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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Original Articles
Socionomia e Seleção em uma organização do segmento financeiro1
Socionomy and Selection in a financial organization
Ana Carolina BorgonoviI; Ana Cristina Rosa GarciaII; Cynthia Maria ParroIII
I Psicóloga em formação em Psicodrama pelo Institut o de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (Interpsi). Assessora da área de Recrutamento e Seleção do Banco do Brasil S.A. (BB)
II Psicóloga em formação em Psicodrama pelo Instituto de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (Interpsi). Gerente Executiva do Banco do Brasil S.A. (BB)
IIIPsicóloga em formação em Psicodrama pelo Instituto de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (Interpsi) Assessora da área de Recrutamento e Seleção do Banco do Brasil S.A. (BB)
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar um estudo de caso de processo seletivo realizado em uma organização do segmento financeiro, em que foram utilizados técnicas e métodos da socionomia. Nesse processo foi possível trabalhar o papel profissional e as relações de poder que o permeiam. De forma criativa e espontânea foi possível repensar e recriar papéis institucionais, além de realizar diagnósticos das relações e dos processos organizacionais. Foram propostas atividades individuais e grupais de caráter lúdico e também com foco no papel profissional. Nesse formato, a seleção não só identifica pessoas para determinados cargos, como também passa a engendrar transformações institucionais, ao possibilitar a recriação e a ressignificação de papéis profissionais e permitir a realização de diagnósticos organizacionais.
Palavras-chave: Socionomia. Grupo. Relações de poder. Seleção. Papel institucional.
ABSTRACT
The objective of this paper is to present a case study of a selection process carried out in a financial organization, in which socionomic techniques and methods were used. In this process we worked with the professional role and the power relations that permeate it. Beyond diagnosing the relationships within organizational processes, this has also allowed to re-consider and re-create institutional roles in a creative and spontaneous way. Playful individual and group activities were applied in the selection process, also focusing on the professional role. Approaching selection from this angle doesn't only identify the right people for the right positions, but it also engenders institutional changes, enabling to re-create and re-define professional roles as well as the diagnosis of organizational processes.
Keywords: Socionomy. Group. Power relations. Selection. Institutional role.
INTRODUÇÃO
Há pouca bibliografia acadêmica sobre seleção de pessoas, principalmente no que se refere à avaliação de competências individuais no contexto grupal. Este trabalho se propõe a discutir o tema à luz da socionomia, de forma que amplie a discussão e construa alternativas de atuação no contexto seletivo.
O objetivo é apresentar um estudo de caso de processo seletivo realizado em uma organização do segmento financeiro, em que foram utilizados técnicas e métodos da socionomia2, que analisam as relações de poder, latentes e manifestas, emergentes na representação dos papéis institucionais.
A utilização dos recursos da socionomia permite a formação do grupo, bem como a análise de seu desenvolvimento e maior espontaneidade na vivência grupal. No processo seletivo, a utilização dessas ferramentas possibilita expressão espontânea e melhor avaliação dos candidatos, considerando a dinâmica relacional do grupo de participantes e as características individuais que se apresentam.
Nessa proposta foram avaliados 202 candidatos em seleções realizadas de 2008 a 2011, tendo como referência um perfil profissiográfico definido institucionalmente. Esse perfil inclui competências como comunicação, liderança, relacionamento, visão estratégica, entre outras, que são avaliadas durante todo o processo.
O estudo de caso refere-se a avaliações realizadas em grupos de 15 a 18 pessoas, com dois dias de duração, a participação da alta administração da organização e de funcionários com formação em Psicologia como avaliadores. A seleção destinava-se a um cargo estratégico da empresa que se responsabiliza pelo resultado de um grupo de agências de determinada região. A aprovação na seleção é precondição para o aproveitamento do candidato na função.
As técnicas utilizadas permitiram o trabalho com os papéis profissionais dos candidatos e, assim, a avaliação do perfil de competências e a proximidade com o requerido pela empresa.
As relações de poder permeiam as relações institucionais e são fundamentais para compreensão e análise crítica do contexto organizacional, por isso, foram claramente apresentadas nas vivências grupais realizadas nas avaliações.
PREMISSAS e REFERENCIAIS ORGANIZACIONAIS
Os processos seletivos são realizados para identificar profissionais com potencial para o exercício das diversas funções na empresa, considerando indicadores de desempenho futuro: competências que compõem o perfil profissiográfico requerido para determinado cargo.
Nessa perspectiva, Zavaglia (2006) afirma que o processo de seleção tem como objetivo identificar a pessoa com perfil para determinado cargo e também promover a satisfação do funcionário naquela função. Efetuase, dessa forma, um diagnóstico da empresa sobre seus funcionários, auxiliando-ostambém em seu encarreiramento profissional.
A área de recrutamento e seleção da instituição existe há mais de 40 anos. A criação e a condução dos processos seletivos são feitas por funcionários graduados em Psicologia e com formação específica administrada pela empresa para atuação em seleção.
Uma de suas bases teóricas é a Fenomenologia, que se propõe a examinar a experiência tal como ocorre, analisando sua totalidade e não a reduzindo em partes. Nos processos seletivos, busca-se avaliar o fenômeno da forma como se apresenta naquele momento, desprendendose de preconceitos sobre os candidatos.
Há três conceitos fenomenológicos que embasam a atuação dos avaliadores nos processos seletivos: intencionalidade, intersubjetividade e limitação perceptiva.
Intencionalidade: segundo este conceito, a consciência é sempre intencional, ou seja, o sujeito e o objeto estão vinculados no processo de percepção e julgamento da realidade. Ao observar um objeto, o sujeito dá um sentido a ele, a partir de suas experiências, seus valores, seus conhecimentos e de sua relação com o mundo interior e exterior.
Nessa perspectiva, sujeito e objeto são partes construtivas de um mesmo mundo. O sujeito entende o mundo por meio de seu olhar e, à medida que compreende o mundo com seu modo próprio, também se compreende como parte desse mundo. A percepção é um processo criativo, mediado pelos interesses ativos do sujeito (GHEDIN & FRANCO, 2008).
No processo seletivo, os avaliadores procuram estar atentos à própria intencionalidade e aos seus juízos de valor em relação aos candidatos, de forma que considerem na avaliação somente o que é trazido pelo candidato durante o processo de seleção.
Intersubjetividade: refere-se à intercomunicação entre as consciências, o encontro das subjetividades. Forghieri (2009) ressalta a importância da intersubjetividade na atribuição do sentido às experiências vivenciadas, pois o mundo recebe seu sentido através do encontro das percepções de mundo dos vários sujeitos.
No contexto da seleção, a partir de suas percepções individuais, os avaliadores buscam um consenso, consolidando o que há de comum entre as perspectivas diferenciadas de avaliação.
Limitação perceptiva: refere-se ao caráter seletivo da percepção humana. O indivíduo enxerga o que deseja, necessita ou busca. Dessa forma, algo que não é percebido por determinado sujeito pode ser percebido por outros. Para Lima (2011), as limitações de percepção de cada sujeito dependem de sua experiência individual.
Nos processos seletivos, cabe aos avaliadores manterem-se abertos ao fenômeno a ser avaliado para conseguir compreendê-lo de forma ampla e dinâmica, e serem capazes de se deixar surpreender a todo momento por aspectos que ainda não haviam sido percebidos nos candidatos e por aqueles trazidos pelos outros avaliadores.
DESAFIOS DA PRÁTICA: SOCIONOMIA COMO ALTERNATIVA
Para avaliar o perfil profissional dos candidatos, são realizadas atividades individuais e grupais de caráter lúdico e também com foco no papel profissional. A premissa é de que as vivências grupais permitem a expressão de comportamentos e as relações estabelecidas pelo sujeito no grupo trazem à tona aspectos individuais e relacionais, que possibilitam a avaliação do perfil de competências para o cargo.
O desafio de melhor identificar esse perfil de competências do candidato na seleção suscitou a necessidade de procurar outros referenciais teóricos na Psicologia que complementassem e ampliassem as possibilidades de atuação e avaliação. Constatou-se que, cada vez mais, os candidatos estavam se preparando para o processo seletivo, representando artificialmente o papel que julgavam ser o ideal para a sua aprovação.
Segundo Moreno (2008) as conservas culturais “podem operar, em dado momento, como uma força disciplinadora, em outro, como um obstáculo”(p. 53). O método utilizado pela empresa em seus processos estava trazendo conservas institucionais na forma de aplicação, além disso, o fato de os candidatos participarem com frequência de seleções internas na empresa, sabendo o que se esperava deles nesses eventos, também se mostrava como um obstáculo para a espontaneidade dos indivíduos nas relações com os outros.
Nas avaliações deste estudo de caso foram utilizados métodos e técnicas da socionomia para a construção e a condução das atividades pelos avaliadores, com o objetivo de permitir maior espontaneidade dos candidatos na ação grupal.
As atividades foram criadas considerando-se as etapas de formação do grupo. Ao iniciar um trabalho em grupo, em um primeiro momento, as pessoas não se conhecem e o nível de ansiedade e expectativa é muito alto. Todos estão querendo saber o que vai acontecer naquele espaço novo. Datner (2006) descreve esse momento como fase amorfa, na qual ocorre um sentimento de estranhamento, as pessoas ou não se conhecem ou quando se conhecem não se reconhecem naquela circunstância do evento. Nesse instante estão voltadas para si, ainda não enxergam o outro.
A segunda fase do grupo é quando se iniciam os primeiros contatos com os outros integrantes. As relações vão se criando entre o eu e o outro, por reações de atrações, repulsões ou indiferença. Moreno (2008) aborda a criação das relações dentro de um grupo e o desenvolvimento de papéis: “Cada pessoa, uma vez que é o foco de numerosas atrações e repulsões, aparece também como foco de numerosos papéis que se relacionam com os papéis de outras pessoas. Tendo em vista que ela sempre tem um conjunto de amigos e outro de inimigos, ela também tem um conjunto de papéis e outro de contrapapéis, que se situam em vários estágios de desenvolvimento.” (p. 89)
Segundo Datner (2006), inicia-se então a terceira fase, a partir das relações de aproximação e repulsão surgem os subgrupos. As pessoas desenvolvem papéis que determinam a formação desses pequenos subgrupos e o grupo começa a compreender o próprio funcionamento e as relações ali estabelecidas.
A quarta fase caracteriza-se pela formação da identidade grupal. É descrita por Datner (2006) como fase de relações mútuas, quando o grupo já se mobiliza por objetivos comuns e tem uma comunicação clara entre os membros. Nesta fase surgem as lideranças dentro do grupo e os conflitos criados pela aceitação ou não dos lideres.
No decorrer dos dois dias de seleção, foi possível proporcionar um espaço para o desenvolvimento de todas essas fases. Os grupos iniciavam o primeiro dia com o nível de ansiedade e expectativa muito alto pela nova situação e também por entenderem ser um momento decisivo na sua carreira. No decorrer das atividades, o grupo ia se formando. Iniciavam-se as interações em duplas, depois se formavam trios ou quartetos, nos quais se apresentavam e discutiam um pouco sobre seus objetivos no processo. Nesse momento as relações de aproximação, rejeição e indiferença começavam a surgir no grupo.
Ao final do primeiro dia de avaliação já se reconheciam os subgrupos e os papéis que cada membro do grupo exercia. Apareciam as lideranças e as definições de território. No segundo dia, a interação entre os participantes evoluía, e era possível propor atividades que envolviam o grupo como um todo. A identidade grupal foi percebida ao longo do processo, e foi possível analisar a participação de seus membros e avaliar seu comportamento dentro do grupo.
A organização das atividades realizadas ao longo dos dois dias de seleção foi feita de modo que possibilitasse e facilitasse a constituição gradativa do grupo: iniciava-se com atividades focadas na recepção dos participantes, aquecimento e interação inicial; as dramatizações e as atividades que envolviam o grupo todo eram propostas depois de o grupo já ter passado pelas duas primeiras fases. Ao final do processo, era feito o compartilhamento das experiências relativas aos dois dias de vivências e o fechamento da seleção.
O desenvolvimento grupal também foi considerado para a criação de cada atividade da seleção. Todas traziam, inicialmente, um aquecimento, anterior às vivências, e depois o compartilhamento do grupo em relação aos sentimentos trazidos pela atividade e, por fim, o processamento que vinculava o que foi vivido ali com as experiências da realidade dos candidatos.
O aquecimento é parte fundamental do processo de formação do grupo. É no aquecimento que se iniciam as primeiras interações, as aproximações e as rejeições dos integrantes do grupo, é uma forma de prepará-los para a atividade a ser proposta em seguida. Para Williams (1998) o processo de aquecimento tem como objetivo a preparação dos membros do grupo para o processo grupal.
Nas dramatizações, ao vivenciar no palco situações similares às que são vivenciadas no exercício de seu papel profissional, os candidatos apresentavam suas formas de se relacionar com os outros, e desse modo falavam de si, do grupo e da empresa. Em função da dinamicidade das relações grupais, a condução das atividades exigiu dos psicólogos a habilidade de reconsiderar e replanejar sua intervenção a todo momento e ampliou as possibilidades de avaliação em função de maior espontaneidade dos candidatos. Além disso, a seleção permitiu realizar diagnósticos institucionais, percebidos inclusive pelos executivos da instituição que participaram como avaliadores.
Sobre as vivências sociodramáticas, Nery (2010) afirma que o indivíduo, quando assume um papel social na cena, retrata todos os que vivem esse papel em sua comunidade, trazendo no papel conflitos coletivos e pessoais. Nesse sentido, a vivência de palco permite evidenciar características individuais e resgata a ação espontânea e é uma alternativa interessante para a avaliação em seleção.
O compartilhamento, por sua vez, refere-se ao momento em que os candidatos expressavam suas emoções e seus sentimentos em relação ao grupo e ao que foi vivenciado. Após esse momento, ao final das atividades, era feito um processamento para que refletissem sobre o que havia sido vivenciado ali naquela ocasião, buscando relacionar às vivências fora desse espaço, um momento significativo para repensar as formas de se colocar no ambiente externo.
Também foi utilizado, na etapa final da seleção, o compartilhamento como uma oportunidade de fechamento do processo, no qual os candidatos puderam retomar o que havia sido vivido durante os dois dias de avaliação.
Nesse sentido, nas atividades do processo com foco no papel profissional, o objetivo era trazê-los para cena, a fim de que, a partir da vivência, as competências para exercer esse papel fossem expressas pelos candidatos; além de possibilitar que eles refletissem sobre esse papel profissional, bem como a respeito de suas escolhas de encarreiramento na empresa.
Para compreender o papel profissional, é necessário diferenciá-lo dos outros papéis sociais vivenciados pelo sujeito. Moreno (2008) conceitua papel como a forma de funcionamento de um indivíduo em um momento específico da relação com o outro. Dessa maneira, cada sujeito desenvolve diversos papéis em sua vida como forma de se relacionar com os outros e com o mundo externo e de se inserir na sociedade.
Dentro de uma organização, Datner (2006) diferencia dois tipos de papéis, o profissional e o funcional. O papel profissional se refere ao desempenhado pelo sujeito em sua ação de trabalhar, independente do cargo assumido. Está vinculado a aspectos individuais de vivências profissionais e conhecimentos técnicos exigidos no desenvolvimento de sua profissão.
O papel funcional, por sua vez, refere-se à organização. É a descrição do cargo e suas atribuições pela empresa, é o perfil esperado pela empresa para determinada função. Nesse sentido, o papel profissional acompanha o sujeito, e o que se busca em um processo seletivo é conhecer o papel profissional de cada candidato para verificar se está próximo do papel funcional buscado pela empresa.
Uma das técnicas utilizadas, o role-playing, permite o treino do papel, o seu desenvolvimento no palco, ou seja, em um espaço protegido. Datner (2012) afirma que o role-playing leva em consideração três aspectos: o “saber fazer”, que são os conhecimentos necessários para desenvolver a sua função, o “saber ser”, que se refere às características da pessoa em relação às suas atitudes e suas relações e o “saber agir”, que se refere aos conhecimentos, às habilidades e às atitudes que são mobilizados pela pessoa para o trabalho.
O role-playing foi utilizado nas seleções em uma vivência grupal, na qual era solicitado aos candidatos que escolhessem e representassem uma situação de trabalho conflituosa que envolvesse o cargo em foco da seleção.
Essa vivência permitiu ao diretor aprofundar questões da dinâmica das relações daquele grupo que apareceram em cena, e aos candidatos, construir alternativas e recriar situações vivenciadas no papel profissional. Os participantes foram estimulados a expressar seus sentimentos e as sensações em relação àquela cena, a determinado papel desempenhado por ele ou por outro, e foram convidados a repensar a cena de conflito de forma que se modificasse seu desfecho, construindo outras possibilidades para aquela situação. Com as cenas, foi possível melhor análise do perfil ou da proximidade ao papel funcional desejado, bem como levar candidatos e avaliadores à reflexão sobre sua atuação profissional e novas formas de exercer o papel de gestor.
O jogo dramático, como ação lúdica com personagens simbólicos, também foi utilizado para trabalhar os conflitos das dinâmicas grupais e as relações de poder, de forma que não causasse ansiedade em seus participantes, uma vez que estão representando personagens que não fazem parte de sua realidade. Para Conceição (2012), o jogo dramático traz a vivência espontânea e criativa em substituição a uma atitude mais reflexiva do sujeito em relação aos seus papéis e trabalha com o emocional trazido.
O jogo dramático foi realizado no final do segundo dia de seleção, momento em que a formação e o desenvolvimento do grupo encontravase em uma fase na qual a identidade grupal já havia sido criada.
Por ser um ambiente lúdico, os candidatos se sentiram menos tensos para representar os personagens e isso facilitou o aparecimento da espontaneidade e a avaliação de competências como liderança, estilo de gestão, visão estratégica. O jogo proposto tinha uma liderança hierárquica definida e propiciou ao grupo vivenciar momentos nos quais houve validação da liderança formal e outros em que essa liderança não foi legitimada. Neste último caso, surgiram lideranças informais e autênticas, com atuação significativa para a resolução dos conflitos.
RELAÇÕES DE PODER
No momento em que surgem as lideranças formais ou informais, estas podem ser ou não legitimadas pelos membros, e são determinadas pelas relações de poder manifestas e latentes no grupo. Segundo Moreno apud Nery (2010), no momento em que os papéis estão mais definidos, o grupo compete pelo poder e o exercita.
Para Foucault (1979), o poder permeia todas as relações estabelecidas no grupo:
Terceira precaução metodológica: não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder – […] não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. (p.183)
Nesse sentido, ampliam-se as possibilidades de avaliação do poder, no que se refere à forma como é construído pelo grupo e quanto à maneira como circula entre os participantes do grupo.
Ao longo dos dois dias de seleção, foi possível observar o poder nas interações no grupo, no entanto, o jogo dramático evidenciou mais claramente as lideranças grupais, em função do momento do grupo e da natureza da atividade proposta.
Foucault (1979) afirma que o indivíduo é efeito de seu poder e é ele que o transmite. O poder, desse modo, não se concentra em um indivíduo, mas aparece nas relações com os outros. Nessa perspectiva, a atividade de role-playing do papel profissional permitiu também avaliar a dinamicidade das relações de poder mais diretamente vinculadas à hierarquia organizacional.
DEVOLUÇÃO DE DADOS DA SELEÇÃO
Ao final da seleção, foi realizado um consenso entre os avaliadores para consolidar as percepções e avaliar a proximidade dos candidatos em relação ao papel funcional. O resultado consensual foi construído na intersubjetividade formada no grupo de avaliadores.
A última atividade do processo de seleção foi o momento do feedback individual, no qual os candidatos foram informados quanto à proximidade em relação ao perfil requerido para o cargo. Com a utilização de técnicas e métodos da socionomia os avaliadores tiveram maior facilidade para fornecer o feedback verdadeiro e mais próximo da autopercepção dos candidatos, porque puderam percebê-los de forma mais espontânea e, assim, identificar melhor as competências do perfil. A interação que ocorre no feedback é uma extensão do vínculo entre avaliadores e avaliados estabelecido no decorrer da seleção. E, nesse sentido, a utilização dos recursos da socionomia ampliou as possibilidades dessa interação e facilitou o processo de feedback.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com os métodos e as técnicas da socionomia foi possível trabalhar na seleção o papel profissional de forma criativa e espontânea, repensando e recriando papéis institucionais. Os selecionadores ampliaram a visão do processo e dos perfis dos candidatos, avaliando-os sob a perspectiva grupal. Assim, foi possível compreender, no contexto institucional, a dinâmica relacional dos candidatos na representação do papel profissional.
O grupo, em um contexto de maior espontaneidade e criatividade, possibilitou que aspectos individuais fossem realçados com mais facilidade, além mais bem avaliados. As atividades realizadas e a relação estabelecida entre avaliados e avaliadores potencializaram a expressão das competências individuais. Isso facilitou o consenso entre os avaliadores e, consequentemente, possibilitou a construção de feedbacks de melhor qualidade.
As técnicas também possibilitaram que o processo se tornasse mais formativo para os candidatos, ao vivenciar o “como se” do papel profissional, os candidatos puderam recriar formas de atuar nesse papel e até modificar o modelo institucional.
Além de tornar possível a avaliação das competências específicas para a função, como a liderança, a seleção instigou reflexões sobre as relações hierárquicas institucionais, ao evidenciar relações de poder existentes na cultura organizacional. O tema poder é pertinente para pensar criticamente o contexto avaliativo considerando-se que: a função em questão é de relevância estratégica para a empresa; os candidatos aprovados são vistos pelos demais com um poder diferenciado dentro de seu papel institucional; e os avaliadores são altos executivos da empresa, que têm uma representatividade importante e de poder dentro do processo.
Muito além de identificar pessoas, a seleção se firma em ter um caráter formativo. Mais que isso, passa a engendrar transformações institucionais, ao possibilitar a recriação e ressignificação de papéis profissionais e permitir a realização de diagnósticos das relações e dos processos organizacionais.
Com base nesta experiência, outras seleções têm sido realizadas com esse novo olhar, bem como o aprimoramento da formação dos selecionadores envolvidos nos processos e nas mudanças na gestão das áreas negociais.
Referências
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DATNER, Y. Jogos para Educação Empresarial: jogos, jogos dramáticos, role-playing, jogos de empresa. São Paulo: Ágora, 2006. [ Links ]
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ZAVAGLIA, T. Gestão de pessoas: desafios, tendências e expectativas. Campinas: Editora Alínea e Átomo, 2006. [ Links ]
Endereço para correspondência
Ana Carolina Poles Borgonovi
SGAN, 912 - módulo D, bloco A ap. 16 Ed. Park Ville
Asa Norte Brasília - DF - CEP 70790-120
acborgonovi@hotmail.com
Ana Cristina Rosa Garcia
Condomínio Ville de Montagne quadra 34 casa 1
Lago Sul Brasília - DF - CEP 71680-357
anacristinarg@hotmail.com
Cyntia Maria Parro
Condomínio Mansões Itaipu 36G
Lago Sul Brasília - DF - CEP 71680-373
cyntiaparro@gmail.com
Recebido: 16/06/2012
Aceito: 20/03/2013
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Marlene Magnobosco Marra, que nos inspirou e orientou nesta caminhada e nos possibilitou repensar nossa prática sob um novo olhar, mais espontâneo e criativo.
NOTAS
1. Esse artigo classificou-se em 1º lugar, no Prêmio Febrap 2012 (18º Congresso Brasileiro de Psicodrama), na categoria Artigo Científico de autoria de aluno em formação em Psicodrama ou de psicodramatista titulado no Nível I
2. A concepção dessa proposta de seleção foi realizada sob a orientação de Marlene Magnobosco