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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.39 no.120 São Paulo set./dez. 2022
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220032
ARTIGO DE REVISÃO
Fatores de risco para baixo desempenho escolar: Uma revisão integrativa
Risk factors for poor school performance: An integrative review
Ana Paula RosaI; Patricia Leila dos SantosII; Corina Milagro Mosqueira TaipeIII; Eduarda Souza DilleggiIV
IEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIDepartamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
III Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
IVEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil
RESUMO
INTRODUÇÃO: O baixo desempenho escolar é um fenômeno cuja origem está calcada na inter-relação entre os aspectos biológicos, psicossociais, culturais e históricos do desenvolvimento humano. É tema de preocupação entre profissionais da educação e da saúde, bem como entre os responsáveis pelos alunos afetados. Quando identificados precocemente, os prejuízos causados pelo baixo desempenho escolar podem ser mitigados. Caso contrário, os danos podem se estender até a idade adulta, prejudicando o indivíduo em diferentes contextos de vida, tais como: social, acadêmico-profissional e emocional
OBJETIVO: Identificar fatores de risco associados ao baixo desempenho escolar de crianças e adolescentes a partir de uma revisão integrativa de literatura
MÉTODO: Busca nas bases SciELO, PubMed, ERIC e PsycINFO, entre 2009 e 2019
RESULTADOS: Foram encontrados 24 artigos relacionados ao tema, sendo os estudos observacionais os mais frequentes. Os fatores de risco encontrados foram categorizados em: individuais, familiares e escolares. A categoria mais citada referiu-se aos fatores de risco provenientes do contexto familiar
CONCLUSÃO: O ambiente familiar foi identificado como o principal gerador de fatores de risco para o fracasso escolar
Unitermos: Fracasso Escolar. Fatores de Risco. Desempenho Acadêmico. Criança. Adolescente.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Poor school performance is a phenomenon whose origin is based on the interrelationship between biological, psychosocial, cultural, and historical aspects of human development. It is a matter of concern among educators and health professionals, as well as those guardians for affected students. When identified early, the damage caused by poor school performance can be mitigated. Otherwise, the damage can extend into adulthood, harming the individual in different contexts of life, such as social, academic-professional, and emotional
OBJECTIVE: To identify risk factors associated with poor school performance in children and adolescents based on an integrative literature review
METHODS: Search in SciELO, PubMed, ERIC, and PsycINFO databases, between 2009 and 2019
RESULTS: 24 articles related to the topic were found, with observational studies being the most frequent. The risk factors found were categorized into individual, family, and school. The most cited category referred to risk factors from the family context
CONCLUSION: The family environment was identified as a major generator of risk factors for school failure
Keywords: Academic Failure. Risk Factors. Academic Performance. Child. Adolescent.
Introdução
O baixo rendimento escolar pode ser definido como um desempenho escolar aquém daquele que se espera de um estudante em uma determinada faixa etária, no que se refere às habilidades cognitivas e nível de instrução. Seria, portanto, uma resposta ineficaz à aprendizagem ou ainda uma assimilação incompleta dos saberes previstos (Chau et al., 2016).
Estima-se que cerca de 16 a 20% dos estudantes em todo o mundo apresentem algum tipo de dificuldade de aprendizagem e, portanto, desempenho escolar abaixo do esperado (Abu-Hamour & Al-Hmouz, 2016).
O baixo desempenho escolar é um fenômeno complexo e multifatorial, está ligado a etiologias diversas, e é comumente associado a prejuízos emocionais, baixa autoestima e desmotivação, além de repercutir negativamente nos vários contextos nos quais o indivíduo está inserido, como família, escola e relações interpessoais (Lobo et al., 2015; Simões et al., 2018).
Assim, para melhor compreender o insucesso acadêmico e buscar formas de mitigar os danos causados por ele, é necessário identificar quais são os "motores" que impulsionam o curso do desenvolvimento escolar para um desfecho desfavorável. Esses motores são descritos cientificamente como fatores de risco, ou seja, condições adversas cuja presença ou ausência é capaz de influenciar o sucesso ou fracasso escolar de determinado aluno (Gauy & Rocha, 2014; Rutter, 2005). Tais fatores podem ser reconhecidos em vários contextos, de forma que seu potencial para afetar ou não o progresso acadêmico varia de acordo com o impacto gerado em cada sujeito. A maior parte dos fatores de risco pode ser encontrada no próprio ambiente familiar, comunitário e escolar no qual a criança ou o adolescente vive (Masten, 2013).
Sabe-se que o risco isolado tem pouca probabilidade de afetar o curso desenvolvimental. Na verdade, é a combinação de adversidades que tem o potencial de produzir consequências negativas (Rutter, 2005).
Desse modo, sendo o fracasso escolar tema de grande relevância social e foco de preocupação de educadores, familiares e pesquisadores das áreas da saúde e educação, buscou-se identificar, por meio de estudo de revisão integrativa de literatura, fatores de risco associados ao baixo desempenho escolar em crianças e adolescentes entre zero e 18 anos.
Método
Foi utilizado o método de revisão integrativa de literatura a partir das seguintes etapas: definição da questão de pesquisa; definição de descritores controlados; busca por artigos que respondessem à questão de pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; divisão dos estudos em categorias; avaliação dos estudos selecionados; interpretação e discussão dos resultados e síntese do conhecimento (Mendes et al., 2008).
A partir da estratégia PVO (Population/problem, Variables and Outcomes) chegou-se à questão norteadora: "quais os fatores de risco associados ao baixo desempenho acadêmico entre adolescentes e crianças evidenciados na literatura?" Onde o "P" corresponderia a adolescentes e crianças, "V" aos fatores de risco e "O" ao baixo desempenho acadêmico (Biruel & Pinto, 2011). Posteriormente, foi realizada busca de descritores, no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e no MeSH (Medical Subject Headings), em ambos foram identificados: underachievement e risk factors, a partir da combinação underachievement AND risk factors. As buscas foram realizadas no período de abril a maio de 2019 nas seguintes bases de dados: SciELO, PubMed, ERIC e PsycINFO.
A busca e a seleção de artigos foram realizadas por três pesquisadoras de forma independente. Definiu-se como critérios de inclusão: artigos originais publicados sobre o tema de interesse nos últimos 10 anos, que tivessem sido realizados somente com humanos na faixa etária entre zero e 18 anos, nos idiomas inglês, espanhol e português e artigos originais. Como critérios de exclusão: artigos de revisão; artigos com temática relacionada a fatores de risco para outros problemas (como por exemplo, depressão, bullying, uso abusivo de substâncias psicoativas, Alzheimer, psicose, etc.); temática relacionada a processos de aprendizagem e estudos com adultos e idosos.
Foram identificados inicialmente 435 artigos, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a seleção por títulos resultou em 117 artigos. Posteriormente, foi feita a seleção por meio da leitura dos resumos, que resultou em 37 artigos. Finalmente, foi feita leitura na íntegra e, a partir dos critérios estabelecidos, foram selecionados 24 artigos, conforme pode ser observado na Figura 1, a partir do fluxograma, conforme recomendação PRISMA statement (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis [Galvão et al., 2015]).
Durante a busca, foi utilizada a ferramenta Rayyan (Ouzzani et al., 2016) para auxiliar na organização e seleção dos artigos. Os artigos foram analisados a partir de um instrumento construído por uma das pesquisadoras. Tal instrumento consiste em extrair e exportar os dados dos estudos para uma planilha do Excel a partir dos seguintes itens: referência completa, origem dos autores, nome do primeiro autor, objetivo, tipo de estudo, amostra, instrumentos, procedimentos, principais resultados, referências secundárias e observações.
A classificação dos estudos quanto ao nível de evidência seguiu o modelo proposto por Melnyk e Fineout-Overholt (2010), que categoriza as evidências a partir de sete níveis: I - revisões sistemáticas e metanálise de ensaios clínicos randomizados controlados; II - ensaios clínicos randomizados controlados; III - ensaios clínicos não randomizados bem delineados; IV - estudos do tipo caso controle e coorte; V - revisões sistemáticas de estudos qualitativos ou descritivos; VI - estudos qualitativos ou descritivos; e VII - opinião de autoridades e/ou relatórios emitidos por comitês de especialistas.
Em relação aos fatores de risco para baixo desempenho escolar encontrados, foi feita uma divisão de acordo com as seguintes categorias: a) fatores de risco próprios do indivíduo; b) fatores de risco ligados à família; e c) fatores de risco ligados à escola. A discussão dos dados extraídos dos 24 artigos selecionados foi feita de forma descritiva com base na literatura.
Resultados
A partir da busca realizada, foram encontradas diversas publicações sobre o tema abordado, a seguir serão descritas algumas características desses estudos. Em relação ao país de origem da publicação, cerca de 75% (n=18) dos estudos foram realizados em países com alto nível de desenvolvimento econômico e social. Quanto ao ano de publicação, 33,33% (n=08) dos artigos foram publicados de 2019 a 2014 e 66,66% (n=16), de 2013 a 2009. No que se refere ao delineamento, verificou-se que os estudos observacionais foram os mais frequentes. O Quadro 1 apresenta uma síntese dos estudos incluídos na revisão integrativa, com dados referentes a autoria, ano de publicação e país de origem dos artigos selecionados, idade da amostra, nível da evidência e fatores de risco para baixo desempenho escolar encontrados.
Em 19 estudos (79,16%) foram encontrados fatores de risco para baixo desempenho escolar pertencentes a uma ou mais categorias (Individual, Familiar e/ou Escolar). 14 estudos (58,33%) apresentaram fatores de risco pertencentes às categorias Individual e Familiar. Em dois estudos (8,33%) foram evidenciados fatores de risco das categorias Individual e Escolar; um estudo (4,16%) apresentou fatores de risco das categorias Escolar e Familiar, e dois estudos (8,33%) apontaram fatores de risco das categorias Escolar, Individual e Familiar.
Discussão
Neste estudo buscou-se identificar quais os fatores de risco para baixo desempenho escolar presentes na literatura dos últimos 10 anos. A partir dos resultados encontrados foi possível observar a diversidade de países nos quais os estudos sobre o tema foram conduzidos; isso mostra que o insucesso escolar é tema de investigação científica em diferentes culturas e realidades socioeconômicas.
É importante salientar que, diante dos inúmeros fatores de risco para baixo desempenho escolar encontrados na literatura consultada, optou-se por dar ênfase, na discussão, aos fatores que mais vezes foram citados nos artigos selecionados. Porém, isso não significa que os outros fatores de risco sejam menos relevantes ou tenham menos impacto sobre o desempenho acadêmico. Cabe ressaltar que, nesta revisão, foram encontrados mais artigos fazendo referência aos fatores de risco de natureza familiar.
A partir da categoria "fatores de risco próprios do indivíduo" (FRI), os fatores que mais aparecem nos artigos selecionados são: (a) ser do sexo masculino; (b) ser negro/pardo; (c) ter diagnóstico de TDAH; (d) apresentar problemas de comportamento externalizantes e/ou de aprendizagem; (e) apresentar histórico de absenteísmo e evasão escolar.
Ser do sexo masculino aparece em diversos estudos como fator de risco não só para baixo desempenho escolar, mas também para comportamentos disruptivos e dificuldades de aprendizagem (Abu-Hamour & Al-Hmouz, 2016; Mofield & Peters, 2019). O que corrobora outros achados desta revisão na categoria FRI, como: "apresentar problemas de comportamento externalizantes e/ou de aprendizagem".
Segundo Abu-Hamour e Al-Hmouz (2016), causas biológicas e fatores socioculturais podem compor modelos explicativos para o pior desempenho masculino em atividades acadêmicas. De acordo com os autores, os meninos podem ser biologicamente mais vulneráveis às dificuldades de aprendizagem e, consequentemente, apresentar maiores índices de baixo desempenho escolar.
No que tange aos fatores socioculturais, pode haver uma maior pressão social por sucesso acadêmico em relação aos meninos (Abu-Hamour & Al-Hmouz, 2016; Toledo & Carvalho, 2018). Assim como, também é esperado que os garotos apresentem mais comportamentos problemáticos e perturbadores do que as meninas (Toledo & Carvalho, 2018).
Os estereótipos de gênero são apontados como fatores que influenciam a percepção sobre o insucesso escolar, principalmente por parte dos professores (Cavaco et al., 2021; Sáinz et al., 2021). Com base nos papéis de gênero, socialmente construídos, espera-se que meninos e meninas apresentem certos comportamentos em sala de aula, bem como apresentem mais ou menos aptidão para determinada área acadêmica.
De acordo com Sáinz et al. (2021) na escola secundária (equivalente aos anos finais do Ensino Fundamental no Brasil), tanto materiais didáticos como o tratamento dispensado pelos docentes a meninas e meninos possuem um viés de gênero que recorrentemente retrata as mulheres em papéis ocupacionais tradicionais e estimula os estereótipos de gênero. As garotas também são vistas por seus professores como mais obedientes e respeitosas, sendo, muitas vezes, atribuído a fatores comportamentais (como esforço e dedicação) seu bom desempenho escolar. Em contraponto, atribui-se a um quociente de inteligência mais alto o sucesso escolar dos garotos.
Em relação à cor da pele, ser negro no Brasil, e em outros países, está intrinsecamente relacionado ao status socioeconômico mais baixo (Moreira-Primo & França, 2020), que também é um fator de risco para baixo desempenho escolar e será discutido mais adiante.
O país registra altos níveis de desigualdade social, educacional e econômica vinculados à cor da pele; dados coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2013, mostram que as taxas de analfabetismo no Brasil são maiores entre a população negra e que há uma menor presença dessa população em escolas brasileiras, em comparação à população branca, em todos os níveis de ensino (infantil, fundamental, médio e superior), tornando-se crescente a cada uma dessas etapas (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2015). Esses dados refletem a desigualdade imposta pelo racismo dentro das escolas, tornando reduzida a trajetória escolar de alunos pardos e negros, levando-os assim à evasão e à exclusão dos sistemas educacionais (Moreira-Primo & França, 2020).
Estudos conduzidos nos EUA indicam que crianças negras de baixo status socioeconômico já apresentam, desde o jardim de infância, desempenho escolar mais baixo se comparadas a crianças brancas nas mesmas condições. Isso se deve, em parte, ao acesso restrito a oportunidades de aquisição de habilidades básicas necessárias para o sucesso escolar (Reardon & Portilla, 2016). Hernandez (2011) aponta que estudantes de baixa renda têm aproximadamente duas vezes mais chances de abandonar o ensino médio; já os estudantes negros, independentemente de pertencer a classe social mais baixa, possuem uma probabilidade significativamente maior de não terminar os estudos do que os estudantes brancos. Menos de 70% dos estudantes negros e menos da metade dos meninos negros concluem o ensino médio em quatro anos (Balfanz et al., 2013).
Merolla e Jackson (2019), ao revisarem estudos que tratam da lacuna de desempenho entre alunos negros e brancos nos EUA, concluíram que dentre as causas apresentadas: status socioeconômico e recursos culturais familiares, segregação residencial e escolar e preconceito e discriminação nas escolas; o racismo estrutural figura como fator fundamental para compreender as atuais disparidades raciais no desempenho acadêmico. Segundo os pesquisadores, a sociedade norte-americana é calcada em um sistema social que se organiza por meio de uma categorização racial que privilegia determinados grupos e prejudica outros. Essa estrutura social torna os fatores que ligam raça a resultados educacionais, eles próprios, manifestações de um sistema social racializado, servindo como mecanismos e não como causas da lacuna de desempenho acadêmico.
No que se refere às crianças que apresentam o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), estas são três vezes mais propensas a apresentar dificuldades na aprendizagem quando comparadas com crianças com desenvolvimento típico; pois tais dificuldades são vistas como risco para problemas de linguagem, vocabulário e erros de gramática, por exemplo; com isso, podem possibilitar o baixo desempenho e a evasão escolar (Graham et al., 2016; Willcutt, 2015). Em um estudo recente sobre prevalência de TDAH em uma amostra de crianças com baixo desempenho escolar, 40% da amostra foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (Paterlini et al., 2019).
Problemas de comportamento e de aprendizagem aparecem de forma associada com bastante frequência e são fortes preditores de fracasso escolar (Elias & Amaral, 2016). Comportamentos desviantes e problemas externalizantes foram apontados como contribuindo em mais de 50% para o baixo rendimento escolar em uma amostra de adolescentes matriculados nos anos finais do Ensino Fundamental em duas escolas públicas, segundo estudo transversal conduzido por Rosso Borba e Marin (2017).
Evasão e abandono escolar são dois fenômenos que por si só merecem atenção especial, estão ligados a causas multifatoriais intrinsecamente ligadas ao fracasso escolar, não apenas gerando o insucesso acadêmico, como sendo gerado por ele. Além disso, existem outros fatores de risco para o baixo desempenho escolar em relação à evasão e ao abandono, como por exemplo: gravidez na adolescência, baixa renda familiar (que leva os alunos a ingressarem precocemente no mercado de trabalho para ajudar no sustento da casa), dificuldade de aprendizagem, falta de motivação por parte dos alunos, escolas pouco atrativas etc. (Ferreira & Oliveira, 2020).
Em relação à categoria "fatores de risco ligados à família" (FRF), os fatores que mais aparecem nos artigos encontrados são: (a) baixa escolaridade; (b) estrutura e dinâmica familiar; (c) pais com problemas de saúde mental; (d) maus tratos na infância; (e) violência doméstica; (f) nível socioeconômico.
A baixa escolaridade dos pais aparece como um fator de risco bastante presente nos estudos analisados. Outros estudos, semelhantemente, evidenciam que o grau de escolaridade mais baixo dos pais é importante fator de risco não somente para o baixo desempenho escolar, mas também para problemas de saúde mental, da mesma forma que representa menos oferta de recursos dentro do ambiente familiar, o que envolve as interações entre a criança e o ambiente (Zuanetti & Fukuda, 2012; Dilleggi et al., 2019; Ribeiro et al., 2016).
As interações que ocorrem dentro do ambiente familiar podem se dar de modo frágil. Pois, segundo os resultados desta revisão e de outros estudos, pertencer a uma família numerosa ou com irmãos mais novos (<12 anos) pode interferir na dinâmica familiar e acarretar uma série de desajustes relacionados às funções e aos papéis exercidos individualmente pelos membros dentro da família. Isso ocorre, em tese, porque a presença de um irmão mais novo pode fazer com que os pais dediquem maior tempo a essas crianças, pois a demanda seria maior (necessidade de acordo com a idade da criança). Ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração que se existe uma problemática, de saúde por exemplo, no ambiente familiar, isso aumentará as chances das características e estruturas familiares atuarem como possíveis riscos para o desempenho escolar das crianças mais velhas (Dilleggi et al., 2019; Wright & Leahey, 2013).
Pensando na família e na existência de uma problemática, se a mãe ou o pai têm problemas de saúde mental ou apresentam diagnóstico psiquiátrico, é possível que isso se constitua como fator de risco para o desenvolvimento da criança e/ou do adolescente e também que aumente a probabilidade de baixo desempenho escolar (Bell et al., 2019; Shen et al., 2016).
Ainda na categoria FRF, no que tange à exposição a situações de maus-tratos, um estudo de revisão de literatura e outro estudo semelhante trouxeram evidências relacionadas a alterações neuropsicológicas em crianças e adolescentes que passaram por situações de maus-tratos. Essas evidências apontam para uma maior predisposição, da população exposta, ao aparecimento de transtornos do tipo externalizante e internalizante, assim como problemas de atenção, memória, linguagem e desenvolvimento intelectual. Tais problemas resultam em potenciais fatores de risco para o fracasso escolar (Amores-Villalba & Mateos-Mateos, 2017; Davis et al., 2015). Da mesma forma, em outro estudo observou-se que indivíduos expostos a níveis moderados e severos de abuso e negligência apresentaram um risco mais elevado para inúmeras adversidades/prejuízos ao longo da vida, como por exemplo o baixo desempenho escolar e possivelmente uma dificuldade de aprendizagem (Dovran et al., 2019).
A categoria FRF também retrata os fatores de origem psicossocial, como estar em situação de pobreza ou pertencer a uma classe social baixa. Miguel et al. (2012) consideram fatores de risco para o desempenho escolar: as características do ambiente, o tipo de vizinhança, o índice de criminalidade e o baixo status socioeconômico. A esse respeito, estudos apontam que a baixa renda familiar e a pobreza, de forma geral, se estabelecem como fatores de risco para o baixo rendimento acadêmico e isso se deve a menos recursos oferecidos, e também à relação da pobreza com uma alteração no desenvolvimento e estrutura do cérebro que afeta as habilidades cognitivas, de escrita e leitura de crianças e adolescentes (Dahl & Lochner, 2012; Noble et al., 2015).
Já na categoria de fatores de risco ligados à escola (FRE), os fatores de risco que mais aparecem são: (a) pouca relação diádica professor-aluno; (b) frequentar escola pública; (c) sistema educacional não preparado; (d) baixa motivação dos professores; (e) poucos recursos utilizados em sala de aula.
A literatura aponta que a relação professor-aluno é determinante no fracasso ou sucesso escolar dos alunos (Pianta et al., 2012). Uma relação negativa (alto níveis de conflito) aumenta a probabilidade de manifestação de comportamentos externalizantes, rejeição de colegas, absenteísmo, menor engajamento nas tarefas escolares e baixo desempenho acadêmico (McGrath & Van Bergen, 2015). Em seu estudo, Simões et al. (2018) observaram que dentre as variáveis mais relevantes para o desempenho escolar, com base na força de associação, a variável relação professor-aluno se mostrou como a mais importante. Os resultados apontaram que o grupo cujos percentuais de baixo rendimento foram mais altos possuía menores pontuações na relação professor-aluno; a correlação inversa também foi observada.
Sobre frequentar escolas públicas, Casarin et al. (2012) concluíram que adolescentes que frequentam escolas privadas geralmente apresentam um desempenho acadêmico mais alto que seus pares da escola pública em tarefas específicas como: atenção sustentada, memória, escrita ditada e habilidades construtivas e reflexivas. Da mesma forma, também concluíram que o tipo de escola deve ser considerado na avaliação do desempenho acadêmico. Para Abu-Hamour e Al-Hmouz (2016), as taxas de dificuldades de aprendizagem nas crianças são mais altas quando estas frequentam escolas públicas de comunidades de baixo nível socioeconômico que, por sua vez, proporcionam recursos escassos para a educação, o que afetaria negativamente o progresso acadêmico dos alunos.
Por fim, os fatores de risco identificados como sistema educacional não preparado, baixa motivação dos professores e poucos recursos utilizados em sala de aula podem ser considerados como diferentes dimensões de um conceito muito mais abrangente: a qualidade do ensino (Leon et al., 2017). A eficácia do ensino está fortemente associada ao sucesso escolar dos alunos e refere-se a três aspectos fundamentais: gestão da sala de aula, instrução clara e estruturada, baseada em atividades, materiais e estratégias pedagógicas cognitivamente ativadores e estimulantes e suporte ao aluno (Lazarides & Raufelder, 2021).
De acordo com estudo desenvolvido por Leon et al. (2017) com uma grande amostra alunos de escolas públicas, notou-se que a qualidade do ensino é capaz de promover a regulação do esforço (tempo, energia e trabalho investidos em uma tarefa) dos alunos, o que, por sua vez, suscita um bom desempenho em matemática. Assim, um ensino de melhor qualidade oferecido pelos professores pareceu incentivar os alunos a se envolverem e se empenharem mais em suas atividades escolares.
No entanto, para que possa oferecer um ensino de qualidade aos alunos e formá-los bem, é necessário que o próprio professor seja bem formado. Segundo Gatti (2016) e Gatti e Menezes (2021), há uma crise em relação ao atual modelo de formação de professores, um descolamento entre o que é ensinado nos cursos de graduação e de formação continuada e a prática profissional docente. Isso leva a práticas educativas ineficientes que, conforme citado anteriormente, contribuem sobremaneira para o fracasso escolar de muitos estudantes.
Deste modo, o exposto acima evidencia a importância e necessidade de conhecer os possíveis fatores de risco para o baixo desempenho escolar, para que, assim, seja possível pensar em intervenções que auxiliem crianças e adolescentes em seus contextos familiares e escolares.
Considerações
O presente estudo, cumprindo o objetivo proposto, identificou diversos fatores de risco para baixo desempenho escolar de crianças e adolescentes presentes em artigos científicos que abordavam o tema em questão. Por meio das categorias criadas para classificar os fatores de risco, é possível que se tenha um panorama das áreas mais propensas a gerar adversidades capazes de afetar negativamente o desempenho acadêmico de crianças e adolescentes.
Durante a análise dos resultados, as evidências apontam que o ambiente familiar é o que mais produz situações que podem afetar o desempenho acadêmico e dessa forma causar prejuízos em diferentes aspectos da vida de crianças e adolescentes, desde dificuldade de aquisição de leitura até o ingresso precoce no mercado de trabalho.
O ambiente familiar, em muitos casos, é permeado por diversos fatores de risco de origem psicossocial como baixo status socioeconômico, baixa escolaridade dos pais, principalmente a materna, histórico de doenças mentais na família, violência doméstica, dentre outros. Esses fatores são responsáveis por manter um ciclo de vulnerabilidades que vão sendo transmitidas de geração em geração, perpetuando não só o fracasso escolar, mas também uma série de iniquidades sociais.
Também foi possível observar que os fatores de risco próprios do indivíduo ocupam papel de destaque na promoção do fracasso escolar. No entanto, o que se coloca, muitas vezes, como "próprio do indivíduo", na verdade são mecanismos criados por uma sociedade que se utiliza de preconceitos, baseados, entre outros, em estereótipos de gênero e discriminação racial para justificar desigualdades educacionais, econômicas e de acesso a direitos básicos.
Por último, e não menos relevantes, aparecem os fatores relacionados à escola. Entende-se que grande parte, se não a totalidade, dos fatores de risco de origem escolar encontrados nesta revisão é consequência direta ou indireta da desvalorização progressiva e acentuada do trabalho docente, bem como de fragilidades na formação desses profissionais. Não há que se falar de educação de qualidade, igualitária e justa para todos, sem profissionais bem formados, com adequadas condições de trabalho e salários dignos.
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Endereço para correspondência:
Ana Paula Rosa
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP)
Rua Prof. Hélio Lourenço, 3900 - Vila Monte Alegre - Ribeirão Preto, SP, Brasil - CEP 14040-902
E-mail: anafialhorosa@alumni.usp.br
Artigo recebido: 18/10/2021
Aprovado: 10/8/2022
Trabalho realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.