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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.28 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

 

https://doi.org/10.15329/2318-0498.19473
ARTIGO ORIGINAL

 

O uso do tatadrama como possibilidade de transformação na preparação para a aposentadoria

 

The use of the tatadrama as a possibility for transformation in preparation for retirement

 

El uso del tatadrama como una posibilidad de transformación en preparación para la jubilación

 

 

Maristela Colombo1,*

1.Instituto Riopretense de Psicodrama - São Jose do Rio Preto (SP), Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo descreve um Sociodrama por meio do Tatadrama: Novos tempos, novos rumos, em um Programa de Preparação para Aposentadoria, oferecido aos servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O Sociodrama trata as relações intergrupais e atua para promover a mobilização dos sentimentos nos grupos por meio da catarse de integração que possibilita a elaboração da vivência. O Tatadrama é a transformação através da ação, método que busca no Psicodrama e na cultura popular das Bonequeiras no Pé de Manga do Crato, Ceará, os instrumentos de mudança e a simbologia do encontro consigo mesmo. ​A aprendizagem se dá por meio da vivência grupal e no compartilhamento, onde surge o sentimento de pertencimento e de transformação.

Palavras-chave: Aposentadoria, Psicodrama, Tatadrama, Ações Transformadoras, TJSP.


ABSTRACT

This article describes a Sociodrama through the Tatadrama: New times, new directions, in a Retirement Preparation Program, offered to the employees of the Court of Justice of the State of São Paulo. Sociodrama deals with intergroup relations and acts to promote the mobilization of feelings in groups through the catharsis of integration which allows the elaboration of life’s experience. Tatadrama is the transformation through action, a method that seeks in Psychodrama and the popular culture of Bonequeiras in Pé de Manga from Crato, Ceará, the instruments of change and the symbolism of the encounter with oneself. Learning takes place through group experience and sharing, where the feeling of belonging and transformation emerges.

Keywords: Retirement, Psychodrama, Tatadrama, Transformative Actions, TJSP.


RESUMEN

Este artículo describe un Sociodrama a través del Tatadrama: Nuevos tiempos, nuevas direcciones, en un Programa de preparación para la jubilación, ofrecido a los empleados del Tribunal de Justicia del Estado de São Paulo. El sociodrama se ocupa de las relaciones intergrupales y actúa para promover la movilización de sentimientos en grupos a través de la catarsis de integración que permite la elaboración de la experiencia. Tatadrama es la transformación a través de la acción, un método que busca en Psicodrama y la cultura popular de Bonequeiras en Pé de Manga de Crato, Ceará, los instrumentos de cambio y el simbolismo del encuentro con uno mismo. El aprendizaje se lleva a cabo a través de la experiencia grupal y el intercambio donde surge el sentimiento de pertenencia y transformación.

Palabras-clave: Retiro, Psicodrama, Tatadrama, Acciones transformadoras, TJSP.


 

 

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos" (Fernando Pessoa).

 

INTRODUÇÃO

Este artigo parte de um escrito psicodramático que recebeu o prêmio FEBRAP de melhor trabalho científico na categoria Psicodramatista Didata, no 21º Congresso Brasileiro de Psicodrama em 2018, com o objetivo de relatar o uso do método Tatadrama dentro da abordagem psicodramática, em um programa de preparação para aposentadoria (PPA) no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

O PPA surgiu a partir de um projeto grupal de preparo para servidores de uma comarca do interior de São Paulo em fase de aposentadoria. Para atender a grandes grupos, foi criado o Programa de Preparação para Aposentadoria anteriormente previsto em lei (Política Nacional do Idoso - Lei nº 8.842/94; Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, Lei nº 8.742/1993; e Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741/03/2003).

Essa preparação que antecede a aposentadoria, conhecida como PPA (Programa de Preparação para Aposentadoria), é um método norteador de ajuda que ocasiona mudanças significativas na vida dos servidores ao propor a reflexão sobre os diversos aspectos que envolvem  o processo (legais, biológicos, psicossociais, previdenciários e financeiros, entre outros), além de orientar sobre as dificuldades advindas com essa nova fase.

Segundo França e Penna (2009), o PPA "é a oportunidade para receber informações e para a adoção de práticas e estilos de vida que promovam a saúde" (França e Penna, 2009).

A preparação para aposentadoria é um programa que deve ser pensado em todas as empresas como qualidade de vida para todos. O que for efetuado com previsão e no tempo certo pode resultar em benefícios e evitar danos e despesas tanto para o sujeito que se aposenta quanto para as empresas que se preocupam com a aposentadoria dos seus empregados, compreendendo as expectativas e ansiedades pelas quais passa o indivíduo no período imediatamente anterior.

O Programa de Preparação para Aposentadoria busca trabalhar questões relacionadas à saúde e qualidade de vida, estimulando os trabalhadores a refletirem, de forma mais motivada e comprometida, sobre a decisão de aposentar-se enquanto ainda estão ativos. (Colombo et al., 2018). Possibilita estudar, avaliar, refletir e partilhar os conhecimentos acerca das características do processo de envelhecimento e aposentadoria, contribuindo com o avanço do entendimento sobre esses temas a fim de nortear e construir o futuro dos sujeitos que estão ou irão vivenciar esse processo.

A falta da participação em um programa de preparação para aposentadoria pode culminar na redução da qualidade de vida do servidor que sentirá profundamente o corte repentino de sua condição de trabalhador e cidadão participativo. É comum em alguns casos ocorrer separações conjugais, uso e abuso de álcool, depressão, ansiedade, estresse, dificuldades de relacionamento com amigos e familiares, levando ao isolamento e doenças mais severas.

Para Neri (2012) "não investir tempo em planejar pode levar, por outro lado, a perda de foco, desperdício de energias e falta de referências para se reorientar frente a pressões e incertezas que o desafio de envelhecer condignamente exige" (Neri, 2012).

 

APOSENTADORIA E ENVELHECIMENTO

No Programa de Preparação para Aposentadoria é imprescindível falar sobre a proximidade com a fase da maturidade, quando o trabalhador doou pelo menos 30 anos de sua vida a uma profissão e está próximo ao desligamento do ambiente de trabalho de longos anos.

O ritmo de envelhecimento da população em todo o mundo está aumentando rapidamente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), "nas próximas décadas a população mundial com mais de 60 anos vai passar dos atuais 841 milhões para dois bilhões até 2050, tornando as doenças crônicas e o bem-estar da terceira idade novos desafios de saúde pública global" (OMS, 2014).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população Brasileira está envelhecendo e até 2060 o percentual de pessoas com mais de 65 anos passará dos atuais 9,2% para 25,5%. Ou seja, um em cada quatro Brasileiros será idoso. A pesquisa continua informando que em 2039 o número de idosos com mais de 65 anos superará o de crianças de até 14 anos, o que acelerará a trajetória de envelhecimento da população. Atualmente, a população com até 14 anos representa 21,3% dos Brasileiros e cairá para 14,7% até 2060 (g1.globo.com, 2018).

As questões referentes ao envelhecimento são de diversas ordens e óticas, estando associadas ao declínio da vitalidade, da produtividade e da chegada da aposentadoria. No entanto, as mudanças provocadas pela medicina permitirão que se viva bem e melhor, e, num curto prazo, a humanidade contará com a força de trabalho de pessoas acima de 60 anos que estarão em pleno vigor.

Segundo Neri (2012) a pessoa idosa terá que se reinventar a partir de uma revisão de seus projetos de vida para desenvolver outros de acordo com a realidade vivenciada na atualidade, e "vislumbrar novas oportunidades de atuação profissional, descobrir outras competências e explorar outros campos de trabalho" (Neri, 2012).

A aposentadoria se dá concomitantemente com o envelhecimento, e por muito tempo ela representou algo como a retirada do convívio público e social em direção aos aposentos para esperar a morte chegar. Isso criou a imagem de alguém angustiado quando pensa que sua aposentadoria está próxima. Nessa ocasião, surgem os sentimentos de insegurança e de fragilidade pelo rompimento com a rotina, com os laços de amizade, com os laços profissionais e com o conforto material.

Culturalmente, o conjunto de modelos que envolve a aposentadoria acabou sendo pejorativo e aposentar-se passou a ser uma situação que degrada o cidadão. Ele se sente rebaixado e destituído de sua situação de cidadão. A aposentadoria é vista como uma situação em que o indivíduo se sente desvalorizado por não mais ser participante da população ativa e estar assim se tornando velho e improdutivo, sem contar que, por muito tempo, a aposentadoria coincidiu com o final da vida.

Nesse contexto, o imaginário social e o estigma da inatividade passaram a acompanhar os demais momentos da vida após a aposentadoria.

Aposentar e envelhecer fazem parte da vida, cabe a nós ver a aposentadoria como um momento de transição, um momento de "dar acabamento à identidade pessoal, muitas vezes negligenciada pelos valores da sociedade materialista e consumista que privilegia o desenvolvimento da identidade profissional" (Monteiro, 2012).

 

PROGRAMA DE PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA NO TJSP

O Programa de Preparação para Aposentadoria no TJSP, por mim coordenado, foi um projeto de educação continuada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo oferecido aos servidores mulheres com mais de 45 anos e homens com mais de 55 anos  em três momentos diferentes. Em 2015, foi ofertado como curso presencial e EaD; no primeiro semestre de 2016 só em EaD; e como presencial no segundo semestre de 2016. Foi realizado pela Escola Judicial dos Servidores (EJUS) na forma de curso em cinco encontros, sendo divulgado pela rede intranet do TJSP.

No primeiro curso, em 2015, foram oferecidas 160 vagas presenciais e 700 em EaD no formato de palestras expositivas (slides, vídeos), em encontros mensais com duas horas de duração, com total adesão dos servidores. Este curso foi editado para o ano seguinte (2016) em EaD, com 700 vagas.

No segundo semestre de 2016 foi ofertada uma modalidade presencial na cidade de São Paulo, com um número limitado de participantes, mesclando palestras e vivências em cinco encontros mensais com três horas de duração. Participaram desse curso 45 servidores.

Para o acolhimento dos participantes na abordagem presencial foi criado um espaço de reflexão com referencial psicodramático a fim de deixá-los à vontade, diminuindo assim a tensão e a ansiedade inicial. A escolha do psicodrama se deu por ser "um laboratório vivo para a experimentação da vida, com todos os seus obstáculos, exceto a punição, onde se ensaiam novas maneiras de vivê-la" (Moreno, 2008).

Para Perazzo, "a ação psicodramática torna-se visível a dimensão invisível da realidade suplementar que, por sua vez, reconduz a espontaneidade e a criatividade para onde tudo começa e acaba, ponto de partida, ponto de chegada..." (Perazzo, 2010).

Na abordagem psicodramática, os participantes se permitem vivenciar o lúdico, saindo de um padrão intelectualizado de respostas a determinados estímulos, deixando um campo tenso para entrar em um campo relaxado, que propicia maior participação e envolvimento dos mesmos.

 

A VIVÊNCIA SOCIODRAMÁTICA

No último encontro optamos por um Sociodrama, que é um método de ação criado por Moreno (1974), que articula "a possibilidade de revolucionar as atitudes, de sacudir os comodismos e de fazer emergir o sujeito humano, enquanto consciência prática de sua posição no mundo" (Naffah Neto, 1979).

Para tanto, realizamos um Tatadrama que trabalhou a questão do empreendedorismo e da qualidade de vida na terceira idade com o tema Tecendo Novos Tempos e Novos Rumos pela Arte de Brincar.

O Tatadrama é um recurso bastante interessante de resgate de potencialidades pelo ato de brincar. No ato de brincar, as pessoas resgatam sonhos plasmados nos bonecos de pano que elas levam embora, como símbolo concreto da sua reflexão.

A escolha do método Tatadrama objetivou dar aos participantes a possibilidade de se reinventar na arte de brincar, permitindo-lhes levar o resultado desta "brincadeira" séria para sua vida, para manterem-se vivos, sonhando e criando novos papéis. Essa foi uma forma aprofundada de resgatar as potencialidades dos participantes, fazendo com que voltassem a sonhar e a serem empreendedores desses sonhos.

 

O MÉTODO TATADRAMA

O Método Tatadrama se configura como um conjunto de dinâmicas sensoriais e corporais com fundamentação na espontaneidade do ato de brincar, associada às técnicas do Psicodrama e Sociodrama em suas etapas: aquecimento, dramatização e compartilhamento. Consiste na aplicação de jogos lúdicos e psicodramáticos, nos quais a figura dos bonecos de pano da cultura popular Brasileira é usada para promover o autoconhecimento, desvendar segredos, estimular os sentidos, as emoções, a consciência corporal e a imaginação. O ponto alto da vivência é o "como se", ato que possibilita a projeção do universo interior de cada participante no objeto intermediário escolhido. Essa escolha vai dar vida à ação, respeitando as necessidades do sujeito diante do tema proposto, potencializando a ação aos objetos envolvidos.

Na ação do método Tatadrama, os participantes são convidados a fazer uma transformação estética, visual e corporal no boneco de pano, e é neste contato mais íntimo consigo mesmo que se origina um espaço de reflexão no qual os papéis individuais são evidenciados, permitindo a livre expressão da criatividade, espontaneidade e a possibilidade do olhar-se numa nova perspectiva. (Garcia, 2010).

Nessa atividade foram trabalhados sonhos que o servidor, de certa forma, deixou paralisados por falta de oportunidade financeira, falta de tempo e/ou em prol do seu papel profissional. A intenção da vivência foi levar o participante a repensar seus projetos de vida não realizados pela dedicação de uma vida inteira ao papel profissional, e refletir sobre o melhor momento de reiniciá-los ou modificá-los, quando está prestes a fechar um ciclo importante em sua vida.

 

MATERIAL UTILIZADO

Bonecos de pano; objetos variados - pedras; diversos panos; lantejoulas; flores; símbolos diversos; agulhas; linhas; cola quente, armarinhos em geral, entre outros.

A vivência iniciou-se com a apresentação de um pequeno vídeo com a memória dos quatro encontros anteriores. Essa proposta fez com que os participantes fizessem uma retrospectiva dos temas abordados durante o programa com o objetivo de criar um ambiente motivador, culminando na possibilidade de rever seus sonhos e desejos para o novo papel a desenvolver, tecendo novos tempos e novos rumos na aposentadoria.

 

1. AQUECIMENTO INESPECÍFICO

Aquecendo o grupo para o trabalho:

Inicialmente, cada participante foi convidado a pegar uma semente em um saquinho dentro de uma cesta que continha uma palavra escrita junto ao mesmo. Ofereceu-se uma palavra em um saquinho com uma semente de árvore que poderá ser plantada, cuidada e cultivada para gerar novos frutos, buscando os pontos positivos e focando neles com palavras de estimulo ao recomeço, tais  como: capacidade, possibilidades, inovação, otimismo, mudança, ousadia, qualidade de vida, sonhos, criatividade, coragem, autoestima etc. Após isso, solicitou-se que andassem pelo espaço e fossem se olhando, se reconhecendo, se conectando uns aos outros, quando foi dada a consigna para trocar com os colegas, quantas vezes quisessem, as palavras-sementes que estavam em suas mãos.

Nesse momento, os participantes foram conhecendo as outras pessoas presentes e passaram adiante aquilo que de bom receberam. Aprenderam a recolher pra si o bom da palavra e  compartilhá-la com o grupo.

 

2. AQUECIMENTO ESPECÍFICO

A proposta do 5º encontro foi Reinserção produtiva ou empreendedorismo na 3ª idade, com o tema Elaboração de projeto de vida: tecendo novos tempos e novos rumos pela arte do brincar.

Solicitou-se aos participantes que andassem pelo espaço, alternando vários ritmos e retornando ao caminhar mais lento.

Esse aquecimento "ajuda na percepção do espaço físico, reconhecendo o tamanho do grupo, o volume que ele ocupa no espaço" (Perazzo, 1999). É fundamental que o grupo estabeleça um ritmo para a construção coletiva, além de criar as redes sociométricas que vão se transformando à medida que novas tarefas vão se colocando. Essa plasticidade sociométrica será fundamental para que exista espontaneidade na dramatização (Perazzo, 1999).

Enquanto os participantes se deslocam pelo espaço, são dadas consignas para que reflitam sobre a forma que usarão seu tempo; quais os desejos que querem realizar; o que os  ajuda a estarem prontos para a aposentadoria; quanto tempo eles dedicarão aos novos rumos que estão despontando?

Deixe sua imaginação alcançar a transformação idealizada.

Partindo desta reflexão e já sensibilizados com todo o conteúdo anteriormente adquirido e a sensibilização articulada ao tema, foi contada a história das Bonequeiras de Crato - CE que viraram empreendedoras. Foi narrado a eles, como uma metáfora, que não existe tempo certo para mudanças, para inovar e se reinventar, e que de muito longe foram feitos bonecos de pano  especialmente para cada um dos participantes do curso; e, utilizando a imaginação, que fossem criando o seu boneco, como seria seu corpo, seu tom de pele, seu cabelo, seus trajes, de que cores estariam vestidos e como seria sua face. Neste momento entrou em cena o objeto intermediário, respeitando as necessidades do sujeito diante do tema proposto, potencializando a ação aos objetos envolvidos.

 

3. DRAMATIZAÇÃO

Após o aquecimento e as dinâmicas corporais autoperceptivas, solicitou-se aos participantes escolher um boneco com o qual tinha se identificado dentre uma coleção variada de ambos os gêneros, iniciando o seu trabalho de observações sobre o mesmo, percepções, sentimentos e emoções.

Conduziu-se então o participante a uma mesa a qual foi dado o nome de Mundo de Valores, onde estão expostos vários objetos com símbolos da temática da vivência (pedras, fitas, tecidos, cola quente, agulha, linha, botões, enfeites, símbolos variados e armarinhos em geral), Após os participantes terem escolhido os objetos que desejaram, seguiram para a transformação do boneco, com a produção das vestimentas e ornamentações, utilizando como ferramenta a criatividade, a imaginação e a espontaneidade para resgatar sonhos de realizações pessoais e identidades profissionais deixadas pelo caminho, objetos que ficaram no passado e que de alguma forma fizeram parte da identidade pessoal de cada um. É um momento de encontro entre lembranças do passado e do presente levadas para o futuro.

A transformação visual e corporal no boneco de pano é um dos pronunciamentos mais originais dentro do Tatadrama, pois ao permitir que o participante o modifique, segundo seus critérios pessoais e criativos, propicia-lhe uma nova linguagem, rica em metáforas emocionais e reveladora de fatos de seu inconsciente (Garcia, 2013).

Nesse momento, os participantes ficaram totalmente envolvidos no processo criativo de reconstrução de si mesmos, colocando no boneco de pano os seus anseios, os seus desejos, vislumbrando o seu futuro, possibilitando relações transformadoras consigo mesmo e com os outros.

 

4. COMPARTILHAMENTO (SHARING)

No compartilhamento se reserva aos participantes o depoimento a respeito do que foi por eles vivenciado na dramatização, seja por descrições diretas de sentimentos, seja por reminiscências pessoais, seja por fantasias suscitadas (Moises Aguiar, 1999).

Após uns 50 minutos, foi solicitado aos participantes que concluíssem seus bonecos e os colocassem, já transformados, em um círculo no centro do espaço utilizado, para que os mesmos pudessem ser vistos por todos os componentes do grupo.

Foi o momento que cada um mostrou a sua arte e compartilhou as sensações, emoções e sentimentos que surgiram durante a experiência de brincar com o boneco.

Como o compartilhar é o momento de dar declarações do que foi vivenciado, seguem alguns depoimentos por encontros realizados.

 

DEPOIMENTOS

Primeiro Encontro: Aposentadoria e a nova etapa de vida. Depoimento: "Sair daqui criando vínculos me deixa motivada" (sic).

Segundo Encontro: Relação aposentadoria versus envelhecimento e suas dimensões socioculturais. Depoimento: "Isso vai ficar na memória de todo mundo. Faz com que a gente cresça apesar de estar tão velha, eu gostei muito" (sic).

Terceiro Encontro: Afastamento do trabalho e as questões emocionais. Depoimento: "Esse curso foi ótimo, foi muito bom estar aqui com os colegas, uns vão aposentar, outros vão demorar mais um pouquinho. Eu também pretendo entrar nessa o ano que vem" (sic).

Quarto Encontro: Aspectos legais e financeiros da aposentadoria. Depoimento: "A primeira parte da nossa vida nós já fizemos, educamos filhos, construímos famílias e trabalhamos. Agora podemos nos reinventar e fazer algo por nós" (sic).

Quinto Encontro: Sobre a reinserção produtiva ou empreendedorismo na 3ª idade. Nesse encontro aplicamos o Tatadrama Tecendo Novos Tempos e Novos Rumos pela Arte do Brincar. Depoimento: "A boneca me representa. Fecha com a gente sabendo das nossas capacidades, das nossas potencialidades e de tudo que a gente pode fazer, mas às vezes se sente acuada com esse trabalho, percebe que tem potencial e vida dentro da gente" (sic).

"Poder brincar de boneca nessa idade e ouvir o que ela tinha para me dizer foi uma experiência revigorante. Agora já sei o que vou fazer" (sic).

"Com a boneca descobri que dá para ter tempo para fazer minhas bijuterias, descobri o que eu queria fazer" (sic).

"Transformando a boneca descobri que posso fazer coisas. Pensei na aposentadoria. A gente tem a chave do nosso tempo" (sic).

"Percebi, brincando, que posso ressignifica minha vida. Fazer novos projetos e continuar vivendo ativamente. O trabalho com as bonequinhas e a transformação valeu a pena sim, continuem fazendo" (sic).

E com a máxima de Oliver Wendell Holmes, "nós não paramos de brincar porque envelhecemos, mas envelhecemos porque paramos de brincar", foi possível valorizar o boneco de pano ancestral como símbolo de transformação e de novas perspectivas no papel profissional.

 

DISCUSSÃO

É importante ressaltar que o envelhecimento mundial é um fato que gera preocupações políticas e de saúde. É preciso pensar a velhice como questão pública e não como problema social. Para tanto, será necessário integrar os idosos (pessoas acima de 65 anos) à sociedade, para a construção de uma velhice mais saudável sob o ponto de vista físico, psicológico e emocional.

Berzins (2003) afirma que o envelhecimento "é importante e tem consequência em todos os setores da vida humana, tais como econômico, saúde, previdência, lazer, cultura" (Berzins, 2003).

Sociodramas e Tatadramas relacionados aos temas envelhecimento, aposentadoria e novos projetos de vida serão necessários para ajudar na transição dessa fase da vida do ser humano e de sua biografia.

Estes métodos ampliam a criatividade e espontaneidade dos participantes de um grupo por ser um "método ativo que articula o modo de ser e de pensar de cada um com suas possibilidades de aprendizagem e de resolução de problemas" (Nery,2019).

Enfim, trabalhos dessa natureza representam um recurso potente na direção da transformação do tecido social que se apresenta carente de pertencimento e especialmente marcado pelo imediatismo, pelo individualismo extremo, pelas relações efêmeras e pelo vazio existencial (Toloi e Souza 2015).

 

CONCLUSÃO

Seguindo a revolução moreniana, que tem como proposta a recuperação da espontaneidade e da criatividade rompendo padrões de comportamento cristalizados, preconceitos e formas de vida social que levam ao "engessamento do ser humano", ousamos propor um Sociodrama para tirar os servidores do seu papel profissional e dar vazão ao papel funcional (pessoal). Assim, foi possível refletirem sobre a diversidade e as características do grupo de pré-aposentadoria por meio do lúdico.

"Tudo começa quando termina" Esta citação da autora do Método Tatadrama diz respeito ao fato que a mudança de atitude do participante se inicia com o término da transformação do seu boneco. "A transformação está em nossas mãos e todos somos artistas, temos possibilidades e potencialidades que devemos manter vivas dentro de nós". (Garcia, 2010).

Na abordagem psicodramática, os participantes se permitem vivenciar o lúdico, saindo de um padrão intelectualizado de respostas a determinados estímulos, deixando um campo tenso para entrar em um campo relaxado, que propicia maior participação e envolvimento dos mesmos.

O Tatadrama promoveu aos participantes o autoconhecimento pela arte do brincar, desvelando segredos há muito escondidos, instigando sentidos, emoções, consciência corporal e a imaginação. Foi gratificante ver o despertar dos sonhos e a obtenção de ferramentas para seguir sonhando e criando novos papéis, com capacidade, potência, espontaneidade e criatividade.

O Programa de Preparação para Aposentadoria no TJSP é um trabalho pioneiro e poderá ter um futuro promissor em função dos resultados apresentados pelos participantes.

Afinal, "o propósito do tempo é envelhecer o mundo, mas a resposta do mundo é renascer sempre com o tempo" (Guimarães Rosa).

 

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Colombo M https://orcid.org/0000-0002-7590-9679

*Autora correspondente: maristelacolombo@hotmail.com

Recebido: 23 Nov 2019 - Aceito: 03 Mar 2020

Editora de Seção: Rosely Cubo Pinto de Almeida

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