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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.37 Canoas abr. 2012
ARTIGOS DE PESQUISA
Fortalecendo redes sociais: desafios e possibilidade na prevenção ao uso de drogas na atenção primária à saúde fortalecendo redes sociais
Strengthening social networks: challenges and opportunities preventing the use of drugs in primary health care
Fortalecimiento de las redes sociales: desafíos y posibilidades em la prevención del uso de drogas em la atención primaria de salud
Fernando Santana de PaivaI,II,III; Pedro Henrique Antunes da CostaIV; Telmo Mota RonzaniV
I Universidade Federal de Minas Gerais
II Curso de Psicologia da Faculdade Machado Sobrinho
III Centro de Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (CREPEIA) da Universidade Federal de Juiz de Fora
IV Universidade Federal de Juiz de Fora
V Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
O presente estudo procurou levantar desafios e possibilidades da incorporação das redes sociais no processo de implementação de ações preventivas ao uso de drogas na Atenção Primária à Saúde (APS). Trata-se de uma pesquisa-intervenção empregando as seguintes técnicas de coleta de dados: observação participante, grupo focal com atores comunitários e entrevistas semiestruturadas com gestores de saúde. Os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo. Os resultados foram agrupados em duas categorias: "Redes de Saúde e Drogas" e "Redes Sociais e Drogas". A rede de saúde e drogas foi entendida a partir de sua desarticulação, sua função pedagógica e a concepção idealizada sobre a noção de rede. Em relação às redes sociais e drogas, observou-se uma ausência de participação e mobilização social dos sujeitos coletivos no debate em torno das ações e políticas locais. A pesquisa aponta para as ações preventivas ao uso de drogas onde o trabalho se organiza em um modelo fragmentado, sem incorporar e fortalecer as potencialidades comunitárias no que se refere ao enfrentamento dos problemas de saúde.
Palavras-chave: Saúde comunitária, Rede social, Assistência à saúde.
ABSTRACT
The present study sought to raise challenges and possibilities of incorporating social networks in the implementation of preventive drug use actions in Primary Health Care. This is a research-intervention using the following techniques of data collection: participant observation, focus group with community actors and semi structured interviews with health managers. To analyze the data, we used content analysis. The results were grouped into two categories: "Networks of Health and Drugs" and "Social Networks and Drugs." The network of health and drugs was understood from its disarticulation, its pedagogical function and design of idealized network. On social networks and drugs, there was a lack of political participation of the population. The research points to preventive drug use in a place where the work is organized in a fragmented model, without incorporating and strengthening local capabilities in dealing with health problems.
Keywords: Community health, Social network, Delivery of health care.
RESUMEN
El presente estudio trató de plantear desafíos y posibilidades de incorporación de las redes sociales en la implementación de acciones de prevención al uso de drogas en la Atención Primaria de Salud. Es una investigación-intervención mediante las siguientes técnicas de recopilación de datos: observación participante, grupos de enfoque con los actores de la comunidad y entrevistas semiestructuradas con los directores de salud. Para analizar los datos, se utilizó el análisis de contenido. Los resultados se agruparon en dos categorías: "Redes de Salud y drogas" y "Redes Sociales y Drogas". Las redes de salud y drogas se entienden a partir de su desarticulación, su función pedagógica y el diseño de la red idealizado. En las redes sociales y drogas, hay una falta de participación política de la población. La investigación apunta la prevención del uso de drogas en un modelo donde el trabajo se organiza de forma fragmentada, sin la incorporación y el fortalecimiento de las capacidades locales para hacer frente a problemas de salud.
Palabras clave: Salud comunitaria, Red social, Prestación de atención de salud.
Introdução
O paradigma do trabalho em redes tem sido aludido como resposta a uma série de dificuldades de ordem estrutural e relacional no que se refere à concretização de ações, projetos e políticas no contexto da saúde (Lopes & Baldi, 2009). Essa perspectiva assume o pressuposto que atores sociais e instituições se organizam a partir de um conjunto de articulações, constituindo vínculos, consolidando teias de relacionamento que conformam a dinâmica da vida sociocomunitária (Montero, 2010).
A discussão em torno deste modelo tem sido amplamente realizada no cenário acadêmico e da prática em campos distintos, tais como a administração, a sociologia, a antropologia, a saúde coletiva, saúde comunitária, a psicologia social, dentre outras (Mangia & Muramoto, 2005). O esforço tem sido o de apontar a importância, limitações e possibilidades em se compreender o processo de subjetivação dos atores sociais, atrelado ao desenvolvimento de intervenções que visem fortalecer recursos objetivos e simbólicos com vistas à melhoria da qualidade de vida de diferentes contingentes populacionais. A despeito da trajetória multidisciplinar vinculada ao conceito em tela, de maneira sintética, tentaremos nos aproximar da ideia que o conceito de redes representa, privilegiando os referenciais teóricos da Psicologia Social Comunitária em consonância com as discussões operacionalizadas no campo da saúde comunitária (Freitas & Montero, 2003; Meneses, 2008; Meneses & Sarriera, 2005).
Meneses e Sarriera (2005) traçam dois focos de estudos relacionados às redes sociais. O primeiro encontra-se ocupado especialmente com o aspecto estrutural das redes, utilizando um referencial metodológico de caráter quantitativo. O segundo aborda a funcionalidade das redes sociais, geralmente utilizando-se de metodologias qualitativas, ao propor a descrição das funções da rede social e caracterizando os vínculos com que estas se entretecem. Meneses (2008) considera que as principais funções das redes sociais são propiciar: a) apoio social; b) apoio emocional; c) orientação e aconselhamento; d) conjunto de regras sociais; e) ajuda material e de serviços; f) possibilidade de estabelecimento de novas relações. Montero (2010), por sua vez, argumenta que, a partir de uma perspectiva psicossocial comunitária, as redes sociais podem ser definidas como um emaranhado de relações que mantém um fluxo e refluxo constante de informações e mediações, organizadas e estabelecidas em prol de um objetivo comum: o desenvolvimento, o fortalecimento e o alcance de metas específicas de uma comunidade em um contexto particular.
Nesta direção, entendemos que o conceito de rede social, ainda que seja utilizado para fazer referência a distintas realidades, apresentam como ideia comum a imagem de pontos conectados por fios, de modo a formar a imagem de uma teia, onde os atores sociais são participantes ativos em sua construção e fortalecimento (Freitas & Montero, 2010). Tal concepção aproxima-se do preconizado por Meneses e Sarriera (2005) que definem as redes sociais como "um sistema aberto em permanente construção, que se constroem individual e coletivamente. Utilizam o conjunto de relações que possuem uma pessoa e um grupo, e são fontes de reconhecimento, de sentimento de identidade, do ser, da competência, da ação". Meneses (2008) ainda considera as redes sociais como uma construção individual e coletiva, onde os nós da rede são tecidos a partir das relações diárias entre as pessoas, sendo que tanto a estrutura como a função da rede, bem como os vínculos estabelecidos a partir de sua constituição serão caracterizados pelas relações estabelecidas entre seus componentes.
A noção de redes sociais aqui sinalizada está vinculada ao paradigma ecológico-sistêmico, que compreende o homem inserido em uma série de sistemas abertos e contínuos, compreendendo a subjetividade social como processo complexo, contextual e interativo (Sarriera, 2008). Portanto, pensar as redes sociais passa pela compreensão de processos e dinâmicas que envolvem vetores de ordem macroestrutural, como a cultura, os sistemas econômicos e político, crenças religiosas, ideologias, até os discursos e práticas cotidianas, concretizadas por sujeitos e instituições, tais como a família, a escola, as organizações do mundo do trabalho, as rede de serviços públicos, como a saúde, assistência social e segurança pública (Paiva, 2011).
Nesta direção, é importante inserirmos a noção de rede assistencial em saúde, que é entendida como um componente de uma rede social abrangente. Isto significa que se compreende a rede assistencial em saúde como um sistema inscrito no conjunto de articulações sociais e por sua vez como elemento constituinte da vida sociocomunitária. Trata-se de um conjunto de atores sociais e políticos bem como instituições, que conformam uma rede estruturada e dinâmica com a finalidade de assegurar a gestão e planejamento de ações, serviços e políticas no âmbito da saúde, que no caso brasileiro, organiza-se a partir da regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), através de seus princípios e diretrizes (Lobato & Giovanella, 2008).
A rede assistencial em saúde está organizada sob os princípios da integralidade e da intersetorialidade. No que diz respeito à integralidade da assistência, preconiza-se um conjunto articulado e contínuo em relação ao conjunto de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, realizados em todos os níveis do sistema de saúde (Brasil, 2006). No tocante ao princípio da intersetorialidade procura-se a assegurar a articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando o desenvolvimento social, superando a exclusão social (Junqueira, Inojosa & Komatsu, 1997).
Para tanto, é necessária a superação de práticas fragmentadas correntes no âmbito das políticas públicas, que acarreta na deficiência e até mesmo na falta de diálogo e interação entre os diferentes atores e setores que a constituem. Compreender a rede de saúde desde esta perspectiva integrada vai ao encontro do paradigma da saúde comunitária, defendido por Saforcada (2008). Segundo este autor, o principal componente deste paradigma é a comunidade, sendo as redes de assistência e, consequentemente, as equipes multidisciplinares de saúde atores coadjuvantes, que devem se moldar de acordo com as necessidades das próprias comunidades. Parte-se do princípio que ninguém melhor para definir suas prioridades e apresentar suas demandas do que a própria comunidade.
É sobre este marco teórico-metodológico que assumimos o debate em relação às ações prestadas pelos dispositivos assistenciais em saúde no que diz respeito à prevenção, promoção e reinserção social dos usuários de álcool e outras drogas em nosso país. Ou seja, temos acompanhado a constituição de uma rede assistencial voltada para o atendimento desta demanda social, tendo o envolvimento de atores sociais a partir de diferentes lugares e posições sociais, conformando um quadro peculiar no que toca aos processos de gestão e cuidado no âmbito das políticas públicas de saúde.
Atualmente, o uso e abuso de álcool e outras drogas contribuem na formatação de um novo perfil epidemiológico no Brasil e em todo o mundo. Vivenciamos durante as últimas décadas um processo de transição epidemiológica não linear, no qual as doenças relacionadas a agentes etiológicos externos têm sido substituídas pelo aumento da prevalência de morbidades crônico-degenerativas, e, ainda, àquelas mais relacionadas às condições de vulnerabilidade social, em que inúmeros contingentes populacionais estão inseridos. Quadro este que passa a exigir novas modalidades de enfrentamento e modelos alternativos de atenção à saúde, priorizando as políticas de redução dos riscos e danos associados ao uso destas substâncias em detrimento às abordagens de cunho reducionistas e discriminatórias (Brasil, 2005; Machado & Miranda, 2007).
Recentemente, em outubro de 2005, foi homologada a Política Nacional sobre Drogas (PNAD), que é composta por cinco frentes prioritárias de atuação: 1) a prevenção ao uso de drogas; 2) o tratamento, a recuperação e a reinserção social do usuário; 3) a redução dos danos sociais e à saúde causada pelo uso de substâncias; 4) a redução da oferta de drogas; 5) o apoio a estudos, pesquisas e avaliações na área (Brasil, 2005). No tocante à rede assistencial, tal política encontra-se sustentada pelos princípios de integralidade e intersetorialidade, sintonizados com o SUS, além de organizar seus processos de cuidado e planejamento de ações a partir da APS, que emerge como política de reorganização do modelo assistencial e como primeiro nível de atenção à saúde em nosso país (Brasil, 2005; Brasil, 2006).
A rede assistencial para álcool e outras drogas apresenta como elemento estratégico de articulação os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad), desde o cumprimento de suas funções na assistência direta de regulação da rede de serviços de saúde, atuando diretamente em conjunto com as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no contexto sociocomunitário, tendo como objetivo favorecer o processo de autonomização da vida dos usuários e da própria comunidade, aproximando-se do ideal da autogestão sociocomunitária (Brasil, 2004).
Em relação às redes sociais, a PNAD preconiza que a prevenção ao uso de álcool e outras drogas deve ocorrer através da articulação entre os diferentes segmentos da sociedade e dispositivos governamentais, com a construção e/ou fortalecimento de redes sociais visando à melhoria das condições de vida e promoção geral da saúde. Além disso, traça como diretriz para a prevenção ao uso de álcool e outras drogas o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar e multiprofissional, através da participação de todos os atores sociais envolvidos no processo (Brasil, 2005). Isto se justifica, pois, embora a atenção para álcool e outras drogas seja tarefa de uma rede articulada de serviços, é crucial que ocorra o fortalecimento dos recursos comunitários a fim de se constituir um cenário de real inclusão dos usuários (Bezerra & Dimenstein, 2008).
Portanto, ações desintegradas, formuladas e realizadas setorialmente por atores políticos, sem cooperação sistemática dos diversos atores que compõem a sociedade civil não conseguem atingir em sua totalidade as diferentes realidades em que estão inseridos os diversos atores que compõe a rede assistencial bem como as redes sociais mais amplas (Junqueira et al., 1997). Nesta perspectiva Lopes e Baldi (2009) consideram que para compreendermos os efeitos que uma estrutura em redes pode produzir, é necessário um entendimento prévio dos aspectos articuladores, relacionais dos grupos e instituições envolvidos que constituem e são constituintes destas redes. Nesta direção é imprescindível que as redes sociais sejam analisadas desde seus contextos sociais e históricos, avaliando quais os efeitos políticos e os impactos na vida dos diversos atores sociais que a compõe, e, sobretudo, quais são as demandas sociais emergentes assim como seus impactos na estruturação das redes assistenciais de saúde.
Frente ao exposto, o objetivo do presente artigo foi avaliar as articulações entre os diferentes atores e instituições inseridos na rede de saúde, buscando compreender os desafios e possibilidades de incorporação das redes sociocomunitárias no processo de implementação de ações de prevenção ao uso de drogas no âmbito da APS.
Método
O presente estudo se trata de uma pesquisa-intervenção de natureza qualitativa, sendo um recorte do projeto Disseminação de Práticas de Prevenção ao Uso de Drogas na Assistência Municipal. A duração total do estudo foi de nove meses, correspondendo ao período de março a dezembro de 2010.
Local
O município escolhido está situado no sudeste brasileiro. Por se tratar de um município de pequeno/médio porte, a rede assistencial de saúde local é organizada de forma horizontal, com uma maior proximidade entre gestores, profisionais e usuários dos serviços se comparados a municípios de grande porte.
No município, os serviços de saúde mental e, consequentemente, álcool e outras drogas, seguem um protocolo de avaliação através do acolhimento, avaliação, referência e contrarreferência dos pacientes que procuram os serviços da APS. Todo o paciente para se inserir na rede assistencial de saúde mental do município deve ser avaliado inicialmente através das ESF, exceto pacientes atendidos pelo serviço de urgências psiquiátricas.
Desenvolvimento
O projeto foi iniciado através do contato realizado junto aos gestores da secretaria municipal de saúde para a obtenção de autorização e colaboração em seu desenvolvimento. Essa pactuação envolveu a elaboração, em conjunto, das estratégias e formas em que a implementação do projeto ocorreria no município, respeitando as características locais.
Posteriormente, iniciou-se um trabalho de mapeamento através de reconhecimento e coleta de informações acerca das características locais como: rede de serviços do setor saúde, serviços para álcool e outras drogas e sua dinâmica de funcionamento, informações sobre a participação da sociedade civil no processo de definição, planejamento, implantação e avaliação dos serviços, articulação com outros setores (assistência social e educação), dentre outras. Para isso, os pesquisadores realizaram durante dois meses visitas às equipes de ESF, e às suas áreas de abrangência. Durante este período, participamos das reuniões mensais da Coordenação de APS realizada com os gerentes das unidades (enfermeiros), bem como da reunião do Conselho Municipal de Saúde (CMS).
A partir da realização desse diagnóstico inicial, levantaram-se possíveis pontos facilitadores e dificultadores concernentes às redes sociais e assistenciais voltadas para a intervenção sobre o uso e abuso de álcool e outras drogas.
Coleta dos dados
As estratégias de coleta de dados utilizadas foram: entrevistas semiestruturadas com o secretário municipal de saúde e a coordenadora municipal de atenção primária; grupo focal com atores chave do município (líderes comunitários e agentes comunitários de saúde), identificados durante o trabalho de campo; e a observação participante.
Os atores-chave foram convidados a participar do grupo focal devido a sua atuação destacada perante as comunidades, caracterizando-se como importantes nós nas redes sociais comunitárias. O roteiro abordava questões referentes à existência de propostas de trabalhos para álcool e drogas e o nível de participação da população (lideranças comunitárias/organizações sociais/instituições locais) na construção e implementação de políticas públicas de saúde, além de questões referentes à disposição e dinâmica de funcionamento da rede assistencial e à relação entre os atores da sociedade civil e política.
As entrevistas semiestruturadas, realizadas com o secretário municipal de saúde e a coordenadora da atenção primária municipal, foram realizadas antes e após a implementação do projeto. O roteiro de tais entrevistas abordava questões pertinentes à concepção dos mesmos sobre a rede municipal de saúde e sua dinâmica de funcionamento, ao papel de gestor desempenhado por ambos, a relação com os profissionais de saúde e a população, dentre outras. Sobre a observação participante, os dados coletados foram registrados em diários de campo, sendo discutidos periodicamente entre os pesquisadores envolvidos.
Análises dos dados
Os dados provenientes das entrevistas e grupo focal foram gravados em mídias eletrônicas e transcritos. Para a análise, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo do tipo temática e estrutural (Bardin, 2009). Para isso foi empregado o Atlas.ti v.7.0, um software construído como forma de auxílio na análise de dados qualitativos.
Aspectos éticos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, processo nº 0419/06. Todos os participantes consentiram sobre a realização da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A realização das entrevistas e do grupo focal foi efetuada em horário de trabalho e conforme as possibilidades dos participantes.
Resultados e discussão
Mapeamento
No município, em relação à rede de serviços de saúde, existem 177 estabelecimentos cadastrados no sistema de armazenamento de dados do SUS, sendo 147 da iniciativa privada e 30 de responsabilidade do poder público municipal, organizados na rede assistencial do SUS (DATASUS, 2010). Na APS são vinte e uma equipes de ESF distribuídas na zona urbana e uma ESF localizada na zona rural, além de uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde Família (NASF), responsável pelo matriciamento e organização do fluxo de pacientes. Esse núcleo é composto por profissionais da psicologia, fisioterapia, nutrição, educação física, assistência social e medicina (ginecologista). Em 2009, 76,5% da população era coberta pela ESF, sendo a média mensal de visitas domiciliares por família de 0,09 (DATASUS, 2010).
Através do mapeamento e coleta de informações com os profissionais da ESF e população, constatou-se que, em média, cerca de 850 famílias são atendidas por cada equipe de ESF. A média de profissionais por equipe de ESF foi de 9,73, variando de sete a doze profissionais por equipe. Quatro equipes de ESF não possuíam Auxiliar de Consultório Dentário (ACD), uma equipe encontrava-se sem enfermeiro, uma sem dentista e uma sem auxiliar de enfermagem. Nenhuma das equipes de ESF encontravase sem médico ou Agente Comunitário de Saúde, sendo a média de ACS por equipe de 5,17. A composição mais comumente encontrada entre as ESF era: seis ACS, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem, um dentista, um ACD e um médico, sendo encontrada em seis das vinte e uma equipes estudadas.
As maiores demandas da população junto às equipes da ESF eram de consultas médicas e odontológicas, aferições de pressão, requisição de medicamentos, realização de curativos e vacinas. Também foi relatado e percebido um aumento no fluxo de pacientes nos postos de saúde durante os horários de consulta médica e dentária. Dentro dessa demanda, os pacientes hipertensos e diabéticos são os grupos de pessoas que requerem um maior número de acompanhamentos.
Além dessas práticas, eram realizadas pelos profissionais da ESF ações como: grupos de puericultura; grupos de saúde da mulher e de gestantes (com realização de pré-natais, preventivos, atendimento ginecológico e aconselhamento); grupos para diabéticos; hipertensos; e palestras de cunho educativo e preventivo (no próprio posto e em escolas) sobre diversos temas, como educação sexual, drogas, dengue etc. Segundo a gestão municipal de APS e os profissionais de saúde, a realização de tais atividades vai de acordo com o levantamento de necessidades das comunidades feito pelas equipes de ESF.
A existência do NASF é relatada pelos profissionais como uma forma de auxílio, sendo principalmente os serviços de psicologia e fisioterapia bastante requisitados pela população. A realização de ações educativas, como palestras, também são citadas como atividades realizadas pelo NASF. Entretanto, o papel de matriciamento do fluxo de pacientes fica a cargo dos profissionais das equipes de ESF. Cabe ressaltar, que nem todas as equipes de ESF são cobertas pelo núcleo.
Na rede de atenção ao usuário de álcool e outras drogas, o município dispõe de um Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad) que atendia às cidades vizinhas também. Entre os grupos de autoajuda, eram cadastrados na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) quatro grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) e dois grupos de Narcóticos Anônimos (NA). Na rede particular havia uma clínica de repouso (OBID, 2010). Entretanto, durante o trabalho de mapeamento foram detectadas duas comunidades terapêuticas. Além disso, existia no município o Conselho Municipal de Políticas para Álcool e Drogas, que, no entanto, encontrava-se desativado.
Acerca das redes sociais do município, deparou-se com um quadro onde metade dos bairros abrangidos pelas equipes de ESF estudadas não possuíam associação de moradores, ou estas se encontravam desativadas. Ainda existiam casos de associações de moradores sem representatividade perante suas comunidades e de pessoas que percebiam e se utilizavam de tal espaço como uma forma de promoção política. Nos bairros onde existiam associações de moradores percebeu-se, no entanto, uma aproximação muito grande destas com as equipes de ESF. Diversas ações em parceria eram realizadas, indo desde a realização de palestras e eventos festivos para as comunidades até o cadastramento para programas assistenciais do governo e distribuição dos alimentos para as crianças abaixo do peso.
As entidades que exerciam maior influência na mobilização popular e possuíam maior inserção na comunidade eram aquelas que realizavam algum tipo de trabalho assistencialista, principalmente as relacionadas a algum tipo de grupo religioso. Os maiores exemplos foram a pastoral da criança, pautando suas atuações no combate à desnutrição infantil e a atuação de diferentes instituições religiosas na realização de variadas ações, como doação de donativos à população carente, doação de sangue, serviços de aferição de pressão e glicemia, palestras e grupos educativos sobre álcool e outras drogas, DST´s, gravidez na adolescência etc. O restante dos trabalhos era realizado através de trabalhos voluntários por parte da população.
As redes sociais no município para álcool e drogas ficavam em grande parte limitadas a trabalhos voluntários de atores e entidades comunitárias, grupos de autoajuda e instituições religiosas. A natureza dessas ações, em sua maioria, era de cunho assistencialista e/ou voltada para o tratamento da dependência.
Análise das entrevistas e grupo focal
Os resultados referentes ao processo de observação participante ao longo do projeto e às entrevistas e grupo focal foram agrupados em duas categorias centrais: Redes de Saúde e Drogas e Redes Sociais e Drogas.
Redes de saúde e drogas
Com relação à estruturação da rede de saúde do município, encontrou-se um quadro de desarticulação entre os diferentes níveis de atenção (primário, secundário e terciário). A rede de saúde local não concretiza os ideais de integralidade e intersetorialidade apregoados pelo discurso sanitarista, relegando-os a uma retórica incrustada no cenário das práticas de saúde. Os sujeitos e instituições que conformam a rede assistencial em saúde não implementam suas ações através da integração entre diferentes setores, inscritos na teia de relações que constitui a rede, e tampouco tem conseguido realizar uma articulação entre a própria rede de saúde. As razões para isto podem estar relacionadas ao ineditismo que tais concepções denotam como fica evidenciado no discurso de um ator estatal:
(...) a gente tentou implementar isso juntamente com a secretaria de educação que tem participado dos fóruns com a gente também, a secretaria de meio ambiente e a secretaria de ação social. Porém o envolvimento destas demais secretarias é uma coisa que a gente começou também é uma coisa muito nova, porque até então cada um estava trabalhando separadamente (...).
A despeito de não alcançar esta organização em rede, um aspecto importante observado nos processos da pesquisa-intervenção foram as concepções dos atores sociais e políticos em relação à função exercida pela rede de saúde na promoção do bem estar populacional. Ela emerge nos discursos dos sujeitos sociais com a missão de desempenhar um papel pedagógico junto à sociedade em relação a uma série de temáticas tidas como pertinentes ao âmbito da saúde. Neste sentido, a rede de saúde passa a ocupar a posição de um ator imprescindível e responsável por mudanças na vida comunitária, haja vista os parcos recursos sociais percebidos na própria comunidade, vista como apática e repleta de problemas estruturais.
Um dos aspectos em que as ações da rede de saúde tem se ocupado é a busca pelo rompimento com o modelo biomédico que baliza as concepções de saúde/doença da população, e, portanto, criam dificuldades para a implantação de um modelo de atenção à saúde organizado através da APS, como explicitado por um dos atores entrevistados: "Isso a população custou a entender né, porque na verdade eles queriam tratar mais com especialista. Mas na verdade, a porta de entrada que era o PSF, esse paciente não buscava esse atendimento".
Outro ponto que contribui para compreendermos a posição ocupada pela rede de saúde no cenário local, diz respeito à noção de rede embebida por um idealismo, que reproduz o discurso da necessidade de um trabalho em rede, coletivo e articulado. Discurso este que se aproxima de um messianismo por parte de quem atua e pesquisa o cenário das políticas públicas, haja vista sua capacidade técnica, experiência e destreza para a formulação de estratégias que caminhem nesta direção:
(...) através da voz dos profissionais, da voz da experiência, da prática, vocês trouxeram essa questão da das redes e eu acho que as coisas só funcionam em redes não adianta cada um trabalhar do seu... né do seu lado do seu jeito.
Não se questiona aqui o porquê do trabalho em rede, pelo contrário, este é tomado como uma assertiva pronta, como antídoto para os problemas da gestão em saúde. Este aspecto vale ser tensionado, uma vez que ao defendermos, sem problematização, um determinando modo de ação, permanecemos reféns de um saber fazer idealizado, sem conexão com a realidade material na qual estamos inseridos. Portanto, é fundamental que se faça uma reflexão sobre que trabalho em rede queremos? Como é trabalhar em rede? Porque adotar este e não outro modelo de análise e intervenção?
Em suma, podemos sintetizar nosso entendimento sobre a rede de saúde através de três pontos fundamentais: 1º) desarticulação da rede; 2º) função pedagógica e 3º) concepção idealizada de rede. A partir deste cenário é que podemos compreender os resultados concernentes ao processo de implementação de ações de prevenção ao uso de drogas.
Devido ao crescente uso de álcool e outras drogas, explicitada nas demandas oriundas de gestores, profissionais e população, percebemos a gestão de saúde municipal bastante solícita e parceira, no que diz respeito à organização e realização das etapas do projeto. Além disso, foram articuladas parcerias com um grupo de trabalho sobre álcool e outras drogas composto por gestores de diversos setores e um fórum intersetorial de saúde mental, onde as práticas relacionadas à saúde mental realizadas no município eram apresentadas e discutidas entre usuários e profissionais da rede em encontros quinzenais. Entretanto, apesar do esforço, como sinalizado anteriormente a rede de serviços se organizava de forma desintegrada e desarticulada. As noções de trabalho intersetorial e integral baseavam-se apenas na junção de diferentes setores para a realização de ações com caráter pontual. Foi notória a falta do envolvimento da sociedade civil no planejamento e realização das ações para álcool e outras drogas, sendo esta posicionada como mera receptora de ações e políticas públicas.
Podemos perceber como um dos problemas centrais no estrangulamento da rede de atenção para usuários de álcool e outras drogas, a incapacidade do CAPSad em suprir a demanda de usuários encaminhados e de sua interlocução com a APS. Foram relatados de forma recorrente problemas na referência e contrarreferência de pacientes a este dispositivo assistencial. Entretanto, mesmo o CAPSad não conseguindo administrar o fluxo de pacientes e assegurar o matriciamento da rede assistencial, ele foi observado através de uma ótica positiva pelos profissionais de saúde e gestores, em detrimento da época em que não existia. Ademais, como reflexo da rede assistencial do município, os serviços para álcool e outras drogas atuavam de maneira isolada, com dificuldades de articulação.
No tocante à rede de saúde, apesar das dificuldades destacadas, foram observados alguns pontos facilitadores para a disseminação das práticas preventivas, como: o envolvimento e a participação dos profissionais do CAPSad; a participação dos profissionais do NASF e, principalmente o trabalho desenvolvido pelas psicólogas no auxílio terapêutico aos dependentes e suas famílias; a organização do serviço na APS pelas enfermeiras, através de salas de espera e estratégias educativas em escolas; a aplicação dos instrumentos de rastreio pelos ACS; o envolvimento, também, dos auxiliares de enfermagem, enfermeiros, auxiliares de consultório dentário e dentistas, ressaltando a importância do trabalho multiprofissional e integrado.
Isso indica a importância do envolvimento de diferentes categorias profissionais e suas maneiras de analisar e abordar o tema álcool e outras drogas. A articulação entre os demais dispositivos da rede assistencial deve-se pautar, principalmente, através do trabalho multiprofissional integrado, tendo em vista a inserção destes profissionais, principalmente os ACS, nas comunidades (Nunes, Trad, Almeida, Homem & Melo, 2002). Tal fator, aliado à compreensão de que o componente principal das ações da saúde deve ser a comunidade, transforma-se no horizonte a ser percorrido quando se objetivam resultados mais efetivos das políticas públicas para álcool e outras drogas (Saforcada, 2008).
Consideramos que as ações, programas e políticas nesta área não devem ser prioridade de um único setor, devendo estar organizados através da articulação entre as políticas de caráter estruturante, como a saúde, a educação, a assistência social, a segurança pública, bem como a habitação e geração de emprego e renda (Mota, 2011). Compreendemos que se trata de um problema multifacetado e, portanto, atravessado por inúmeros determinantes sociais, o que justifica a adoção de estratégias coletivas para sua análise e intervenção, que tenham como fim a eliminação das desigualdades e iniquidades sociais.
Redes sociais e drogas
Como descrito anteriormente, durante o processo de mapeamento, observou-se no contexto pesquisado uma ausência de participação política da população no que diz respeito à análise de suas necessidades e proposição de ações, o que foi evidenciado tanto por gestores e profissionais como pela própria população. Neste sentido, a conformação da rede assistencial em saúde não contempla a participação e articulação com as redes sociais. Por conseguinte, a participação comunitária no âmbito da saúde é inexistente vinda das percepções dos diferentes atores entrevistados:
(...) infelizmente a participação da população não, eu vejo assim a população participa nos grupos, nos grupos que são feitos nos, nos, em cada PSF. Então assim de forma descentralizada, os grupos são organizados e a população participa ali na proposta do que é pra eles, né.
A partir disso, podemos perceber que as redes sociais não são parte constituinte da rede de cuidados em saúde, uma vez que a participação e mobilização social não são asseguradas, tampouco percebidas como relevantes para os processos de cuidado. Isto reflete a centralidade das tomadas de decisões no saber da equipe de saúde, além do poder de decisão atrelado ao ator estatal. Indubitavelmente, considera-se que este quadro se mostra fruto de um processo socio-histórico, no qual a tomada de decisões tem sido de responsabilidade exclusiva da gestão. Além disso, caracteriza-se como uma via de mãodupla onde não somente a posição da gestão, mas também a falta de conscientização e mobilização da população para a uma maior participação política contribuem para a manutenção do status quo.
Os nós que compõe as redes sociais são considerados ativos a partir da concretização dos conselhos gestores de políticas públicas. Trata-se de arranjos de cunho democrático que foram institucionalizados no contexto brasileiro desde a constituição de 88. No entanto, a despeito do caráter participatório e democrático de tais arenas, pensar a participação social apenas e/ou exclusivamente por tais mecanismos pode sinalizar certo engessamento e mesmo uma burocratização da participação e mobilização da sociedade civil na análise de suas necessidades e proposição de ações. Falas como "se o Secretário falou tá falado", foram repetidas, mostrando uma carência de significado dos próprios conselheiros sobre o seu papel. Isso pode indicar que a agenda de saúde é definida de fato pela secretaria de saúde e a ação do conselho é restrita quanto a decisões efetivas sobre as políticas de saúde. Quadro que temos encontrado em outras realidades sociopolíticas pesquisadas (Stralen, 2011).
Com relação ao uso de álcool e outras drogas, as redes sociais são vistas com informações distorcidas e com parcos recursos para o enfrentamento desta questão. Portanto, a rede de saúde, através de seus diferentes atores e instituições termina por assumir a função pedagógica conforme sinalizado anteriormente:
Essa é a verdade, porque eu acho que não tem mesmo né, uma informação, acho que é uma questão de cultura mesmo. A gente tem buscado uma mobilização, informar a população né, [...] os meios de comunicação direcionando o que a gente tem feito, o que o município tem feito dentro da sua rede de assistência a esse... à saúde mental, porque aí quando eu falo saúde mental tá vinculado a esses jovens que estão né==álcool e drogas==porque o álcool e drogas é direcionado, tá relacionado dentro da saúde mental, então a gente têm procurado, a gente ainda sente muita dificuldade né. A população, ela né, geralmente não tem esse envolvimento. É, geralmente ela tem sim, só os apontamentos né, a discriminação.
Predomina uma perspectiva de pouca participação e envolvimento das redes sociais em detrimento a questões de ordem cultural, que estruturam discursos e práticas discriminatórias. Neste sentido a temática "álcool e outras drogas" pode ser difícil de ser administrada junto à população em razão de seus posicionamentos estigmatizantes (Silveira, 2010). O papel da rede assistencial de saúde passa a ser o de ofertar informações e propagandear o que tem realizado, sendo os atores inscritos nas redes sociais vistos como meros receptores destas iniciativas. Neste sentido, os atores sociais são compreendidos como despreparados para assumir a posição de protagonistas e autogestores de suas vidas. Consequentemente as redes sociais são percebidas como inexistentes e/ou incapazes de concretização.
O uso de álcool e outras drogas ainda é percebido no contexto das redes sociais desde diferentes determinantes sociais e familiares, tendo a população uma concepção envolvida por preconceitos e estigmas em relação aos usuários (Silveira, 2010). Aqui, a política pública é vista como solução para este problema, leia-se, corrigir os maus comportamentos dos diferentes sujeitos inseridos nas redes sociais. O problema observado não se deve tanto a este papel fundamental dos atores inseridos na rede assistencial de saúde, mas sim ao total descrédito atribuído à população para pensar e enfrentar este problema, que diz respeito tanto a ela quanto aos gestores e profissionais inseridos nas políticas públicas de saúde.
De acordo com os atores sociais inseridos nas redes sociocomunitárias, as drogas surgem no discurso social atreladas à "conjuntura familiar" e a necessidade de mulheres (mães) serem orientadas para serem mais capazes de orientar seus filhos, e, portanto, estarem mais próximas em seus processos de desenvolvimento. Nesta perspectiva, as mulheres são colocadas como responsáveis pelo processo de cuidado e monitoramento da prole a fim de prevenir a adoção deste comportamento prejudicial à saúde. Ou seja, a mulher (mãe) é tida como a responsável por este processo (Paiva, 2009).
Além disso, devido a incursão em campo, foi possível observar que nas regiões marcadas por um cenário de acentuada vulnerabilidade social, com episódios de violência, falta de saneamento básico, falta de lazer paras as crianças e adolescentes, quadros de pobreza etc., o nível de dificuldade para a consolidação de um trabalho que envolva as redes sociais é maior, uma vez que a população está imersa em um contexto socioeconômico nos quais suas necessidades básicas de vida não são asseguradas, tendo assim prioridades consideradas mais urgentes em detrimento à questão das drogas. E isto favorece a representação social de profissionais e gestores sobre a população, que passa a ser objetivada como um conjunto de atores sociais com pouca capacidade de ter consciência de si e do mundo no qual vivem, cabendo então aos gestores e profissionais o papel de protagonistas no processo de organização e prestação de serviços no âmbito da saúde.
Contudo, algumas ações realizadas em parceria entre as equipes de saúde e as comunidades durante o projeto, como a realização de práticas educacionais e preventivas em escolas bem como a implementação de grupos de discussão com a população dentro dos postos da ESF indicam tentativas de se pensar a temática de álcool e outras drogas de forma mais ampla, visando consolidar a autonomia comunitária de acordo com suas realidades e potencialidade.
Considerações finais
Devido ao explicitado anteriormente, consideramos importante iniciativas de pesquisa-intervenção como esta aqui apresentada por compreenderem a discussão em torno das redes considerando a sua dimensão como estrutura de governo – dispositivos administrativos/redes assistenciais –, ao mesmo tempo em que buscam analisar sua configuração em meio à teia formada pelas redes sociais, que nos leva a compreender a maneira como os diferentes atores sociais e instituições se constituem e são constituídos a partir do processo de articulação em redes. A pesquisa aponta para as ações de prevenção ao uso de álcool drogas em um contexto no qual integralidade e intersetorialidade ainda não foram de fato consolidadas. Esta dificuldade repercute na integração das redes sociais existentes, uma vez que o trabalho ainda se organiza através de um modelo fragmentado e calcado no saber técnico, sem incorporar e fortalecer as potencialidades locais para o enfrentamento dos problemas de saúde existentes.
No que tange as redes sociais, o seu fortalecimento pode vir a ser uma forma das comunidades se organizarem, buscando melhorias em suas condições de vida. A ação em redes pode favorecer a concretização da autogestão comunitária, criando espaços e condições para a resolução dos diversos problemas sociais existentes e que necessitam ser enfrentados (Mangia & Muramoto, 2005; Rodrigues, Carvalho & Ximenes, 2011). Cumpre sinalizar que isto não implica em um afastamento e tampouco a diminuição da responsabilidade estatal na oferta e garantia de direitos humanos e sociais fundamentais, mas pelo contrário, implica em um realinhamento das responsabilidades que incide no planejamento das ações, programas e políticas públicas.
Nesta perspectiva, reiteramos que a participação, envolvimento e mobilização social devem ser encarados como mecanismos permanentes de inovação e construção de sociedades democráticas, onde os programas e ações em saúde sejam planejados e executados com e não para a população. Movimento que requer uma práxis dialógica entre Estado e sociedade civil, no qual se assegure o compartilhamento de responsabilidades na proposição de ações, análise de necessidades locais e garantia de políticas que representem de fato as diversas vozes sociais (Briceño-Leon, 1998).
Para tanto, consideramos fundamental repensarmos acerca dos pressupostos que orientam as práticas no âmbito da saúde. Conforme discute Saforcada (2008), é necessário ressignificarmos a práxis profissional em direção ao paradigma da saúde comunitária. Isto significar nos afastarmos do modus operandi tradicional desenvolvido pela saúde pública, bem como as estratégias defendidas pela saúde coletiva, que, apesar de haver representado um grande avanço, ainda se encontra limitada pelo pressuposto de que é a equipe de saúde (profissionais/gestores) o principal componente de seus programas de ação, e não a comunidade. Portanto, devolver o poder de decisão às populações em matéria de saúde constitui-se em uma forma de contribuir para a real democratização de nossas sociedades e, por conseguinte, no fim do neocolonialismo.
Finalmente, no que toca à perspectiva do trabalho em rede, consideramos essencial operarmos contínuos questionamentos acerca de esta ter se tornado a resposta para uma panaceia de problemas, sem que se efetue um importante exercício reflexivo a respeito. Ao propor este caminho de análise e intervenção não se deseja deslegitimar tal perspectiva de ação, mas, ao contrário, potencializá-la. Isto, pois acreditamos que ao se realizar um trabalho de análise mais acurado sobre como estão organizadas e articuladas às redes assistenciais e sociais no contexto socio-histórico no qual estamos inseridos, é possível tomarmos mais consciência das vicissitudes e recursos objetivos e simbólicos com os quais podemos contar e/ou devemos fortalecer, potencializar e mesmo lutarmos Neste sentido, contribuiremos indubitavelmente para o fortalecimento das redes sociocomunitárias, em prol de sua autonomia e emancipação.
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Endereço para contato
E-mail: fernandosantana.paiva@yahoo.com.br
Recebido em julho de 2012
Aceito em setembro de 2012
Fernando Santana de Paiva – Doutorando em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Machado Sobrinho. Pesquisador do Centro de Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (CREPEIA) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Pedro Henrique Antunes da Costa – Graduando em Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Telmo Mota Ronzani – Pós-Doutor em Álcool e Drogas pela University of Connecticut Health Center e Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da UFJF.