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Estudos de Psicologia (Natal)

versão impressa ISSN 1413-294Xversão On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.26 no.4 Natal out./dez. 2021

https://doi.org/10.22491/1678-4669.20210041 

10.22491/1678-4669.20210041

ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DAS INTERAÇÕES ENTRE PESSOAS E DIVERSOS CONTEXTOS SOCIOAMBIENTAIS

 

Ambientes restauradores para universitários(as): uma revisão integrativa

 

Restorative environments for university students: an integrative review

 

Ambientes restauradores para estudiantes universitarios: una revisión integrativa

 

 

Letícia IglesiasI; Roberta Borghetti AlvesI; Júlia Roberta da SilvaI; Rafaela Rodrigues SondaI

IUniversidade do Vale do Itajaí

 

 


RESUMO

Esse artigo teve como objetivo analisar as produções científicas dos últimos cinco anos, voltadas aos ambientes restauradores em universidades. Foi definida a pergunta norteadora e realizada a seleção de artigos nas bases de dados. Foram encontrados 774 artigos, destes verificou-se os que atendiam aos critérios, assim, restaram 15 artigos. Após a análise crítica realizou-se a discussão com a literatura e a elaboração do fluxograma com demonstração das etapas. Houve a primazia de estudos internacionais e a prevalência do uso da união das teorias Psicoevolucionista e Restauração da Atenção. As principais características dos ambientes foram: árvores, arbustos, vegetação, flores, sons de pássaros e ausência de pessoas. Salienta-se como benefícios a promoção do bem-estar, o aumento da atenção e a diminuição do estresse. Tal pesquisa possibilitou identificar os aspectos físicos para a implantação de ambientes restauradores nas universidades.

Palavras-chave: ambientes restauradores; universidade; psicologia ambiental.


ABSTRACT

This article aimed to analyze the scientific productions of the last five years, focused on the restorative environments in universities. The guiding question was defined and the selection of articles in the databases was conducted. A total of 774 articles were found to verify which of those met the criteria; thus, 15 articles remained. After the critical analysis, a discussion with the literature was conducted, and a flowchart with a demonstration of the phases was elaborated. There was a primacy of international studies and a prevalence of the use of the Psychoevolutionary and Attention Restoration theories. The main characteristics of the environments were: trees, bushes, vegetation, flowers, bird sounds, and absence of people. The outstanding benefits were the promotion of well-being, increased attention, and decreased stress. This research made possible to identify the physical aspects for the implementation of restorative environments in universities.

Keywords: restorative environments; university; environmental psychology.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar las producciones científicas de los últimos cinco años, centradas en los ambientes restauradores en las universidades. Se definió la pregunta orientadora y se realizó la selección de artículos en las bases de datos. Fueron hallados 774 artículos, sobre los cuales se verificaron los que cumplían los critérios, quedando así 15 artículos. Después del análisis crítico, se llevó a cabo una discusión con la literatura y la preparación del flujograma con la demostración de etapas. Los estudios internacionales primaron y prevaleció el uso de la unión de las teorías Psicoevolucionistas y de Restauración de la Atención. Las principales características de los ambientes eran: árboles, arbustos, vegetación, flores, sonidos de pájaros y ausencia de personas. Se destacan como beneficios el fomento del bienestar, el aumento de la atención y la reducción del estrés. Esta investigación permitió identificar los aspectos físicos para la implementación de ambientes restauradores en las universidades.

Palabras clave: ambientes restauradores; universidad; psicología ambiental.


 

 

O sofrimento psíquico dos universitários é um tema cada vez mais abordado em pesquisas. Os índices evidenciam a prevalência de Transtornos Mentais Menores (TMM) de 8% a 23% em acadêmicos durante o período de vivência na graduação (Andrade et al., 2016). Segundo Leão, Gomes, Ferreira, e Cavalcanti, (2018) o índice de depressão nos acadêmicos dos cursos da saúde é de 28,6%. Outro estudo mostrou que 35,7% dos participantes, acadêmicos de Psicologia e Enfermagem apresentaram indicadores de Transtorno Mental Comum (TMC), sendo os principais sintomas apresentados: nervosismo, tensão, preocupação, tristeza, cansaço recorrente e dores no estômago (Ansolin, Rocha, Santos, & Dal Pozzo, 2015).

Tais sintomas estão relacionados com a quantidade de novas demandas sociais, ausência de fatores de proteção e rede de apoio (Pereira, Willhelm, Koller, & Almeida, 2018), assim como pela diversidade de avaliações, necessidade de reorganização e otimização do tempo. Frente a tal cenário torna-se importante a promoção da saúde mental no âmbito universitário para a construção de políticas públicas e tecnologias de cuidado (Bezerra & Sorpreso, 2016) para os acadêmicos. Partindo da perspectiva da promoção à saúde, a Psicologia Ambiental, área da Psicologia que analisa as relações entre o indivíduo e o ambiente, investiga o fenômeno ambientes restauradores (Cavalcante & Elali, 2017), os quais têm sido pensados como promotores para a saúde mental em ambientes variados, dentre eles os campi universitários.

Os estudos sobre ambientes restauradores procuram avaliar as sensações de bem-estar resultantes desse contato, bem como a maneira que o meio afeta o indivíduo nele inserido (Silveira, Felippe, & Schultz, 2019), assim como analisar quais características ambientais contribuem para a diminuição do estresse, da fadiga e proporcionam melhorias nos níveis de atenção (Gressler, 2014). No ambiente universitário pode haver espaços naturais que são restauradores, mas também espaços construídos com elementos naturais, os quais também promovem mudanças psicológicas e fisiológicas (Silveira et al., 2019), o que repercute na promoção do bem-estar acadêmico.

No que se refere aos ambientes restauradores, há duas teorias que o definem. A primeira atribuída a Roger Ulrich (1983; 1999), estuda os efeitos que alguns aspectos do ambiente físico ocasionam nos sistemas psicofisiológicos dos indivíduos diante do estado de estresse, já que o cotidiano, por exigir tomadas rápidas de decisões e constante atenção geram sobrecarga mental. Sendo assim, quando se está em um ambiente que exige menos desse esforço, uma sensação de relaxamento é provocada, propiciando a diminuição desse estresse.

A Teoria Psicoevolucionista de Roger Ulrich (1999) define como alguns aspectos ambientais possibilitam a recuperação dos recursos psicológicos modificados, durante uma situação de estresse. O estresse é parte inerente dos indivíduos, e os prepara para enfrentar o evento estressor. No entanto, o estresse pode ser disfuncional de modo a gerar sofrimento psíquico intenso e evitação. Assim, haverá características ambientais que poderão contribuir para a recuperação psicofisiológica do estresse a fim de poder gerar ação para o homem. Assim, o autor supracitado entende que os seres humanos biologicamente estão aptos para reagir voluntariamente e rapidamente em situações de contextos ambientais, os quais são favoráveis à restauração, sendo necessário ao cuidado da vida.

A segunda perspectiva, Rachel e Stephen Kaplan (1989) e S. Kaplan (1995), sofreu influência dos conceitos de atenção voluntária e involuntária de William James e as ideias do paisagista Frederick Law Olmsted, que acreditava nos benefícios dos ambientes naturais para a restauração da atenção (Berman, Jonide, & Kaplan, 2008). Nessa teoria estão inseridas quatro características relacionadas à relação pessoa-ambiente que devem ser consideradas para que um ambiente seja qualificado como restaurador.

A primeira volta-se ao afastamento, o qual constitui-se em um ambiente que possibilita distanciar-se de eventos e acontecimentos cotidianos, os quais possibilitam o restauro da atenção (Silveira et al., 2019). A segunda trata-se da fascinação, que diz respeito à circunstância que permite a atenção sem esforço do indivíduo, na qual haverão características que chamam de forma involuntária a atenção. A terceira trata-se da extensão sendo essa a percepção do sujeito ao entrar no ambiente, de que seja amplo e passivo de exploração, um espaço atrativo, que não seja entediante (Gressler & Gunther, 2013). E a última volta-se a Compatibilidade, sendo que nesta característica haverá elementos do ambiente que atendem e satisfazem a necessidade do indivíduo que interage com este lugar (Silveira et al., 2019).

Na teoria da restauração da atenção de R. Kaplan e Kaplan (1989) há dois tipos de atenção: a dirigida que é utilizada em algum exercício que não seja atrativo para o indivíduo, mas que por alguma razão é motivo de atenção. Dessa maneira, é um tipo de atenção que depende do interesse do sujeito, pois o objeto automaticamente não lhe traz interesse (voluntária). E a fascinação, que é uma categoria de atenção involuntária, assim como mencionado anteriormente, se dá sem que o indivíduo seja forçado a decidir sobre prestar atenção, e ocorre quando um instrumento, episódio ou cenário é satisfatório e interessante, então não há necessidade do esforço para manutenção do foco (S. Kaplan & Talbot, 1983).

Desse modo, a pesquisa se faz necessária para contribuir com a Psicologia Ambiental e identificar aspectos físicos e ambientais que contribuem para a promoção da saúde mental nos espaços de aprendizagem e implantação desses espaços nas instituições de ensino. A pesquisa ampara sua relevância tendo em vista as contribuições da revisão de Kuhnen e Silveira (2019), a qual enfatiza a importância de se considerar novas pesquisas que levem em conta as especificidades de cada ambiente a fim de promover um maior embasamento e despertar um maior fortalecimento acerca das discussões científicas voltadas ao tema. Com isso, a realização deste estudo contribuirá tanto para a produção científica do conhecimento quanto para possibilitar uma maior compreensão das características dos ambientes restauradores, assim como conhecer os benefícios que oferecem. Assim, a presente pesquisa teve como objetivo analisar as características dos ambientes restauradores e seus benefícios aos universitários, a partir das produções científicas dos últimos cinco anos.

 

Metodologia

Essa pesquisa trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que tem como objetivo sintetizar resultados de pesquisas anteriores relacionadas a um tema do estudo de forma sistemática e ordenada, além de fornecer informações amplas dos resultados voltados ao assunto (Ercole, Melo, & Alcoforado, 2014). As principais características de uma revisão integrativa são o rigor utilizado para conduzir as etapas do estudo, a definição de critérios que visem uma representatividade considerável da amostra usada, a garantia de fidedignidade dos resultados, assim como, a utilização de um instrumento que seja capaz de assegurar a extração da relevância dos dados e a diminuição de erros durante o processo. Contudo, é importante uma análise apurada dos resultados, a fim de desenvolver uma discussão entre os dados empíricos em comparação às teorias desenvolvidas, sendo necessária uma visão crítica do pesquisador. Por fim, deve-se apresentar de maneira clara e detalhada as informações pertinentes do estudo, baseando-se em metodologias devidamente contextualizadas (Souza, Silva, & Carvalho, 2010).

Procedimento para Seleção de Artigos

A presente revisão integrativa da literatura constituiu-se de seis etapas. A primeira buscou elucidar a seguinte questão de pesquisa: "Quais são as características dos ambientes restauradores e seus benefícios aos universitários a partir das produções científicas dos últimos cinco anos?"

Em agosto de 2020 realizou-se as buscas nas bases de dados. Primeiramente utilizou-se o Portal da Capes que dá acesso a bases diversas como: Pubmed, Scielo e Science Direct, além desta utilizou-se também o Lilacs e o Indexpsi. Todas as buscas foram de acordo com os critérios pré-estabelecidos: a) ser um estudo empírico; b) ter sido publicado nos últimos cinco anos (2015-2020); c) ter como público-alvo estudantes universitários, de modo a não ser obrigatório o estudo ser realizado dentro da universidade; d) ter como fenômeno da pesquisa ambientes restauradores, na perspectiva da Psicologia Ambiental; e) ser publicado no idioma espanhol, inglês ou português; f) estar disponível por completo no portal ou na base de dados.

Para esta busca utilizou-se os descritores em inglês e português, sendo estes: ambiente restaurador e universidade (restorative environment and universities); ambiente restaurador e estudante universitário (restorative environment and college students); ambiente restaurador e estudantes (restorative environment and students). Todos os termos foram buscados entre aspas e sem aspas. Foram encontrados no total 774 artigos, dos quais 678 não estavam relacionados ao tema dos ambientes restauradores na perspectiva da psicologia ambiental, pois voltavam-se em sua maior parte para a área da odontologia e gastronomia. Sendo assim, foram selecionados 96 artigos voltados à temática de ambientes restauradores em relação a estudantes.

Nas etapas seguintes buscou verificar se os artigos encontrados atendiam todos os critérios estabelecidos e se não havia artigos duplicados entre as bases de dados. Assim, foi realizada a análise crítica dos artigos tendo como foco o entendimento do ambiente restaurador, o método utilizado (participantes, instrumentos e análise), os principais resultados alcançados na pesquisa, bem como as principais características físicas dos ambientes que eram considerados restauradores. Por fim, foi realizada a discussão dos achados com a literatura existente e a elaboração de um fluxograma para demonstrar de forma mais clara o processo de seleção de artigos. Vale salientar que dos 15 artigos resultantes das etapas, 10 encontravam-se no portal Science Direct, desses, quatro constavam na Pubmed. Outras quatro pesquisas estavam concomitantes no Portal Scielo e Lilacs e 1 no Portal Capes (Figura 1).

 

 

Resultados

A partir da análise das pesquisas selecionadas, serão apresentados a seguir os modelos teóricos utilizados para embasar os estudos sobre ambientes restauradores, a metodologia utilizada nos estudos e os principais resultados relacionados às evidências e características de ambientes restauradores para o público universitário.

No que diz respeito aos modelos teóricos que descrevem os ambientes restauradores identificou-se 13 artigos que utilizam elementos das Teorias de R. Kaplan e Kaplan (1989) e Ulrich (1983), sendo que tais autores entendem que determinados ambientes estão associados a promoção de qualidade de vida e redução dos níveis de estresse e fadiga mental, assim proporcionam a restauração psicofisiológica e dos níveis de atenção (Albuquerque, Kuhnen, & Silva, 2016; Bogerd et al., 2020; Elsadek, Sun, Sugiyama, & Fuji, 2019; Liu et al., 2018; Memari, Pazhouhanfar, & Nourtaghani, 2017; Menatti, Subiza-Pérez, Villalpando-Flores, Vozmediano, & Juan, 2019; Olafsdottir, Cloke, & Vogele, 2017; Payne, Loi, & Thorsteinsson, 2020; Rivero & Schulmeyer, 2018; Sander-Regier, Acheson, Rai, & Chen, 2015; Vujcic & Tomicevic-Dubljevic, 2018; Wang, Rodiek, Wu, Chen, & Li, 2016; Zhao, Xu, & Ye, 2018). Outros dois estudos utilizaram somente a teoria de R. Kaplan e Kaplan (1989), os quais compreenderam que ambientes restauradores apresentam benefícios em relação a atenção e bem-estar (Ming Lu & Jingwam Fu, 2019; Stigsdotter, Corazon, Sidenius, Kristiansen, & Grahn, 2017).

Todavia, apesar das teorias citadas terem sido elaboradas separadamente, ambas contribuíram para a construção do conceito de ambientes restauradores, sendo que a proposta por Ulrich (Ulrich, 1983, 1984; Ulrich et al., 1991) está ligada a redução do estresse quando em contato com esses ambientes. Em contrapartida, a teoria apresentada por Rachel e Stephen Kaplan (R. Kaplan, 1983, 1984; R. Kaplan & Kaplan, 1989; S. Kaplan, 1987, 1995; S. Kaplan & Kaplan, 1982; S. Kaplan & Talbot, 1983) está relacionada à restauração da capacidade de atenção, com enfoque sobre o potencial restaurador da natureza.

 

Metodologias utilizadas

Ressalta-se que dentre as pesquisas selecionadas e analisadas nesta revisão, 14 eram internacionais, com idioma predominantemente em inglês, apenas um artigo estava no idioma espanhol e outro em língua portuguesa, o qual fora realizado em território brasileiro.

Dos 15 artigos selecionados, 12 seguiram um delineamento quantitativo, dois qualitativos e apenas um adotou uma abordagem mista. Em relação aos ambientes utilizados para a pesquisa, em oito estudos os participantes estiveram em contato com dois ambientes, um deles era natural dentro da universidade, composto por áreas de florestas e bosques, e outro em áreas urbanas com ruas, vias de concreto e edifícios. Outras cinco pesquisas eram voltadas à visualização de fotografias e imagens de ambientes naturais e urbanos exibidas aos participantes em salas de aula. Além disso, duas pesquisas foram realizadas em salas de aulas com características naturais distintas, uma delas em meio à vegetação aberta em contato direto com a natureza e outra com a presença de variadas espécies de plantas.

A respeito dos instrumentos utilizados nos estudos, pode-se citar testes, questionários e escalas para a avaliação dos construtos: restauração, atenção, saúde e bem-estar, humor, estresse e aspectos psicofisiológicos envolvidos e preferência ambiental. No que se refere ao fenômeno restauração, destaca-se o uso de diferentes versões da Restoration Scale (SRRS) elaborada por Han (2003), que tem como base a Teoria da Restauração da Atenção e visa avaliar as qualidades restauradoras do ambiente, a qual leva-se em conta a manifestação emocional, fisiológica, cognitiva e comportamental dos indivíduos (Memari et al., 2017; Rivero & Schulmeyer, 2018; Zhao et al., 2018). Salienta-se também o uso da Perceived Restorativeness Scale (PRS) que avalia a experiência do sujeito quanto às qualidades restauradoras do ambiente, a partir de quatro componentes: distância (distanciamento físico e psicológico), extensão, fascínio e compatibilidade (Stigsdotter et al., 2017; Wang et al., 2016). Também foi utilizada a adaptação espanhola da Restoration Outcome Scale (ROS-S) para mensurar as principais dimensões das experiências como o relaxamento, a calma e a restauração da atenção (Menatti et al., 2019) e a The Restorative State Scale (RSS) que visa capturar a experiência geral de conexão e experiências dos indivíduos nos ambientes de natureza e examinar as mudanças do estado restaurativo ao longo do tempo (Payne et al., 2020).

Em relação a atenção apresenta-se o uso do Digit Symbol Substitution Test (DSST) da Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS) (Bogerd et al., 2020) e o Digit Span Backwards (DSB) utilizados para avaliar o nível de atenção dos participantes durante a realização dos experimentos nas pesquisas, testes esses, que se utilizam da precisão da memorização de números (Wang et al., 2016). Além disso, também foi usado o Necker Cube Test para avaliação do desempenho da atenção (Olafsdottir et al., 2017).

Para as seguintes pesquisas foi importante compreender o estado de saúde dos participantes no momento da realização dos estudos, sendo usados instrumentos voltados à mensuração dos fenômenos relacionados às queixas de saúde, como o RAND-36 Health Survey que verifica a condição de saúde geral (Wang et al., 2016), o MM-Questionnaires que avaliam a manifestação de sintomas atribuídos pelos ambientes internos (Bogerd et al., 2020), a Visual Analogue Scale (EQ-VAS), e a Satisfaction With Life Scale (SWLS) que investigam o estado de saúde e a satisfação com a vida (Payne et al., 2020; Stigsdotter et al., 2017).

Sobre os instrumentos destinados a avaliar as alterações de humor durante a realização dos experimentos, vale destacar o uso do Perceived Mood States Questionnaire (Stigsdotter et al., 2017) e o State Trait Anxiety Inventory (STAI-S) (Wang et al., 2016). Além disso, o uso de testes voltados a avaliar as características do estresse como as subescalas de estresse, fadiga e vigor do Dutch Profile Mood States (POMS) (Bogerd et al., 2020; Stigsdotter et al., 2017), a Perceived Stress Scale (PSS) (Payne et al., 2020; Stigsdotter et al., 2017) e a Depression Anxiety Stress Scale (DASS21) (Vujcic & Tomicevic-Dubljevic, 2018) também foram usados, assim como o Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS) para mensurar a incidência do burnout acadêmico nos estudantes (Payne et al., 2020).

Durante a exposição dos participantes aos ambientes nos estudos citados, vale ressaltar o uso de técnicas que medem os aspectos psicofisiológicos, e que foram ao encontro da perspectiva de Ulrich (1983), o qual apresenta a alteração do estado psicofisiológico de estresse diante da exposição a determinados aspectos do ambiente físico. Diante disso, nesses estudos foram usados exames como a medição da pressão arterial (PA) e a variabilidade da frequência cardíaca (VFC) (Elsadeck et al., 2019; Olafsdottir et al., 2017; Stigsdotter et al., 2017) eletrocardiograma (ECG), Skin Conductance Response (SCR) (Utilizado para mensurar a condutância da pele,, maiores condutâncias indicam níveis mais elevados de estresse) (Wang et al., 2016), medição dos níveis de cortisol na saliva, Socially-evaluated Cold-pressor Test (SECPT) (Olafsdottir et al., 2017), teste do movimento dos olhos e o uso do Semantic differential questionnaire (questionário para avaliar também as respostas emocionais) (Elsadeck et al., 2019).

Em relação a preferência e avaliação ambientais, foram identificados técnicas e instrumentos destinados a mensurar tais dimensões como a adaptação da Environmental Assessment Scale (Bogerd et al., 2020) e os itens adaptados da Place Attachment and Identification Scale (Menatti et al., 2019). O uso de entrevistas semiestruturadas, questionários e outros instrumentos também se destacaram em relação a busca das características associadas à agradabilidade no ambiente e a preferência pelos aspectos que esses lugares possuíam (Albuquerque et al., 2016; Liu et al., 2018; Ming Lu & Jingwam Fu, 2019; Olafsdottir et al., 2017; Rivero & Schulmeyer, 2018; Sander-Regier et al., 2015; Vujcic & Tomicevic-Dubljevic, 2018).

 

Principais características dos ambientes restauradores

A maioria dos autores buscou verificar os efeitos dos ambientes restauradores em relação ao estresse e a atenção, porém havia diferentes objetivos em cada pesquisa. De modo geral, ressaltam-se três categorias de objetivos principais como: (1) identificar os efeitos restauradores ao assistir a uma aula em sala aberta ou com natureza interna, (2) verificar os efeitos restauradores em estudantes universitários depois de serem expostos a ambientes compostos com natureza ou realizar atividades nesses lugares, e por fim (3) mensurar e/ou comparar os efeitos restauradores após os participantes verem vídeos, slides ou fotos de ambientes naturais e urbanos.

Na primeira categoria dois estudos abordaram a sala de aula como ambiente restaurador. Em um deles a sala de aula não era tradicional, com paredes, quadros ou cadeiras, mas sim aberta, isto é, em lugar composto por fauna e flora dentro da própria universidade. Este lugar simulava uma floresta boreal e nela continha uma variedade de espécies de plantas e alguns animais (Sanger-Regier, 2015). A sala de aula com natureza interna continha espécies de plantas, além de paredes pintadas de verde (Bogerd et al., 2020). Ambos os estudos concluíram que os universitários que assistiram à aula nestas salas obtiveram diminuição do estresse e aumento da atenção e da sensação de bem-estar.

Na segunda categoria, foram identificadas quatro pesquisas, das quais duas buscaram reconhecer os elementos de preferência ambiental considerados restauradores para os universitários. Um dos estudos era nacional e foi realizado em dois campus, um localizado na região norte e outro na região sul do Brasil. Os resultados obtidos indicaram que os participantes do campus 1 consideraram mais restauradores e relataram ter maior sensação de bem-estar em locais com grama verde e com trilhas naturais dentro da própria universidade. No campus 2, a preferência se deu por um bosque que possuía árvores com sombras, gramado e bastante área verde como arbustos ao redor, o que segundo os participantes, proporciona sensação de bem-estar (Albuquerque et al., 2016). Na mesma perspectiva, houve um estudo que objetivou identificar fatores mais restauradores em relação a atenção, para os estudantes em oito universidades no nordeste da China e teve como conclusão a escolha de ambientes a beira mar, seguido dos lugares de vegetação, além de bosques com áreas verdes e arbustos (Ming Lu & Jingwan Fu, 2019).

Ainda na segunda categoria, dois estudos compararam os efeitos da realização de atividades como a caminhada nos ambientes naturais e urbanos. Ambos obtiveram efeitos em relação ao humor nos resultados dos testes aplicados, pois dos diferentes efeitos nesses contextos concluiu-se que o humor dos participantes apresentou uma melhora significativa quando inseridos no ambiente natural, sendo que este possuía características como: vistas panorâmicas de paisagens de vegetação, lago e floresta de pinheiro. Dessa forma, o ambiente florestal fora mais bem avaliado em relação a percepção da restauração que o ambiente urbano. No entanto, em um dos estudos os participantes não apresentaram diferenças significativas nas respostas fisiológicas (Stigsdotter et al., 2017), enquanto no outro, demonstrou redução do estresse fisiológico quando a caminhada era realizada em áreas verdes (Olafsdottir et al., 2017). Com este mesmo enfoque, outro estudo evidenciou o aumento dos níveis de atenção, diminuição dos níveis de estresse e maior sensação de bem-estar nos universitários quando expostos a ambientes com áreas verdes (Payne et al., 2020).

A exposição de ambientes por meios digitais, como vídeos, slides ou fotografias foi a terceira categoria. Estas apresentavam em suas imagens naturais ambientes que continham árvores, gramado, arbustos, vegetação (Elsadeck et al. 2019; Liu et al., 2018; Memari et al. 2017; Menattiet al. 2019; Olafsdottir et al., 2017; Rivero & Schulmeyer 2018; Vujcic & Tomicevic-Dubljevic 2018; Wang et al.2016; Zhao et al., 2018), flores (Elsadeck et al. 2019; Liu et al., 2018; Menattiet al. 2019; Wang et al.2016) som de pássaros, ausência de pessoas, alguns tipos de animais que as pessoas possam acariciar e alimentar (Memari et al., 2017), além de imagem ou som de água (Liu et al., 2018). Nas fotos de ambientes urbanos, eram retratados por dois cenários, um deles por meio de praças urbanas localizadas no centro da cidade, onde continham uma catedral (Menattiet al., 2019), coqueiros, e outras árvores (Menattiet al., 2019; Wang et al.,2016). O segundo cenário era composto por ambientes urbanos com edifícios, ruas e muitas pessoas ao redor (Wang et al., 2016). Constatou-se em todos os artigos que se propuseram a investigar as características de ambientes naturais, a presença de áreas verdes, compostas por árvores e arbustos que favorecem a sensação de bem-estar, calmaria, diminuição do nível de estresse e restauro da atenção (Elsadeck et al., 2019; Liu et al., 2018; Memari et al., 2017; Menattiet al., 2019; Rivero & Schulmeyer, 2018; Vujcic & Tomicevic-Dubljevic, 2018; Wang et al.,2016; Zhao et al., 2018).

Nas fotos de ambientes urbanos, os parques por possuírem características da natureza, apresentaram maior efeito restaurador (Menattiet al., 2019; Wang et al.,2016), enquanto os slides com edifícios, ruas repletas de pessoas, apresentaram efeito não restaurador em relação ao estresse (Wang et al., 2019).

 

Discussão

É importante salientar a prevalência de estudos internacionais presentes nessa revisão, sendo predominantemente artigos na língua inglesa, o qual é possível justificar este fator, devido ao fato do berço das teorias de R. Kaplan e Kaplan (1989) e Ulrich (1983) sobre ambientes restauradores terem sido elaboradas nos Estados Unidos da América.

Com base nos principais resultados encontrados nos estudos analisados nesta revisão, ressalta-se a primazia da utilização de ambas as teorias de R. Kaplan e Kaplan (1989) e S. Kaplan (1995) e Ulrich (1983). Doze estudos partiram da premissa da complementação das teorias, pois concluem que a natureza propicia tanto benefícios psicológicos quanto fisiológicos (Goulart & Gunther, 2018), já que os dois tipos possibilitam diminuição do estresse (Reifschneider, 2016). As teorias citadas se complementam, pois Ulrich (1983) prioriza os efeitos emocionais e fisiológicos e indica que ao proporcionar ao indivíduo ambientes em meio a natureza pode-se manter o estado de atenção não vigilante e assim é provocada a sensação de relaxamento, enquanto de R. Kaplan e Kaplan (1989) e S. Kaplan (1995) indicam que ao lidar com o estresse do cotidiano, as pessoas ficam com o nível de atenção sobrecarregado, o que causa fadiga. Sendo assim, ao vivenciar a sensação de relaxamento, a atenção pode ser restaurada (Hodecker, 2020). Dessa forma, para haver restauração da atenção é necessária a diminuição do nível de estresse, e para diminuição deste é necessário que a atenção não vigilante seja colocada em prática (Albuquerque et al., 2016).

Em relação a abordagem dos estudos, destaca-se a primazia de pesquisas predominantemente quantitativas, e a preferência dos pesquisadores para o uso de testes e instrumentos que permitem quantificar por meio de números as informações coletadas nas pesquisas. Ao comparar tais achados com a revisão de Kuhnen e Silveira (2019) identificou-se uma quantidade similar entre pesquisas quantitativas e qualitativas. No que diz respeito aos cursos de graduação em que os universitários frequentavam salienta-se a falta de especificação acerca deles, sendo que a maioria dos estudos não voltou a descrever de forma detalhada essas informações, e focaram em universitários de modo geral; no entanto, sabe-se que questões relacionadas ao sofrimento psíquico em estudantes da área da saúde como, por exemplo, dentre os cursos de medicina, é expressivamente maior que os da população em geral (Conceição et al., 2019). Nota-se não só uma necessidade de maior atenção a este público, mas a carência de estudos nacionais sobre os ambientes restauradores de ensino a fim de promover a saúde mental.

Sobre os instrumentos utilizados nas pesquisas, nota-se a prevalência de dois grandes grupos, dos quais estão voltados a mensurar os efeitos restauradores com base em ambas as teorias citadas. Os instrumentos destinados a mensurar atenção, restauração e sensação de bem-estar apresentaram-se com uma maior incidência na utilização de escalas para acessar tais dados, a qual ressalta-se o uso de testes que teve como foco mensurar os quatro componentes citados na teoria de R. Kaplan e Kaplan (1989): distância, extensão, fascínio e compatibilidade (Stigsdotter et al., 2017). Em contrapartida, o estudo de Kuhnen e Silveira (2019), salientou uma maior prevalência na utilização de entrevistas nas pesquisas encontradas em sua revisão. Pode-se considerar que ao se tratar de ambientes restauradores no meio acadêmico e com base nas pesquisas mais recentes na área o uso de testes padronizados tende a ser mais comum.

Destarte os tipos de técnicas aplicadas na realização dos experimentos salientam-se não só a exposição dos participantes aos ambientes restauradores, mas também a utilização de visualização de imagens e cenas de diversos ambientes, sendo que tais fotografias eram de alta resolução, captadas e escolhidas de antemão pelos pesquisadores e apresentadas aos participantes por meio de slides. A partir disso, é possível considerar, com base nas discussões de Higuchi e Kuhnen (2008) que tal técnica é bastante utilizada por ser produtiva nas pesquisas voltadas a psicologia ambiental, e possibilita através da visualização das fotos do mundo externo, o resgate de uma rede de imagens internas dos indivíduos, das quais possuem significados próprios, pois a cultura do participante e a relação com os aspectos sociais são alguns dos componentes que influenciam na restauração e proporcionam significados complexos e únicos para quem vê as imagens (Memari et al., 2017).

Observou-se nas pesquisas descritas que as características principais consideradas restauradoras foram atribuídas a elementos naturais de áreas verdes, como grama, árvores, arbustos, além de outras plantas, associadas ou não a sons naturais como de água ou pássaros, em concordância aos estudos de Mejia-Castillo, López-Suárez, Rodriguez, e Lagunes-Córdoba (2016) e van den berg, Joye, e Koole (2016), os quais afirmam que ambientes de áreas verdes são mais restauradores em relação a áreas urbanas, por possuírem características como a presença de árvores, arbustos, plantas diversas, espaços de natureza verde e vegetação (Elsadeck et al., 2019; Liu et al., 2018; Memari et al., 2017; Menattiet al., 2019; Olafsdottir et al., 2017; Vujcic & Tomicevic-Dubljevic, 2018; Rivero & Schulmeyer, 2018; Wang et al.,2016; Zhao et al., 2018).

Sobre os fatores considerados menos restauradores foram encontrados ambientes urbanos com prevalência de ruas e vias de concreto. Portanto, quando os espaços eram constituídos de forma mista, onde as estruturas de grandes parques urbanos se mesclavam com a presença de plantas com calçadas de concreto, apresentavam-se indícios da capacidade restaurativa, bem como Reifschneider (2016) cita em sua pesquisa, na qual determinados ambientes urbanos quando bem arquitetados e com características como linhas, curvas e presença de elementos naturais como a água, plantas e árvores, podem exercer efeito restaurador sobre a saúde mental; isso se dá pois elementos naturais são incluídos no ambiente (Menattiet al., 2019; Wang et al.,2016).

 

Considerações finais

A partir dos artigos revisados foi possível identificar as características físicas e os benefícios obtidos no contato com ambientes restauradores ao se tratar da saúde mental no contexto universitário, assim como tais resultados podem ser utilizados na implantação de ambientes restauradores em universidades. No que diz respeito aos efeitos desses ambientes, ressalta-se a restauração da atenção, a diminuição do estresse e a promoção do bem-estar, de forma a proporcionar efeitos como relaxamento e calmaria, além do sentimento de se "desconectar" do mundo externo.

Para serem implementados estes ambientes dentro das universidades, é necessária a utilização de alguns elementos, como a construção de espaços ao ar livre, com grama, espécies de plantas nativas, arbustos, árvores e flores, além de destinar uma área que possibilite ao estudante sentar-se próximo das áreas verdes e contemplar o que está em volta. No entanto, é importante pensar a respeito da construção de áreas com características naturais, de modo a se distanciar da utilização de cores cinzas ou espaços com utilização única de concreto. Além disso, torna-se oportuno que esses materiais resistam às condições variadas do clima, sendo uma opção viável móveis feitos com fibra natural.

Para implantar o ambiente em um lugar fechado recomenda-se o uso de ferramentas decorativas que podem auxiliar nessa criação, como a pintura das paredes em tons de verde e vasos de plantas espalhados nesse espaço. Também pode ser utilizada música ambiente com sons de águas ou do canto dos pássaros, assim como há a possibilidade do uso de fotografias ou recursos audiovisuais como a projeção de imagens com cenas de bosques, florestas e paisagens com lagos e cachoeiras, a fim de proporcionar aos alunos um ambiente restaurador por meio destes recursos que já demonstraram resultados restauradores concretos.

Por fim, é de suma importância salientar a escassez de estudos nacionais referentes a ambientes restauradores, pois, de todos os artigos presentes nesta revisão apenas uma pesquisa foi realizada no Brasil. Frente às limitações desta pesquisa destaca-se a coleta dos artigos serem voltados apenas aos últimos cinco anos e a restrição frente aos idiomas e as bases de dados. Salienta-se a necessidade de pesquisas em diferentes espaços, a fim de investigar a influência de fatores que vão além dos aspectos físicos dos ambientes, como, por exemplo, a perspectiva cultural e social.

 

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Recebido em 22.dez.20
Revisado em 23.dez.21
Aceito em 31.jan.22

 

 

Letícia Iglesias, Graduanda em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí - Itajaí/SC (UNIVALI), Pesquisadora Bolsista de Iniciação Científica através do programa UNIEDU. Email: letyciaiglesias@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1399-7017
Roberta Borghetti Alves, Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Docente do Curso de Psicologia e do Mestrado profissional de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí - Itajaí/SC (UNIVALI), é Docente do curso de Psicologia e do Programa de Mestrado Profissional em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí - Itajaí/SC (UNIVALI). Email: roberta_alves@univali.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1866-699X
Júlia Roberta da Silva, Graduada em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí - Itajaí/SC (UNIVALI). Email: juliarservato@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4115-2233
Rafaela Rodrigues Sonda, Graduada em Psicologia na Universidade do Vale do - Itajaí/SC (UNIVALI). Email: rafasonda@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2291-4498

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