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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.120 São Paulo set./dez. 2022

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220033 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Diagnóstico do autismo em meninas: Revisão sistemática

 

Diagnosis of autism in girls: Systematic review

 

 

Milson Gomes FreireI; Heloísa dos Santos Peres CardosoII

IGraduando em Psicologia na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Bahia (FACITE), Santa Maria da Vitória, BA, Brasil
IIProfessora Mestra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Bahia (FACITE), Santa Maria da Vitória, BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, com diferentes etiologias, presente em ambos os gêneros. O objetivo desse estudo foi compreender sobre o diagnóstico do TEA em meninas por meio de uma revisão sistemática. Os descritores utilizados: TEA no sexo feminino; autismo em meninas; diagnóstico do autismo em meninas; diagnóstico do autismo e diagnóstico do TEA, nas bases de dados SciELO, Google Acadêmico e LILACS nos últimos 10 anos (2012-2021). Os resultados mostraram que, dos 20 estudos analisados, 50% confirmam o subdiagnóstico no gênero feminino e 40% desses estudos mencionam o diagnóstico tardio. Em relação à sintomatologia por gênero, 45% dos meninos apresentam comportamentos repetitivos e estereotipados, 25% das meninas apresentam dificuldade sociocomunicativa. Os instrumentos mais utilizados na avaliação do TEA são: ADOS, ADIR, M-CHAT. Os resultados mostraram que os sinais do TEA nas meninas são muitas vezes camuflados, passando despercebidos, contribuindo com o subdiagnóstico ou diagnóstico tardio.

Unitermos: Autismo. Diagnóstico. Meninas. TEA.


ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder, with different etiologies, present in both genders. The objective of this study was to understand the diagnosis of ASD in girls through a systematic review. The descriptors used: ASD in females; autism in girls; diagnosis of autism in girls; diagnosis of autism and diagnosis of ASD, in the SciELO, Google Academic, and LILACS databases on the last 10 years (2012-2021). The results showed that of the 20 studies analyzed, 50% confirmed the underdiagnosis in feminine gender and 40% of these studies mentioned late diagnosis. In relation to the symptoms by gender, 45% of the boys have repetitive and stereotyped behaviors, 25% of the girls have socio-communicative difficulties. The most used instruments in the assessment of ASD are: ADOS, ADIR, M-CHAT. The results showed that the signs of ASD in girls are many times camouflaged, it is going unnoticed, contributing to underdiagnosis or late diagnosis.

Keywords: Autism. Diagnosis. Girls. ASD.


 

 

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno que faz parte do rol dos transtornos do neurodesenvolvimento. Os sinais do TEA podem se apresentar nos 24 meses iniciais do indivíduo e podem gerar prejuízos bem significativos em seu funcionamento e que comprometem as áreas ocupacionais e sociais (Zanon et al., 2014). O TEA, antes conhecido com outras nomenclaturas, passou por uma mudança que viabilizou a melhora na qualificação, trazendo uma melhor sensibilidade e especificidade dos seus critérios diagnósticos: após essa mudança, o autismo, Transtorno Desintegrativo da Infância e as síndromes de Asperger e Rett se tornaram apenas uma nomenclatura única de Transtorno do Espectro Autista (TEA) (Araújo & Lotufo Neto, 2014).

O TEA é caracterizado em níveis individuais diversos que pode haver algum comprometimento intelectual demonstrado por meio de algum prejuízo no quociente de inteligência (QI). Durante o processo de avaliação, é importante que seja feito um diagnóstico diferencial, investigando se existe, além do sinais do autismo, uma deficiência intelectual (DI), ou outras síndromes raras, investigando outros sinais além de comprometimentos ou déficits de ordem comportamental e sociocomunicativa. Para comprovação do TEA, é necessário que o indivíduo preencha todos os critérios diagnósticos do autismo (American Psychology Association [APA], 2014).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5 (DSM-5) apresenta diversos critérios que são utilizados para o diagnóstico do TEA, evidenciado na interação e comunicação social, havendo dificuldade na comunicação verbal e não verbal com dificuldade no contato visual, também apresentam dificuldades em realizar brincadeiras que exijam imaginação e não demostram interesse por pares, podem apresentar movimento estereotipados e repetitivos, geralmente demostram inflexibilidade em suas rotinas, gostam em geral de um mesmo brinquedo e podem apresentar ecolalia (repetir a mesma palavra), podem expressar fascínio por luzes e objetos que giram e em alguns casos dependendo do grau apresentam deficiência intelectual (APA, 2014).

Há estimativa de que a população afetada pelo TEA é de 1% e que a prevalência em mulheres é quatro vezes inferior em relação aos homens (Zafeiriou et al., 2007). Houve nos últimos anos um aumento significativo na quantidade dos casos e isso tem sido discutido na literatura. Há algumas hipóteses explicativas para esse aumento, como maior exposição de fatores causais e também com a ampliação dos critérios diagnósticos; nota-se também um aumento na quantidade de profissionais com capacitação para identificação dos sinais, realizando rastreamento e diagnóstico (Bishop et al., 2017).

As causas do Transtorno do Espectro Autista são múltiplas. A hipótese aceita no contexto científico é de que provavelmente existe uma origem orgânica, que está relacionada a mudanças no desenvolvimento do sistema nervoso (McKavanagh et al., 2015). No estudo de McKavanagh et al. (2015), a coluna de microcélulas que abrange a profundidade do córtex cerebral em amostras de casos de TEA foi avaliada especificamente, e a avaliação foi realizada em uma ampla gama de idades. Foi selecionada cuidadosamente a área do córtex a ser estudada e a proporção do arranjo microcolunar do córtex nas quatro áreas do córtex (córtex auditivo primário, córtex relacionado à audição, córtex orbitofrontal e córtex parietal inferior). O resultado desse estudo aponta que indivíduos com TEA apresentam aumento na largura das minicolunas no cérebro e isso ocorre em indivíduos mais jovens; tanto as áreas sensoriais primárias quanto as associativas de ordem superior são afetadas, embora pareça haver evidências de diferenciação cortical reduzida, o que pode refletir uma trajetória de desenvolvimento alterada.

Um estudo demonstrou que áreas do cérebro, como amígdala, cerebelo, hipocampo, corpo caloso e gânglios da base, são danificadas e os ventrículos aumentam de tamanho (Schaaf et al., 2014). Na área temporal, o sulco temporal superior é uma área importante para a percepção de estímulos sociais. No TEA, a percepção facial e a cognição social têm um baixo estado de ativação. O cerebelo é considerado uma das principais estruturas danificadas em pacientes com autismo, e as células de Purkinje e as células da glândula na estrutura cerebelar são reduzidas (Schaaf et al., 2014).

Estudos confirmam a falta de biomarcadores para autismo. Não possuindo uma causa única, estes estudos apontam a combinação de influências genéticas, não genéticas e ambientais (Zilbovicius et al., 2006). Lameira et al. (2006), nos seus estudos, trouxeram como principal anormalidade em pacientes com autismo a disfunção da rede de neurônios espelho e, embora não haja consenso sobre a marca, há um consenso de que seja responsável pelas alterações na função do cérebro.

Outros aspectos das mudanças de neurônios em indivíduos com TEA são os prejuízos na fisiologia e morfologia cerebral, como o crescimento em volume da massa encefálica, as conexões neurais modificadas com as causas na eliminação (poda de sinapses ineficiente) e na formação sináptica e migração neuronal (Moura et al., 2018). Portanto, várias áreas corticais são aumentadas em sua espessura, há uma redução sináptica no hipocampo, cerebelo e amígdala e amplificação na condensação de serotonina no encéfalo. Todos os estudos citados acima mostraram evidências científicas de que são diferentes regiões do cérebro que podem explicar as alterações comportamentais em indivíduos com TEA (Garcia & Mosquera, 2011).

No TEA há comprometimento das funções executivas (FEs), apontando, assim, especificamente, a flexibilidade cognitiva e a memória operacional, sendo que na brincadeira simbólica há uma falta nítida desse comportamento, visto que existem padrões restritos e repetitivos nas atividades que interessam (Wing et al., 2011). As FEs envolvem um processo cognitivo complexo e são indispensáveis para se organizar e se adaptar a um ambiente com sucessiva mudança (Jurado & Rosselli, 2007).

Estas funções são responsáveis pela autorregulação ou autogestão, e incluem habilidades como inibição, planejamento, flexibilidade mental, fluência na linguagem e memória de trabalho (Hamdan & Pereira, 2009). Diversas dessas habilidades no TEA sofrem prejuízo, gerando uma falta de flexibilidade e comportamentos rígidos, comunicação problemática e grande dificuldade em engajar-se nas interações sociais (Sigman et al., 2006).

Nos últimos anos o relato de frequência do autismo tem aumentado principalmente nos Estados Unidos e outros países também têm tido essa prevalência com o alcance de 1% da população; as amostras de crianças e adultos demonstram estimativas similares (APA, 2014). Foi constatado nos últimos anos que na população mundial houve o aumento significativo da prevalência do TEA (Baio et al., 2018). Ainda nos Estados Unidos, mais recentemente a estimativa da prevalência foi de 2,47% entre crianças e adolescentes em 2014/2016 (Xu et al., 2018).

No Brasil um estudo em Santa Catarina estimou a frequência de TEA identificando a prevalência de 1,31 pessoas com o transtorno em cada 10.000 indivíduos (Ferreira, 2008). Em São Paulo houve uma estimativa de prevalência de 0,88% de casos em uma população de 1.470 crianças (Ribeiro, 2007).

O TEA é mais facilmente identificado nos meninos em comparação às meninas e chega a uma taxa proporcional de 5:1 (Wing, 1993). A proporcionalidade é de uma menina para 3 meninos acometidos com essa condição, havendo assim uma predominância inferior em relação às meninas (Bryson & Smith, 1998).

Um estudo utilizando dados de pacientes e também informações do Registro Nacional norueguês, para se calcular a porcentagem de crianças com TEA, apontou que majoritariamente a prevalência do TEA em meninas é de 0,3%, em relação aos meninos, que é de 1,1%, atendendo aos critérios diagnósticos, sendo que esses diagnósticos são bem fundamentados e trazem a corroboração com os elementos obtidos que mostram um percentual de 83,8% do sexo masculino em uma amostra de 685 crianças (Rocha et al., 2019; Surén et al., 2019). Então, há uma prevalência do transtorno menor em meninas do que em meninos (Surén et al., 2019).

Outro estudo, em um quadro de 1.000 indivíduos em fase de desenvolvimento, apontou a prevalência de 13,4 crianças diagnosticadas com TEA em 2010, havendo um crescimento em 2012 para 15,3 e em 2014 para 17,0 (Christensen et al., 2019). O número de crianças com TEA vem aumentando a cada ano.

De acordo com investigações epidemiológicas, há um acometimento do TEA inferior em meninas do que em meninos, havendo uma proporção mediana com relatos de uma menina para 3,5 a 4,0 meninos (Rutter, 2005) e chega-se a levantar a hipótese de que o TEA seria uma condição de genes ligados ao cromossomo X, deixando indivíduos do sexo masculino com maior vulnerabilidade, porém essa hipótese ainda não foi comprovada cientificamente.

O TEA nas meninas tende a ter sintomatologia diversa e existem evidências de que nelas os sintomas são de maior severidade (Wing, 1996). As meninas que são acometidas com esse transtorno dispõem de QI de menor grau de acordo com estudo (Lord et al., 1989). Algumas características observáveis que são tidas como normais em mulheres com TEA podem ter sido inobservadas clinicamente quanto à sua relevância como a timidez e hipersensibilidade (Skuse et al., 2004).

Há a argumentação de que no TEA existe pouca diferenciação nas mulheres, pois devido ao alto grau de funcionamento do autismo há o risco de não ser detectado nos critérios diagnósticos comuns (Kreiser & White, 2014). As meninas com autismo apresentam comportamentos socialmente específicos e disfarçam com mais eficácia os sintomas, fazendo com que haja subnotificação do TEA (Dean et al., 2017).

Em um estudo realizado com pessoas de ambos os sexos e diagnosticadas com TEA foi descoberto que o sexo feminino demonstrava gravidade mais acentuada no que tange à parte sociocomunicativa e também uma defasagem no quociente de inteligência, constatando assim na parte de funcionalidade de adaptação, porém demostravam menos estereotipias e repetição nos comportamentos (Frazier et al., 2014).

O TEA tem sido diagnosticado quatro vezes mais em indivíduos do sexo masculino que no sexo feminino; meninas têm mais propensão de ter presente a deficiência intelectual concomitante e sugere-se que, se não apresentarem concomitância intelectual ou linguagem atrasada, correm o risco de não serem diagnosticadas, pois elas apresentam mais sutileza nas dificuldades sociocomunicacionais (APA, 2014).

Por meio de um estudo investigativo epidemiológico criou-se uma estimativa em que indivíduos do sexo masculino têm superado em quantidade as mulheres na condição do TEA em uma taxa proporcional de 1,9-16 para cada pessoa do sexo feminino com diagnóstico, havendo uma intermitência com moderação no que diz respeito à competência mental (Fombonne, 2009).

Houve um aumento significativo na quantidade de pessoas identificadas com o TEA nos últimos tempos, pois pessoas com o coeficiente de inteligência mediana e acima também foram diagnosticadas (Baker, 2002). Esse crescimento de diagnósticos desses indivíduos corroborou com um decréscimo proporcional de gênero de 8:1 para 3,5:1 e sugere o acréscimo no reconhecimento das mulheres com diagnóstico (Fombonne, 2009).

Então, presume-se que esse acréscimo de assimilação dos casos de TEA tem sido devido a uma reflexão que amplia o conceito sobre o transtorno, incluindo assim casos menos severos, e também ao acréscimo da quantidade de direcionamento e devido ao maior esclarecimento do público e, com isso, leva-se evidentemente a uma melhor identificação de pessoas que têm o transtorno e que dispõem de inteligência acima da média e também as mulheres acometidas com TEA que não foram diagnosticadas na infância e que apresentam esse alto padrão de inteligência (Fombonne, 2005).

Em relação aos instrumentos utilizados no diagnóstico do TEA, o M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) tem sido o instrumento mais utilizado pelos profissionais nos Estados Unidos e geralmente se utiliza em crianças a partir de um ano e meio de idade (Robins et al., 2001). Já no Brasil, o instrumento que se mais utiliza é o Protocolo de Avaliação para Crianças com Suspeita de Transtornos do Espectro do Autismo (PRO-TEA) (Marques & Bosa, 2015).

Nas meninas o diagnóstico do TEA tende a ser de menor probabilidade na infância em relação aos meninos (Begeer et al., 2013). Conforme evidências apresentadas em diferentes estudos, as mulheres são diagnosticadas tardiamente em relação ao sexo masculino (Andersson et al., 2013). Esse diagnóstico tardio está associado ao fato de que meninas com características autistas apresentam dificuldades sociocomunicativas e os sintomas clínicos de autismo são pouco reconhecidos (Giarelli et al., 2010) e seu diagnóstico vem com uma idade mais avançada (Begeer et al., 2013).

Para compreender se existem diferenças sintomatológicas do autismo em relação ao gênero, quais sinais são mais presentes no autismo em meninas e conhecer quais instrumentos mais utilizados no diagnóstico do TEA, realizamos um estudo de revisão sistemática. O objetivo principal desta investigação foi compreender sobre o diagnóstico do autismo em meninas. A complexidade do diagnóstico do autismo em meninas resultando em diagnóstico tardio ou subnotificação foram os aspectos que motivaram esse estudo.

 

Método

O método utilizado foi a de revisão sistemática de literatura. Foram selecionados estudos nacionais e internacionais publicados nos últimos 10 anos (2012-2021) indexados nas bases de dados, SciELO, LILACS e Google Acadêmico. Os descritores utilizados foram TEA no sexo feminino, autismo em meninas, diagnóstico do autismo em meninas, diagnóstico do autismo em meninas e diagnóstico do TEA. As buscas dos descritores foram feitas em português e em inglês.

A seleção do material utilizado se deu através das leituras do título, resumos, metodologia e também a leitura na íntegra do estudo. Como critérios de inclusão foram utilizados estudos publicados nos últimos dez anos (2012-2021) contanto que fossem em idioma português ou inglês, independentemente do país de publicação, estudos publicados em revista, teses e dissertações.

O total dos estudos listados a partir dos descritores utilizados foi de 55 artigos. Dessa amostra, foram excluídos 35 por se tratar de estudos de revisão, estudos publicados há mais de dez anos, e que não tratavam do tema proposto. A amostra final foi constituída de 20 estudos. O processo de busca e seleção dos estudos está representado pela Figura 1.

 

 

Resultados

De acordo com os critérios utilizados para inclusão, a análise foi de 20 estudos, incluindo artigos, teses e dissertações. A plataforma do Google Acadêmico foi o canal de base de dados no qual foi encontrada a maior parcela de estudos seguindo os descritores utilizados, sendo de 75% dos trabalhos incluídos, seguida do LILACS, com 20%, e SciELO, com 5%.

As variáveis utilizadas para análise foram ano da publicação, tipo de estudo, país onde foi realizado o estudo, distribuição por gênero, sintomas mais observáveis quanto ao gênero e diagnóstico e subdiagnóstico e também o uso de instrumentos usados na avaliação do TEA.

Quanto ao ano em que foram publicados os estudos, 30% em 2019, 2020 e 2016 com 15%, e 2021 e 2018 com 10%, observando que nos últimos anos esse tema tem ganhado bastante relevância e é notoriamente visível o crescimento de pesquisas sobre essa temática. Os países com o maior número de estudos foram Brasil, com 55%, seguido dos Estados Unidos com 10%, Nepal, Portugal, Holanda, Alemanha, México, Polônia e França com 5% cada.

Isso possibilita observar que o transtorno tem sido investigado em diversos países, mostrando que diferentes culturas são acometidas pelo TEA. Sobre o delineamento da pesquisa, foi possível a identificação desses estudos como sendo a maioria dos tipos exploratório descritivo, utilizando prontuários 25%, seguidos de 20% estudos de campo e 15% estudos de caso.

A quantificação de indivíduos que fizeram parte das pesquisas totaliza 3.394 pessoas, sendo 79,91% do gênero masculino e 20,09% do gênero feminino, que mostra que o TEA acomete mais pessoas do gênero masculino que do feminino numa proporção de quatro para um, que demonstra um aumento de oito ou nove em amostragem de funcionamento superior (Mandy et al., 2011).

Em relação ao diagnóstico por gênero, os resultados mostraram que 50% desses estudos confirmam o subdiagnóstico ou subnotificação de indivíduos do gênero feminino e 40% mencionam o diagnóstico tardio, apenas 10% dos estudos relatam o diagnóstico em idades semelhantes (Quadro 1).

 

 

Quanto à sintomatologia das pessoas que são diagnosticadas com esse transtorno do neurodesenvolvimento, 45% dos estudos analisados mostraram que nos meninos os comportamentos repetitivos e as estereotipias são mais frequentes, no gênero feminino esse comportamento é menos presente (Tillmann et al., 2018), enquanto 25% dos estudos analisados mostraram que nas meninas o comportamento mais presente é de dificuldade sociocomunicativa, havendo maior sutileza de sintomas (Lai et al., 2011) (Quadro 2).

 

 

A maior parte dos estudos (75%) utilizou algum modelo de instrumento de rastreio ou diagnóstico. Os instrumentos de avaliação no TEA foram discriminados na seguinte ordem de utilização, sendo o ADOS (Autism Diagnostic Observation) mais frequente nos estudos (30%), pois é tida como uma ferramenta padrão ouro entre as que são aceitas para a realização do diagnóstico (Lord et al., 1989). É seguida do ADIR (Autistic Diagnostic Interview Revised), com 15%, que é uma entrevista de diagnóstico do autismo, revisado, que conta com muitos detalhes sobre a caracterização de comportamento e desenvolvimento (Lord et al., 1994). A ferramenta M-CHAT (Modified-Checklist for Autism in Toddlers) foi encontrada em 15% dos estudos e é uma avaliação modificada do TEA em crianças (Robins et al., 2001).

Para avaliar as habilidades sociais e adaptativas, usa-se o SRS (Social Responsive Scale), que foi encontrado em 10% dos estudos e essa entrevista pode ser utilizada com um dos pais (Constantino et al., 2003). O ICA/ABC (Autism Behavior Checklist) é um instrumento de avaliação que lista e verifica os comportamentos do TEA e apareceu em 10% dos trabalhos (Krug et al., 1980). O CARS (Childhood Autism Rating Scale) que, apesar do ano em que foi desenvolvido, é listado em 10% dos estudos utilizados, sendo uma escala de avaliação do autismo infantil (Schopler et al., 1980). Na Tabela 1 foram listados e pode-se verificar todos os instrumentos utilizados nos estudos, ainda que tenha havido estudo que utilizou esses instrumentos em conjunto.

 

 

Discussão

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido como um transtorno complexo do desenvolvimento, do ponto de vista comportamental, com diferentes etiologias presentes em ambos os gêneros, que se manifesta em graus variados (Gadia, 2006). O objetivo do estudo foi compreender sobre a complexidade do diagnóstico do autismo em meninas e, consequentemente, verificar se existem diferenças sintomatológicas do autismo em relação ao gênero e conhecer quais instrumentos mais utilizados no diagnóstico do TEA.

Os resultados encontrados demonstram evidências do subdiagnóstico ou diagnóstico tardio do TEA em indivíduos do gênero feminino. Esses resultados convergem com estudos (Van Wijngaarden-Cremers et al., 2014) que mostram que o TEA em meninas tende a permanecer sem diagnóstico ou que o diagnóstico é bem posterior aos indivíduos do gênero masculino e há um predomínio nas pesquisas desse fenótipo e que, em contrapartida, a sintomatologia no fenótipo feminino acaba gerando uma má interpretação ou caindo no esquecimento.

Estudos ainda pontuam que o diagnóstico tardio das pessoas do sexo feminino pode estar associado ao preconceito de gênero, pois culturalmente é ensinado que meninas devem ser mais comportadas, não sendo levada em consideração a dificuldade sociocomunicativa, contribuindo assim com o subdiagnóstico ou diagnóstico tardio (Rutherford et al., 2016).

Considerando a complexidade que envolve o diagnóstico do autismo, em relação à sintomatologia por gênero, os dados mostraram que existe uma diferença quanto aos sinais. Os meninos apresentam comportamentos repetitivos e estereotipados e as meninas apresentam dificuldades sociocomunicativa; esse padrão comportamental do TEA nas meninas muitas vezes camufla os sinais, dificultando o diagnóstico. Os resultados convergem com um estudo (Holtman et al., 2007) que afirma que os sinais do TEA são mais sutis nas meninas, sendo estes considerados como timidez ou ansiedade, e isso pode estar associado a uma incorreta interpretação dos sinais e, consequentemente, a um diagnóstico equivocado.

Em relação aos instrumentos utilizados no processo de avaliação do TEA, tanto no contexto internacional como no nacional os dados mostraram que não existe um único instrumento e que é comum os profissionais utilizarem esses instrumentos em conjunto.

Os estudos analisados para esse trabalho trouxeram informações relevantes sobre o diagnóstico do autismo em meninas. Esses dados podem oferecer parâmetros diferenciando os sinais do TEA em meninos e em meninas. Essa informação pode contribuir para o diagnóstico do TEA em meninas ainda em uma idade precoce, possibilitando uma melhor intervenção.

Os resultados encontrados por esta pesquisa devem ser analisados com cautela, considerando o número reduzido de estudos avaliados, mas, apesar dessa limitação, esses dados já fornecem evidências de que muitas vezes o diagnóstico do autismo em meninas é feito tardiamente ou até mesmo ignorado. Esses dados podem contribuir com o melhor direcionamento das pesquisas voltadas para o diagnóstico do autismo em meninas, assim como para a atuação clínica de profissionais que avaliam tal transtorno.

 

Considerações

O estudo expôs a complexidade envolvendo diagnóstico do autismo em meninas, mostrando quais sinais estão mais presentes nas meninas diagnosticadas e quais instrumentos mais utilizados na avaliação do transtorno na atualidade. Por ser um estudo de revisão sistemática, os resultados encontrados podem contribuir para a compreensão do estado da arte sobre o diagnóstico do autismo em meninas.

Esses resultados podem fornecer informações aos profissionais que trabalham com investigação do TEA sobre a importância de ficar atento às diferenças sintomatológicas do autismo em meninas e meninos. Diante dos resultados, é importante também observar variáveis culturais e sociais, pois nas meninas há uma maior cobrança de ordem comportamental quanto ao modo que devem agir e seguir padrões que são impostos pela sociedade, o que pode interferir durante a investigação do transtorno nas meninas.

Estudos futuros deveriam centrar atenção para o desenvolvimento de instrumentos mais sensíveis e específicos considerando as diferenças de gênero no autismo, contribuindo para que haja melhor compreensão dos sinais que evidenciam a possibilidade de um diagnóstico precoce do TEA em meninas, minimizando prejuízos futuros.

 

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Endereço para correspondência:
Heloísa dos Santos Peres Cardoso
Av. Dom Manoel Raimundo de Melo, 45 - Bairro São Vicente
Caetité, BA, Brasil - CEP 46400-000
E-mail: hperescardoso@yahoo.com

Artigo recebido: 29/1/2022
Aprovado: 12/8/2022

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Bahia (FACITE), Santa Maria da Vitória, BA, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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