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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.37 Canoas abr. 2012
ARTIGOS DE PESQUISA
Estilos de vida de adolescentes escolares no sul do Brasil1
Lifestyles of scholastic adolescents in southern Brazil
Estilos de vida de adolescentes escolares del sur de Brasil
Sheila Gonçalves CâmaraI,II; Denise Rangel Ganzo de Castro AertsIII; Gehysa Guimarães AlvesIV
I Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil)
II Departamento de Psicologia (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre)
III Curso de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil)
IV Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil)
RESUMO
Este estudo enfoca os estilos de vida de adolescentes escolares a fim de identificar tanto as práticas protetivas quanto as arriscadas entre grupos de adolescentes. O estudo transversal contou com uma amostra de 1210 adolescentes escolares de nono ano do ensino fundamental de 66 escolas públicas estaduais da região metropolitana de Porto Alegre, RS. Os instrumentos foram inquérito de dados sociodemográficos e o questionário de comportamentos de saúde entre escolares. A análise de cluster permitiu agrupar os sujeitos segundo seus atributos e a análise discriminante serviu para identificar a combinação de variáveis capazes de explicar as diferenças entre os grupos identificados. Os resultados revelaram três grupos, sendo dois de meninas e um de meninos. Os primeiro perfil diferenciou meninos e meninas, tendo os meninos um perfil mais saudável, enquanto as meninas apresentaram mais sintomas físicos e psicológicos. O segundo perfil diferenciou os adolescentes com maior atividade social, indicativo de um perfil mais saudável, daqueles menos proativos. Os resultados revelam a necessidade de intervenções promotoras da saúde ou preventivas que considerem diferenças de gênero, bem como de grupos adolescentes com suas especificidades.
Palavras-chave: Adolescência, Estilos de vida, Sexo, Saúde adolescente.
ABSTRACT
This study focuses on the lifestyles of adolescent students in order to identify both protective and risky practices among adolescent groups. The cross-sectional study involved a sample of 1210 adolescents from ninth year of elementary studies of 66 public schools in the metropolitan area of Porto Alegre, RS. The instruments were a sociodemographic questionnaire and the Health Behaviors among Scholarship children. The cluster analysis grouped the subjects according to their attributes, and the discriminant analysis was used to identify the combination of variables that could explain the differences between the groups identified. The results revealed three groups, two of girls and one of boys. The first profile differed boys and girls, having the boys a more healthful profile, whereas girls presented more physical and psychological symptoms. The second profile differentiated adolescents with greater social activity, indicative of a healthier profile from that least proactive. The results show the need for health promoting or preventive interventions that could be able to consider gender differences, as well as groups of teenagers with their specificities.
Keywords: Adolescence, Lifestyles, Sex, Adolescent´s health.
RESUMEN
Este estudio enfoca los estilos de vida de adolescentes escolares a fin de identificar tanto las practicas protectoras cuanto las arriesgadas entre grupos de adolescentes. El estudio transversal conto con una amuestra de 1210 adolescentes escolares de noveno año de la enseñanza básica de 66 escuelas públicas estaduales de la región metropolitana de Porto Alegre, RS. Los instrumentos fueron un cuestionario de datos socio demográficos y el cuestionario de comportamientos de salud entre escolares. El análisis de cluster permitió agrupar los participantes conforme sus atributos, y el análisis discriminante fue para identificar la combinación de variables capaces de explicar las diferencias entre los grupos identificados. Los resultados revelaron tres grupos: dos de niñas e uno de niños. El primero perfil diferencio niños y niñas, teniendo los niños un perfil más saludable, mientras las niñas presentaron más síntomas físicos y psicológicos. El segundo perfil diferenció los adolescentes con mayor actividad social, indicativa de un perfil más saludable, de aquellos menos proactivos. Los resultados revelan la necesidad de intervenciones promotoras de la salud o preventivas que consideren diferencias de género así como de grupos de adolescentes con sus especificidades.
Palabras clave: Adolescencia, Estilos de vida, Sexo, Salud del adolescente.
Introdução
A adolescência constitui-se em um período crucial para as estratégias de promoção da saúde, posto que é um período de grandes modificações na vida dos indivíduos. Embora esse período seja considerado um dos mais saudáveis do desenvolvimento humano, as taxas de mortalidade por acidentes ou envolvimento em situações que acarretem risco à própria saúde são significativas (OPAS, 2001). É nessa etapa que a aquisição de estilos de vida voltados para a saúde pode consolidar-se de maneira definitiva no decorrer do ciclo vital do indivíduo (Heaven, 1996). Da mesma forma, como a adolescência consiste em um período de aprendizagens e experimentação, no qual são fortes as pressões contextuais para o início de práticas pouco saudáveis, os padrões comportamentais voltados para estas práticas podem tornar-se estilos difíceis de modificar posteriormente (Sarafino, 1994; Heaven, 1996).
A adoção de comportamentos vai depender do resultado das interações do jovem com suas circunstâncias peculiares de vida. Como os padrões culturais são uma construção social, faz-se necessário considerar que as escolhas dos jovens são influenciadas pelo ambiente no qual vivem. Isto é, um ambiente mais saudável proporcionará um estilo de vida com mais qualidade. Em contrapartida, quando as propriedades do ambiente são adversas, determinam estilos de vida menos saudáveis (Balaguer, Castillo & Pastor, 2002). Nesses contextos são desenvolvidos padrões comportamentais, os quais dizem respeito a formas recorrentes de comportamento que se executam de maneira estruturada, tornando-se hábitos quando constituem a forma preferencial de responder a diferentes situações (Rodríguez Marín & García, 1995).
Na confluência entre padrões culturais, hábitos e estilos de vida é preciso considerar a integralidade do contexto de vida adolescente em processos inerentes aos contextos sociais (históricos, políticos e econômicos) nos quais estão imersos. Assim, pensar a saúde do adolescente implica em refletir sobre os diversos modos de viver a adolescência e a vida (Ferreira, Alvinir, Teixeira & Veloso, 2007).
A imagem corporal e a satisfação com o corpo representam aspectos apontados como importantes preditores da percepção de saúde na adolescência (Haraldstad, Christophersen, Eide, Nativg & Helseth, 2011; Simões, Matos & Batista-Foguet, 2008). Tanto meninas quanto meninos preocupam-se com a imagem corporal. No entanto, para as meninas esta é uma marca que as identifica, exigindo corpos cada vez mais magros, enquanto meninos, por sua vez, tendem a desejar corpos mais fortes e atléticos. Estudo realizado com 402 escolares de Florianópolis/SC apontou que a insatisfação da imagem corporal é mais comum no sexo feminino (Pereira, Graup, Lopes, Borgatto & Daronco, 2009).
Neste sentido, o presente estudo visou identificar os adolescentes por grupos em função de suas características nas variáveis relacionadas à imagem corporal, atividade física, alimentação, sintomas físicos e psicológicos, consumo de drogas legais e ilegais, tempo livre, escola, comunicação com familiares e amigos, e percepção de saúde e felicidade. A partir dessa identificação, buscou-se apontar as variáveis que apresentavam maior capacidade discriminante para diferenciar os grupos.
Método
Amostra
Estudo de base escolar, com corte transversal, realizado com escolares do nono ano do ensino fundamental, matriculados na rede pública estadual de municípios da região metropolitana de Porto Alegre/RS (RMPA) em 2009 e 2010. A faixa etária foi fixada entre 12 e 19 anos, considerando a idade mínima neste nível de ensino e os critérios da OMS para a definição da etapa da adolescência (WHO, 1995).
A população foi identificada a partir dos dados disponibilizados pela Secretaria de Educação e Cultura/RS em 2009 (N=17.107 alunos matriculados). A amostra inicial foi calculada para representar a população total de escolares. Para o cálculo do tamanho da amostra considerou-se uma prevalência para qualquer desfecho de 50%, um erro máximo tolerado de +3,5% e um nível de significância de 5%. Além disso, para corrigir um possível viés de delineamento, uma vez que este foi um estudo transversal, ampliou-se o tamanho da amostra em 50%. Com isso, o tamanho da amostra com poder de representar o universo de escolares foi de 1125 sujeitos. Para tanto, foram sorteadas aleatoriamente 66 escolas da região metropolitana de Porto Alegre, resultando em 1244 escolares selecionados. Destes, 24 foram excluídos por não haverem preenchido o mínimo de 90% do instrumento de pesquisa, estando a amostra final composta por 1210 alunos, que representam 7% da população.
Instrumentos
Como instrumentos foram utilizados: inquérito de dados sociodemográficos (sexo, idade, raça/cor autorreferida, peso e altura autoinformados, e escolaridade dos pais); e, Comportamentos de Saúde entre Escolares, desenvolvido pela OMS para estudar os estilos de vida dos adolescentes em diferentes países (Wold, 1995). Deste instrumento, foram utilizados os blocos referentes a: imagem corporal, atividade física, alimentação, sintomas físicos e psicológicos, consumo de drogas legais e ilegais, tempo livre, escola, comunicação com familiares e amigos, e percepção de saúde e felicidade.
Procedimentos de coleta de dados
Após a autorização das escolas sorteadas, a coleta de dados foi realizada de forma grupal em salas de aula por bolsistas de iniciação científica e acadêmicos de psicologia treinados para a atividade. O tempo médio de aplicação foi de 30 minutos. Os participantes responderam ao instrumento de pesquisa mediante assentimento dos estudantes e autorização dos responsáveis (assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), no caso dos menores de 18 anos.
A aplicação inicial dos instrumentos foi acordada previamente com cada escola. Foram combinados três retornos semanais para captar os alunos faltantes no dia das coletas anteriores. Foram consideradas perdas os alunos matriculados que não estavam frequentando as classes e aqueles faltantes no momento da coleta de dados nos quatro encontros, bem como os menores de idade que não haviam trazido assinado pelos responsáveis o TCLE. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de afiliação dos autores (protocolo: 2008-495H).
Procedimentos de análise dos dados
Para a descrição da amostra foi realizada uma análise univariada. A análise de cluster (Hierárquica e K-Médias) permitiu agrupar os sujeitos segundo seus atributos em grupos e a análise discriminante serviu para identificar a combinação de variáveis capazes de explicar o máximo de diferenças nos perfis de escores médios entre os grupos identificados na análise de Cluster (Pardo-Merino & Ruiz-Díaz, 2002).
Resultados
A distribuição dos participantes por características sociodemográficas revelou que um maior contingente (39,8%) estudava na cidade de Porto Alegre. No eixo norte, contemplando os municípios de Canoas, Nova Santa Rita, Sapucaia, Esteio e Campo Bom, a amostra representou 38,8%. No eixo leste, representado pelos municípios de Cachoeirinha, Alvorada e Gravataí a 13,5% e, no eixo leste, representado apenas pelo município de Guaíba, a amostra correspondeu a 7,9%.
Quanto ao sexo, 51,4% dos participantes eram do sexo masculino. Houve maior concentração de estudantes com 14 anos (50,2%), com uma média de 14,4 anos (DP=± 1,09 anos), sendo esta a idade esperada para o nono ano do ensino fundamental. Em relação à cor da pele autorreferida, 74,4% consideraram-se brancos. Quanto ao estado nutricional, a partir dos dados de peso e altura informados pelos jovens, verifica-se que a maioria (66,1%) é eutrófica, 22,5% apresentam baixo peso e 11,4% sobrepeso/obesidade.
A escolaridade de pai e mãe foi equivalente, na seguinte ordem: sem estudos ou ensino fundamental incompleto (30,8% dos pais e 30,6% das mães), ensino médio completo (31,1% dos pais e 30,7% das mães), ensino fundamental completo ou médio incompleto (23,3% dos pais e 24,7% das mães) e curso superior (14,8% dos pais e 14,0% das mães).
A análise de cluster revelou que a melhor configuração do modelo, através do Dendograma, era a de três conglomerados. O método K-Médias permitiu verificar a distância euclidiana entre as médias ou centroides dos três clusters em cada variável (Tabela 1).
O agrupamento dos participantes em cada aglomerado apresentou distribuição desigual em relação ao sexo (tabela 2) e diferentes características em termos de satisfação com o corpo, felicidade, solidão, sintomatologia (tabela 3); e rendimento, comunicação com pai e mãe, ocupação do tempo, hábitos alimentares, atividade física e prática de esportes (tabela 4).
O aglomerado 1 (n=297) é composto por meninas que se consideram brancas, com menor índice de massa corporal e que estão relativamente satisfeitas com seu corpo. Elas têm menor sentimento de solidão e apresentam menos sintomas físicos (dor de cabeça, de estômago, nas costas) e psicológicos (sentir-se deprimidas, irritadas e nervosas). No que tange a dificuldades para dormir elas apresentam uma posição média e, quanto aos relacionamentos, elas apresentam um nível médio de facilidade/dificuldade de falar com pai e mãe e menor frequência de encontro com amigos fora da escola. Em relação ao estilo de vida, o consumo de álcool e tabaco é médio e a prática de atividade física e esportes é inferior aos demais grupos.
O aglomerado 2 (n=580) é formado por meninos, brancos, com índice médio de massa corporal, mas que estão mais satisfeitos com o seu corpo. Eles também apresentam pouco sentimento de solidão e menos sintomas físicos e psicológicos (dor de cabeça, de estômago, nas costas, dificuldades para dormir, sentir-se deprimidos, irritados e nervosos). Este é o grupo que tem mais opções sobre como ocupar seu tempo livre, maior frequência de contato com amigos fora da escola e melhor comunicação com pai e mãe. Apresentam o menor consumo de álcool e tabaco e a maior prática de atividade física e exercícios.
O aglomerado 3 (n=333) agrupou meninas, cujo grupo apresenta mais participantes que se consideram como não brancas, com maiores índices de massa corporal e que estão menos satisfeitas com seu corpo. Elas apresentam maior sentimento de solidão e mais sintomas físicos (dor de cabeça, de estômago, nas costas) e psicológicos (dificuldades para dormir, sentir-se deprimidas, irritadas e nervosas). As opções para ocupar o tempo livre são mais restritas. Elas apresentam média frequência de encontro com amigos fora da escola e pior comunicação com pai e mãe. Quanto a estilos de vida, essas meninas apresentam maior consumo de tabaco e álcool e média prática de atividade física e exercícios.
A investigação das variáveis que contribuíram para a diferenciação dos três clusters mostrou duas funções discriminantes. A primeira explicou 60,5% da variância e, de acordo com os centroides dos grupos, discrimina melhor os aglomerados 2 (-1,146) e 3 (2,151), sendo que o de número 1 (-0,174) está mais próximo do 2. Já a segunda função, explicou 39,5%, discriminando o aglomerado 1 (-1,951) do 2 (0,705) e 3 (0,513), que estão bastante próximos. O autovalor das duas funções foram, respectivamente, 1,915 e 1,248 e o l de Wilks foi de 0,153 na função 1 e 0,445 na função 2. Tais valores indicam que há pouca sobreposição entre os grupos. O valor transformado de l na função (X2=2251,29), associado a 40 graus de liberdade, e o valor de l na função 2 (970,20), associado a 19 graus de liberdade, apresentam p≤0,001. Na tabela 5, encontram-se as variáveis mais relevantes na capacidade diferenciadora das funções discriminantes.
A função 1 discriminante está composta por 11 variáveis com ponto de corte superior a 0,10. As variáveis referentes a sintomas psicológicos: sentir-se deprimido(a) (0,541), sentir-se nervoso(a) (0,537), sentir-se irritado(a) (0,493) e dificuldades para dormir (0,385), sentimento de solidão (=,329) e sintomas físicos de dor de cabeça (0,428), dor nas costas (0,377) e dor de estômago (0,269) são aspectos mais presentes entre as participantes do aglomerado 3. Já no sexo masculino (-0,232), a maior satisfação com o corpo (-0,210) e a maior facilidade de comunicação com o pai (-0,159) caracterizam o aglomerado 2.
A função 2 está composta por quatro variáveis. A maior prática de atividade física (0,809), maior prática de esportes (0,772), maior frequência de encontro com amigos fora da escola (0,167) e maior possibilidades de ocupação do tempo livre (0,118) são aspectos mais presentes no grupo 2, discriminando-o do grupo 1. Ressalta-se, nesta função, a proximidade entre os aglomerados 2 e 3, revelando uma maior similaridade entre estes grupos na discriminação com o grupo 1.
Discussão
Os adolescentes participantes do estudo são predominantemente de área urbana, com idade média adequada ao seu nível de escolaridade. Em sua maioria, consideram-se brancos e a maior parte de seus pais tem escolaridade igual ou inferior a que eles tinham no momento da coleta. Esses adolescentes, por estarem inseridos no contexto escolar, contam com um fator adicional de proteção que deve ser considerado na avaliação dos resultados (Gallo & Williams, 2008).
A análise de cluster revelou três grupos de jovens, sendo que as meninas dividiram-se em dois grupos. O aglomerado 1, de meninas, apresenta um perfil mais saudável em comparação com o outro grupo de meninas (aglomerado 3), ainda que ambos os grupos de meninas apresentem um perfil menos saudável que o grupo dos meninos (aglomerado 2). Este resultado é concordante com um estudo sobre a percepção de saúde de adolescentes, o qual encontrou uma percepção mais negativa entre as meninas (Strelhow, Bueno & Câmara, 2010). Nesse sentido, pode-se dizer que a percepção corresponde efetivamente a estilos de vida menos saudáveis. Galárraga, Aguilá e Rajmil (2009) também encontraram diferença entre os sexos quanto à percepção de saúde e de qualidade de vida, sendo que as meninas percebem-se com pior saúde. Outros estudos relacionados à percepção de bem-estar pessoal entre meninos e meninas revelam diferenças significativas para uma percepção mais negativa nas meninas. Em estudo de Sarriera, Bedin, Abs, Rodrigues e Paradiso (2012), com 1588 escolares do Estado do Rio Grande do Sul, com idade entre 12 e 16 anos (M=14,15; DP1,26), encontrou-se que apenas aos 12 anos as médias das meninas são superiores às médias dos meninos na percepção de bem-estar pessoal (Personal Wellbeing Index – PWI, Cummins, 1998), apresentando diferença significativa (t=2,068; df=591,34; p=0,039), com médias de PWI de 82,58 para meninos e 80,85 para as meninas. Isso, de certa forma, reflete-se nos dados acerca da avaliação dos adolescentes quanto à sua alimentação. Os meninos consideram sua alimentação mais saudável em comparação com seus pares, enquanto as meninas tem uma avaliação menos positiva.
A avaliação subjetiva de saúde, a satisfação com a imagem corporal e a percepção de felicidade são mais positivas entre os meninos, indicando que os três construtos seguem um padrão. Em estudo realizado com estudantes portugueses, a contribuição do gênero explicou apenas 3% da variância de bem-estar. No entanto, foi verificada associação entre autoestima e bem-estar subjetivo (satisfação com a vida). De acordo com os autores, a autoestima corresponde a uma avaliação do sujeito sobre si, enquanto a satisfação com a vida representa uma avaliação da vida em geral. Essa relação foi interpretada como resultante do fato de ambos os construtos terem em comum um componente valorativo e emocional: gostar de si ou da vida que se tem. Nesse sentido, a relação entre autoestima e bem-estar subjetivo abre espaço para que se possa falar de níveis de felicidade, os quais podem ser considerados como mediadores das dimensões psicológicas relacionadas com objetivos, motivações, autonomia e autorrealização (Ryff, 1989; Delle Fave, Brdar, Freire, Vella-Brodrick & Wissing, 2011).
O modo como o indivíduo utiliza seu tempo livre varia conforme o contexto social, cultural, econômico, ideológico e físico no qual está inserido, incluindo fatores psicológicos individuais do adolescente (Sarriera, Paradiso, Mousquer, Marques, Hermel, Coelho, 2007). Na adolescência, grande parte do tempo livre é ocupada na companhia de pares (Garcia-Castro & Perez Sanchez, 2010). Embora muitas atividades sejam compartilhadas com a família, é fora de casa que se estabelecem relações interpessoais mais aprofundadas, seja com pares ou outros adultos (Bueno, Strelhow & Câmara, 2010). A família, no entanto, segue tendo um papel de referência para o adolescente, assim como o contexto escolar (Klosinski, 2006; Lila, Buelga & Musitu, 2009).
Nesse sentido, é preciso contextualizar o sentimento de solidão experienciado pelos jovens. No presente estudo, os meninos são os que apresentaram menor sentimento de solidão, o que se soma aos aspectos relacionais e estilos de vida como gostar da escola, percepção mais positiva de seu rendimento escolar, facilidade para fazer novos amigos e frequência de encontro com amigos e comunicação com pai, mãe e amigos. O contexto relacional avaliado contemplou essas dimensões da vida adolescente nas quais os meninos apresentaram dados mais positivos, seguidos pelas meninas do aglomerado 1. O sentimento de solidão, na adolescência, está ligado a esferas bem específicas de sua vida. A literatura aponta que pessoas com mais amigos, com maior qualidade em suas relações e mais interações sociais apresentam maior satisfação com a vida (González Carrasco, 2006).
No que diz respeito à mediação psicológica entre suporte social e saúde, há consenso entre vários pesquisadores, seja pela diminuição dos efeitos negativos de eventos estressores ou pelos mecanismos desenvolvidos no contexto familiar que permitem ao indivíduo a busca pelo suporte social (González Carrasco, 2006). Estudo realizado com 3185 crianças e adolescentes de Portugal, com idades entre 10 e 16 anos, encontrou que as meninas apresentavam médias significativamente superiores em atividades ligadas ao suporte social em comparação aos meninos. Para os autores, as meninas têm maior satisfação em desenvolverem atividades com a família e mais facilidade para falar de sua intimidade, enquanto os meninos falam pouco de si próprios e são mais seletivos na escolha de pessoas com quem conversar sobre temas pessoais (Gaspar, Ribeiro, Leal & Matos, 2008). Diferente desse, o presente estudo verificou que ambos os grupos de meninas, em comparação o de meninos, apresentam maior sentimento de solidão, gostam menos da escola, consideram seu rendimento menor, têm menos facilidade para falar com os pais e para fazer novos amigos.
Os fatores mais importantes na diferenciação entre os dois grupos de meninas e o grupo de meninos dizem respeito a sintomas físicos e psicológicos e consumo de tabaco, álcool e maconha, nos quais as meninas do aglomerado 1 passaram a ter maior proximidade com o aglomerado 2 dos meninos e ambos diferenciaram-se do aglomerado 3, de meninas. A frequência de meninas do grupo 3 que apresentou dor de cabeça, de estômago, nas costas, dificuldades para dormir, sentimento de depressão, irritação e nervosismo foi bem mais elevada que os dois outros grupos. O mesmo ocorreu com o consumo de tabaco, álcool e maconha, além de mais situações de embriaguez. Nesse sentido, o perfil do aglomerado 3 permite identificar um grupo de meninas com estilo de vida muito pouco saudável, o que se reflete nitidamente nos aspectos individuais, psicossomáticos e psicológicos, bem como nos aspectos relacionais e de uso de substâncias.
Esse resultado sugere que as meninas do conglomerado 3 têm vivido um contexto perceptivo e relacional bastante negativo, o que se soma a uma menor percepção de saúde e felicidade, mais sintomas físicos e psicológicos e um estilo de vida mais voltado ao uso de substâncias. Assemelham aos meninos (que correspondem ao grupo mais saudável) no que tange à prática de atividade física e esportes. Nesse aspecto, os aglomerados 2 e 3 diferenciam-se bastante do aglomerado 1. Quanto à diferença entre meninos e meninas, estudo com 960 adolescentes de Pelotas, RS identificou uma prevalência de sedentarismo de 22,2% para os meninos e 54,5% para as meninas. Foi identificada a influência de fatores biológicos, comportamentais e culturais na determinação do sedentarismo (Oehlschlaeger, Pinheiro, Horta, Gelatti & San'Tana, 2004).
Em estudo qualitativo sobre tempo livre entre adolescentes de ensino médio na Argentina, os autores identificaram que sempre havia um contingente de jovens "não adaptados" ou que "não se encaixavam" no conceito hegemônico sobre o que representava ser um estudante de ensino médio. Esses jovens eram denominados "estranhos" ou "nerds", termos que têm uma conotação pejorativa entre adolescentes. No entanto, os pesquisadores verificaram que os jovens assim classificados não buscavam aceitação pelos pares, parecendo não ser importante a opinião dos demais sobre eles. Eram jovens, habitualmente, identificados com algumas tribos juvenis (Camarotti, Di Leo & Kornblit, 2007). Não é possível afirmar que esse seja o caso das meninas do aglomerado 3, uma vez que tanto meninas quanto meninos podem identificar-se ou serem classificados como desviantes, segundo o padrão normativo entre os pares.
Ao serem avaliadas quais, dentre as variáveis em estudo, melhor diferenciam os três grupos, identificam-se dois perfis que discriminavam sempre os meninos das meninas. A adolescência, como uma etapa do ciclo vital, apresenta suas peculiaridades e, entre elas, está o processo de organização identitária, o qual é extremamente angustiante e acarreta uma profusão de sentimentos para ambos os sexos (Contreras Romeroe et al, 2009). No caso das meninas, no entanto, estes se apresentam como sintomas psicológicos (depressão, nervosismo, irritação) ou psicossomáticos, como é o caso de dor de cabeça, nas costas, no estômago e dificuldade para dormir. São sintomas que estão presentes em qualquer etapa do ciclo vital, mas na adolescência, podem fazer parte de uma experiência feminina (Campagna, 2005).
A satisfação com o corpo entre as meninas tende, também, a ser menor (Contreras et al, 2009). Esse tem sido um fenômeno recorrente nos estudos sobre imagem corporal (Langoni, Aerts, Alves & Câmara, 2012; Pereira et al, 2009) e os resultados indicam uma maior preocupação com a aparência física entre as meninas. Ou seja, a socialização de gênero ainda se faz presente, com as meninas incorporando em sua identidade uma ideia de corpo de beleza ideal (Pereira et al, 2009). A comunicação com a figura paterna também pode ser derivada dessa socialização, uma vez que as meninas sofrem maior controle familiar e, possivelmente, têm maior dificuldade de conversar com o pai sobre seus interesses (Guimarães, Hochgraf, Brasiliano & Ingberman, 2009). Os meninos, por sua vez, são incentivados a um estilo de vida mais livre e menos regulamentador, o que abarca a prática de atividade física e esportiva, o uso de tempo livre e a socialização com os amigos (Contreras Romero et al, 2009; Traverso-Yépez & Pinheiro, 2005).
Os dois perfis encontrados diferem por seu caráter internalizante (função 1) e externalizante (função 2). Os aspectos voltados para sensações do indivíduo, incluindo sintomas psicológicos e físicos, bem como a preocupação com o corpo, são os aspectos que diferenciam os jovens com percepção de estilo de vida mais e menos saudável. Na função 2 verificam-se aspectos voltados para as relações com pares, diversão e atividade esportiva, o que contribui na diferenciação de gênero, uma vez que as meninas do grupo 3 apresentam características externalizantes similares às do grupo de meninos.
Nesse sentido, os resultados indicam que é necessária uma maior atenção à saúde das meninas adolescentes, especialmente por estas apresentarem sintomas menos identificáveis de mal estar psicológico, os quais são voltados para comportamentos e percepções mais negativas de si mesmas. Além disso, é preciso considerar que as meninas apresentam um perfil menos homogêneo que os meninos em termos de estilos de vida e saúde. Assim, as intervenções também precisam ser direcionadas às particularidades de cada grupo.
É importante ter cautela acerca dos resultados encontrados, uma vez que o presente estudo limita-se a adolescentes da região metropolitana de Porto Alegre, a qual tem características mais urbanas que rurais, acarretando, portanto, em aspectos de uma vida citadina. São jovens inseridos no sistema escolar, o que representa um importante fator de proteção. Nesse sentido, outros estudos são necessários para compreender as diferenças entre meninos e meninas em termos de estilos de vida promotores de saúde ou de risco, uma vez que o sexo apresentou-se como uma variável fundamental nos perfis encontrados.
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Endereço para contato
E-mail: sheila.gcamara@gmail.com
Recebido em julho de 2012
Aceito em outubro de 2012
Sheila Gonçalves Câmara – Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil). Professora do Departamento de Psicologia (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre).
Denise Rangel Ganzo de Castro Aerts – Médica. Doutora em Clínica Médica, área de concentração em Epidemiologia. Professora do Curso de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil).
Gehysa Guimarães Alves – Socióloga. Doutora em Educação. Professora do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil).
1 Apoio: CNPq.