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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

https://doi.org/10.15329/0104-5393.20190009 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190009
Artigos Originais

 

Atos socionômicos: sobrevivência humana e ecologias por métodos ativos

 

Socionomic acts: human survival and ecologies by active methods

 

Actos socionómicos: sobrevivencia humana y ecologías por métodos activos

 

 

Ceres Maria Campolim AlmeidaI

IAnimus Psicodrama e Educação – São Paulo/SP – Brasil e-mail: ceresrh@uol.com.br

 

 


Resumo

Este trabalho enfoca Intervenções Grupais preventivas sobre danos à biodiversidade planetária causados pelo pensamento hegemônico, que privilegia incremento econômico sobre saúde e educação, aponta a necessidade de métodos ativos para a visão desenvolvimentista que recupere e preserve recursos naturais beneficiando vidas. Os Atos Socionômicos são alternativas para reexaminar o bem-estar pessoal e coletivo. No método sociopsicodramático, o sujeito real é o grupo, suas ideologias e desejo de transformação para aperfeiçoar relações intrapsíquicas e socioambientais. Nele, acolhemos participantes de diversas enfermidades biopsicossociais. Alcançamos respostas para enfrentar as situações-problema manifestadas por grupos contingentes, organizações comuns, instituições como família e escola. A temática das ecologias estimula desvelar o Homem cósmico integrado ao Planeta e desencadeia insights na construção de saúde e cidadania plena.

Palavras-chave: ecologias, cosmovisão, sociopsicodrama, mudança social


Abstract

This paper focuses on preventive group interventions on damages to planetary biodiversity caused by hegemonic thinking, which stimulates economic growth on health and education, points out the need for active methods for a developmental vision that recovers and preserves natural resources improving lives. Socionomic acts are alternatives for re-examining personal and collective well-being. In the sociopsychodramatic method, the real subject is the group, its ideologies and desire for transformation to strengthen intrapsychic and socio-environmental relations. In this method, we admit participants from different biopsychosocial identities and diseases. We get answers to the confrontation of problem situations manifested by contingent groups, common organizations, institutions such as family and school. The theme of ecologies stimulates the unveiling the Cosmic man integrated to the planet and triggers insights in the construction of health and full citizenship.

Keywords: ecologies, worldview, sociopsicodrama, social change


Resumen

Este trabajo enfoca Intervenciones grupales preventivas sobre daños a la biodiversidad planetaria causados por el pensamiento hegemónico, que privilegia el incremento económico sobre la salud y la educación, apunta la necesidad de métodos activos para la visión desarrollista que recupere y preserve los recursos naturales beneficiando vidas. Los Actos Socionómicos son alternativas para reexaminar el bienestar personal y colectivo. En el método sociopsicodramático, el sujeto real es el grupo, sus ideologías y su deseo de transformación para perfeccionar relaciones intrapsíquicas y socioambientales. En ese método, acogemos participantes de diversas identidades y enfermedades biopsicosociales. Alcanzamos respuestas para enfrentar situaciones problemáticas manifiestadas por grupos contingentes, organizaciones comunes, instituciones como familia y escuela. La temática de las ecologías estimula desvelar al Hombre cósmico integrado al Planeta y desencadena insights en la construcción de salud y ciudadanía plena.

Palabras clave: ecologías, cosmovisión, sociopsychodrama, cambio social


 

 

INTRODUÇÃO

A produção textual leva em conta conhecimento da autora por familiaridade com a temática, interação causal direta em que se observa execuções humanas nos impactos socioambientais cotidianamente e respostas de indivíduos e grupos durante e após atos socionômicos com essa abordagem.

Portanto, neste artigo, reiteram-se assertivas e percepções averiguadas em contextos social, grupal e sociopsicodramático sobre a desatenção da condição humana com seu habitat natural. Existe no mundo uma tendência de negação ou minimização da interdependência dos sistemas de organização humana com elementos naturais, por vezes levando a um separatismo que promove o esquecimento de que somos também natureza.

Desde a década de 1970, ecologistas alertam sobre a cadeia produtiva e os processos da indústria, da mineração e da ocupação humana desordenada, alterando ecossistemas, entendido aqui, como o conjunto de condições físicas e químicas repleto de organismos, que vivem em determinado local e interagem entre si e com o meio natural, formando um sistema estável, equilibrado e autossuficiente. Entretanto, constata-se que os alertas ecológicos são insuficientes, e a ciência e a tecnologia avançam sem atrelar a coletividade humana na ênfase das contribuições para mudanças sociais e desenvolvimentistas, capazes de reverenciar propriedades vitais do Planeta.

Conjunturas da macropolítica de desenvolvimento econômico, em que prevalecem os interesses de grupos minoritários, donos de multinacionais, latifundiários, banqueiros e lobistas, estabelecem regras para o monopólio e a utilização de recursos naturais na produção de bens. O foco, além dos lucros financeiros, concentra-se também na disseminação, por meio de mídias e redes sociais, de uma cultura do consumo, em detrimento ao estímulo a pensar nas autênticas necessidades da população.

Considerando as afirmações acima, faz-se premente intervenções com métodos ativos capazes de envolver pessoas e, facilitar a tomada de consciência em grupos e comunidades de todos os segmentos da sociedade contemporânea.

 

A lei da rede interpessoal e socioemocional afirma que, dentro das correntes sociais em permanente movimento e modificação, persistem estruturas mais ou menos sólidas: os meios de comunicação dos sentimentos sociais. Essas redes são o foco da origem da opinião pública. Através dessas redes são transmitidas sugestões e através de seus canais podem as pessoas se influenciar e educar mutuamente (Moreno, 1974, p. 55).

 

Participar em ciência, a partir dessa vertente da ecologia e da saúde, aludiria inúmeras estatísticas sobre doenças humanas causadas pelo consumismo, pela poluição do ar e das águas, pela presença dos agrotóxicos na alimentação, pelos efeitos nocivos da produção de transgênicos, pela excessiva industrialização e pelo processamento de alimentos, pelos excessos de antibióticos, hormônios, anabolizantes e contaminantes químicos encontrados nas carnes, pelas alterações radicais no cenário rural e das grandes cidades que removem suas florestas nativas e áreas verdes, pelos efeitos das radiações eletromagnéticas, pelas mudanças climáticas, entre outras intervenções humanas na “casa planetária”. Segundo Helena Ribeiro (2004, p. 71), “as preocupações com a problemática ambiental estão inseridas na Saúde Pública desde seus primórdios, apesar de só na segunda metade do século XX ter se estruturado uma área específica para tratar dessas questões”. Nos últimos anos, relatórios da Organização Mundial de Saúde – OMS (Nações Unidas do Brasil, 2018; 2019) abordam a ligação direta entre poluição e doença, entretanto, ainda em 2019 segue como meta a ser cumprida para prevenção de doenças, o combate à poluição ambiental e às mudanças climáticas. Considere-se ainda entre as ingerências referidas os conflitos de interesses nas relações institucionais e interpessoais, nas quais se incluem os meios de comunicação, as propagandas artificiosas, aliados, na realidade brasileira, à insuficiência de políticas públicas para educação, saúde e meio ambiente.

Em uma perspectiva qualitativa de análise, o presente artigo pretende afirmar sobre a potência do método Sociopsicodramático em sua aplicação a diferentes grupos nos quais a vivência do aqui e agora objetivadas e subjetivadas no palco dramático possibilita criar, agir e sentir o imaginário, integrando ao Momento a inteireza do Ser.

Sendo extenso o território das possibilidades de abordagem das ecologias, a pretensão nesta pesquisa se limita a manter vivo o sonho de Jacob Levy Moreno (1989-1974) para estimular o protagonismo de seus métodos de ação a serviço de uma transformação curativa.

 

SER CÓSMICO, NORMOSE E MOMENTO

Jacob-Levy Moreno – pesquisador, autor com legado de textos desde a década de 1920, cientista social e criador da Socionomia – reconhece leis que regem as relações humanas em grupos. Da Socionomia derivam métodos sociátricos, destacando-se o Psicodrama e o Sociodrama, aqui designado como método ativo Sociopsicodramático, definidos por Moreno (1983) como a ciência do tratamento dos sistemas sociais. Moreno desenvolveu sua teoria e suas práticas de intervenção grupal tendo como base o teatro adjunto a conceitos teóricos e técnicos como Momento, Teoria dos Papéis, Tele, Conserva Cultural, entre outros, e os fundamentos filosóficos como Encontro, Espontaneidade, Criatividade, Aqui e Agora, a crença no Criador do Universo e na centelha divina que anima o humano como Ser cósmico.

Moreno expressou sua Cosmo visão associada à filosofia mística com influências do hassidismo. Pierre Weil (2004) a partir do Psicodrama cria o Cosmodrama, sete seminários sobre a “Arte de viver a vida”, com ênfase na holística e na psicologia transpessoal. Fonseca (2000), em sua análise da dimensão cósmico-relacional do homem, afirma: “Se o universo é concebido como uma relação de todos os seus elementos, temos de buscar a posição do homem nesta rede relacional cósmica. Qual a sua posição no tempo e no espaço cósmico?” (p. 96).

De acordo com Moreno (1974),

 

o homem é um ser cósmico; é mais do que um ser psicológico, biológico e natural. Pela limitação da responsabilidade do homem aos domínios psicológicos, sociais ou biológicos da vida, faz-se dele um banido. Ou ele é também responsável por todo universo, por todas as formas do ser e por todos os valores, ou sua responsabilidade não significa absolutamente nada. A existência do universo é importante, é realmente a única existência significativa; é mais importante que a vida e a morte do homem como indivíduo, como tipo de civilização, como espécie. Depois da “vontade de viver” de SCHOPENHAUER, a “vontade de poder” de NIETZSCHE, “a vontade de valer” de WEININGER, eu partilho a “vontade do valor supremo” que todos os seres pressentem e que os une a todos. Daí coloquei a hipótese de que o Cosmo em devir é a primeira e última existência e o valor supremo. Apenas ele pode atribuir sentido a qualquer partícula do universo, ou um protozoário. A ciência e os métodos experimentais, se tem pretensão a serem verdadeiros, precisam ser aplicáveis à teoria do cosmos (pp. 21-22).

 

Assim sendo, como seres do Planeta Terra que participa do Sistema Solar no Universo, a humanidade está igualmente atravessada por tudo que afeta os ecossistemas terrestres.

A cada conflito situacional é possível expandir a força dos métodos da Socionomia de Moreno para criar condições favoráveis à empatia com seres bióticos e abióticos do meio ambiente, estimulando mudança social em tempos de normose comportamental na sociedade. Normose entendida por Moreno como a incessante busca de normalidade, mas aqui citada no sentido expresso nas obras de Pierre Weil como a patologia da normalidade.

Conforme Weil, Leloup & Crema (2003),

 

a normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento doença e morte. Em outras palavras, é algo patogênico e letal, executado sem que seus autores e atores tenham consciência de sua natureza patológica . . . A característica comum a todas as formas de normose é seu caráter automático e inconsciente. Podemos falar, no caso, do espírito de cordeiros. De um modo geral, os seres humanos, por preguiça e comodismo, seguem o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-se à crítica. Por comodismo, as pessoas seguem e repetem o que dizem os jornais: se está impresso, deve estar certo! Quantas não aderem a uma ideologia, religião ou partido político só porque é moda ou para serem bem vistos pelos demais? (pp. 22-24).

 

As massificações da maneira de pensar e agir vão sendo incorporadas no consciente e no inconsciente pessoal e coletivo criando um tecido social em que prevalecem os comportamentos automatizados, desprovidos de crítica sobre implicações no curto, médio e longo prazos. As pessoas tendem a seguir e repetir induções de programas de televisão ou de redes sociais pela internet, por serem meios rápidos, acessíveis e comumente descomprometidos com verificação de fatos e informações.

Nesse tecido social é que se inserem possibilidades de expressão do ser espontâneocriativo. Criação e recriação de ações disruptivas serão capazes de influenciar as micropolíticas e conter o microssistema que massifica e coisifica o humano e o Planeta. Tornar consciente costumes, desde o mais pessoal como alimentação até os efeitos do uso diário de redes sociais, são exequíveis no método de intervenção grupal, em que o desempenho de papéis e a criação de personagens no como se das dramatizações edificam outra subjetividade.

O momento como espaço e tempo de vivência simbólica da experiência social no palco Sociopsicodramático permite insights sobre a submissão socioambiental diante de macrossistemas políticos e econômicos ou ainda a criação de uma realidade suplementar. Moreno (1974) afirma que seu objetivo é a psicologia do momento, do homem em ação, momento não como parte da história, mas história como parte do momento. Assim sendo, hábitos pessoais nas moradias, nas organizações de trabalho, nas escolas, nos conglomerados humanos em cidades ou áreas rurais, em sua maioria, denotam o imperativo de construção de micropolíticas, possíveis de serem desencadeadas no Momento dos atos sociopsicodramáticos. De acordo com Moreno (1978),

 

o Momento é a abertura pela qual o homem passará em seu caminho. E ainda que possa parecer paradoxal, o intelectual, o artista, seres que, desde o advento do socialismo e da psicanálise, se converteram em entidades duvidosas e foram condenadas à morte, são e serão os primeiros portadores de uma revolução que, satisfará também o orgulho biológico do homem (p. 96).

 

A miragem é criar palcos para a expressão de micropolíticas por meio de cenas e dramatizações coconstruídas por atores espontâneos que, a partir do encenado e subjetivado, beneficiem ressonâncias para a preservação da biodiversidade.

 

ENVOLVIMENTO DA AUTORA COM O TEMA E O PSICODRAMA

Desde a infância em meio ambiente de cidade pequena, a autora nota um encantamento e uma simplicidade do brincar na terra, ao ar livre sob a luz do sol, sentir o vento e a chuva no rosto, correr em meio a árvores na beira de riachos ou ficar aborrecida com o cheiro e os ruídos emitidos por carros nas ruas. Então, aí poderá ter sido o status nascendi e o lócus da construção desse conhecimento e a matriz de identidade do papel de ativista em meio ambiente. Aos 18 anos, morando na metrópole paulistana, acentuaram-se a percepção, a contemplação e o bemestar nas diferentes cidades de cenários abertos e ricos em natureza e, também, estudos sobre os impactos da presença humana no meio ambiente.

Desde a formação de psicodramatista na Sociedade de Psicodrama de São Paulo – SOPSP (1982-1985), a autora participou de vários atos de Psicodrama abertos ao público com pequenos e grandes grupos e vivenciou nesse período a potência dos Atos Socionômicos, constatando, todavia, uma ausência de temáticas para objetivar e subjetivar no aqui e agora dos atos a questão da ecologia planetária. Com essa inquietação, nos últimos 17 anos, prioriza nos Atos Socionômicos o tema das três ecologias e, dessa forma, pensa contribuir para mudanças positivas nas áreas de saúde física, psicológica e socioambiental. Depois da titulação de psicodramatista didata na Animus – Psicodrama e Educação (2004-2006) e formação em Cosmodrama com Pierre Weil (2005), a autora verifica que as proposições de ato socionômico temático incidem aos participantes Encontros e descobertas de Caminhos a serem desvelados, cocriados e desbravados para elevar o bem-estar consigo e com o outro em que se inclui a natureza onipresente a todas relações.

 

Todas as coisas estão conectadas com outras. O mundo é organizado por sistemas que são formados por três componentes: elementos, interconexões e funções. Os sistemas são mais do que a soma de suas partes. São denominados pelas suas interrelações e seus propósitos, e organizados segundo uma hierarquia. (Dias, 2003, p. 225)

 

Com desejo de alargar a importância das ecologias para afetar psicodramatistas, foi apresentado em 2007 na Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) o trabalho de conclusão de curso de Supervisão em Psicodrama cuja parte metodológica consta na Revista Brasileira de Psicodrama, vol. 18, n. 1, pp. 103-120, 2010. Outro relato de experiência da autora com a temática em questão está publicado na obra Wechsler e Monteiro – Psicodrama em Espaços Públicos: práticas e reflexões, cap. 16, pp. 153-161, da editora Ágora, 2014.

Desse modo, fenomenologicamente, este relato se mescla com as histórias pessoal e profissional da autora.

 

PROTOCOLO

TÍTULO: Ecopsicodrama: O desafio da sustentabilidade humana na Terra e a prática de princípios éticos e valores humanos.

 OBJETIVO: Desenvolver uma pesquisa-ação por meio do Sociopsicodrama que possibilite reconhecimento de si mesmo, do Outro e do ambiente natural.

Diretor: A autora | Ego auxiliar: Originários dos participantes do grupo

Registrador: Filmagem de Thayná C. Rombach

LOCAL: Escola de Artes, Ciências e Humanidades – EACH-USP, São Paulo/SP

DURAÇÃO: 3 horas | Data de realização: 3 de março de 2016

 PARTICIPANTES: 10 jovens de 18 a 20 anos, estudantes de Gestão Ambiental

AQUECIMENTO INESPECÍFICO: A direção coloca uma música instrumental suave e estimula o silêncio e a reflexão sobre os motivos da presença no Ato Sociopsicodramático. A direção propõe um jogo dramático que denomina “Construção de cartografia ecológica” e conduz para o deslocamento corporal pela sala, revelando hábitos pessoais, princípios, valores e padrões comportamentais adotados cotidianamente nos contextos familiar e social. Ao som de músicas e em meio a dança, o grupo é conduzido para interação e alternância de duplas para falar sobre aspectos de si mesmo e do outro e demandas ligadas à temática proposta. Observação: Evidencia-se no jogo que os participantes se posicionem em alguma ou várias situações sem refletir efeitos de suas atitudes nas relações socioambientais. Por exemplo: não associam a escolha de alimentos e desenvolvimento sustentável.

AQUECIMENTO ESPECÍFICO: O grupo se dividiu em dois subgrupos adotando critério de escolha dos que se relacionavam na mesma turma do curso. Os participantes foram orientados a compartilhar sentimentos diante da temática do Ato e sobre as percepções do experimentado no aquecimento inicial e, a partir dessas trocas, criar cenas representativas da coletividade em relação ao vivido.

PRIMEIRA DRAMATIZAÇÃO: Por meio de gestos e expressão corporal, o subgrupo apresenta a cena de um grupo ensimesmado, dissociado de intercâmbio com o entorno. Uma das participantes assume um personagem cambaleante que, lentamente, tenta levantar-se saindo da postura de fechamento grupal na direção de um objeto intermediário (bola de pilates) e expressa o desejo de cuidar do que parece estar longe. Aparece resistência nos outros membros do grupo ao convite de fazer um movimento de abertura e puxam de volta o personagem protagonista “do jogo de forças”: ora resistindo, ora cedendo os demais da cena, quando gradativamente parecem perceber a “dobra do fora”. O personagem protagônico apontando para a bola sugere a presença do Planeta Terra no como se do palco psicodramático. De mãos dadas, parte dos personagens resistentes à mudança de postura vão cedendo e se aproximam do “Planeta Terra” num ir e vir titubeante. Entrevistados no papel pela direção afirmam que não querem, nem precisam olhar para a Terra. A personagem protagônica insiste fazendo força física para puxar os demais que aos poucos vão cedendo e terminam com uma cena onde todos tocam a “Terra” com as mãos em um gesto de reverência, expressando compromissos de cuidados com o outro e com a natureza. Solicitado pela direção, repetem a dramatização, agora com mais intervenções diretivas. Solilóquios: “liberdade; prisão; não preciso deixar zona de conforto; acreditar; presos no paradigma; somos obstáculos; o certo está aqui; estou perdido; venham o certo está aqui; indecisão, incrédulo; começo acreditar; descobri o que é andar de mãos dadas; o que impede de ir para lá? – o medo, um amor que ainda está do outro lado”. Para encerrar, a direção solicita que a plateia e os participantes da dramatização nomeiem o que viram ou sentiram. Predominaram as palavras união; equilíbrio; obrigada, Terra; segurança; gratidão; e paz mundial.

SEGUNDA DRAMATIZAÇÃO: O subgrupo também apresenta uma performance de Teatro da Espontaneidade por meio de movimentos dançantes e expressão corporal e sons vocais. Os participantes assumiram personagens individualizados sem a interação de um com os outros, sequer por meio de olhares: pássaro, animal, árvore, ondas de água e um ser humano simulando apego ao aparelho celular. Cada um joga seu papel na encenação. Solilóquios solicitados pela direção: “desequilíbrio da natureza; renascimento; dança da natureza; pássaros; sou o mar; consciência; egoísmo; sou árvore”. Na sequência, um dos personagens transita entre os demais tentando uma conexão entre eles e em determinado momento toca cada um e os une em formato de rede com as mãos e os braços. A direção entrevista esse personagem que se diferencia dos demais parecendo ter uma visão ampliada do contexto dramático: “quem é você?” e a resposta foi “consciência”. “Onde você está?” e a resposta foi “estou dentro de cada pessoa e em cada elemento desta cena”. Deixando a dramatização seguir espontaneamente, o grupo encerra apresentando uma imagem onde a rede se institui por meio de olhares e elos físicos. Há harmonia e estética na imagem.

TERCEIRA DRAMATIZAÇÃO: A direção propõe uma cena coletiva (os dois subgrupos) a partir da imagem descrita anteriormente. Inicia-se a cena com alguém perguntando: “Como colocar a consciência no coração de cada um de nós?”. O grupo maior parece mais espontâneo e alegre que os subgrupos anteriores e também optam por uma cena de maior expressão corporal do que falas. Combinam em voz baixa alguma coisa e a seguir vão formando um cordão de dança entre braços e abraços. Parecem estar se divertindo e mostrando uma atuação mais leve que nas dramatizações dos subgrupos como se as confusões estivessem resolvidas. Considerando as percepções e os sentimentos desde a etapa do aquecimento grupal, a direção intervém no papel de ego auxiliar como personagem que não acredita que os problemas socioambientais serão resolvidos facilmente. Após algumas falas nessa representação oposta ao movimento grupal, a direção cochicha no ouvido de uma participante para assumir esse papel, então, o ego auxiliar originário dos próprios participantes entra na roda dizendo: “Precisamos consumir mais, as empresas têm que lucrar, saiam dessa ilusão de vida sustentável, não quero saber de consciência . . .. Os demais ficam a princípio atônitos, mas depois reagem com falas fortes: “a gente consegue; a gente pode ser diferente; tem que agir com amor; tem que acreditar; vamos acordar. Ego auxiliar: “me prova que vale a pena, eu não quero saber de consciência, vamos consumir, o Brasil tem que crescer. Um participante rebate: “podemos crescer de outra forma. Os demais membros vão corporalmente envolvendo o ego auxiliar que se deixa convencer e a dramatização termina deixando (na direção) a impressão de que houve uma catarse de integração.

COMPARTILHAMENTO: Sentados no chão em círculo, os participantes foram orientados sobre os objetivos dessa etapa e cada um em seu tempo expressou como se sentiu ou foi “tocado” pela vivência. As falas foram em sua maioria voltadas para a autopercepção de quanto cada qual pode e se propõe focar mais em ações éticas, curativas e que qualifiquem suas convivências com pessoas e meio ambiente natural. Houve falas de quanto estavam saindo emocionados e repensando seus costumes de consumo, o reaproveitamento de materiais e a destinação adequada de resíduos acumulados no cotidiano da vida familiar, social e comunitária. Quase todos afirmaram que sentiam que há muitas coisas que apenas cada um pode fazer para melhorar as relações com a natureza e com as pessoas e que não depende nem de leis nem de governos. Alguns choraram em seu compartilhar e o clima foi de gratidão pela oportunidade de conhecerem um pouco o “psicodrama” e lamentaram que a maioria dos que confirmaram presença (70 pessoas) não puderam comparecer. A autora compartilha que saiu bem daquele encontro e com a sensação de estar fazendo seu possível.

Sobre os resultados: A reação dos participantes e suas falas no compartilhamento apontam que a vivência deverá ultrapassar as barreiras do espaço de realização do Ato Socionômico podendo atingir suas relações interpessoais com familiares, vizinhos, amigos e demais colegas da Universidade, com os quais seriam abordados assuntos sobre consumo consciente e responsabilidade com os recursos da natureza. Na dramatização final e no compartilhamento da vivência, verificou-se possibilidades, a partir de cada participante, de cunhar ressonâncias favoráveis ao meio ambiente nos contextos familiar, universitário e social que coexistem com as questões subjetivadas no contexto dramático e grupal.

Solilóquio da direção: Bons momentos neste grupo, mas o Caminho é longo.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

No protocolo descrito, são descriminadas as referências teóricas ao Teatro Espontâneo por possibilitar a expressão da espontaneidade e ao Axiodrama por se tratar de tema coletivo, trabalhado em grupo de objetivos comuns e cuja temática engloba valores socioculturais da Sociedade. As técnicas mais utilizadas no Ato em foco foram: Solilóquio, Representação Simbólica, Entrevista, Interpolação de Resistência e Estátua. Inversão de papéis e espelho não foram utilizados em razão da percepção da direção de que o grupo, em contato pela primeira vez com o método Sociopsicodramático, assumiu o desempenho de papéis com maior espontaneidade após diversos estímulos diretivos. As técnicas de inversão e espelho poderiam desaquecer e não se fizeram necessárias à resolução dos dilemas encenados no Ato em questão que, ficou mais qualificado como Teatro da Espontaneidade.

A metodologia ativa, aqui apresentada, mostra que a experiência possibilitou aos participantes uma revisão de suas posturas diante dos recursos naturais por meio de maior visibilidade de suas capacidades de mudança e potência para criar ressonâncias em seu convívio social. Todavia ter como objetivo de uma pesquisa-ação despertar a consciência para as ecologias pessoal, social e ambiental, levar a temática e criar influências para que o grupo se aproprie dessas questões não garantirá a incidência da apropriação do tema.

Incluir as ecologias nos métodos para investigação e prevenção de doenças é uma questão de acurada observação do pesquisador e abertura conceitual sobre causas de enfermidades e desequilíbrios relacionais. Contudo, planejar um trabalho grupal com determinado tópico nas clínicas de saúde, nas instituições, nas escolas ou em espaços abertos ao público não nos garantirá a “protagonização” do tema, pois sempre prevalecerá o desejo emergente do grupo. O que temos vivenciado em nossas práticas é que vários participantes se referem no compartilhamento sobre os caminhos das dramatizações e suas interfaces com a temática proposta. Ainda, como diretores, egos auxiliares ou registradores, podemos compartilhar sentimentos e finalizar com uma música ou poema que remete a uma reflexão de sermos natureza e que somos o microcosmo do Cosmos e Nele “tudo se conecta com tudo”.

No caso aqui relatado, na etapa de compartilhamento sobre o experimentado no método de ação, ficou evidenciado a tomada de consciência mais no âmbito do indivíduo que do coletivo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sobrevivência de gerações futuras, como espécie, requer mudança social para suprimir ações e políticas antropocêntricas. A essência dessa escrita está na obstinação em levar o tema das ecologias pessoal, social e planetária às publicações e, especialmente, nas intervenções grupais sociopsicodramáticas como meio de alertar e despertar uma consciência sobre o pensar a partir da natureza de que somos parte e de nosso desejo de que a vida continue seu florescimento saudável.

Especialmente, escolas, como tempo e locus nascendi de produção de conhecimento, também são espaços de atividades, operações sociais e serviços que causam impactos ambientais. Sobretudo, são as escolas que detêm o saber para formar cidadãos éticos, críticos e capazes de promover mudanças sociais para sustentabilidade (considera as necessidades da geração atual e das futuras). Intervenção com propósito análogo – realizada em 24 de agosto de 2017 no Colégio Estadual Presidente João Goulart, Balneário Camboriú/SC para 50 adolescentes de Ensino Médio – demonstrou, por meio de dramatizações, que a maioria dos participantes experimentam a problemática ambiental no abandono de animais domésticos, no corte de árvores para fins de uso de móveis e na violência interpessoal; entretanto, no compartilhamento da vivência, muitos puderam expressar suas preocupações com escassez de água potável, com a poluição dos rios nas proximidades de sua moradia, havendo manifestos de comprometimento para atuar em iniciativas de destinação correta de resíduos na escola e na comunidade. Proposição similar de ato socionômico – realizado em 27 de abril de 2018 com 27 estudantes do Ensino Médio no Centro Educacional Brasileirinho – Fortaleza/CE – evidenciou por meio das cenas dramatizadas que o meio ambiente se concentra na vivência de conflitos familiares, preocupação com ingresso na universidade e confusões interpessoais frequentes no ambiente de sala de aulas. Todavia, considerando a intenção do pesquisador na inclusão da ecologia planetária coexistente com as ecologias pessoal e social, na etapa de compartilhamento da vivência, foi possibilitada a expressão de sentimentos sobre como cada um relacionava as três ecologias com o experienciado no método ativo.

Uma das pluralidades desses atos refere-se à sua prática, que, por não ser processual, é mais imprevisível e inusitada. A prática de atos socionômicos se confirma como metodologia capaz de promover insights para mudanças na relação de pessoas, comunidades e o ambiente natural em que estão inseridas, ou apenas apontar, com a adoção da temática das ecologias, a coexistência de ações nocivas ao meio ambiente e enfermidades físicas e dramas intrapessoais e interpessoais que causam sofrimento.

Aqui, tem-se como norte a utopia de que os atos socionômicos criem uma potência para que cidadãos comuns enfrentem a macropolítica criando micropolíticas, como procedimento verdadeiramente terapêutico para atingir toda humanidade.

 

REFERÊNCIAS

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Fonseca, J. (2000). Psicoterapia da relação: elementos de psicodrama contemporâneo. São Paulo, SP: Ágora.

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Moreno, J. L. (1978). Psicodrama. (2a. ed.). São Paulo, SP: Cultrix.

Moreno, J. L. (1983). Fundamentos do Psicodrama. São Paulo, SP: Summus Editorial.

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Ribeiro, H. (2004). Saúde Pública e Meio Ambiente: evolução do conhecimento e da prática, alguns aspectos éticos. Saúde e Sociedade, 13(1), 70-90.         [ Links ]

Weil, P. (2004). A arte de viver a vida. (2a. Ed). Brasília, DF: Letrativa Editorial.

Weil, P., Leloup, J. Y., & Crema, R. (2003). Normose: A patologia da normalidade. Campinas, SP: Versus Editora.

 

 

Recebido: 15/11/2018
Aceito: 9/12/2018

 

Ceres Maria Campolim Almeida. Psicóloga clínica e organizacional (UNIP). Especialista em Psicodiagnóstico (Sedes Sapientiae). Psicodramatista e didata pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP). Supervisora pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP). Gestora de Organizações sem fins lucrativos (FMU). Conselheira Consultiva do Instituto Cílios da Terra (ICT) e ativista em causas ambientais.

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