SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número3Bakhtin e os processos de desenvolvimento humanoThe contribution of arterial versus venous vascular permeability in peritoneal fluid formation índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.20 no.3 São Paulo  2010

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

A unidade básica de saúde como espaço lúdico para educação e promoção da saúde infantil. Relato de experiência

 

Basic health unit as a playful space to promote children´s health and education. An experience report

 

 

Bárbara Niegia Garcia de GoulartI; Millena Citon LucchesiII; Brasilia Maria ChiariIII

IDoutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo e Mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IIAcadêmica de Fonoaudiologia da Feevale. Bolsista de Iniciação Científica (CNPq)
IIIDoutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo, Professora Titular do Departamento de Fonoaudiologia e Livre Docente da Disciplina de Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo

E-mail para contato

 

 


RESUMO

OBJETIVO: apresentar relato de experiência de atividades lúdicas realizadas em sala de espera de unidade básica de saúde (UBS).
MÉTODO: relato de experiência de atividades lúdicas realizadas em UBS sem histórico prévio de atuação fonoaudiológica. Logo no início das atividades, um novo serviço agregou-se à UBS e a proposta acabou sendo desenvolvida junto ao grupo (SACA - serviço de atendimento à criança e ao adolescente), o qual apresentava proposta semelhante. Além das atividades lúdicas, buscavam conversar com mães e gestantes sobre desenvolvimento infantil e orientações para manutenção da saúde infantil. A abordagem inicial das crianças foi feita utilizando jogos e brinquedos manufaturados, tais como blocos de encaixe, livros de histórias, bonecas e carrinhos de diversos tamanhos e cores, além de chocalhos e outros materiais mais específicos para crianças menores de um ano.
RESULTADOS: os médicos relataram que as crianças participantes compareciam às consultas mais animadas. Também foi observado que muitas das crianças que participaram das atividades no dia em que tinham atendimento médico voltaram em outra data somente para participar das atividades da Brinquedoteca. Os pais e responsáveis que receberam orientações relataram que a experiência contribui para o desenvolvimento saudável de seus filhos.
CONCLUSÃO: a criação de espaços educativos e preventivos no setor de saúde contribui para a melhoria da qualidade dos serviços e, consequentemente, a uma atenção diferenciada às crianças que os frequentam, promovendo a educação em saúde e direcionando o melhor tratamento indicado para cada caso, quando for necessário.

Palavras-chave: educação em saúde; atenção primária à saúde; unidade básica de saúde; linguagem; desenvolvimento da linguagem; saúde da criança.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to present an experience report on playful activities development in a Basic Health Unit (BHU) waiting room.
METHOD: in an UBS without a previous story on Speech Language and Hearing Pathologist (SLP) performance. From the beginning of the activities, a new service group has joined the BHU, and the proposal has ended up being developed by another group (SACA - child and adolescent care service), which has presented, among others, a similar proposal. Besides, the trainees involved in such a proposal have searched for talking to mothers and pregnant women about child's development, and counseling to keep child's health. The initial approach has been done making use of games and manufactured toys, such as: plug-in blocks; story books; dolls; toy cars of several colors and sizes, besides rattles and other more specific materials for children aged less than one-year-old.
RESULTS: physicians have said that the participant children use to come to the consultations in a livelier mood. Moreover, it has been observed that most children, who have participated in the day they have had medical care, have come back another date only to participate in the Toy Place activities. Parents and responsible for the children, who have received orientations, have told later on about the contribution of this work for their children development.
CONCLUSION: creating educational and preventive spaces and moments in the health field can contribute to improve the quality of the services, and, as a consequence, to a better attention to children and adolescents that come to this place. Thus, promoting an education on health, and focusing on the best indicated treatment for each case, when necessary.

Key words: health education; primary health care; health centers; child language; language development; child health.


 

 

INTRODUÇÃO

O trabalho do profissional de saúde, além de exigir conhecimentos técnicos essenciais à área de atuação, demanda conhecimentos ligados a outras áreas, compreendendo habilidades pessoais em lidar e conviver com a diversidade social e cultural que permeia a nossa sociedade1.

Considerando que a normalidade e a saúde não se restringem à ausência de doenças e admitem aspectos biopsicossociais, não é suficiente que os sistemas de saúde estejam somente centrados na cura das doenças sob o prisma biopsicológico 2. Torna-se indispensável reestruturar as políticas de saúde e, por consequência, as ações para promoção da saúde, levando em consideração a dimensão cultural e subjetiva da normalidade3.

As atividades lúdicas, desde muitos séculos, fazem parte do cotidiano das pessoas. Percebe-se que o brincar é marcado por uma cultura preexistente que o leva a ser uma atividade cultural que presume a aquisição de estruturas que a criança assimilará à sua forma em cada nova atividade lúdica4.

O brinquedo é um das portas mais eficazes para promover a ação da criança sobre o objeto por trazer o mundo para perto da criança5.

Desta forma, a relação entre práticas nos serviços de saúde que contemplem a humanização, a atenção integralizadora da pessoa, considerando a etapa de vida em que se encontra, pode e deve considerar na atenção à saúde da criança o uso de atividades lúdicas, especialmente no que tange o desenvolvimento infantil. Brincando a criança adquire e emprega conceitos, ao mesmo tempo, a brincadeira reúne características mais complexas de acordo com o desenvolvimento linguístico da criança, ou seja, o desenvolvimento da linguagem e da brincadeira é interdependente6.

Em relação às orientações e aos cuidados para que o desenvolvimento da linguagem oral na infância ocorra nas melhores condições possíveis, o fonoaudiólogo, profissional especializado na comunicação humana e seus distúrbios, exerce importante papel na orientação de pais, cuidadores e dos outros profissionais que acompanham a criança sistematicamente nos primeiros anos de vida, especialmente até os três anos de idade, quando se dá o maior pico de desenvolvimento da linguagem em relação à compreensão e expressão oral, bem como importante ampliação do vocabulário disponível para uso pela criança a fim de comunicar-se7.

Assim, o objetivo é prover orientações para pais e cuidadores em relação à adequada estimulação da linguagem e ao desenvolvimento geral da criança.

 

MÉTODO

Apresenta-se o relato de experiência de desenvolvimento de atividades lúdicas na sala de espera de uma unidade básica de saúde (UBS) localizada a 50 km de Porto Alegre (RS), sem histórico prévio de atuação fonoaudiológica.

Entre março e junho de 2006 foram desenvolvidas semanalmente atividades de estimulação do desenvolvimento infantil para crianças de zero a sete anos. As atividades foram propostas a partir de levantamento realizado junto aos funcionários da e alguns pacientes da UBS, quando verificamos o perfil e demandas em relação à promoção da saúde e avaliação do referido serviço de saúde.

Inicialmente a proposta era convidar as crianças que seriam atendidas na UBS ou que estavam acompanhando pacientes para confeccionar, juntamente com as estagiárias de Fonoaudiologia, jogos e outros brinquedos com sucata. Porém, logo no início das atividades, um novo serviço agregou-se à UBS e a proposta acabou sendo desenvolvida junto ao grupo (denominado SACA - serviço de atendimento a criança e ao adolescente), o qual apresentava proposta semelhante. Além disso, as estagiárias envolvidas com tal proposta buscavam conversar com mães e gestantes sobre desenvolvimento infantil e orientações para manutenção da saúde infantil.

 

DISCUSSÃO

A equipe médica relatou que as crianças participantes compareciam às consultas mais motivadas, colaborando mais ativamente nas consultas clínicas.

Também foi observado que muitas das crianças que participaram no dia em que tinham atendimento médico, voltaram em outra data somente para participar das atividades da Brinquedoteca.

Os pais e responsáveis que receberam orientações relataram em momentos posteriores a contribuição desse trabalho para o desenvolvimento infantil de seus filhos, que as atividades lhes despertaram para aspectos do desenvolvimento normal da criança, a importância da comunicação verbal e não-verbal na relação entre o cuidador e a criança, bem como formas de estimular o desenvolvimento neuropsicomotor infantil.

No caso da retirada da chupeta e da mamadeira, percebemos que muitos pais apresentam dificuldades, por não saberem os problemas que o uso prolongado e incorreto podem trazer para as crianças.

A atenção básica à saúde não deve depender apenas de atendimentos clínicos demandados pelo paciente ou seus familiares. Considerando a importância de oferecermos subsídios para que a população tenha mais acesso a informações e orientações práticas de como preservar a saúde infantil, ou mesmo, detectar precocemente alterações (ou desvios) do desenvolvimento infantil, essas atividades contribuem para uma maior aproximação entre o serviço de saúde e a comunidade8.

A abordagem inicial das crianças foi feita utilizando-se jogos e brinquedos manufaturados, tais como blocos de encaixe de diversas cores e tamanhos, livros de histórias, bonecas e carrinhos de diversos tamanhos, além de chocalhos e outros materiais mais específicos para crianças menores de um ano9.

A atuação da equipe de saúde, quando efetivamente envolvida com o direito da população infanto-juvenil, pode estar implicada na promoção do direito à saúde da criança em cada processo. Entretanto, enquanto a abordagem clínica do médico se restringir à queixa ao fenômeno físico, o encontro entre o médico, a criança e sua família dar-se-á, simplesmente, dentro do paradigma formal do cumprimento de um papel desenhado: a prescrição de medicamentos visando à ausência de sintomas. Se a queixa, juntamente com outros dados, permitir a apropriação pelo médico das condições de vida das crianças assistidas, o papel do profissional poderá superar a moldura da consulta. Unicamente nessa dimensão agregadora é que se atinge o direito à saúde10.

As questões apontadas em relação a estudos que observam a afinidade médico-paciente são transponíveis para a relação entre o profissional ligado à saúde, desde a recepção do paciente no serviço de saúde, até o atendimento clínico-hospitalar propriamente dito3.

Em pesquisas feitas no cenário nacional de atenção à criança hospitalizada, nos deparamos com algumas práticas que utilizam o brincar como uma estratégia de intervenção no campo da saúde da criança, assim como nesta pesquisa. Algumas se ancoram apenas na recreação, sem maiores inquietações quanto à repercussão dessas ações no estado geral da criança, e outras utilizam o brincar a partir de uma abordagem terapêutica11.

Entre as principais orientações dadas, podemos citar a retirada da chupeta e mamadeira, estimulação da linguagem e indicações para procura de Fonoaudiólogo 7. A retirada da chupeta e da mamadeira deve ser feita até os dois anos de idade, pois podem trazer prejuízos para o desenvolvimento da fala.

Os contos infantis, as brincadeiras e jogos compartilhados socialmente constituiriam, consequentemente, uma forma de inclusão social significativa12.

Indispensável o papel dos pais como mediadores do desenvolvimento que, cautelosos ao que os filhos vão expressando em termos de necessidades, interesses e curiosidades, contribuem para que sejam inseridos no contexto social13.

Desta maneira, ressalta-se a necessidade de existência de serviço de incentivo ao retorno dos pacientes, com estímulo da linguagem, da aprendizagem, das funções neuropsicomotoras, pois são corroborativos ao desenvolvimento infantil. Esses procedimentos são complementares e adequados como informações passadas aos pais ou responsáveis.

 

REFERÊNCIAS

1. Goulart BNG, Chiari BM. Avaliação Clínica Fonoaudiológica, Integralidade e Humanização: perspectivas gerais e contribuições para reflexão. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2007, 12 (4): 335-340.         [ Links ]

2. Coelho MTAD e Almeida Filho N. Concepções populares de normalidade e saúde mental no litoral norte da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21 (6): 1726-36.         [ Links ]

3. Goulart BNG, Chiari BM. Humanização das práticas do profissional de saúde: contribuições para reflexão. Ciência e saúde coletiva 2010; 15 (1): 255-268.         [ Links ]

4. Oliveira ACS, De Almeida EOC, Oliveira SMSS et al. Como brincam as crianças surdas: um estudo à luz da fonoaudiologia. Psic 2006; 7 (2): 77-84.         [ Links ]

5. Reily L. Escola inclusiva: linguagem e mediação. Campinas: Papirus; 2004.         [ Links ]

6. Goldfeld M.; Chiari BM. O Brincar na relação entre mães ouvintes e filhos surdos. Pró-Fono Rev de Atual Cient 2005; 17 (1): 77-88.         [ Links ]

7. Zorzi JL, Marchesan IQ. Tópicos em Fonoaudiologia 2002/2003. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.         [ Links ]

8. Campos, ACS. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Cad. Saúde Pública 2007; 23(4): 979-981.         [ Links ]

9. Poleti LC et al . Recreação para crianças em sala de espera de um ambulatório infantil. Rev Bras Enferm 2006; 59(2): 233-235.         [ Links ]  

10. Lima IMSO, Alves VSF, Lins e Silva A. A consulta médica no contexto do programa saúde da família e direito da criança. Rev Bras Crescim Desenvolv Hum 2007;.17(.3):84-94.         [ Links ]

11. Mitre RMA, Gomes R. A perspectiva dos profissionais de saúde sobre a promoção do brincar em hospitais. Ciênc. saúde coletiva. 2007; 12 (5): 1277-1284.         [ Links ]

12. Silva LSP, Guimarães AB, Vieira CE, Franck LNS, Hippert MIS. O brincar como portador de significados práticos e sociais. Rev Dep Psicol UFF 2005; 17(2):77-87. 2005        [ Links ]

13. Moreira LVC e Biasoli-Alves ZMM. Práticas educativas: a participação da mãe e da criança na determinação das atividades da rotina diária. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. 2008; 18 (1):53-65.         [ Links ]

 

 

E-mail para contato:
bgoulart@ufrgs.br

Recebido em 12/03/09
Modificado em 16/08/10
Aceito em 09/09/10

 

 

Trabalho realizado em conjunto por Universidade Federal de São Paulo e Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons