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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.38 no.117 supl.1 São Paulo 2021
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210046
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Experiência de atendimento psicopedagógico a idosos, com tecnologia, na pandemia
Psychopedagogical care for the elderly, with technology, in the pandemic
Susana Londero
Psicopedagoga Clínica e Institucional Especialista em Tecnologias da Informação e Comunicação Voltadas a Educação - Universidade Federal de Santa Maria; Graduação em História - Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional - Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, RS, Brasil
RESUMO
Embora a população idosa esteja aumentando no Brasil e no mundo, ainda não existem muitas experiências de atividades psicopedagógicas voltadas a ela. Quando começamos a viver uma pandemia, que obrigou muitos idosos a ficarem completamente isolados, a tecnologia passou a ter um papel ainda mais importante do que tinha antes para o bem-estar desses sujeitos. O objetivo deste artigo é relatar uma experiência que ocorreu durante a pandemia do novo coronavírus e que pode servir de incentivo e provocação para pensarmos na inclusão desses sujeitos que buscam superar suas dificuldades de aprendizagem no uso das novas tecnologias. A pesquisa foi desenvolvida através da realização de um estudo de caso, possibilitando refletir sobre as contribuições do olhar psicopedagógico nos atendimentos a distância durante a pandemia. Concluiu-se que essa prática com idosos contribuiu com a inclusão digital, através do uso de novas tecnologias, para a construção e reconhecimento da autoria desses sujeitos.
Unitermos: Idosos. Tecnologia. Psicopedagogia. Pandemia.
ABSTRACT
Although the elderly population is increasing in Brazil and worldwide there are not many psychopedagogical activities that focus on these people. During the pandemic elderly stayed completely isolated and technology became even more important than before for their well-being. The goal of this article is to report an experience during this coronavirus pandemic period and can be an incentive for us to think about how to include the elderly in order to help them to overcome their learning difficulties on the use of the innovative technology. This research was developed through a case study that made it possible to think about the conditions of the pedagogical point of view during the distance attendance in the pandemic. The conclusion was that this approach with elderly contributes to digital inclusion through the use of innovative technologies in order to build and recognize their authorship.
Keywords: Elderly. Technology. Psychopedagogy. Pandemic.
INTRODUÇÃO
Tendo esse artigo o propósito de relatar a experiência de terapia psicopedagógica de idosos com o uso das novas tecnologias durante a pandemia, sugere-se uma reflexão sobre esse tema, já que o número de idosos no nosso país aumentou muito nos últimos anos e um olhar para esses sujeitos parece fazer-se necessário1,2.
Ao iniciar este estudo, pensava-se mostrar que a Psicopedagogia pode contribuir para a inclusão digital dos idosos, especialmente nesse momento, com distanciamento social obrigatório, já que estamos em plena crise sanitária e que tem poucas expectativas de um final breve.
Refletindo sobre essas possibilidades, esse estudo foi pautado em autores como Alicia Fernández3-5, que discute sobre a ideia da construção de autoria pelo sujeito, e Denise Ceroni6, que aborda a questão da aprendizagem de idosos, entre outros.
A partir da experiência do atendimento on-line, relacionada aos textos lidos, procurou-se trazer exemplos, mostrando a metodologia e a dinâmica do trabalho realizado e propondo pensar o quanto o olhar e a escuta psicopedagógica podem contribuir nesse processo, já que cada sujeito precisou construir e perceber sua própria autoria no decorrer dos atendimentos.
Faz-se necessário destacar aqui que a história de cada sujeito tem grande relevância nesse tipo de atendimento, visto que se está lidando com pessoas que construíram uma vida de aprendizagens e que, portanto, enfrentaram e superaram outras dificuldades que os diferencia de sujeitos mais jovens, por exemplo.
A PROPOSTA DO ESTUDO DE CASO
A Psicopedagogia é uma área que nos permite atender em todas as fases da vida humana, pois seguimos aprendendo por toda vida6. Então, pensando sobre uma trajetória profissional, que perpassa sempre por aprendizagens, procura-se relatar aqui como ocorreu essa aproximação. Ela foi iniciada a partir da formação em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), seguida da pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional realizada no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), com atuação clínica por alguns anos em consultório próprio. Posteriormente, buscou-se a pós-graduação em Tecnologias da Informação e Comunicação Aplicadas à Educação, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A partir disso iniciou-se um trabalho psicopedagógico com idosos usando a tecnologia e realizando a articulação entre essas duas áreas de conhecimento.
Logo após a divulgação de aulas de tecnologia para idosos, foram feitos os primeiros contatos por telefone. Durante os atendimentos, foi possível perceber o quanto as ferramentas psicopedagógicas contribuem para o aprimoramento das aprendizagens desejadas pelos sujeitos. Desta forma, foi necessário estabelecer algumas mudanças nos contratos iniciais. O que eram aulas particulares de tecnologia passaram a ser atendimentos psicopedagógicos com o uso de tecnologias.
Ainda não se vivia uma pandemia, nem se sonhava em viver algo deste tipo, porém, quando o novo coronavírus chegou, foi necessário fazer adaptações, renovar os contratos, estabelecendo que, a partir de então, os encontros seriam realizados de forma remota.
Através de videochamadas, os atendimentos individuais, com periodicidade de uma ou duas vezes por semana, passaram a ser realizados utilizando-se o aplicativo WhatsApp.
Este estudo de caso ocorre com quatro senhoras, com idades entre 60 e 81 anos, que através de um olhar e uma escuta psicopedagógica em experiências com o uso da tecnologia, podem ressignificar os seus aprendizados. Nesse sentido, posicionam-se como "aprendensinantes"3, ou seja, são sujeitos que, ao mesmo tempo em que constroem suas aprendizagens, são capazes de expressar seus saberes e, assim, também ensinar, ressignificando o espaço que pensavam ocupar.
Parte-se do seguinte questionamento: de que maneira a Psicopedagogia, com o uso das tecnologias, pode contribuir com a aprendizagem dos idosos nesse momento de pandemia?
Tem-se como objetivo refletir sobre as contribuições da terapia psicopedagógica, com o uso das tecnologias, para esse grupo específico, no contexto pandêmico que estamos vivendo.
O INÍCIO
Quando foram estabelecidos os primeiros contratos verbais com os idosos que buscaram o atendimento, foram oferecidas aulas de tecnologia para que eles pudessem tirar suas dúvidas em seus próprios equipamentos. Depois, percebendo que a demanda também era psicopedagógica, foi feita uma transição entre o que era inicialmente contratado como aula para o que passou a ser atendimento de terapia psicopedagógica com o uso das novas tecnologias.
Os primeiros encontros eram realizados presencialmente na residência de cada idoso e buscava-se escutá-los sobre suas dúvidas, usando seus próprios equipamentos tecnológicos. Procurava-se orientá-los e perceber como lidavam com tais equipamentos, suas dificuldades e suas possibilidades. Depois, quando a pandemia se instalou, alguns quiseram permanecer nos atendimentos, porém a distância. Outros preferiram aguardar que o cenário da crise sanitária ficasse melhor definido.
Decorrente disso, algumas reflexões foram realizadas, em um processo de co-visão, sobre o redirecionamento do trabalho, agora de forma remota. De acordo com Alicia Fernández e João Beauclair, faz-se necessário "questionar o termo supervisão e conseguir situar-nos em uma co-visão"3 trazendo assim uma ideia de visão em conjunto, "ampliar nossas lentes, não para superdimensionar a visão, mas para 'olhar junto com' os horizontes de infinitas possibilidades que surgem do humano encontro com o conhecimento"7.
COMO ACONTECEM OS ATENDIMENTOS E O OLHAR E ESCUTA PSICOPEDAGÓGICA
Os atendimentos variam conforme as necessidades de cada sujeito. São feitos sempre a partir de uma escuta inicial para compreender quais são essas necessidades.
A videochamada é realizada no horário previamente combinado e eles costumam ter ao seu lado caderno e caneta para fazerem anotações. Além disso, eles usam seus equipamentos tecnológicos, como notebook, smartTV, desktop e, em alguns casos, o próprio smartphone utilizado na ligação.
Isto ocorre porque a proposta é feita para que usem a tecnologia e tirem suas dúvidas a respeito da mesma, anotando em seus cadernos tudo o que desejam aprender, suas dúvidas, dicas para memorizar parte do processo, etc. Como um desses sujeitos utiliza apenas o seu smartphone, tanto para as videochamadas como para as próprias dúvidas tecnológicas, foi necessário iniciar pelo aprendizado de permanecer na ligação enquanto executa outras tarefas no mesmo aparelho.
Um dos exemplos deste estudo de caso trata-se de uma senhora de 60 anos que voltou a estudar durante a pandemia, iniciando um curso de graduação em Filosofia on-line. Nesse caso específico são realizados dois atendimentos por semana. Todo esse processo teve início em 2018, quando ela realizou o contato buscando aprender a utilizar o seu novo celular. Os encontros iniciaram com o relato de que era uma mulher casada, mãe de três filhos homens, avó e que não se autorizava nem mesmo a ligar um computador. Ela nem tinha um. Dizia que a neta de 3 anos sabia usar o celular melhor do que ela. Havia cursado o Ensino Médio e não imaginava voltar a estudar.
Com o decorrer das sessões, foi autorizando-se e percebendo que era capaz de tudo que desejasse fazer. Ao iniciarmos os atendimentos remotos, manifestou o interesse de realizar a graduação a distância, o que ocorre hoje, de forma on-line. Esta mulher resolveu olhar para seus desejos mais particulares. Em seu livro "A Mulher Escondida na Professora", Fernández nos diz que "como psicopedagogos, sabemos que o desejo de aprender fertiliza-se, a partir da manutenção da curiosidade"4.
Portanto, era preciso perceber o que despertava a curiosidade dessa senhora. Tínhamos aqui a questão de um sujeito que não se via como autor. Apresentava-se, inicialmente, como quem "não pode aprender, não iria conseguir, já tinha passado do tempo".
Denise Ceroni nos traz a questão da idade, de como o idoso é visto na nossa sociedade e de que a "velhice tornou-se mais presente na vida acadêmica"6. Sendo assim, por que não propor uma atividade acadêmica para ela? E assim foi feito.
Nos dias atuais, após mais de três anos de atendimentos, superadas suas queixas iniciais, esta mulher não se descreve apenas como o que representa nos papéis familiares, já se percebe como sujeito desejante, "aprendensinante"3, isso torna-se perceptível com sua inscrição no curso superior de Filosofia. Como diz Fernández, "para chegar ao significado do sintoma, vai ser imprescindível recorrer à história pessoal do sujeito"5. Portanto, buscando ressignificar sua história pessoal, com 60 anos se autoriza, enfim, a voltar a estudar.
Outro exemplo é de uma senhora de 76 anos que é psicopedagoga e psicanalista e sentia muita dificuldade de manter suas atividades quando se instalou a pandemia. A partir de suas solicitações de auxílio com questões específicas para se adaptar aos eventos on-line, aos quais passou a ser convidada com frequência, buscou-se trabalhar sua autonomia e percebeu-se que o medo de utilizar os equipamentos foi sendo superado, já que se autorizava a seguir com suas atividades, adaptadas agora ao formato remoto.
Com ela, os encontros são feitos no Google Meet e, além do uso da tecnologia em si, fez-se necessário que ela percebesse suas outras questões para se apropriar da aprendizagem de forma independente e autônoma.
Mais um exemplo que trago é o caso de outra senhora, com 79 anos, que era muito participativa nos nossos encontros antes da pandemia, mas que depois resistiu a seguirmos com os atendimentos de forma on-line porque considerou que não iria se adaptar. Como desembargadora aposentada, ela tinha muitos contatos que costumava encontrar pessoalmente, então, solicitou novamente os atendimentos quando percebeu que utilizar as redes sociais para manter os vínculos que possuía e estabelecer novos seria a melhor forma de sair um pouco desse "isolamento" trazido pela pandemia.
Por último, trago o caso de uma senhora de 81 anos, que durante quatro anos vem fazendo atendimentos regularmente. Ela mora sozinha e tem duas filhas adultas, uma morando em Los Angeles (Estados Unidos da América) e outra morando em Porto Alegre, onde ela também reside. Tem quatro netos e fala constantemente da falta que sente desse convívio. Quando entramos em isolamento, ela manifestou sentir muito que não poderia mais realizar os atendimentos em seu apartamento, então aceitou receber as videochamadas para que pudéssemos permanecer em contato. Nos encontros iniciais de forma remota, ela manifestava o desejo de construir vídeos com fotos das netas para enviar através das redes sociais. Porém, não se sentia capaz de tal feito. Hoje já se autoriza a fotografar e criar os próprios vídeos, postar e, de alguma forma, interagir com a família, já que, no momento, não pode viajar para o país onde as netas moram.
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho foi verificar as contribuições da Psicopedagogia, com uso de tecnologias, para a aprendizagem dos idosos durante a pandemia.
A partir dessa experiência, tornou-se possível constatar que o olhar e a escuta psicopedagógica, frente a esse público específico, apresentam resultados satisfatórios e que merecem, portanto, mais estudos aprofundados pelos profissionais da área psicopedagógica. Sabe-se que já existem profissionais que se dedicam a estudar essa questão e propõe-se, então, mostrar que a tecnologia, neste momento, apresenta-se como uma facilitadora e aliada, como buscamos sugerir no presente trabalho.
O significado desse estudo para minha constituição como psicopedagoga está presente durante todo o processo de construção de autoria dos sujeitos com os quais são realizadas as interações. Tais sujeitos, ao desejarem superar suas limitações prováveis da idade, ou oriundas de outros contextos, autorizam-se a aprender e ensinar, em um movimento tipicamente psicopedagógico, alternando esses espaços e reconhecendo suas habilidades desenvolvidas no processo.
Conclui-se, portanto, que a tecnologia nos atendimentos psicopedagógicos de idosos, durante a pandemia, mostra-se uma ferramenta importante para a superação das dificuldades e para a interação tão desejada por esses sujeitos no atual contexto.
AGRADECIMENTO
Às parcerias inesperadas que a vida nos traz, à amiga e colega professora doutora Monica Pagel Eidelwein, com quem fiz excelentes trocas para escrever este relato. Assim como as psicopedagogas Rosanita Moschini Vargas e Andréa Korenowski Uranga, que foram parceiras na revisão do mesmo.
REFERÊNCIAS
1. Londero S. Inclusão Digital de Idosos: Usando as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) com a Terceira Idade [Monografia]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2014.16 p. [ Links ]
2. Eidelwein MP, Londero S. A inclusão digital de idosos: uma prática possível e necessária. In: Caierão I, Ceroni D, eds. O aprender na terceira idade: diferentes olhares e práticas. Rio de Janeiro: Wak Editora; 2021. p. 171-80. [ Links ]
3. Fernández A. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed; 2001. [ Links ]
4. Fernández A. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1994. [ Links ]
5. Fernández A. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas; 1991. [ Links ]
6. Ceroni DC. "Aprender é tudo!" Os significados da aprendizagem e da não aprendizagem de adultos maduros e idosos [Tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2017.113 p. [ Links ]
7. Beauclair J. Reconstruindo o olhar: da su(per)visão à co-visão [acesso 2021 Nov 1]. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/artigos/1339142 [ Links ]
Endereço para correspondência:
Susana Londero
Av. Otto Niemeyer 754/106 B - Tristeza
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 91910-001
E-mail: su.londero@gmail.com
Artigo recebido: 20/4/2021
Aprovado: 10/10/2021
Trabalho realizado no Núcleo de Tecnologia Educacional do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.