Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.37 no.113 São Paulo maio/ago. 2020
https://doi.org/10.5935/0103-8486.20200012
ARTIGO
Tradução e adaptação para o português (brasileiro) da bateria de aferição de competências matemáticas (BAC-MAT)
Translation and adaptation into Brazilian Portuguese of the mathematical skills assessment battery (BAC-MAT)
Sonia das Dores RodriguesI; Sylvia Maria CiascaII
IPedagoga/Psicopedagoga/Psicomotricista. Mestre e Doutora em Ciências Médicas pela FCM/UNICAMP. Pesquisadora do DISAPRE/FCM/UNICAMP e Diretora-Presidente do CIAPRE (Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem), Campinas, SP, Brasil
IIProfessora Associada do Departamento de Neurologia/FCM/UNICAMP. Coordenadora do Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE) da FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
RESUMO
INTRODUÇÃO: No Brasil há carência de instrumentos psicopedagógicos formais e objetivos que avaliem habilidades cognitivas e acadêmicas de crianças e adolescentes, fato que tem estimulado a tradução e adaptação de instrumentos estrangeiros. Dentre os pontos favoráveis a essa prática, destaca-se a facilidade de se usar um material já existente e, consequentemente, a dispensa do árduo trabalho de se criar um novo instrumento
OBJETIVO: Traduzir e adaptar a Bateria de Aferição de Competências Matemáticas (BAC-MAT), bem como verificar a sua aplicabilidade junto a estudantes brasileiros
MÉTODO: Foram seguidos os critérios metodológicos preconizados para a tradução e adaptação de testes, de modo a garantir a equivalência entre o instrumento original e a sua versão traduzida
RESULTADOS: A BAC-MAT na versão em português do Brasil (BAC-MATB) foi aplicada em um grupo piloto. Os resultados obtidos mostraram que houve adequação no que diz respeito ao significado dos itens e compreensão dos enunciados contidos na bateria, assim como nas instruções para administração do teste. Quanto ao desempenho obtido pelos sujeitos do grupo piloto na BAC-MATB, constatou-se que estes apresentaram dificuldade (em maior ou menor grau) em todas as competências avaliadas. Tal fato corrobora com o desempenho dos estudantes brasileiros em avaliações oficiais
CONCLUSÃO: Considera-se que os objetivos propostos foram atingidos e, ainda, que a BAC-MATB poderá favorecer a avaliação e o planejamento de programas de intervenção de crianças e adolescentes com ou sem dificuldade de aprendizagem matemática, no contexto clínico e educacional
Unitermos: Tradução. Avaliação Educacional. Matemática. Testes.
SUMMARY
INTRODUCTION: There are few formal cognitive and academic tests to evaluate Brazilian students. The strategy of translating and adapting foreign tests is adopted by some researchers
OBJECTIVE: To translate and adapt the Mathematical Skills Assessment Battery (BAC-MAT) into Portuguese
METHODS: The process of translation and adaptation followed the steps recommended in the international literature. This process involved the translation into the standard language and the adjustment of cultural words, idioms and, if necessary, complete transformation of some items in order to capture the same concept in the target culture. The BAC-MAT was tested for clarity with Brazilian students without math difficulties
RESULTS: The results show that the translations performed by de Committee formed were considered suitable and there was semantic equivalence to the original
CONCLUSION: The BAC-MAT was translated into Portuguese with cross-culturally adaptation, under the Portuguese title BAC-MATB. The final version of BAC-MAT was applied successfully. We conclude that the BAC-MATB can be help healthcare and education professionals who care children with math difficulties
Keywords: Translation. Educational Measurement. Mathematics. Tests.
INTRODUÇÃO
Do mesmo modo que a leitura e a escrita, a matemática é essencial para a sobrevivência na sociedade atual. Cotidianamente, deparamo-nos com situações que exigem capacidade de procurar regularidades, efetuar e testar conjecturas, formular generalizações e pensar de maneira lógica. Estas habilidades são desenvolvidas no curso do desenvolvimento, desde as primeiras interações do bebê com o ambiente. Porém, é somente na escola que o conhecimento matemático é sistematizado, seguindo critérios e normatizações governamentais.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)1 regulamenta o ensino em suas diferentes etapas e modalidades. Adicionalmente, dois documentos fornecem subsídios para o currículo escolar mínimo, ou seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)2 e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC)3. Enquanto os PCNs têm como objetivo fornecer diretrizes e orientações básicas segundo a especificidade local, a BNCC, em implantação, determina quais conhecimentos devem ser adquiridos por todos os estudantes brasileiros no curso do seu processo de escolarização.
Em se tratando do conhecimento matemático no ensino fundamental (1o ao 9o ano), os PCNs2 consideram que os conteúdos trabalhados na escola devem favorecer a aquisição de habilidades essenciais, de modo que ao final dessa etapa de ensino os estudantes possam compreender os números, as operações matemáticas, as formas, grandezas e medidas; lidar com informações cotidianas que envolvam a compreensão de dados estatísticos, tabelas e gráficos; raciocinar por meio de probabilidade e combinatória.
Entretanto, apesar dos dados oficiais indicarem discreta melhora nos últimos anos, o desempenho dos estudantes brasileiros em matemática é inferior ao esperado, principalmente nas etapas finais do ensino fundamental e ensino médio4,5.
Tal fato é comprovado na análise do desempenho dos alunos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizado em 20176. Nesta prova, aprendizagem adequada em matemática foi obtida por 48,9% dos alunos do 5o ano e por 21,5% dos alunos do 9o ano. No 3o ano do ensino médio essa porcentagem foi ainda menor, ou seja, 9,10%.
No Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), exame por amostragem realizado pelos países membros e convidados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também foi observado resultado insatisfatório. Em 2018, 10.691 estudantes, de 597 escolas (públicas e particulares) brasileiras realizaram a prova. No que diz respeito ao desempenho em matemática, numa escala que vai de 6 a abaixo de 1, mais de 1/3 dos estudantes (68%) foram classificados no nível mais inferior (abaixo do nível 1)7.
Com esse quadro, não é surpreendente que a maioria dos alunos tenha queixa de dificuldade de aprendizagem e que parte deles seja rotineiramente encaminhada para avaliação clínica. Em geral, o que se observa é que, apesar de frequentarem a escola regularmente, a maioria dos alunos avaliados por especialistas não aprende como deveria porque tem o que se denomina de dificuldade de matemática, problema que acomete crianças que têm potencial para o aprendizado, mas fracassam em função de falhas no processo de ensino ou de outros fatores de ordem ambiental e/ou emocional8-10.
Há que se considerar, no entanto, que em torno de 5% da população escolar tem o que se denomina de transtorno específico de aprendizagem matemática11. Este termo, também conhecido como discalculia, é utilizado para se referir à desordem específica na aquisição de habilidades aritméticas, resultante de falhas no processamento do sistema nervoso central12. Caracteristicamente, acomete crianças com nível intelectual normal e se manifesta mesmo quando há adequada oportunidade escolar, estabilidade emocional e motivação suficiente para o aprendizado13. Trata-se, ainda, de um transtorno persistente e duradouro que acompanha o indivíduo ao longo da sua existência.
Na prática clínica e no contexto educacional há dificuldade em se determinar se a dificuldade com a matemática é decorrente de fatores ambientais, ou se diz respeito à desordem no processamento cerebral14.
Existem no mercado brasileiro instrumentos e testes variados que possibilitam ao profissional avaliar funções corticais elementares que subsidiam o processamento da matemática, como é o caso da atenção, memória, funções executivas e linguagem. Entretanto, há carência de instrumentos que analisem o desempenho matemático propriamente dito.
Em geral, o subteste de aritmética do Teste de Desempenho Escolar15,16 é o mais utilizado para avaliar o desempenho matemático dos alunos, porém este avalia essencialmente habilidade aritmética.
Como o conhecimento matemático envolve mais do que capacidade de fazer operações com números, o profissional que realiza a avaliação da criança com queixa de dificuldade de aprendizagem matemática normalmente utiliza parâmetros pessoais (qualitativos) para a sua análise, o que dificulta o estabelecimento de critérios mais objetivos. Outra solução tem sido utilizar testes internacionais para avaliar habilidades matemáticas mais amplas. A Bateria de Avaliação de Competências Matemáticas (BAC-MAT), é um desses instrumentos.
Desenvolvido por autores portugueses17, após estudo com crianças do 1o ao 2o Ciclo daquela nacionalidade, a BAC-MAT vem sendo utilizada por especialistas no Brasil. Um dos diferenciais desta bateria é que a mesma possibilita avaliar competências matemáticas, ou seja:
a) Compreensão de conceitos matemáticos; estabelecimento de relações na forma oral, nomeação de quantidades, termos, símbolos e de relações matemáticas;
b) Enumeração, comparação de objetos (em relação ao tamanho e quantidade), ordenação e manipulação de objetos matemáticos (reais ou imagens);
c) Leitura de símbolos matemáticos usados nos cálculos e fórmulas matemáticas e comparação de grandezas;
d) Reconhecimento e escrita de símbolos matemáticos;
e) Realização de operações que envolvam cálculo mental e compreensão de conceitos matemáticos, tais como: relações de grandeza, de lateralidade, posicionamento, classificação e ordenação;
f) Execução de operações e cálculos numéricos.
A depender da gravidade do déficit (em função da idade e série escolar), do resultado obtido em outros testes que avaliam funções corticais importantes para o processamento da matemática (memória de trabalho, linguagem e funções executivas, principalmente) e dos demais critérios diagnósticos11, a referida bateria pode contribuir para o diagnóstico de discalculia e, ainda, identificar o seu subtipo. Isso porque os conteúdos que compõem os subtestes da BAC-MAT levam em consideração a proposta de Kosc18, primeiro autor a propor a classificação da discalculia, ou seja, verbal, pratognóstica, léxica, gráfica, ideognóstica e operacional.
Um fator importante a se considerar no uso do instrumento é que, apesar da proximidade da língua (português), existem termos e expressões que são diferentes do utilizado por nossa população. Além disso, diferenças culturais e a necessidade de se investigar os conteúdos que a mesma aborda também são fatores importantes a se analisar, de modo a se realizar a validação da mesma para o nosso contexto.
Diante do exposto, considera-se que é pertinente a tradução e adaptação da BAC-MAT para o português do Brasil. Uma vez concluído o trabalho, a bateria não só poderá ser útil para a avaliação de crianças com dificuldade de matemática, no contexto clínico e educacional, como também poderá contribuir para o diagnóstico diferencial entre dificuldade e transtorno da específico de aprendizagem, em especial a discalculia. Além disso, por contemplar ampla variedade de habilidades necessárias ao aprendizado da matemática, poderá favorecer o processo interventivo em ambos os contextos e, assim, eliminar (ou minimizar) a dificuldade da criança.
Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi traduzir, adaptar e avaliar a aplicabilidade da versão em português do Brasil da Bateria de Avaliação de Competência Matemática (BAC-MAT). Especificamente, procurou-se atender aos seguintes propósitos: a) assegurar as diferenças dos contextos culturais e a obtenção das equivalências semântica (análise do vocabulário, expressões gramaticais, significado e expressões de duplo sentido das palavras), idiomática (busca de equivalência das expressões idiomáticas e gírias relacionadas aos contextos culturais específicos), cultural (adequação das diferentes realidades culturais, costumes e hábitos) e conceitual (manutenção da ideia, conceito, noção ou representação abstrata expressa em cada sentença); b) verificar a aplicabilidade da BAC-MAT junto a estudantes brasileiros.
MÉTODO
Trata-se de um estudo experimental, qualitativo e quantitativo, aprovado pelo Comitê de Ética da instituição ao qual o projeto está vinculado.
Vinte e quatro sujeitos participaram do estudo, assim distribuídos: dois tradutores brasileiros, dois tradutores portugueses, quatro pedagogos/psicopedagogos com experiência e atuação na prática clínica e 16 estudantes do ensino fundamental, sendo oito em escolas públicas e oito em escolas privadas. Para participar do estudo, as crianças deveriam atender aos seguintes critérios: estar cursando o ensino fundamental, não ter indicativo de transtornos do neurodesenvolvimento (assegurado pelos pais), não ter histórico de repetência escolar e não ter queixa de dificuldade de aprendizagem (segundo seus professores).
Quanto aos procedimentos da pesquisa, as seguintes etapas foram desenvolvidas19:
1. Obtenção de autorização do autor principal, que detém os direitos da BAC-MAT, para traduzir e adaptar e verificar a aplicabilidade da bateria para o português do Brasil;
2. Submissão e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa ao qual o projeto está vinculado;
3. Tradução da BAC-MAT: A bateria original (em português de Portugal) foi traduzida por duas tradutoras brasileiras (T1 e T2), ambas com domínio do português formal. T1 era estudante de graduação da área de humanas e não tinha domínio sobre a temática envolvida. A segunda tradutora (T2) era pedagoga, especialista em psicopedagogia, com experiência em docência (ensino fundamental) e em atuação clínica;
4. A pesquisadora principal realizou a análise das traduções junto com T1 e T2, com a finalidade de identificar e solucionar dúvidas, distorções e discrepâncias entre as duas versões, chegando-se a uma versão preliminar da BAC-MAT em português do Brasil (BAC-MATB);
5. Dois tradutores (T3 e T4), nascidos e residentes no país da língua original do instrumento (Portugal), fluentes na língua alvo e sem familiaridade com o instrumento original, receberam a versão preliminar da tradução (BAC-MATB) e realizaram a retrotradução (do português do Brasil para português de Portugal);
6. A pesquisadora principal analisou a retrotradução para verificar se havia sintonia nas duas versões e se havia problemas que pudessem comprometer a adaptação do instrumento;
7. Um comitê, formado por quatro especialistas, experientes no tema, constituídos pela pesquisadora principal, por um dos autores da BAC-MAT e por dois especialistas em psicopedagogia, fez a análise do material, tendo se chegado à versão brasileira da bateria (BAC-MATB);
8. Para verificar a adaptação semântico-cultural, assim como avaliar a compreensão dos indivíduos sobre cada item da bateria, a BAC-MATB foi aplicada junto a 16 alunos brasileiros, de ambos os sexos, com desenvolvimento típico (segundo afirmação dos pais), sem histórico de repetência escolar ou queixa de dificuldade de aprendizagem (segundo os professores), sendo oito de escolas públicas e oito de escolas particulares.
Os dados obtidos foram analisados de forma qualitativa e quantitativa. Para analise estatística, foi utilizado o Programa IBM SPSS Statistics 21.0 for Windows® (Statistical Package for Social Sciences), tendo sido considerado como nível de significância valores de p igual ou menor a 0,05.
RESULTADOS
Uma vez concluídas as etapas de tradução e de retrotradução, o comitê analisou as alterações efetuadas e chegou-se à versão da BAC-MAT para o português do Brasil (BAC-MATB) (Apêndice 1).
Em seguida, procedeu-se à aplicação da BAC-MATB com grupo piloto, constituído por 16 estudantes brasileiros do ensino fundamental. Não foram identificados entre os participantes problemas de adequação quanto ao significado dos itens, dificuldade de compreensão dos enunciados contidos na bateria, bem como nas instruções para administração da bateria. A descrição e desempenho desta casuística serão apresentados a seguir.
Foram avaliados 16 alunos, com idade entre 8 e 11 anos (média: 9,8 anos; mediana: 10; desvio padrão 1,2), igualmente distribuídos entre os sexos (8 meninos e 8 meninas) e tipo de escola que frequentavam (8 públicas e 8 particulares).
Na Tabela 1 apresenta-se o resultado obtido pelos sujeitos nos diferentes subtestes da BAC-MATB.
Não foi identificada diferença estatisticamente significativa quando se comparou o desempenho dos sujeitos em função do sexo e do tipo de escola que frequentavam (pública ou privada) (Tabela 2).
Quando se comparou o desempenho dos sujeitos (Teste de Mann-Whitney) em função da série escolar, os seguintes dados foram obtidos:
a) Não houve diferença estatisticamente significativa entre os alunos do 3o e do 4o ano em todos os subtestes da BAC-MATB;
b) Os alunos do 5o ano tiveram desempenho significativamente superior aos alunos do 3o ano nos seguintes subtestes da BAC-MATB: gráfica (p=0,03), ideognóstica (p=0,04) e operacional (p=0,03);
c) Os alunos do 5o ano tiveram desempenho significativamente superior aos alunos do 4o ano nos seguintes subtestes da BAC-MATB: gráfica (p=0,01) e ideognóstica (p=0,01).
DISCUSSÃO
Diferentemente de outros países, no Brasil há carência de instrumentos psicopedagógicos que avaliem de maneira formal e objetiva as habilidades cognitivas e acadêmicas de crianças e adolescentes, fato que tem levado à prática de se utilizar testes desenvolvidos em outros países.
A dispensa do árduo trabalho de se construir um novo teste e a facilidade de se utilizar um instrumento já existente são pontos favoráveis à adoção de testes estrangeiros. No entanto, tal recurso requer que se faça inicialmente a tradução e a adaptação do instrumento para a nossa cultura, seguindo critérios e diretrizes específicas para esse fim, como os preconizados pelo "International Test Comission"19. Com isso, pode-se garantir a obtenção da equivalência entre o instrumento original e a sua versão traduzida.
Neste estudo, que teve como objetivo traduzir, adaptar e avaliar a aplicabilidade da BAC-MAT, as diretrizes metodológicas preconizadas foram seguidas, tendo se realizado traduções, retrotraduções e análise de comitê especializado, de modo a garantir o máximo de equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual. Ao final, chegou-se à versão final da BAC-MAT em português (BAC-MATB).
Adicionalmente, com o intuito de verificar se os itens e as instruções da versão final eram compreensíveis para a população alvo, foram avaliados 16 estudantes do ensino fundamental (estudo piloto)20,21. O resultado foi favorável, uma vez que não foram identificados problemas de adequação quanto ao significado dos itens, compreensão dos enunciados contidos na bateria, bem como nas instruções para administração do teste.
Em se tratando do desempenho desse grupo na BAC-MATB, constatou-se que os alunos apresentaram dificuldade para a série escolar (em maior ou menor grau) nas diferentes competências avaliadas (Tabela 1).
Conforme demonstrado na Tabela 1, a classificação indica que a maioria dos alunos não adquiriu competências gráficas (16/16 alunos), ideognósticas (13/10 alunos) e operacionais (10/16 alunos). Com esse resultado, pode-se inferir que, nesta casuística, os alunos têm as seguintes dificuldades: reconhecer e escrever símbolos matemáticos; realizar operações que envolvam cálculo mental; compreender conceitos matemáticos que envolvam relações de grandeza, lateralidade, posicionamento, classificação; executar operações e fazer cálculos numéricos.
Nas demais competências avaliadas pela BAC-MATB, os dados mostram que a minoria dos alunos não adquiriu as competências verbal (3/16), practognóstica (2/16) e léxica (2/16) (Tabela 1). Com isso, depreende-se que os alunos têm mais facilidade para estabelecer relações de conceitos matemáticos na forma oral, nomear quantidades, termos e símbolos; enumerar, comparar objetos (em relação ao tamanho e quantidade), ordenar e manipular objetos matemáticos (reais ou em imagens); ler símbolos matemáticos usados nos cálculos e formas matemáticas e comparar grandezas.
É importante mencionar que os conteúdos que compõem a BAC-MAT fazem parte do currículo sugerido pelos PCNs2, sendo assim, seria esperado que os alunos avaliados tivessem melhor desempenho neste teste. No entanto, o baixo rendimento dos alunos brasileiros em matemática tem sido recorrente nas avaliações oficiais, como é o caso do SAEB e do PISA.
A título de exemplo, dados do INEP6 referem que na prova do SAEB/2017 os estudantes paulistas obtiveram pontuação média compatível com o nível 6, o que demonstra que as competências mais complexas e abstratas dos níveis posteriores (de 7 a 9) não foram adquiridas pelos alunos.
Em se tratando da comparação em função da série escolar, constatou-se que não houve diferença estatisticamente significativa, quando se comparou o desempenho dos alunos do 3o e do 4o ano do EF nos seis subtestes. Quanto aos alunos do 5o ano, estes tiveram melhor desempenho do que os alunos do 3o ano nas competências gráfica (p=0,03), ideognóstica (p=0,04) e operacional (p=0,03) e melhor desempenho que os alunos do 4o ano nas competências gráfica (p=0,01) e ideognóstica (p=0,01).
Pelo fato de as competências matemáticas serem aprimoradas no curso da escolarização, seria esperado que os alunos das séries posteriores tivessem melhor desempenho que os das séries anteriores em todas as competências avaliadas. No entanto, conforme mencionado, não foi isso que ocorreu. Possivelmente, tal achado pode ser decorrente da reduzida casuística, o que leva à necessidade de estudos com número maior de alunos para investigação de tal achado.
Por fim, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no desempenho dos alunos no que diz respeito ao sexo e ao tipo de escola que frequentavam (pública ou particular). Assim como os demais dados obtidos, estes são considerados com restrição, pelo fato de a amostragem ser reduzida. Sendo assim, estudo com maior casuística deve ser desenvolvido para se obter dados mais consistentes sobre o desempenho dos alunos na BAC-MATB.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura indica que a tradução de instrumentos de outras culturas pode minimizar a carência de testes em nosso meio, além de contribuir para realização de pesquisas científicas transculturais22.
No que diz respeito ao presente estudo, os objetivos propostos foram atingidos e a BAC-MATB certamente contribuirá para avaliação das competências matemáticas em diferentes contextos (educacional e clínico).
Em relação ao contexto clínico, considera-se que o uso desta bateria, associada a outras abordagens avaliativas (objetivas e subjetivas) de ordem interdisciplinar, poderá contribuir para o diagnóstico diferencial entre transtorno de aprendizagem e dificuldade escolar. No contexto educacional, o uso da mesma pode auxiliar o professor a identificar as competências dos alunos. Em ambos os contextos, o diagnóstico claro e preciso certamente auxiliará na elaboração de programas de intervenção, com consequente superação ou minimização dos problemas de dificuldade matemática.
Agradecimentos
Aos autores da BAC-MAT (Rafael Silva Pereira e Inês Salgado Rodrigues), aos tradutores e retrotradutores e às psicopedagogas Rachel Cristina C. Orsi, Patrícia R. Flaviano Stella e Ana Cristina de Castro (pesquisadoras do DISAPRE/FCM/UNICAMP).
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Educação. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC/SEF; 1996. [ Links ]
2. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos: Apresentação dos Temas Transversais. Brasília: Ministério da Educação; 1998. [ Links ]
3. Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base: Ensino Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação; 2017. [ Links ]
4. Brasil. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP): Relatório SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico). Brasília: Ministério da Educação; 2019. [ Links ]
5. Anuário Brasileiro de Educação Básica 2020. Todos pela Educação. São Paulo: Editora Moderna; 2020. [ Links ]
6. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Diretoria de Avaliação da Educação Básica. Relatório do Sistema de Avaliação Básica (SAEB 2017. Brasília: Ministério da Educação; 2019. [ Links ]
7. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP). Relatório do Brasil no PISA 2018. Versão preliminar. Brasília: Ministério da Educação; 2019. [ Links ]
8. Rossini SDR, Santos AAA. Fracasso escolar: Um estudo documental de encaminhamentos. In: Sisto FF, Boruchovitch E, Fini LDT, Breneli RP, Martinelli SC, orgs. Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico. Petrópolis: Vozes; 2001. p. 214-35. [ Links ]
9. Lima RF, Mello RJL, Massoni I, Ciasca SM. Dificuldades de aprendizagem: queixas escolares e diagnósticos em um serviço de neurologia infantil. Rev Neurocienc. 2006; 14(4):185-90. [ Links ]
10. Carvalho MC, Lima RF, Souza GGB, Pires TC, Pierini R, Rodrigues SD, et al. Characterization of school-related problems and diagnoses in a Neuro-Learning Disorder Clinic. Estud Psicol (Campinas). 2016; 33(1): 161-71. [ Links ]
11. American Psychiatric Association (APA). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5a ed. Porto Alegre: Artmed; 2014. [ Links ]
12. Shalev RS, Auerbach J, Manor O, Gross-Tsur V. Developmental dyscalculia: prevalence and prognosis. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2000;9Suppl 2:II58-64. [ Links ]
13. Shalev RS, Manor O, Gross-Tsur V. Developmental dyscalculia: a prospective six-year follow-up. Dev Med Child Neurol. 2005; 47(2):121-5. [ Links ]
14. Rodrigues SD, Riechi TIJS. Discalculia do desenvolvimento. In: Ciasca SM, Rodrigues SD, Azoni CAS, Lima RF. Transtornos de aprendizagem: Neurociência e interdisciplinaridade. Ribeirão Preto: Editora Book Toy; 2015. p. 239-47. [ Links ]
15. Stein LM. Teste de desempenho escolar (TDE): Manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994. [ Links ]
16. Stein LM, Giacomoni CH, Fonseca RP, eds. Teste de Desempenho Escolar II. Editora Vetor; 2019. [ Links ]
17. Pereira RS, Rodrigues IS. Bateria de aferição de competências matemáticas (BAC-MAT). Lisboa/Portugal: Editora Sá Pinto; 2013. [ Links ]
18. Kosc L. Developmental Dyscalculia. J Learn Disabil. 1974;7(3):164-77. [ Links ]
19. International Test Commission. The ITC Guidelines for Translating and Adapting Testes. 2nd ed. Lincoln: ITC; 2017. Translation authorized by Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) [acesso 2020 Maio 15]. Disponível em: https://www.intestcom.org/ [ Links ]
20. Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia (Ribeirão Preto). 2012;22(53): 423-32. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272253201314 [ Links ]
21. Gudmundsson E. Guidelines for translating and adapting psychological instruments. Nordic Psychology. 2009;61(2):29-45. DOI: 10.1027/1901-2276.61.2.29 [ Links ]
22. Giusti E, Befi-Lopes DM. Tradução e adaptação transcultural de instrumentos estrangeiros para o Português Brasileiro (PB). Pró-Fono. 2008;20(3):207-10. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Sonia das Dores Rodrigues
Av. Júlio Diniz, 449 - Jardim Nossa Sra. Auxiliadora - Campinas, SP, Brasil - CEP 13075-420
E-mail: rodrigues.sdd@gmail.com
Artigo recebido: 25/6/2020
Aprovado: 20/7/2020
Trabalho realizado no Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da Atenção do Departamento de Neurologia Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil, e no Centro de Investigação da Atenção e da Aprendizagem (CIAPRE), Campinas, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.