. 'A literatura na primeira infância' é um afago, pois a autora trata da literatura na primeira infância como patrimônio cultural contributivo para a entrada do infante na ordem simbólica, além de tratar da importância da literatura para o desenvolvimento do pensamento e da imaginação da criança, bem como recurso para o desenvolvimento da capacidade de elaboração de situações dolorosas e inevitáveis da vida. Traz ainda a referência a uma recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria, aos pais, professores, cuidadores e educadores de modo geral, um documento intitulado de Receite um livro, contendo orientações para ler, cantar, conversar, e fazer rimas para crianças desde cedo, já que tais atividades são importantes para o desenvolvimento psíquico infantil;
- o nono texto, de Reinaldo Jara Martínez, é 'Neblina psicopedagógica: propuesta de un nuevo término', ou melhor dizendo em português, 'Nevoeiro psicopedagógico: proposta para um novo conceito', essa é uma contribuição de um psicopedagogo residente no Chile. O autor afirma que a Psicopedagogia no Chile está em crise, afetando os psicopedagogos do próprio país, portanto, não é de surpreender que novos termos ou conceitos surjam para se referir a aspectos relacionados à situação. Por isso, se propõe a explicar o conceito de nevoeiro psicopedagógico, sustentado por três aspectos importantes relacionados ao profissional, sendo estes: o treinamento do psicopedagogo, a representação social do psicopedagogo e o desamparo aprendido;
- o décimo texto, de Jací Carnicelli Mattos e Catherine Oliveira de Araújo, é 'Inter-relação entre duas teses de doutorado que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)'. Destaca-se a inter-relação entre duas teses de doutorado onde foram identificados e explorados quatro pontos de convergência entre as referidas teses, que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) que podem auxiliar os profissionais de diferentes áreas quanto ao trabalho com pessoas diagnosticadas com TEA. O cotejamento realizado entre as duas teses, assim como os dados presentes na exploração de cada ponto convergente entre elas, trazem ao leitor elementos fomentadores de reflexões que confirmam a complexidade do transtorno e a importância das ações descritas;
- o último texto é de Leopoldo Ortega da Silva, intitulado 'Ponto de vista sobre brincar com bonecas(os) e brincar de ser boneca(o)', e enfatiza que o ato de brincar tem presença marcante no universo infantil, entre tantas brincadeiras com brinquedos, destaca que a brincadeira com bonecas(os) muitas vezes predomina entre as meninas e brincar com carrinhos entre os meninos, afirma que isto se deve à construção histórico-cultural da atividade humana que separa homens e mulheres em atividades distintas e com a ação brincante não é diferente. O que se sabe é que, na ação brincante, o ser humano independente de sua característica individual pode exteriorizar desejos, anseios, medos, angústias, valores, entre tantas outras, e é justamente isto que os caracteriza como humanos.
Encerramos a apresentação dos textos que compõem essa edição, mas como dissemos no início a organização deste periódico nos exige pensar também o contexto vivido no momento e, para finalizar esse Editorial, ressaltamos o incomum que todos os seres humanos estamos vivendo enquanto 2020 vai passando.
A grave crise sanitária mostra a cada dia o quanto é importante o investimento em ciência para minimizar os efeitos da pandemia. A COVID-19 despertou em todos nós um não saber e, agir perante esse não saber, nos mobilizou a sentir a força que temos. Diante disso, a maioria de nós reconhece o papel da ciência que a cada dia se faz mais relevante, por ser um meio de proteger a vida, a saúde, a educação para que a ciência permaneça como competência humana. É essencial valorizar o conhecimento científico em nosso País. Nesse momento a ciência é a protagonista para nos tirar dessa situação, pois traz confiabilidade, expressa medidas preventivas e corretivas que devem ser tomadas.
Queremos exaltar, reconhecer, agradecer os esforços incessantes dos profissionais da saúde e da educação que tanto têm se dedicado a cuidar do outro, mas mais que isso são pessoas cuidando de outras pessoas, confiando e acreditando que é preciso: 'Proteger a Vida'.
Finalizamos esse Editorial não do modo como gostaríamos, mas considerando a realidade vivida da qual não podemos escapar, nem tampouco ignorar. Nesse momento queremos homenagear e simultaneamente nos solidarizar aos familiares daqueles que tiveram suas vidas interrompidas (por isso, a página seguinte vai em branco).
Luciana Barros de Almeida
Editora Revista Psicopedagogia 2020/2022