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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.38 no.117 São Paulo set./dez. 2021
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210026
ARTIGO ORIGINAL
Correlação de habilidades cognitivo-linguísticas de escolares submetidos a intervenção fonológica
Correlation of cognitive-linguistic skills of students submitted to phonological intervention
Cláudia da SilvaI; Simone Aparecida CapelliniII
IFonoaudióloga; Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista - UNESP/Marília, SP; Pós-doutorado pela Universidade Estadual Paulista - UNESP/Marília, SP; Docente do Departamento de Formação Específica em Fonoaudiologia da Universidade Federal Fluminense - (UFF), Nova Friburgo, RJ, Brasil
IIFonoaudióloga; Livre-Docente em Linguagem Escrita - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FFC/UNESP)/Marília, SP; Docente do Departamento de Fonoaudiologia e dos Programas de Pós-Graduação em Educação da (FFC/(FFC/UNESP), Marília, SP, Brasil
RESUMO
Este artigo se propõe a correlacionar as habilidades cognitivo-linguísticas de escolares submetidos a intervenção fonológica, em situação de pré e pós-testagem. Participaram deste estudo 40 escolares, pertencentes ao 1º ano do Ensino Fundamental, distribuídos em Grupo I (GI: 20 escolares sem dificuldades na alfabetização) e Grupo II (GII: 20 escolares com dificuldades na alfabetização). A pré e pós-testagem foi realizada com uso do Protocolo de Avaliação das Habilidades Cognitivo-linguísticas para escolares em fase inicial de alfabetização. A intervenção fonológica envolveu tarefas de relação letra/som, análise, síntese, adição, substituição e discriminação fonêmica. Os escolares de GI e GII apresentaram desempenho estatisticamente significante, no entanto, o maior índice de correlação em pré e pós-testagem foi identificado para os escolares de GII, obtendo correlação positiva, de moderada a perfeita. As variáveis pertencentes à habilidade de escrita apresentaram o maior índice de interdependência, seguidas da habilidade de leitura, processamento auditivo e velocidade de processamento. A habilidade de consciência fonológica foi a que obteve menor índice de correlação.
Unitermos: Alfabetização. Leitura. Educação Infantil. Deficiências da Aprendizagem.
SUMMARY
This article proposed to correlate the cognitive-linguistic skills of students submitted to phonological intervention, in situation of pre and post-testing. The study included 40 students from 1st year of elementary school, distributed in Group I (GI: 20 students without difficulties in literacy) and Group II (GII: 20 students with difficulties in literacy). Pre and post-testing were realized using the Cognitive-Linguistic Skills Assessment Protocol indicated for early literacy students. The phonological intervention involved tasks of letter/sound relation, analysis, synthesis, addition, substitution, and phonemic discrimination. The students of GI and GII presented statistically significant performance, however, the highest correlation index in pre and post testing was identified for GII students, classified as positive relationship, from moderate to perfect. The variables belonging to the writing ability had the highest interdependence index, followed by the reading ability, auditory processing, and processing speed. The phonological awareness skill was the one with the lowest correlation index.
Keywords: Literacy. Reading. Child Rearing. Learning Disabilities.
INTRODUÇÃO
As habilidades cognitivo-linguísticas podem ser compreendidas como aquelas que associam habilidades linguísticas presentes no processo de alfabetização, como a fonologia, consciência silábica e fonêmica, a morfologia, o discurso e a pragmática; e habilidades de cunho cognitivo, como o processamento da informação auditiva e visual, a velocidade de processamento, a atenção, memória, planejamento e organização1-3.
A atuação em conjunto dessas habilidades é um fator determinante para que escolares em processo inicial de alfabetização desenvolvam de forma plena seus aprendizados em leitura e escrita. Assim, a potencialização dessas habilidades em âmbito educacional pode auxiliar a trajetória dos escolares durante a alfabetização4.
O trabalho com as habilidades cognitivo-linguísticas com enfoque educacional pode ser iniciado desde a pré-escola, com vistas à promoção do desenvolvimento e aquisição de habilidades que serão alicerces aos novos aprendizados mais complexos. No entanto, também podem ser desenvolvidas com o propósito de identificação precoce de alterações que podem comprometer a aprendizagem escolar, podendo prevenir possíveis quadros de dificuldades de aprendizagem, assim como possibilitar a identificação precoce de escolares de risco para dificuldades na alfabetização3,5,6.
Para os escolares que apresentam dificuldades nas etapas iniciais de alfabetização, considera-se que, quanto antes identificados os percalços neste processo, menores serão os danos a serem enfrentados pela criança7-9. Com base neste pressuposto, a identificação de escolares com dificuldades na alfabetização tem sido realizada a partir do 1º ano do Ensino Fundamental10, com o intuito de delinear propostas interventivas, realizadas dentro e fora da sala de aula, que permitam a superação das dificuldades pelos escolares e o encaminhamento a profissionais especializados o mais precocemente possível11,12.
Com amplitude em estudos nacionais e interacionais, o enfoque interventivo tem sido realizado com estratégias de base fonológica, tais como a manipulação, análise, síntese e discriminação de fonemas e segmentos sonoros. Assim, a intervenção fonológica tem surtido êxito em resposta a esta prática interventiva, pois se propõe a trabalhar com aspectos de base para a alfabetização, principalmente associados ao princípio alfabético da língua portuguesa3,10,13-16.
Para tanto, ao pensar em intervir com as habilidades cognitivo-linguísticas deficitárias, é de grande relevância identificar quais são as habilidades que se encontram alteradas, assim como, identificar quais habilidades podem apresentar melhores resultados aos serem trabalhadas em conjunto. De forma que, ao correlacionar as estratégias trabalhadas em cada habilidade, torna-se possível maximizar o desempenho dos escolares via intervenção fonológica elaborada17.
Com base no descrito, este estudo se propõe a correlacionar as habilidades cognitivo-linguísticas de escolares submetidos a intervenção fonológica, em situação de pré e pós-testagem.
MÉTODO
Esta pesquisa foi configurada dentro de um paradigma quantitativo de investigação, com levantamento de dados e análise dos acertos obtidos nas provas que avaliam as habilidades cognitivo-linguísticas de escolares com e sem dificuldades na alfabetização.
Participaram desse estudo 40 escolares pertencentes ao 1º ano do Ensino Fundamental da rede de financiamento público, em idade entre 5 anos e 11 meses e 6 anos e 7 meses, composto por 17 (42,5%) do gênero feminino e 23 (57,5%) do gênero masculino. Os escolares foram divididos em dois grupos:
Grupo I (GI): composto por 20 escolares sem dificuldades na alfabetização, sendo 10 (50%) escolares do gênero feminino e 10 (50%) do gênero masculino, regularmente matriculados no 1º ano do Ensino Fundamental.
Os escolares deste grupo foram indicados pelos professores seguindo o critério de desempenho satisfatório em dois bimestres consecutivos, comparados ao seu grupo classe, obtendo médias de desempenho igual ou superior a 7,0 (MEC)4. A coleta de dados foi realizada na escola após a aprovação da direção, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pais ou responsáveis pelos escolares, e definição do horário pelos professores.
Grupo II (GII): composto por 20 escolares com dificuldades na alfabetização, sendo sete (35%) escolares do gênero feminino e 13 (65%) do gênero masculino, regularmente matriculados no 1º ano do Ensino Fundamental.
Os escolares do grupo GII foram identificados por meio da indicação dos professores, sendo aqueles que apresentavam atraso no processo de alfabetização em relação ao seu grupo-classe, dificuldade em armazenar as letras do alfabeto em sequência e em ordem aleatória, dificuldades na decodificação e codificação de palavras de alta frequência isoladas e de frases curtas, concomitante ou não ao histórico de alterações na produção oral, com médias de desempenho escolar inferior a 7,0 (MEC)4,12.
Todos os grupos foram pareados segundo escolaridade. Os critérios de inclusão foram ausência de queixas relacionadas ou de indicadores de alterações da audição, visão ou de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos. Os critérios de exclusão foram, portanto, a não assinatura do TCLE pelos pais ou responsáveis, presença de queixas de alterações auditivas e/ou visuais, e presença de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos. As informações referentes aos critérios foram retiradas dos prontuários escolares, pertencentes à escola.
Materiais e procedimentos
Anterior ao desenvolvimento desta pesquisa, este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e aprovado sob o protocolo número 686. A coleta de dados foi realizada em uma escola pública do interior de São Paulo e teve início após a assinatura do TCLE pelos pais ou responsáveis pelos escolares, conforme Resolução 466/12.
A coleta foi realizada pelo próprio pesquisador, em uma escola pertencente à rede de financiamento público, no segundo semestre letivo englobando o período de agosto a dezembro, permitindo que os escolares tivessem conhecimento prévio aos conteúdos escolares propostos na alfabetização. Todos os escolares desse estudo foram submetidos aos mesmos procedimentos em situação de pré e pós-testagem.
Como instrumento de avaliação e reavaliação, foi utilizado o Teste de Desempenho Cognitivo-linguístico - versão coletiva e individual, para escolares em fase inicial de alfabetização18. A versão coletiva foi composta pelos subtestes de reconhecimento do alfabeto em sequência, reconhecimento do alfabeto em ordem aleatória, ditado de figuras, ditado de palavras e de pseudopalavras, ditado de dígitos. A versão individual foi composta pelos subtestes de leitura de palavras e de não palavras, rima, aliteração, segmentação silábica, discriminação auditiva, repetição de palavras e de não palavras, jogo de número invertidos, nomeação automática rápida de figuras e de dígitos.
As provas de avaliação e reavaliação foram aplicadas em quatro sessões, sendo duas sessões para a pré-testagem e duas para a pós-testagem, com duração média de 40 a 50 minutos cada.
A proposta da intervenção foi realizada com base no desenvolvimento de tarefas fonológicas, realizada por meio do Programa de Intervenção Fonológica para escolares em fase inicial de alfabetização19. Composto por atividades de identificação dos sons e das letras do alfabeto, identificação dos sons e das letras do alfabeto em ordem aleatória, identificação e produção de rima, produção de rima com frases, identificação e manipulação de palavras, identificação e produção de sílabas, segmentação e análise silábica, identificação e segmentação fonêmica, substituição, síntese, análise e discriminação fonêmica.
A intervenção foi realizada com aplicação individual pelo pesquisador, durante 15 sessões de caráter cumulativo, realizadas duas vezes por semana com cada escolar, com tempo médio de duração de 20 a 30 minutos. Foram seguidas as orientações de aplicação sequencial conforme proposto no programa.
Análise estatística
Os resultados deste estudo foram submetidos a análise estatística para maior confiabilidade. O teste utilizado para análise dos resultados foi Análise de Correlação de Spearman, com o intuito de verificarmos o grau de relacionamento entre as variáveis de interesse. O nível de significância adotado foi p<0,05. O programa estatístico utilizado foi o SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 20.0.
Para a análise de correlação dos resultados significantes, foram adotados os valores de correlação fraca, moderada, forte e perfeita, com grau de associação positiva e negativa20.
RESULTADOS
Os resultados foram analisados estatisticamente e apresentados no formato de tabelas, organizados de acordo com as habilidades estudadas. Dessa forma, as tabelas foram estruturadas pela correlação das habilidades de leitura, escrita, consciência fonológica, processamento auditivo e velocidade de processamento.
A Tabela 1 apresenta a correlação dos dados obtidos em situação de pré e pós-testagem, referentes aos grupos GI e GII, para a habilidade de leitura. De acordo com os resultados, foi identificada correlação forte positiva para GII entre a identificação do alfabeto aleatório (Alf Al) e alfabeto em sequência (Alf), em pré-testagem, e perfeita positiva em pós-testagem. Para os escolares do grupo GI, houve correlação forte positiva em situação de pós-testagem entre a leitura de palavras (LP) e leitura de não palavras (LNP), sendo forte negativa, em pré-testagem, entre palavras lidas corretamente em um minuto (Cor1m) e leitura de palavras (LP).
Para a habilidade de escrita (Tabela 2), foi identificada correlação moderada positiva para GI, em situação de pré-testagem, entre ditado de não palavras (DitNP) e ditado total (DitT) e forte positiva para a pós-testagem.
Os escolares do grupo GII presentaram correlação moderada positiva, em pré-testagem, entre a escrita do alfabeto (EAlf) e ditado de palavras (DitP), ditado de palavras (DitP) e ditado de não palavras (DitNP), sendo perfeita positiva para ditado de palavras (DitP) e ditado de não palavras (DitNP), em pós-testagem. O grupo GII apresentou correlação moderada positiva na pós-testagem, para a escrita do alfabeto (EAlf) e ditado de não palavras (DitNP). Houve correlação moderada positiva, em pré e pós-testagem, entre escrita do alfabeto (EAlf) e ditado total (DitT); e para a pré-testagem entre ditado de palavras (DitP) e ditado de figuras (DF).
Ainda para o grupo GII houve correlação perfeita positiva na pré e pós-testagem para ditado de palavras (DitP) e ditado total (DitT); forte positiva para ditado de não palavras (DitNP) e ditado total (DitT) na pré-testagem, e perfeita positiva na pós-testagem. Na pré-testagem houve correlação moderada positiva entre escrita do alfabeto (Ealf) e ditado de figuras (DF), sendo forte positiva na pós-testagem.
Para a habilidade de consciência fonológica, de acordo com a Tabela 3, houve correlação moderada positiva entre rima e aliteração na pré-testagem de GI, sendo forte positiva para GII em pré-testagem e moderada positiva na pós-testagem.
Na Tabela 4, para a análise da correlação entre as variáveis pertencentes à habilidade de processamento auditiva, houve correlação em pós-testagem para GII do tipo moderada positiva entre repetição de não palavras (RepNP) e repetição de palavras (RepP), e entre repetição de palavras (RepP) e discriminação de sons (DS).
De acordo com a Tabela 5, a análise de correlação para a habilidade de velocidade de processamento indicou correlação moderada positiva para GI, na pós-testagem, entre nomeação rápida de números em primeira tomada (NRN1) e nomeação rápida de números em segunda tomada (NRN2). Assim como, houve correlação forte positiva para GII, em pós-testagem, entre as mesmas variáveis.
DISCUSSÃO
A análise de correlação entre cada uma das habilidades analisadas envolvendo provas de base cognitivo-linguísticas, em situação de pré e pós-testagem após intervenção fonológica, permitiu verificar a interdependência entre as variáveis com base em uma proposta correlacional. Dessa forma, foi possível identificar a presença de resultados significantes ao analisar as habilidades de interesse, de acordo com o que será detalhado a seguir.
Para a habilidade de leitura, houve correlação de caráter forte positivo entre a identificação do alfabeto e a identificação do alfabeto aleatório (0,759) em pré-testagem e perfeita positiva (0,911) na pós-testagem, indicando a dependência da formação da memória sequencial para letras em sequência reflexa no reconhecimento do alfabeto aleatório. Outra correlação do tipo forte positiva (0,809) foi identificada entre a leitura de palavras e a leitura de não palavras, após intervenção, sugerindo interdependência entre as variáveis.
Os resultados confirmam a relevância da intervenção fonológica identificada no tipo de correlação obtida na pós-testagem, principalmente aos escolares que apresentem percalços no ensino formal educacional, representado pelo GII. Resultados similares foram encontrados em estudos nacionais e internacionais, apontando a base fonológica como a alavanca facilitadora para a alfabetização, uma vez que a percepção para sons se associa ao reconhecimento das letras e proporciona a sistematização do aprendizado primordial para a formação de palavras5,11-13. Assim, a intervenção fonológica torna-se uma proposta potencializadora para a reflexão entre sons e letras para a composição de palavras, permitindo também a decodificação efetiva de não palavras.
A correlação forte negativa para GI em relação à leitura de palavras e leitura de palavras corretas em 1 minuto (-0,822) sugere que o número de palavras lidas não foi proporcional ao número de palavras decodificadas corretamente em um recorte de tempo estipulado. O resultado foi isolado e referente ao grupo sem dificuldades no processo de alfabetização, no entanto, chama a atenção para os processos envolvidos na decodificação, sinalizando que ler rápido não corresponde a uma leitura correta, ao menos nas séries iniciais da alfabetização21.
Em relação à habilidade de escrita, as correlações identificadas foram positivas, sendo que GI obteve correlação moderada, entre ditado de não palavras e ditado total (0,641) na pré-testagem, e forte (0,841) na pós-testagem, sugerindo o aumento da força entre a relação dessas variáveis, que se intensificaram após a intervenção fonológica, refletindo no uso correto do código escrito15. Assim, de acordo com esse resultado, a intervenção favoreceu escolares sem dificuldades na alfabetização, identificando interdependência entre a leitura de palavras e não palavras.
Também foi observada correlação forte positiva entre as varáveis de ditado de palavras e ditado total (0,856), em pós-testagem para os escolares de GI, resultando da interdependência entre as provas de ditado de palavras e não palavras na soma do resultado obtido no ditado total. Os dados corroboram a influência da percepção para a relação letra/som adquirida, uma vez que o uso da ortografia natural depende dessa associação, para a escrita de palavras com representação única, pertencente à ortografia transparente13,14.
Para os escolares do GII, houve correlação positiva para todos os resultados em que foi identificada significância estatística. Foi moderada entre ditado de palavras e ditado de não palavras (0,588) em pré-testagem, e perfeita (0,911) em pós-testagem, indicando aumento da dependência entre as duas variáveis após a intervenção fonológica para os escolares com dificuldades na alfabetização. Este grupo obteve correlação moderada positiva (0,653) em escrita do alfabeto e ditado de palavras, em pré-testagem, e entre escrita do alfabeto e ditado de não palavras (0,610), em pós-testagem. Isso fortalece a importância da consolidação da base fonológica e do reconhecimento do alfabeto para a codificação de palavras durante a alfabetização, uma vez que o reconhecimento das letras e a reflexão sobre sua organização possibilita a formação de palavras6,22,23.
Ainda referente às variáveis de escrita, GII apresentou correlação positiva em pré e pós-testagem, entre ditado total e escrita do alfabeto, ditado de palavras e ditado de não palavras. A prova de ditado total engloba os resultados das provas de ditado de palavras e de não palavras, sendo assim, a correlação moderada mantida entre escrita do alfabeto e ditado total, a correlação perfeita mantida entre ditado de palavras e ditado total, e forte entre ditado de não palavras e ditado total refletem o desempenho somatório nas provas de ditado, para a reflexão e uso das letras na formação de palavras e não palavras isoladas24.
Para o GII, houve correlação moderada positiva entre ditado de figuras e escrita do alfabeto (0,657) na pré-testagem, e forte positiva (0,773) na pós-testagem, sendo moderada positiva na pré-testagem, quando relacionada ao ditado de palavras (0,677) e ditado total (0,594). O acesso à palavra via representação de uma imagem ocorre por meio do input visual, sendo este um processo facilitador para o acesso ao léxico de reconhecimento das palavras. No entanto, para que a codificação aconteça deve haver o reconhecimento do alfabeto, o acesso e seleção das letras para a estruturação da palavra, e a associação à imagem que se fortalecem com o apoio via input visual como estratégia facilitadora para a realização dessa atividade25. Fato este que explica a interdependência na pré e pós-testagem entre reconhecimento do alfabeto e ditado de figuras.
Na habilidade de consciência fonológica houve correlação entre aliteração e rima, sendo moderada positiva (0,649) para GI em pós-testagem, e do tipo forte (0,825) na pré-testagem e moderada (0,581) na pós-testagem para GII. Os resultados sugerem relação entre as variáveis, uma vez que tanto a rima quanto a aliteração implicam na identificação sonora de um ou mais segmentos pertencentes à palavra11,16. No entanto, a diminuição da força entre a relação de pré e pós-testagem em GII e a não representação em pós-testagem para GI indicam que a função específica de identificação sonora isolada, mesmo que em posições distintas na palavra, não refletiram interdependência estatística3,10.
Dentre as variáveis analisadas no processamento auditivo, houve correlação moderada positiva para GII em pós-testagem, entre repetição de palavras e discriminação de sons (0,620) e repetição de não palavras (0,609). As provas de repetição utilizadas neste estudo exigem a atuação da atenção sustentada e da memória sequencial para a recuperação da informação processada auditivamente, sendo a repetição de palavras associada à memória sequencial lexical e a repetição de sequências de não palavras associada à memória fonológica26,27. Dessa forma, a presença de correlação após intervenção fonológica possibilitou a interdependência entre tais habilidades.
A habilidade de velocidade de processamento apresentou correlação positiva para os escolares de GI e GII, sendo que GI apresentou relação moderada entre nomeação rápida de números em 1ª tomada e nomeação rápida de números em 2ª tomada (0,614) para a pós-testagem. Os escolares de GII obtiveram correlação forte na pós-testagem (0,777), para as mesmas variáveis identificadas em GI.
A velocidade de processamento reflete a capacidade dos escolares em processar estímulos linguísticos diversos, de forma rápida e sucessiva, tornando possível refletir este desempenho em outras habilidades, tais como a leitura e escrita de palavras. No entanto, para que haja relação positiva entre a pré e pós-testagem, é necessário que os escolares tenham obtido ganhos em aspectos relacionados à discriminação, formação de memória, acesso e recuperação da informação, seja ela auditiva (via feedback auditivo) ou visual (via input e reconhecimento visual)28,29. Dessa forma, os escolares de GI e GII apresentaram correlação no desempenho entre essas habilidades, indicando a interdependência entre elas.
O presente estudo trouxe a contribuição sobre a importância em se realizar trabalhos de correlação entre as habilidades associadas ao processo de alfabetização, pois fortalece a relevância de instruir os professores no processo formal de escolarização ao ensino de aspectos cognitivo-linguísticos associados a leitura e escrita. No entanto, outras propostas de correlação entre as habilidades podem ser realizadas, relacionando as variáveis de todas as habilidades analisadas ao invés de estudá-las por habilidades distintas. Assim como, informações adicionais associadas a outros grupos podem vir a complementar este estudo, como a investigação de diferentes perfis educacionais, pertencentes a contextos diversificados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os dados obtidos no estudo, foi possível identificar variáveis interdependentes com predomínio de correlação positiva, de moderada a forte, principalmente para os escolares pertencentes ao GII. Dessa forma, torna-se possível concluir que as variáveis pertencentes à habilidade de escrita apresentaram o maior índice de interdependência, seguidas da habilidade de leitura, processamento auditivo e velocidade de processamento. A habilidade de consciência fonológica foi a que obteve menor índice de correlação, quando analisada por atividade isoladas; assim, tal resultado consolida a importância do trabalho contextualizado da consciência fonológica.
AGRADECIMENTO
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de doutorado concedida enquanto apoio à realização da pesquisa.
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Endereço para correspondência:
Cláudia da Silva
Instituto de Saúde de Nova Friburgo-RJ
Rua Dr. Silvio Henrique Braune, 22
Departamento de Fonoaudiologia
Nova Friburgo, RJ, Brasil - bCEP 28625-650
E-mail: claudiasilvafono@yahoo.com.br
Artigo recebido: 1/12/2020
Aprovado: 10/6/2021
Trabalho realizado no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem - LIDA - Unesp/Marília, Marília, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.
Fonte de auxílio a pesquisa: CNPq/bolsista de doutorado. Número do processo: 142637/2009-2.